Por Altamiro Borges
Não dá para dizer que o governo Dilma Rousseff está inerte
diante dos efeitos da grave crise econômica mundial. Ele também não tem adotado
o clássico e destrutivo receituário neoliberal, com privatizações, demissões no
setor público e contrarreformas regressivas. Mesmo assim, as medidas adotadas
até agora pela equipe econômica não conseguiram reverter a tendência de queda
do crescimento do país. O próprio governo já admite que o PIB deverá crescer
apenas 2% neste ano – uma taxa bastante tímida.
Recuo de 4,3% na produção industrial
No início do ano, o ministro Guido Mantega chegou a projetar
um crescimento de 4%, após o baque do “pibinho” de 2,7% no ano anterior. Logo
depois, a meta foi rebaixada para 3,5% e 2,5%. Agora já se fala, nos
bastidores, num crescimento de 2% ou menos. Os dados recentes da indústria parecem
confirmar a baixa expectativa. A produção industrial recuou 4,3% em maio, na
comparação com o mesmo mês de 2011. A presidenta Dilma ainda garante que “vamos
virar esse jogo”, mas os sinais não são animadores.
Num debate ontem em São Paulo, o próprio Guido Mantega advertiu
que “essa crise parece menos intensa do que a de 2008 [que fez o PIB brasileiro
encolher 0,3% no ano seguinte], mas não é... Agora é uma crise que começa
lentamente e vai se agravando e criando os mesmos efeitos deletérios daquele
momento. Hoje já temos efeitos semelhantes aos de 2008”. A persistência da
crise nos EUA, o seu agravamento na Europa e a recente retração na China e na Índia
confirmam o seu diagnóstico pessimista.
As receitas dos banqueiros e industriais
Diante deste cenário preocupante, cada classe social apresenta
as suas propostas para o enfrentamento da crise. A alta burguesia, representada
principalmente pelos banqueiros, prega o retorno do receituário neoliberal. Para
Ilan Goldfajn, economista-chefe do Banco Itaú-Unibanco, “a alta carga
tributária, a falta de infraestrutura e a elevação substancial do custo da mão
de obra tem reduzido a competitividade” do país. Ou seja: ele prega menos
impostos para os ricaços e mais arrocho sobre os trabalhadores!
Já a burguesia industrial critica as altas taxas de juros, no
que se diferencia da oligarquia financeira. Mas, ao mesmo tempo, ela também tenta
repassar parte do ônus da crise para o lombo dos assalariados. Daí a sua
insistência nas reformas trabalhista – “que desonere o capital produtivo” – e previdenciária
– “que reduza os gastos públicos”. A participação da indústria no PIB diminui
há décadas. Caiu de 17,2%, em 2000, para 15% em 2011. Para os gulosos patrões, as leis
trabalhistas seriam responsáveis por essa retração.
Mudança de rumo do governo
No caso do governo federal, um típico condomínio de classes,
o debate sobre o enfrentamento da crise é bem mais contraditório e complexo.
Num primeiro momento, a presidenta Dilma Rousseff reforçou a ortodoxia
neoliberal na política macroeconômica, elevando as taxas de juros e reduzindo
drasticamente os investimentos públicos. Diante do agravamento da crise internacional,
o governo mudou de rota a partir de meados do ano passado. Várias medidas heterodoxas
foram adotadas no período recente.
Desde agosto, o Banco Central reduziu a taxa básica de juros
(Selic) de 12,5% para 8,5% ao ano, o que torna o crédito mais barato para os
consumidores e também para novos investimentos e serve para reanimar o mercado
interno. Já há quem especule que o BC deverá reduzir ainda mais os juros, que
poderão encerrar o ano a 7%. A reunião do Comitê de Política Monetária (Copom),
na próxima semana, confirmará se estas previsões são corretas, o que
representaria uma nova derrota do capital especulativo.
O embate com o capital financeiro
Outra atitude positiva no enfrentamento da crise foi adotada
pelos dois bancos públicos (BB e CEF), que reduziram suas taxas de juros,
forçando os bancos privados a adotarem a mesma linha, temendo o desgaste e a perda
de clientes. Além disso, o governo passou a administrar mais diretamente a taxa
de câmbio, evitando uma sobrevalorização artificial do real – o que dificultaria
ainda mais as exportações e escancararia as importações, com maiores prejuízos para
a produção e o emprego no país.
Todas estas medidas, porém, não têm conseguido barrar os
efeitos da crise mundial. Elas são positivas, mas ainda revelam a falta de ousadia
do governo Dilma na política macroeconômica – para não falar na ausência
completa das reformas estruturais no Brasil. O corte dos juros, segundo vários
analistas, poderia ser ainda mais acelerado. As medidas cambiais deveriam ser
mais duras para proteger a produção nacional. E o Palácio do Planalto
precisaria enfrentar com urgência o tema tabu do superávit primário.
A maldição do superávit primário
Esta criminosa reserva de caixa dos banqueiros, fantasiada
com o nome pomposo de superávit primário, inibe os investimentos públicos no Brasil.
Como apontou o estudo divulgado nesta semana pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea), o enfrentamento da crise mundial não produzirá
efeitos mais consistentes apenas com as justas e pontuais medidas de estímulo
ao consumo interno. A retomada da economia depende de pesados investimentos em
infraestrutura e na indústria de bens de capital.
Mas o governo resiste em mexer nesta “maldição”. Segundo
Roberto Messenberg, coordenador do Grupo de Análise e Previsões (GAP) do Ipea,
todos os estudos econômicos confirmam que em momentos de grave crise o
investimento público torna-se uma espécie de “tábua de salvação da economia...
Mas começamos a entrar em uma política, que eu realmente não entendo, que é de
privilegiar os superávits primários feitos em cima dos cortes do investimentos”.
"Não adianta tapar o sol com peneira"
O estudo do Ipea mostra que nos primeiros cinco meses deste
ano houve desaceleração nos investimentos públicos no país. Eles somaram R$ 8,5 bilhões,
inferior aos R$ 8,8 bilhões em igual período de 2011. Como decorrência
imediata, o investimento na produção de máquinas e equipamentos caiu 12% em
relação ao mesmo período do ano passado. Para Messenberg, enquanto o governo
não enfrentar este gargalo o crescimento da economia será “medíocre e não adianta
tapar o sol com peneira”.
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