quarta-feira, 26 de março de 2014

Internet e os direitos humanos

http://pigimprensagolpista.blogspot.com.br/
Por Paulo Henrique Amorim, no blog Conversa Afiada:

A Câmara aprovou ontem, depois de cinco anos de batalha legislativa, o Marco Civil da Internet.

O projeto trancava a pauta do Congresso Nacional desde novembro do ano passado.

Paulo Henrique Amorim entrevistou o grande vencedor, o relator do projeto, deputado Alessandro Molon (PT-Rio).

Leia a integra da entrevista, que esta disponível também em áudio.

Como o Marco Civil garante a chamada neutralidade da rede, o ponto capital da lei?
A neutralidade da rede, que está assegurada no Marco Civil da Internet prevê que todos os pacotes de dados que circulam pela internet sejam tratados da mesma forma, com isonomia, sem que qualquer um deles seja prejudicado ou beneficiado por sua origem; conteúdo; tipo de serviço ou aplicação.

Isso, na prática, quer dizer o seguinte: o nosso provedor de conexão não pode acelerar ou retardar nosso acesso a determinados sites em função de acordos comerciais praticado entre eles, ou de suas preferências políticas, ideológicas, religiosas ou o que for.

Isso garante que a gente vai poder continuar a escolher os sites que queremos acessar, lendo as notícias onde a gente quer ler, sem que haja nenhum tipo de beneficio, privilégio ou de prejuízo na rede.

E também isso impede que existam cobranças em função do tipo de conteúdo acessado – que é uma coisa que já começa a acontecer no mundo.

O sujeito tem acesso à internet, paga 100 reais para ter 10 Mega, 8 Mega, 6 Mega… ai, provedor de conexão diz que aqueles 6 Mega só podem ser usados para acessar e-mail.

Mas, a pessoa diz: ”não, mas eu também quero ver vídeo no You Tube”

Ai, você tem que pagar mais R$ 50 pra baixar música, paga mais R$ 50 para usar o Skype, mais R$ 100…

A internet fica caríssima, e a exclusão digital fica ainda maior do que é.

Nós continuaremos a ter velocidades diferentes que poderão ser contratadas.

Eu vou poder continuar a escolher se eu quero o pacote de 2 Mega de velocidade, ou 10, ou 20.

Mas dentro dos 10 Megas que eu comprei, tudo tem que ser tratado da mesma forma. Qualquer site em que eu quiser entrar, se eu quiser baixar música, se eu quiser abrir vídeo, se eu quiser usar o Skype, não pode haver mudança de velocidade no pacote que eu comprei em função de origem, função ou tipo de conteúdo.

Independente do volume de dinheiro que eu gastar.
Isso, independente do volume de dinheiro que eu gastar. Dentro do pacote que eu comprei, tudo tem que ser tratado da mesma forma.

Como o novo Marco Civil assegura a liberdade de expressão?
Atualmente, quando alguém se sente incomodado por um comentário, essa pessoa rapidamente notifica o provedor que tornou o comentário disponível, e aquele provedor é obrigado a retirar o comentário ou então responderá, solidariamente, pelos danos causados naquele comentário.

Então, geralmente, provedores que não tem capacidade financeira para sustentar guerras na Justiça, como é o caso de blogueiros e pequenos sites, assim que recebem a notificação tem de correr para tirar o comentário.

Qual o problema disso? O problema é que a liberdade de expressão não fica garantida.

Ou seja, basta que o comentário incomode alguém poderoso que o comentário terá de ser tirado do ar.

O Marco Civil acaba com isso. Diz que os sites, os blogs, os provedores de conteúdo só se tornam responsáveis pelo comentário a partir do momento em que o juiz mande retirar o conteúdo.

Até ali, o site o blog pode continuar a exibir esse comentário, garantindo a liberdade de expressão do usuário.

Se acaso esse site ou blog entender que o comentário deva ser retirado, porque o conteúdo é, por exemplo, racista, ele poderá tirar (o conteudo do ar).

Ele não fica condicionado a uma ordem judicial. Mas, se ele quiser manter a liberdade de expressão, ele fica protegido até que o juiz mande tirar o comentário.

Isso é o que está contido no Artigo 20?
Isso, era o artigo 20, que ontem, por acaso, passou a ser artigo 19, com a exclusão do artigo 12 que previa a criação dos data – center.

O antigo Artigo 20, e agora artigo 19, era o chamado pomo da discórdia e o ponto de resistência da oposição. O que aconteceu para que parte da oposição migrasse para a linha, e aprovar o Marco? 

Eu acredito Paulo Henrique, que parte dos partidos da oposição, e alguns partidos da base do governo, que queriam derrubar o artigo 20, perceberam que isso seria visto pela sociedade como uma forma de censura.

Uma forma de censurar o que cada um pode escrever na internet.

E nós dissemos isso: quem derrubar esse artigo … nós vamos cobrar a responsabilidade pela censura.

Porque nós, o PT, o Governo, queremos a liberdade de expressão máxima na internet.

Felizmente, acho que percebendo que haveria uma derrota, esses partidos decidiram aprovar integralmente o projeto, inclusive na liberdade de expressão.

Segundo o jornal O Globo, há uma notícia de que o líder do chamado “Blocão”, que acabou votando com a sua relatoria, disse que votou pela aprovação do projeto porque o Governo recuou na questão da neutralidade. Isso é verdade?
Não, isso não é verdade.

