Reproduzo artigo de Rodrigo Vianna, publicado no blog Escrevinhador:
Depois que as revoltas populares no Egito e na Tunísia conseguiram derrubar ditadores instalados no poder há décadas, parecia inevitável que o mesmo ocorresse na Líbia. Gaddafi está há 4 décadas no poder. Nos anos 70 e 80, era apontado como “terrorista”, e teve palácios bombardeados pelos EUA. Nos últimos anos, tinha virado “aliado” do Ocidente (claro, abriu o país para exploração do petróleo por empresas estrangeiras).
Mesmo assim, Europa e EUA enxergaram na revolta popular contra Gaddafi uma chance de tirar do poder um ditador instável e pouco confiável (para os interesses ocidentais). A imprensa ocidental passou a operar em uníssono: a queda de Gaddafi seria uma questão de tempo. O líder líbio ajudou a compor esse quadro de queda iminente, com declarações enlouquecidas – como a de afirmar que seus opositores tinham ingerido “pílulas alucinógenas” enviadas pelo Ocidente.
Quando a Telesur e a Al-Jazeera afirmaram que o quadro na Líbia era diferente de Egito e de Tunísia, porque Gaddafi tinha apoio popular, foram tratadas como emissoras “excêntricas”, pontos fora da curva.
Pois bem: Gaddafi virou o jogo. Conseguiu isso, segundo relatos da velha mídia pró-Ocidente, com base em ataques aéreos e massacres que não teriam poupado nem hospitais. Diante disso, há quem fale na necessidade de interferência armada da OTAN. Hum… Nesse caso, seria necessário intervir a cada ataque israelense contra civis em Gaza. Hum…
A oposição na Líbia agora está circunscrita a Benghazi (cidade a leste de Tripoli). As forças leais ao governo aproximam-se da cidade, e pode ocorrer um banho de sangue. Se OTAN e EUA intervierem agora, podem piorar as coisas: Gaddafi usaria a presença de tropas estrangeiras para acirrar os ânimos nacionalistas.
A questão aqui não é defender Gaddafi ou a oposição, mas deixar claro que a mídia ocidental deixou de ser confiável (isso desde a “parceria” com Bush, para justificar a invasão do Iraque por contas das “armas de destruição em massa” – jamais encontradas, evidentemente).
É o que mostra o ótimo texto de Laurindo Leal Filho.
*****
Notícias internacionais têm pauta única
Por Laurindo Leal Filho, na Carta Maior
Quando a revolta árabe chegou à Líbia, fornecedora de grande parte do petróleo consumido na Europa, a batalha da informação tornou-se mais acirrada. Notícias falsas começaram a circular pelas agências internacionais de notícias e por algumas redes de televisão. No Brasil foram reproduzidas sem crítica.
Duas delas:
1) O presidente Muhamar Kadaffi recebe asilo político da Venezuela e segue para Caracas.
2) Kadaffi negocia com rebeldes sua saída do pais. Quer levar a família e grande quantia em dinheiro.
Mentiras logo esquecidas. Quando o repórter da Telesur relatou, ao chegar a Trípoli, que a situação era de calma na cidade foi ridicularizado pela Folha de S.Paulo e por uma de suas articulistas, até com chamada de capa.
Aquela altura toda a corrente majoritária da mídia internacional, acompanhada pela brasileira, dava como certa uma rápida vitória dos rebeldes.
A Telesur mostrava que na Líbia a situação era diferente do que havia ocorrido na Tunísia ou no Egito. As manifestações de massa não tinham chegado ao centro do poder e poderia haver um equilíbrio maior entre os lados em conflito, o que acabou se confirmando.
A atuação da Telesur, ao lado da Al-Jazira e outras emissoras árabes, mostra a importância de uma diversidade maior no fluxo internacional de informações.
As agências de notícias tradicionais foram criadas como empreendimentos para a divulgação de informações financeiras em meados do século 19.
