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Os principais jornais do país destacam, nas edições de quarta-feira (23/4), dois eventos que podem definir o grau de autonomia dos cidadãos na rede digital de comunicação e informação. A aprovação do Marco Civil da Internet, concluída pelo Senado Federal na terça-feira (22), estabelece os princípios que deverão assegurar a neutralidade da Web no Brasil e impedir que empresas de tecnologia priorizem grandes clientes em detrimento do cidadão comum. A Conferência NETMundial, que se realiza em São Paulo, discute a governança global da internet.
A imprensa acompanhou a votação, que encerra três anos de debates, com o relato das costumeiras altercações entre parlamentes oposicionistas e membros da base de apoio ao governo federal. Faltou apenas explicar que não havia mais grandes discordâncias, apenas os evidentes interesses partidários que acompanham todo tema de grande repercussão: de um lado, o de oferecer à presidente da República a oportunidade de sancionar simbolicamente a lei durante o evento internacional; do outro, o propósito dos oposicionistas de atrasar a votação, para negar o palanque à presidente.
Com a regulamentação, o Brasil se credencia como um dos grandes interlocutores nos debates sobre o futuro do mundo digital – o contexto de relações mediadas por aparelhos eletrônicos que define os negócios globais, está moldando uma nova sociedade e deverá alterar significativamente os sistemas políticos do planeta.
Como país anfitrião do principal encontro de formuladores das normas que irão desenhar o futuro da internet, não poderia haver situação mais favorável ao Brasil, depois que os Estados Unidos foram atingidos pelo escândalo das ações de espionagem contra autoridades de vários países. Na ocasião em que o ex-agente de informações Edward Snowden denunciou a bisbilhotice dos americanos, a reação indignada da presidente Dilma Roussef foi tida como exagerada, e o tema só ganhou repercussão quando a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, juntou sua voz ao protesto, confirmando a gravidade da invasão.
O risco do contrabando
A pauta da conferência não é exatamente o caso de espionagem, mas temas ligados à governança, que incluem a privacidade e a igualdade de condições de uso da rede. Segundo alguns analistas, a NETMundial aponta para o futuro das relações multilaterais e sua realização deixa em segundo plano questões da geopolítica tradicional, como a crise na Ucrânia. Isso torna ainda mais significativa a decisão do Congresso Nacional, de assegurar a distribuição de responsabilidades, oportunidades e direitos para cidadãos, empresas e o Estado no território nacional.
Alguns leitores podem estranhar a relativa facilidade com que o Senado concluiu a aprovação do projeto do Marco Civil, considerando-se os grandes interesses em jogo. Empresas de telecomunicações, por exemplo, queriam que a lei deixasse uma brecha para a oferta de serviços diferenciados conforme a suposta necessidade do cliente, o que abriria a possibilidade de haver uma internet “popular”, com menos recursos e banda mais modesta, e um serviço de banda larga para quem pudesse pagar.
O texto aprovado estabelece três princípios básicos: neutralidade, privacidade e responsabilidade. O primeiro determina que as empresas podem limitar apenas a velocidade da conexão e a quantidade de dados acessados, mas não podem discriminar o usuário com relação aos tipos de conteúdo, se textos ou imagens, ou de origem, como redes sociais e sites informativos. A regra sobre privacidade define que os registros pessoais só podem ser abertos por pedido da Justiça. A questão da responsabilidade quanto a ofensas estabelece que os sites não podem ser punidos por ações de usuários.
Trata-se de um conjunto equilibrado de normas, que demonstra a intenção de proporcionar um ambiente seguro para as relações no campo virtual. No entanto, a atenção da imprensa e dos cidadãos não pode se distrair.
O Marco Civil é como uma Constituição da internet. Em seguida vem o processo da regulamentação, e os setores poderosos cujos interesses foram contrariados certamente vão mover seus lobistas para tentar contrabandear seus penduricalhos para dentro da lei. Exatamente como tem acontecido com a Constituição Federal desde 1988.
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