Por Gustavo Alves, em seu blog:
Por muitos anos, acompanhei o debate sobre a necessidade de democratizarmos a comunicação, sobre o papel deletério que os monopólios familiares tem nesta área, e principalmente quais os valores e práticas fundamentais para construirmos uma comunicação plural e democrática.
Tudo muito bem embasado, na experiência dentro dos veículos da grande mídia, e nos extensos seminários acadêmicos da área.
Pois bem, desde o ano passado passei da teoria à prática. Saí de Brasília, onde atuava como assessor de imprensa no Congresso, para a redação da Fundação Piratini em Porto Alegre-RS.
E pude verificar que estes debates ainda são muito incipientes para a construção de uma proposta concreta e factível de comunicação pública.
A Fundação Piratini é uma das melhores experiências de comunicação pública do país. Consolidadas há muitos anos, a TVE-RS e a FM Cultura são reconhecidas pela capacidade técnica e pela heróica resistência de seus funcionários ao enfrentar inúmeros governos determinados a extingui-las.
Pois bem, apesar deste histórico positivo, ainda existem muitas dúvidas, problemas e lacunas.
No tocante às dúvidas, ainda são nebulosas e difusas as fronteiras entre o interesse público, as ações de governos, e mesmo as motivações ideológicas.
Num terreno onde a palavra e a construção do texto levam o entendimento do ouvinte/leitor para um lado ou outro, estas dúvidas são graves e nevrálgicas.
Por muitos anos, a comunicação pública foi confundida com a comunicação de governos. As diferenças entre um e outro começaram a se delinear a partir do governo Lula, com a criação da EBC.
Este momento, permitiu pela primeira vez que as emissoras públicas pudessem visualizar a perspectiva de veicular conteúdos independentes das predileções dos governos do momento.
Evidente que isso, ainda é desejo e objetivo a ser alcançado em alguns veículos. Mas em outros, como a própria EBC, esta ações tomam forma.
Mas a formação de nossos jovens jornalistas, que impressionantemente saem moldados a uma percepção extremamente conservadora de nossas escolas, torna isso ainda mais complexo.
Aliás, este aspecto merece um artigo por si só. Muito se reclama do desjornalismo praticado pela Veja e assemelhados. Mas existem milhares de pequenas "vejas" espalhadas por todo o país. A quantidade de jovens dispostos a desmascarar a "ditadura petista" é assombrosa. Fruto das nossas escolas de jornalismo.
Voltemos às dúvidas.
Como produzir material, sem servir de escada ou suporte à interesses econômicos e políticos escusos?
A prática nos induz a focar apenas nos fatos. Parece óbvio mas não é. Dois terços das pautas de hoje são ancoradas nos releases, e o terço restante na apuração que os grandes veículos fazem.
A prática nos induz a focar apenas nos fatos. Parece óbvio mas não é. Dois terços das pautas de hoje são ancoradas nos releases, e o terço restante na apuração que os grandes veículos fazem.
Tanto uns quanto os outros são eivados de interesses.
Para superar esta imensa barreira, nos deparamos com os problemas estruturais que os veículos públicos enfrentam. O primeiro e mais evidente é o material. Faltam equipes, faltam equipamentos, falta estrutura de edição. Vi o investimento massivo que a Fundação Piratini fez em dois anos, para recuperar as duas emissoras. Mas mesmo assim, após dois anos, só foi possível recuperar o estrago que as gestões anteriores fizeram.
Isto não é pouco. Para que você, caro leitor tenha ideia, os aparelhos de ar condicionado essenciais para os equipamentos, ficaram quebrados por 6 anos. Isso mesmo, 6 anos.
Mesas de áudio e equipamentos caros estavam embalados para irem para o lixo. Estúdios haviam sido transformados em depósitos.
Uma limpeza dos entulhos depositados no forro de um dos prédios precisou de dezenas de caminhões para levar o lixo acumulado.
Mas este eterno recomeço tem um preço. Como competir com a grande mídia, se temos que restabelecer o mínimo.
E por fim, temos lacunas que nunca foram debatidas nos foros de debate sobre a comunicação.
Como integrar a comunicação pública à nova realidade trazida pela internet? Como avançar em direção a uma comunicação dialógica, transversal, democrática sem pensarmos a integração com as redes sociais. Elas podem ser suporte, feedback, promoção, fonte e veículo.
Na minha experiência, ficou claro que não há comunicação pública de fato, sem esta integração. E podemos ir além, pois as redes influenciam de fato e cotidianamente o jornalismo, e vice-versa. Mas como trazer esta relação para a produção cultural, na divulgação de novas manifestações artísticas.
Como inserir a prática do debate na construção de conteúdos, e ao mesmo tempo incluir conteúdo nos debates.
Estas lacunas estão sendo alvo de encontros como o Conexões Globais, que reúne a militância da cultura e da blogosfera. Mas ainda estamos distantes de enlaçar estas questões com a comunicação.
O empoderamento dos ouvintes/telespectadores/leitores conjugado com a apropriação dos conteúdos produzidos pela comunicação pública também são temas pouco claros.
Por fim, ainda temos um longo caminho a percorrer. A boa notícia é que estamos percorrendo-o.
Me valendo das palavras do poeta sevilhano Antònio Machado:
"caminhante, não há caminho,
faz-se caminho ao andar.
Ao andar faz-se o caminho,
e ao olhar-se para trás
vê-se a senda que jamais
se há-de voltar a pisar."
Me valendo das palavras do poeta sevilhano Antònio Machado:
"caminhante, não há caminho,
faz-se caminho ao andar.
Ao andar faz-se o caminho,
e ao olhar-se para trás
vê-se a senda que jamais
se há-de voltar a pisar."
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