A Reuters, de 1851, esteve durante muito tempo a serviço da família Rothschild, interessada em informações rápidas e precisas sobre os mercados financeiro e mercantil da Europa.
Apoiadas pelos governos dos países onde tinham sede, essas agências nunca deixaram de ver o mundo segundo a ótica peculiar desses mesmos países.
Tanto é que a UNESCO, nos anos 1970/80, impulsionou o debate por uma Nova Ordem da Informação e da Comunicação interrompido com ascensão dos governos Reagan, nos EUA, e Thatcher, no Reino Unido.
Perceberam esses governantes que uma “nova ordem” informativa implicaria num enfraquecimento do projeto neoliberal, em fase inicial de implantação no mundo.
A sonhada circulação de notícias sul-sul, capaz de quebrar o fluxo informativo norte-sul, foi adiada. EUA e Reino Unido chegaram a cortar suas contribuições financeiras para a UNESCO como forma de pressioná-la a deixar de lado o debate sobre a comunicação.
E foi o que aconteceu. Os anos 1990 assistiram a um perfeito entrosamento entre a ordem econômica e a ordem informativa, alinhadas no projeto neoliberal.
Mantinha-se praticamente intacto o fluxo informativo internacional implantado no século 19 pelas três grandes agencias internacionais européias (Reuters, Wolff e Havas) e, associado no século 20, às estadunidenses AP e UPI.
A centralidade de poder era tão grande que notícias da Bolívia só chegavam ao Brasil depois de passar por Nova York, Paris ou Londres.
Se a UNESCO não conseguiu romper essa lógica, o surgimento de novas tecnologias da informação e a visão estratégica de alguns governos, como os da Venezuela e do Qatar, puseram em cheque a ordem estabelecida.
No Egito, relata Paulo Cabral, ex-correspondente da BBC Brasil no Cairo, as antenas parabólicas estão em quase todos os domicílios captando essencialmente emissoras árabes como a Al-Jazira.
Suas informações – ao longo de muito tempo – serviram de caldo de cultura para desencadear a revolta, ampliada a seguir pela redes na internet.
A Telesur, por sua vez, vem demonstrando a importância da existência de pautas alternativas às das grandes agências.
Como exemplos pode-se citar as cobertura do golpe de Estado contra o presidente Zelaya, em Honduras; as libertações de reféns pelas Farc na Colombia e mesmo as reuniões de chefes de Estado sulamericanos, tão maltratadas pela mídia tradicional.
Infelizmente, no entanto, imagens da Telesur e da Al-Jazira quase não chegam até nós. No caso da emissora latina é necessária a compra de um decodificador, ligado a uma antena direcionada para o satélite por onde trafegam os seus sinais televisivos.
Mas existem dois caminhos bem mais simples: sua inclusão no menu das operadoras de TV por assinatura e a utilização dos seus serviços pelas emissoras brasileiras nos telejornais, como o que é feito com CNN, Reuters e outras.
Isso só não ocorre porque as operadoras de canais fechados e as TVs abertas negam-se a veicular visões de mundo desalinhadas do pensamento único.
E mesmo emissoras públicas, com poucas exceções, preferem seguir a pauta diária estabelecida pelas grandes agências internacionais, curvando-se ao modelo em vigor no mundo desde 1835, quando Charles Havas fundou a primeira agência internacional de notícias na França.
Depois que as revoltas populares no Egito e na Tunísia conseguiram derrubar ditadores instalados no poder há décadas, parecia inevitável que o mesmo ocorresse na Líbia. Gaddafi está há 4 décadas no poder. Nos anos 70 e 80, era apontado como “terrorista”, e teve palácios bombardeados pelos EUA. Nos últimos anos, tinha virado “aliado” do Ocidente (claro, abriu o país para exploração do petróleo por empresas estrangeiras).
