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Um grande número de brasileiras e brasileiros ainda vê a Europa como um manso lago de tranquilidade em meio às convulsões mundiais.
É verdade que se há conflitos raciais, eles não são tão dramáticos como o dos Estados Unidos. Se há violência armada, ela não é tão comum como, de novo, a dos Estados Unidos. Se há tensões sociais, pobreza e desigualdades, não são tão gritantes como na América Latina e na África. Se há polarização política, ela não é tão grande como a que existe no Brasil, e assim por diante.
Mas o fato é que a temperatura das tensões e conflitos está subindo no continente europeu.
Em primeiro lugar, há a guerra entre a Ucrânia e a Rússia, e suas pesadas consequências na Europa. Mais uma vez a tensão ficou clara na semana passada, com a realização do encontro de ministros e outras autoridades de defesa na base aérea norte-americana de Ramstein, na Alemanha, perto da fronteira com a França. Mais uma vez houve uma pressão enorme para que a Alemanha envie os tanques Leopard-2 para o governo de Kiev, ou autorize que outros países europeus que os possuem os repassem para a Ucrânia. E mais uma vez o governo alemão contemporizou, não dizendo nem que sim nem que não. A temperatura subiu porque o governo polonês ameaçou enviar algumas das unidades que possui para Kiev, mesmo sem autorização de Berlim. Até o momento em que eu preparava este comentário o impasse continuava, bem como a perspectiva de que a guerra vai se prolongar a perder de vista.
E ainda que discretamente, estabeleceu-se uma nova corrida armamentista e uma retórica bélica na Europa. A Alemanha vai aplicar 100 bilhões de euros em novos equipamentos para suas Forças Armadas; a França, 400 bilhões. E muitas pessoas, que antes iam a manifestações pacifistas, hoje clamam que a guerra é a única solução para a Ucrânia.
Da guerra passemos a uma de suas consequências, embora ela não seja a única responsável: a inflação. Os preços continuam pressionando o continente. É verdade que a presidenta do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, reconheceu no Fórum Econômico de Davos, na Suíça, que a taxa média de inflação caiu um pouco neste começo de 2023, ficando em 9,2% anuais. Mas ela se distribui de modo muito desigual entre os países. Em 2022, a média europeia foi de 11,1%, variando de 6,7% na Espanha a 23,1% na Hungria, entre os países da União Europeia. Ampliando o espectro, se ela ficou entre 9 e 11% no Reino Unido, conforme o índice da medida, ela subiu a quase 85% na Turquia.
Além disto a inflação se distribui desigualmente entre as mercadorias e serviços. Por exemplo: em 2022, a Alemanha teve uma média de inflação de 11,3%. Mas o preço dos alimentos subiu em 20%, e o da energia, em mais de 40%, o que penaliza os mais pobres.
Falando em pobres, o índice de pobreza vem subindo no continente. As estatísticas da União Europeia dizem que 21,7% da sua população vive em situação de pobreza ou próxima dela, de 10,7% na República Tcheca a 34,4% na vizinha Romênia. Na Alemanha o índice de pobreza é um pouco menor do que a média da União Europeia, mas cresce o número de famílias que dependem do auxílio alimentação das cozinhas comunitárias, sobretudo nas cidades grandes, como Berlim.
Junto com a pobreza, crescem as tensões sociais. Em vários países os movimentos sindicais e grevistas vem crescendo sistematicamente. Um dos países mais afetados foi o Reino Unido. Uma categoria que há um século não fazia uma greve, a da saúde, já fez duas nos últimos meses. Na França, as centrais sindicais promoveram gigantescas manifestações contra a projetada reforma da previdência pelo governo de Emanuel Macron. Na Alemanha cresceram movimentos de paralisação na área portuária.
Instabilidade social é igual a instabilidade política. Em toda a Europa crescem movimentos e partidos de extrema-direita, considerados como “euro-céticos”. Estes conquistaram o governo na Itália e tornaram-se um núcleo decisivo de apoio ao governo de direita da Suécia, um país que era de forte tradição social-democrata. Marine Le Pen ameaçou seriamente a reeleição de Emanuel Macron na França, em 2022. O partido Vox, herdeiro do franquismo na Espanha, está consolidado em várias regiões da Espanha, igualmente o Chega, de extrema-direita, em Portugal. Além disto, a extrema-direita permanece firme nos governos da Polônia e da Hungria.
Para encerrar este levantamento algo inquietante, lembremos que a guerra de que falamos inicialmente despertou o risco de uma guerra nuclear no planeta. Embora no momento este risco permaneça mais retórico do que factual, ele saiu do baú onde cochilava e hoje paira sobre nossas cabeças durante o dia e faz a ronda em nossos pesadelos noturnos.
Tudo isto promete um 2023 bastante agitado.
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