terça-feira, 10 de março de 2015

Feminicídio e o crime hediondo da mídia

Por Altamiro Borges

Nesta segunda-feira (9), a presidenta Dilma Rousseff sancionou a lei que criminaliza o feminicídio – o assassinato de uma mulher por razões de gênero. Rodeada por lideranças do movimento feminista e por deputadas federais, ela fez um incisivo discurso. “Em briga de marido e mulher, nós achamos que se mete a colher, sim, principalmente se resultar em assassinato... O machismo é um mal a ser combatido. Ele humilha, maltrata, agride e, no limite, mata”. Na mídia machista, porém, a nova lei não ganhou qualquer destaque. Não foi manchete dos jornalões nem motivo de elogios nas emissoras de rádio e tevê. Alguns veículos, inclusive, preferiram rotular a medida de “populista” e “eleitoreira”.

A nova lei é resultado da CPI mista da Violência contra a Mulher, que funcionou entre 2012 e 2013 e confirmou o grau de barbárie machista ainda existente na sociedade. Segundo a CPI, a violência doméstica é uma das principais causas do homicídio de mulheres no país. Além disso, estima-se que 500 mil mulheres são vítimas de estupro por ano. A lei define o feminicídio como crime hediondo, com pena de 12 a 30 anos de prisão. O texto modifica o Código Penal para incluir esse tipo de assassinato entre os homicídios qualificados, considerando casos de violência doméstica e discriminação contra mulheres. Vale conferir o artigo de Vladimir Safatle, na Folha desta terça-feira (10), sobre este avanço civilizatório no país.

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Feminicídio

Neste final de semana, esta Folha publicou editorial criticando a proposta de ampliar a pena daqueles que assassinam mulheres por "razões de gênero". O texto alega que tal "populismo" jurídico seria uma extravagância, já que todas as circunstâncias agravantes que poderiam particularizar o homicídio contra mulheres (motivo fútil, crueldade, dificuldade de defesa) estariam contempladas pela legislação vigente. Neste sentido, criar a categoria jurídica "razões de gênero" de nada serviria, a não ser para quebrar o quadro universalista que deveria ser o fundamento da lei.

No entanto, é difícil concordar com o argumento geral. Primeiro porque não é correta a ideia de que dispositivos jurídicos que particularizam a violência de grupos historicamente vulneráveis sejam ineficazes. A Lei Maria da Penha, só para ficar em um exemplo, mostra o contrário. Pois, ao particularizar, o direito dá visibilidade a algo que a sociedade teima em não reconhecer. Ele indica a especificidade das causas, aumentando gradativamente a sensibilidade para um tipo de violência que só pode ser combatido quando nomeado. Neste contexto, apagar o nome é uma forma brutal de perpetuação da violência.

Estudo do Ipea estima anualmente, no Brasil, algo em torno de 527 mil tentativas e casos de estupros, sendo que 88,5% das vítimas são mulheres e mais da metade tem menos de 13 anos. Só em 2011, foram notificados no Sinan 33 casos de estupro por dia, ou seja, esse foi o número de vítimas que procuraram o serviço médico. Diante de números aterradores, é difícil não reconhecer que existe uma violência específica contra as mulheres, assim como há violências específicas contra homossexuais, travestis, entre outros. Que o direito sirva-se de sua capacidade de particularizar sofrimentos para lutar contra tais especificidades, eis uma de suas funções mais decisivas em sociedades em luta para criar um conceito substantivo de democracia.

Nesse sentido, há de se lembrar que não se justifica usar o argumento da necessidade de respeitar a natureza universalista da lei em situações sociais nas quais tal universalidade mascara desigualdades reais. O direito deve usar, de forma estratégica e provisória, a particularização a fim de evidenciar o vínculo entre violência e certas formas de identidade, impulsionando com isto a criação de um universalismo real.

Se a sociedade brasileira chegou a este estágio de violência contra a mulher é porque há coisas que ela nunca quis ver e continuará não vendo enquanto o direito não nomeá-las. Quando tal violência passar, podemos voltar ao quadro legal generalista. Desta forma, ao menos desta vez, o governo agiu de maneira correta.


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1 comentários:

Anônimo disse...

O "panelaço" incentivou-me a escrever o que venho pensando já há algum tempo, bastante incomodada com a forma com que opositores de Dilma usam toda forma de palavreado grosseiro e gestos grotescos e obscenos para criticá-la. Aécio, ainda na campanha não se furtou em usar adjetivos como leviana, mentirosa e ignorante, para subjugá-la. E os opositores (homens e mulheres), desde as manifestações contra ela na Copa, ao longo da campanha e agora na tentativa de um terceiro turno, usam e abusam de expressões que degradam a mulher. Penso que isso ocorre, não tanto pelo ódio político e revanchismo golpista de quem perdeu as eleições, mas sim e principalmente pelo machismo que ainda está presente nas diversas esferas sociais. Desde tempos imemoriais, a percepção que a mulher tem de si e que os homens têm da mulher se baseia na ideia de que a mulher é inferior ao homem e que deve submeter-se às suas vontades. Uma das formas de se exercer o machismo (por homens e mulheres) é questionar a competência em razão do sexo e não do profissionalismo. Outra forma é a agressão verbal, uma das faces da violência (psicológica e moral) usada para diminuir e desvalorizar a mulher. Se Dilma fosse homem certamente estaria enfrentando as mesmas críticas que ela enfrenta hoje, mas duvido que fosse tão vulgarmente ofendido.