Foto: Francisco Proner |
Depois de passar anos sob o fogo cerrado de toda a mídia corporativa do Brasil, a figura de Luís Inácio Lula da Silva reaparece como a estrela mais fulgurante do universo político do país.
Em contraposição ao esperado por seus patrocinadores, a imensa campanha de difamação despejada sobre Lula não foi capaz de extirpar do povo brasileiro o sentimento e as recordações positivas emanadas do período em que o país foi governado por aquele ex-torneiro mecânico, desprovido de título universitário e com um dedo a menos em suas mãos (por isso, ele era o “nine” para Deltan Dallagnol e os outros procuradores da Lava-Jato).
No entanto, em um dado momento, nossas elites econômicas (as elites do atraso, como diria Jessé Souza) concluíram que já não deveriam mais tolerar que o comando da nação estivesse em mãos de um ser tão desvinculado de seus padrões sociais e sem vínculos intrínsecos com seus interesses econômicos.
Porém, como não contavam em suas próprias hostes com nenhum aspirante em condições de atrair o voto das maiorias populares, essas elites e seus meios de comunicação se viram forçados a optar pela única figura que, naquele momento, era capaz de colher os frutos do ódio e da desesperança com a política que eles haviam semeado com tanta intensidade por quase uma década. Só isto pode explicar o fato de que Bolsonaro, provavelmente o político mais abjeto e desprezível de todo nosso baixo clero parlamentar, tenha sido por eles reformatado e reapresentado com um novo rótulo. Ou seja, em lugar do politiqueiro ligado ao que de pior havia no submundo da política, ele passou a ser tratado como um novato debutante que estava chegando para pôr fim à velha política e à corrupção. Ou seja, era a podridão sendo re-embalada e divulgada como exemplo de frescura.
Mas, como a leitura bíblica nos ajuda a entender, não se pode esperar que uma árvore podre dê frutos bons. Como consequência, o país está recebendo de Bolsonaro tão somente aquilo que Bolsonaro poderia proporcionar: ódio, miséria, destruição, sofrimento e morte. E, digamos, tudo em medidas colossais, visto que Bolsonaro não está para modéstias no tocante a essas coisas.
Agora, ao nos acercarmos às 400.000 mortes pelo descaso com a covid-19, o descalabro atingiu tais proporções que até inúmeros representantes de setores das próprias elites se deram conta de que não dá mais para deixar o barco seguir nas ondas do bolsonarismo. Eles também sentem que acabar com esta tragédia é não apenas preciso, como imperativo.
Ocorre entretanto que, uma vez mais, nossas elites do atraso não contam com ninguém de sua própria estirpe para assumir a contento a tarefa de livrar o país do monstro que nos está assolando. Por mais que o fato lhes desagrade, eles vão entendendo que ninguém além do já conhecido Luís Inácio Lula da Silva se perfila em condições de derrotar o flagelo do bolsonarismo e recolocar a nação no rumo da civilidade. É triste para eles, mas, até o momento, não puderam fabricar ninguém capaz de lhes dar esperanças de vitória. E olha que já testaram vários nomes.
Sendo assim, começaram a surgir no seio dessas elites elementos que, a despeito de sua profunda ojeriza a Lula e a tudo que ele representa, entenderam que seria melhor entregar os anéis para não perder os dedos. Essa gente percebeu que Lula é a única salvação até mesmo para as próprias elites, ou seja, até para aqueles que foram os responsáveis pelo crescimento do câncer que está corroendo as entranhas de nossa nação.
Em vista disto, poderíamos indagar: Lula deveria aceitar ou rejeitar os apoios provenientes dessa gente? Para mim, Lula deveria aceitar de bom grado toda e qualquer adesão a seu nome, venha de quem vier.
Sim, para aceitar adesões Lula deveria ser totalmente amplo e generoso. Não recusar ninguém. No entanto, Lula deveria estipular com clareza e firmeza um programa de transformações sociais profundas, um programa que atenda fundamentalmente os interesses das maiorias que estão sendo vítimas de todas as desgraças que lhes vêm sendo causadas desde o golpe de 2016. E a direção de sua campanha deveria ser entregue a gente que esteja plenamente comprometida com o programa.
Entre outras medidas necessárias, Lula deveria estipular claramente que é a favor de pôr fim à miserável limitação dos gastos públicos (teto de gastos); Lula deveria propor a volta do comando do Banco Central às mãos do governo e formular uma política de crédito favorável aos pequenos e médios produtores; Lula deveria deixar patente nosso empenho para a recuperação do pré-sal para a nação brasileira; Lula deveria encampar a luta pela recuperação dos direitos trabalhistas que foram eliminados depois do golpe de 2016; Lula deveria enfatizar a disposição de invalidar as agressões desfechadas contra nossa previdência social com as reformas dos golpistas de 2016; Lula deveria relançar o programa de habitação popular.
Estabelecendo abertamente seu programa de governo nessas bases e assegurando-se de que o comando vai estar sob a orientação de quem realmente se identifica com o mesmo, Lula poderia e deveria aceitar sem vacilação o apoio de todos os que queiram a ele se associar. Sem nenhum medo.
* Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.
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