Mesmo assim, Europa e EUA enxergaram na revolta popular contra Gaddafi uma chance de tirar do poder um ditador instável e pouco confiável (para os interesses ocidentais). A imprensa ocidental passou a operar em uníssono: a queda de Gaddafi seria uma questão de tempo. O líder líbio ajudou a compor esse quadro de queda iminente, com declarações enlouquecidas – como a de afirmar que seus opositores tinham ingerido “pílulas alucinógenas” enviadas pelo Ocidente.
Quando a Telesur e a Al-Jazeera afirmaram que o quadro na Líbia era diferente de Egito e de Tunísia, porque Gaddafi tinha apoio popular, foram tratadas como emissoras “excêntricas”, pontos fora da curva.
Pois bem: Gaddafi virou o jogo. Conseguiu isso, segundo relatos da velha mídia pró-Ocidente, com base em ataques aéreos e massacres que não teriam poupado nem hospitais. Diante disso, há quem fale na necessidade de interferência armada da OTAN. Hum… Nesse caso, seria necessário intervir a cada ataque israelense contra civis em Gaza. Hum…
A oposição na Líbia agora está circunscrita a Benghazi (cidade a leste de Tripoli). As forças leais ao governo aproximam-se da cidade, e pode ocorrer um banho de sangue. Se OTAN e EUA intervierem agora, podem piorar as coisas: Gaddafi usaria a presença de tropas estrangeiras para acirrar os ânimos nacionalistas.
A questão aqui não é defender Gaddafi ou a oposição, mas deixar claro que a mídia ocidental deixou de ser confiável (isso desde a “parceria” com Bush, para justificar a invasão do Iraque por contas das “armas de destruição em massa” – jamais encontradas, evidentemente).
É o que mostra o ótimo texto de Laurindo Leal Filho.
*****
Notícias internacionais têm pauta única
Por Laurindo Leal Filho, na Carta Maior
Quando a revolta árabe chegou à Líbia, fornecedora de grande parte do petróleo consumido na Europa, a batalha da informação tornou-se mais acirrada. Notícias falsas começaram a circular pelas agências internacionais de notícias e por algumas redes de televisão. No Brasil foram reproduzidas sem crítica.
Duas delas:
1) O presidente Muhamar Kadaffi recebe asilo político da Venezuela e segue para Caracas.
2) Kadaffi negocia com rebeldes sua saída do pais. Quer levar a família e grande quantia em dinheiro.
Mentiras logo esquecidas. Quando o repórter da Telesur relatou, ao chegar a Trípoli, que a situação era de calma na cidade foi ridicularizado pela Folha de S.Paulo e por uma de suas articulistas, até com chamada de capa.
Aquela altura toda a corrente majoritária da mídia internacional, acompanhada pela brasileira, dava como certa uma rápida vitória dos rebeldes.
A Telesur mostrava que na Líbia a situação era diferente do que havia ocorrido na Tunísia ou no Egito. As manifestações de massa não tinham chegado ao centro do poder e poderia haver um equilíbrio maior entre os lados em conflito, o que acabou se confirmando.
A atuação da Telesur, ao lado da Al-Jazira e outras emissoras árabes, mostra a importância de uma diversidade maior no fluxo internacional de informações.
As agências de notícias tradicionais foram criadas como empreendimentos para a divulgação de informações financeiras em meados do século 19.
A Reuters, de 1851, esteve durante muito tempo a serviço da família Rothschild, interessada em informações rápidas e precisas sobre os mercados financeiro e mercantil da Europa.
Apoiadas pelos governos dos países onde tinham sede, essas agências nunca deixaram de ver o mundo segundo a ótica peculiar desses mesmos países.
Tanto é que a UNESCO, nos anos 1970/80, impulsionou o debate por uma Nova Ordem da Informação e da Comunicação interrompido com ascensão dos governos Reagan, nos EUA, e Thatcher, no Reino Unido.
Perceberam esses governantes que uma “nova ordem” informativa implicaria num enfraquecimento do projeto neoliberal, em fase inicial de implantação no mundo.
