Por Breno Altman, no sítio Opera Mundi:
A saraivada de artigos e editoriais contra Marco Aurélio Garcia, assessor internacional da Presidência da República, tem sua razão de ser. Não foi pouca a pressão, sobre o governo brasileiro, para que capitulasse diante de uma linha intervencionista e crítica ao governo constitucional de Nicolás Maduro, na Venezuela. Mas o Palácio do Planalto manteve-se firme e o Brasil deu seu voto, na OEA (Organização dos Estados Americanos), junto com outras 28 nações, para derrotar a moção sustentada apenas por Estados Unidos, Canadá e Panamá.
Muito dessa postura se deve a Marco Aurélio Garcia. Correntes conservadoras, incluindo aquelas que ainda dão as cartas em algumas salas do Itamaraty, gostariam de ver a presidente romper com a política internacional inaugurada por Lula e retornar à diplomacia dependente, que girava na órbita da Casa Branca. A voz mais íntegra, preparada e sólida contra essa alternativa sempre foi a do professor, como lhe chamam amigos e até alguns desafetos.
Não é surpresa para ninguém, portanto, que sobre seu lombo venha o chicote da velha mídia, comprometida visceralmente com a derrubada do governo Maduro. Marco Aurélio Garcia, além do mais, criticou abertamente a campanha de desinformação e manipulação levada a cabo por veículos tradicionais das grandes famílias burguesas do continente, envolvidos até o talo na guerra psicológica para desestabilizar, nacional e internacionalmente, o processo bolivariano.
Talvez a mensagem brasileira fosse ainda mais competente e altiva se a chancelaria estivesse sob o comando do histórico quadro petista. Mesmo sem ocupar o posto, a verdade é que Marco Aurélio funciona como lugar-tenente da presidente Dilma, na defesa dos interesses brasileiros e progressistas, quando potências ocidentais, particularmente os Estados Unidos, tentam reduzir o país a um apêndice de sua diplomacia. A imprensa dos monopólios, ao contrário, opera como quartel-general da estratégia de subalternidade.
A política internacional do país, ainda que marcada por contradições e freios, mudou a inserção do Brasil no mundo. Não apenas porque passou a ter papel relevante na luta para esvaziar a hegemonia norte-americana, imperialista e antidemocrática por natureza, mas também pela razão de ter criado novos espaços para o desenvolvimento econômico, através de múltiplos mecanismos que já não são lastrados pelo aval de Washington.
A trajetória é muito positiva. Primeiro, o projeto da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) foi soterrado, afastando ameaças maiores, de inspiração neocolonial, cujo objetivo era a integração subordinada da economia brasileira e das demais nações da região à batuta norte-americana. Depois, seguiu-se o relançamento do Mercosul, a criação da Unasul e da Celac, o desenvolvimento das relações sul-sul, o aprofundamento da interlocução com a África, a parceria entre os BRICs.
Fortaleceram-se novos blocos políticos e econômicos, particularmente na América do Sul. O subcontinente, apesar das dificuldades, vai desbravando caminho autônomo, que progressivamente lhe permite atuar nas grandes disputas geopolíticas e comerciais, e fora do esquadro que o designava como quintal da Casa Branca.
Nesta perspectiva, o ataque ao governo Maduro, no qual forças oposicionistas locais se combinam com o apoio estrangeiro, repetindo a lógica golpista de 2002, não diz respeito apenas aos venezuelanos. A interrupção da revolução bolivariana seria capítulo decisivo na narrativa de restauração da ordem continental anterior.
Este era o tema que estava em disputa na última reunião da OEA. Os Estados Unidos tentaram aprovar resolução que lhes permitisse, sob o manto de uma comissão de investigação, interferir oficialmente na situação venezuelana. A proposta foi rechaçada por esmagadora maioria, remetendo o assunto para arbítrio exclusivo da Unasul, na qual os norte-americanos não têm assento. Foi um momento histórico, que provocou a fúria conservadora.
Caso o Brasil tivesse se portado de maneira distinta, outro poderia ser o resultado. Esse era o desejo de círculos direitistas, que agora reverberam sua frustração através da crítica insolente a Marco Aurélio Garcia.
Não estava em jogo, afinal, a democracia venezuelana, muito bem defendida por suas próprias instituições. Os fatos falam por si. Qual outro país do planeta teve 19 contendas eleitorais em 15 anos, nas quais a esquerda sagrou-se vitoriosa em 18? Qual outra nação convive com uma imprensa privada que apoia abertamente levantes anticonstitucionais? Qual outro Estado assegura liberdade partidária tão plena que inclui agremiações dispostas a convocar ações violentas contra um governo legítimo? Basta imaginar qual seria o comportamento da Casa Branca se tais práticas ocorressem em seu território.
A votação da OEA decidiu, portanto, se a América Latina se dobraria novamente ou não ao Ministério de Colônias do governo norte-americano, como já se referiu Fidel Castro acerca da entidade agonizante. A resposta foi uma rotunda negativa, à qual se somaram até mesmo governos conservadores como os da Colômbia e Chile. O Brasil, na ocasião, fez o que lhe cabia, ajudando a defenestrar o fantasma da submissão.