Não há qualquer recuo na neutralidade. Pelo contrário, a neutralidade já entrou forte no Congresso e eu só fiz ( no relatório) fortalecer o texto.

Talvez, ele esteja buscando uma explicação para sua mudança de posição, mas não houve nenhum passo atrás: pelo contrário.

Outra questão importante é o direito à privacidade. Como o Marco Civil garante a nossa privacidade?
Paulo Henrique, hoje em dia, toda nossa navegação tem sido gravada, analisada e vendida para marketing direcionado, sem que a gente seja sequer informado disso.

O Marco Civil proíbe isso. Ou seja, não se pode gravar e vender dados sobre nós sem nosso consentimento.

São várias as medidas que nos protegem, protegem nossos dados, nossa navegação.

Por exemplo, uma medida que traz um direito novo, é o direito de que quando você quiser excluir um perfil numa rede social, como por exemplo o Facebook, você vai poder pedir a exclusão definitiva de seus dados.

Coisa que hoje não existe: quando você exclui uma conta hoje, o site torna seus dados indisponíveis, mas eles continuam existindo.

Como o senhor associa a aprovação desse projeto na Câmara com a questão que surgiu sobre o ”bisbilhotar” sistemático de empresas brasileiras e do Governo brasileiro por instituições americanas?
O escândalo de espionagem deu uma força muito grande ao projeto.

Embora o projeto já tratasse de privacidade, e eu já havia reforçado isso no meu relatório, as delações de Edward Snowden mostraram às pessoas como isso é cada vez mais importante.

Esse tema, eu acho, os brasileiros ainda não percebem a gravidade que ele tem. Numa era onde tudo pode ser gravado, medido, analisado, isso é cada vez mais importante como Direito Humano que precisa ser protegido.

Então, o projeto já tratava disso, mas o escândalo mostrou como a questão é grave e sensível.

A partir do escândalo, a presidente Dilma pediu urgência constitucional ao projeto. E por isso, ele trancou a pauta por cinco meses. E eu posso garantir, Paulo, pela resistência do PMDB, se não fosse a firmeza da presidente em manter a urgência, trancando a pauta, o projeto não teria sido aprovado ontem e talvez não fosse nunca.

E quanto ao Senado? Qual é a sua expectativa, já que lá está em regime de urgência também?
Como o projeto está em urgência constitucional, o Senado tem 45 dias (para votar). Se não, o projeto passa a trancar a pauta no Senado também.

No entanto, como nós temos no fim de abril uma conferência internacional de internet, em São Paulo, a Net Mundial, que foi proposta pelo Brasil e aceita por muitos países, o ideal seria que o Senado aprovasse o Marco antes da conferência para que a presidente Dilma pudesse sancionar antes da conferência, e assim consolidar nossa liderança mundial nesse campo.

Eu acho que isso é possível. É claro que o Senado tem seu tempo, nós não podemos exigir nada do Senado, não é meu papel como deputado, eu não sou nem membro da casa.

Mas seria muito bom se o Senado conseguisse aprovar isso e se o Brasil pudesse chegar de cabeça erguida nessa conferência, tendo feito o dever de casa, e podendo dizer aos outros países, com autoridade moral, o que fazer na rede.

Pode se dizer que esse Marco Civil da Internet, faz parte daquelas medidas que a Presidenta Dilma anunciou na ONU , quando ela teve a companhia da chanceler alemã Angela Markel. Ela anunciou que tomaria providências institucionais, das mais severas possíveis, para proteger a privacidade do brasileiro.
Sem dúvida nenhuma. Inclusive, o que a presidente Dilma prometeu, e cumpriu, foi lutar por um Marco Civil mundial.

O próximo passo é transformar esse projeto ( brasileiro) em um modelo que possa ser replicado pelo mundo ou que possa até fazer parte de um acordo multilateral, um acordo que envolva vários países, alguma resolução da ONU, enfim, alguma decisão que envolva os países todos , com relação à privacidade dos internautas.

E a melhor maneira de começar essa caminhada foi a aprovação desse projeto, porque nós vamos mostrar que o que nós estamos propondo para o mundo nós estamos fazendo em casa. Foi uma grande vitória do Brasil, da internet e sobretudo da presidente Dilma.

Uma última pergunta: o criador da internet elogiou o projeto. O que ele gosta no projeto?
Olha, Paulo Henrique, isso é motivo de grande orgulho pra gente, porque, muitas vezes, nós brasileiros não temos a dimensão de tudo o que podemos fazer, inclusive em termos mundiais.

É o complexo de vira-lata.
Pois é, mas felizmente nós estamos conseguindo mudar isso com todo o avanço que o Brasil tem experimentado nos últimos 12 anos, e esse é mais um exemplo disso.

Veja, o pai da internet, criador da web, o físico britânico Tim Berners-Lee soltou uma nota pedindo para que o Brasil aprovasse o Marco Civil, porque isso seria um presente para o Brasil e para o mundo. Um exemplo a ser seguido.

Ele gosta de tudo no projeto.

Primeiro, da forma como o projeto foi construído, de baixo pra cima; o equilíbrio. Ele me disse pessoalmente quando esteve aqui ano passado: ”deputado, eu apoio o projeto porque o projeto não é sobre a internet, é sobre direitos humanos na internet”.

Essa visão de proteção dos direitos humanos na era da internet, direitos como liberdade de expressão, de escolha, de acesso à informação, é o que encanta o Tim Berners-Lee nesse projeto.

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