A sonhada circulação de notícias sul-sul, capaz de quebrar o fluxo informativo norte-sul, foi adiada. EUA e Reino Unido chegaram a cortar suas contribuições financeiras para a UNESCO como forma de pressioná-la a deixar de lado o debate sobre a comunicação.
E foi o que aconteceu. Os anos 1990 assistiram a um perfeito entrosamento entre a ordem econômica e a ordem informativa, alinhadas no projeto neoliberal.
Mantinha-se praticamente intacto o fluxo informativo internacional implantado no século 19 pelas três grandes agencias internacionais européias (Reuters, Wolff e Havas) e, associado no século 20, às estadunidenses AP e UPI.
A centralidade de poder era tão grande que notícias da Bolívia só chegavam ao Brasil depois de passar por Nova York, Paris ou Londres.
Se a UNESCO não conseguiu romper essa lógica, o surgimento de novas tecnologias da informação e a visão estratégica de alguns governos, como os da Venezuela e do Qatar, puseram em cheque a ordem estabelecida.
No Egito, relata Paulo Cabral, ex-correspondente da BBC Brasil no Cairo, as antenas parabólicas estão em quase todos os domicílios captando essencialmente emissoras árabes como a Al-Jazira.
Suas informações – ao longo de muito tempo – serviram de caldo de cultura para desencadear a revolta, ampliada a seguir pela redes na internet.
A Telesur, por sua vez, vem demonstrando a importância da existência de pautas alternativas às das grandes agências.
Como exemplos pode-se citar as cobertura do golpe de Estado contra o presidente Zelaya, em Honduras; as libertações de reféns pelas Farc na Colombia e mesmo as reuniões de chefes de Estado sulamericanos, tão maltratadas pela mídia tradicional.
Infelizmente, no entanto, imagens da Telesur e da Al-Jazira quase não chegam até nós. No caso da emissora latina é necessária a compra de um decodificador, ligado a uma antena direcionada para o satélite por onde trafegam os seus sinais televisivos.
Mas existem dois caminhos bem mais simples: sua inclusão no menu das operadoras de TV por assinatura e a utilização dos seus serviços pelas emissoras brasileiras nos telejornais, como o que é feito com CNN, Reuters e outras.
Isso só não ocorre porque as operadoras de canais fechados e as TVs abertas negam-se a veicular visões de mundo desalinhadas do pensamento único.
E mesmo emissoras públicas, com poucas exceções, preferem seguir a pauta diária estabelecida pelas grandes agências internacionais, curvando-se ao modelo em vigor no mundo desde 1835, quando Charles Havas fundou a primeira agência internacional de notícias na França.
3 comentários:
Bom texto. Entretanto, vem sempre o velho chavão de incluir Israel em tudo, como se a mesma mídia, tais como Reuters, BBC, France 2, AlJazira entre outras, não fossem pró-palestinas e inclusive ajudaasem no fabricar de coisas que ninguém sabe se é ou não verdade, como o fabuloso "Massacre de Jenin" ou o garoto Ad-Dura, além da falsa flotilha de paz, que sequer tinha comida, senão pouquísima coisa para quem vai ajudar.
Uma das piores coisas que pode ocorrer com quem pretende ser idôneo em informar sobre a mídia, é fazer o mesmo papel de fabricar a verdade, pois a realidade é feita ao sabor das vontades políticas e pessoais de cada um.
É triste, mas muitos parecem a Folha, só que ao revés, escolhendo fatos como verdades incontestáveis. De maniera que, torna-se uma crítica cíclica, que atinge ao próprio crítico.
Um abraço e parabéns, pois seu blogue é muito bom.
Luciano haLevi de Lopes
A chamada grande imprensa é canalha, está a serviço do imperialismo e sob controle do sionismo(racismo judáico). Felizmente surge blogs independentes e mídia alternativa nos bairros para se contrapor a essa mídia corrupta e corruptora.
www.amarchaverde.blogspot.com
"Surpresa" mesmo! Que aproveitem para estudar um pouco de história, inclusive dos EUA.
armando do prado
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