* Breno Altman é diretor editorial do site Opera Mundi e da Revista Samuel
A saraivada de artigos e editoriais contra Marco Aurélio Garcia, assessor internacional da Presidência da República, tem sua razão de ser. Não foi pouca a pressão, sobre o governo brasileiro, para que capitulasse diante de uma linha intervencionista e crítica ao governo constitucional de Nicolás Maduro, na Venezuela. Mas o Palácio do Planalto manteve-se firme e o Brasil deu seu voto, na OEA (Organização dos Estados Americanos), junto com outras 28 nações, para derrotar a moção sustentada apenas por Estados Unidos, Canadá e Panamá.
Muito dessa postura se deve a Marco Aurélio Garcia. Correntes conservadoras, incluindo aquelas que ainda dão as cartas em algumas salas do Itamaraty, gostariam de ver a presidente romper com a política internacional inaugurada por Lula e retornar à diplomacia dependente, que girava na órbita da Casa Branca. A voz mais íntegra, preparada e sólida contra essa alternativa sempre foi a do professor, como lhe chamam amigos e até alguns desafetos.
Não é surpresa para ninguém, portanto, que sobre seu lombo venha o chicote da velha mídia, comprometida visceralmente com a derrubada do governo Maduro. Marco Aurélio Garcia, além do mais, criticou abertamente a campanha de desinformação e manipulação levada a cabo por veículos tradicionais das grandes famílias burguesas do continente, envolvidos até o talo na guerra psicológica para desestabilizar, nacional e internacionalmente, o processo bolivariano.
Talvez a mensagem brasileira fosse ainda mais competente e altiva se a chancelaria estivesse sob o comando do histórico quadro petista. Mesmo sem ocupar o posto, a verdade é que Marco Aurélio funciona como lugar-tenente da presidente Dilma, na defesa dos interesses brasileiros e progressistas, quando potências ocidentais, particularmente os Estados Unidos, tentam reduzir o país a um apêndice de sua diplomacia. A imprensa dos monopólios, ao contrário, opera como quartel-general da estratégia de subalternidade.
A política internacional do país, ainda que marcada por contradições e freios, mudou a inserção do Brasil no mundo. Não apenas porque passou a ter papel relevante na luta para esvaziar a hegemonia norte-americana, imperialista e antidemocrática por natureza, mas também pela razão de ter criado novos espaços para o desenvolvimento econômico, através de múltiplos mecanismos que já não são lastrados pelo aval de Washington.
A trajetória é muito positiva. Primeiro, o projeto da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) foi soterrado, afastando ameaças maiores, de inspiração neocolonial, cujo objetivo era a integração subordinada da economia brasileira e das demais nações da região à batuta norte-americana. Depois, seguiu-se o relançamento do Mercosul, a criação da Unasul e da Celac, o desenvolvimento das relações sul-sul, o aprofundamento da interlocução com a África, a parceria entre os BRICs.
Fortaleceram-se novos blocos políticos e econômicos, particularmente na América do Sul. O subcontinente, apesar das dificuldades, vai desbravando caminho autônomo, que progressivamente lhe permite atuar nas grandes disputas geopolíticas e comerciais, e fora do esquadro que o designava como quintal da Casa Branca.
Nesta perspectiva, o ataque ao governo Maduro, no qual forças oposicionistas locais se combinam com o apoio estrangeiro, repetindo a lógica golpista de 2002, não diz respeito apenas aos venezuelanos. A interrupção da revolução bolivariana seria capítulo decisivo na narrativa de restauração da ordem continental anterior.
Este era o tema que estava em disputa na última reunião da OEA. Os Estados Unidos tentaram aprovar resolução que lhes permitisse, sob o manto de uma comissão de investigação, interferir oficialmente na situação venezuelana. A proposta foi rechaçada por esmagadora maioria, remetendo o assunto para arbítrio exclusivo da Unasul, na qual os norte-americanos não têm assento. Foi um momento histórico, que provocou a fúria conservadora.
Caso o Brasil tivesse se portado de maneira distinta, outro poderia ser o resultado. Esse era o desejo de círculos direitistas, que agora reverberam sua frustração através da crítica insolente a Marco Aurélio Garcia.
Não estava em jogo, afinal, a democracia venezuelana, muito bem defendida por suas próprias instituições. Os fatos falam por si. Qual outro país do planeta teve 19 contendas eleitorais em 15 anos, nas quais a esquerda sagrou-se vitoriosa em 18? Qual outra nação convive com uma imprensa privada que apoia abertamente levantes anticonstitucionais? Qual outro Estado assegura liberdade partidária tão plena que inclui agremiações dispostas a convocar ações violentas contra um governo legítimo? Basta imaginar qual seria o comportamento da Casa Branca se tais práticas ocorressem em seu território.
A votação da OEA decidiu, portanto, se a América Latina se dobraria novamente ou não ao Ministério de Colônias do governo norte-americano, como já se referiu Fidel Castro acerca da entidade agonizante. A resposta foi uma rotunda negativa, à qual se somaram até mesmo governos conservadores como os da Colômbia e Chile. O Brasil, na ocasião, fez o que lhe cabia, ajudando a defenestrar o fantasma da submissão.
* Breno Altman é diretor editorial do site Opera Mundi e da Revista Samuel
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