Por Ricardo Kotscho, no blog Balaio do Kotscho:
O título acima é de um texto do grande pensador brasileiro Millôr Fernandes, que morreu em 2012 - antes, portanto, da Lava-Jato. Está no livro "Todo homem é minha caça", da Editorial Nórdica, lançado em 1981, e foi reproduzido no Projeto Releituras, de Arnaldo Nogueira Jr. Encontrei-o fazendo uma pesquisa sobre o assunto no doutor Google.
Ninguém melhor do que Millôr tratou do festival de hipocrisia e cinismo dos brasileiros que se dedicam à moralidade seletiva. É dele a célebre constatação: "Estou cansado de sentar à mesa com corruptos para falar de corrupção".
Também tenho me sentido cansado ultimamente ao conversar sobre este assunto que há tempos domina o noticiário, como se a corrupção tivesse sido inventada ontem e não fosse uma prática secular nas nossas relações políticas e empresariais.
Neste livro, lançado 34 anos atrás, quando o Brasil ainda era comandado pelos generais, Millôr propõe nove questões para que os leitores façam um teste sobre a sua própria honestidade. Está na página 60:
"Dizem por aí que todo homem tem seu preço. Há quem vá mais longe afirmando que alguns homens são vendidos a preço de banana. Sempre esperei, na vida, o dia da Grande Corrupção, e confesso, decepcionado, que ele nunca veio. A mim só me oferecem causas meritórias, oportunidades de sacrifício, salvações da Pátria ou pura e frontalmente a hedionda tarefa de lutar... contra a corrupção".
"Enquanto eu procuro desesperadamente uma oportunidade, as pessoas e entidades agem comigo de tal forma que às vezes chego a duvidar de que a corrupção exista. Mas, falar em corrupção, como anda a sua? Vendendo saúde ou combalida e atrofiada como a minha? Responda com muito cuidado às perguntas abaixo e depois conclua sobre sua própria personalidade: você é um corrupto total ou um idiota completo? (Não há meio termo.)".
Um exemplo do teste encontra-se na sexta questão, que trata do pagamento de impostos, quando ainda não havia Operação Zelotes:
"Há uma diferença fundamental entre fraudar e evitar o imposto de renda. Quando você descobriu isso, você: 1) Ficou indignado com as possibilidades de os poderosos usarem tudo a seu favor. Como é que se pode escamotear um ordenado? 2) Começou a estudar furiosamente a legislação para descobrir todos os furos. 3) Tinha 11 anos de idade e estava terminando o curso primário. 4) Nunca mais pagou um tostão de imposto".
Tempos atrás, ouvi de empresário bem sucedido uma frase exemplar, hoje recorrente, quando se fala do pagamento de impostos nas altas rodas: "Eu prefiro pagar bons advogados do que dar meu dinheiro para esses vagabundos do governo. Eu não pago mais imposto". No país da moralidade seletiva, nem lhe passou pela cabeça que estava confessando um crime.
Com muito cuidado, discretamente, aqui e ali, de vez em quando vazam informações que rompem a cortina de proteção desta seletividade nas denúncias. O que diria Millôr, por exemplo, ao ler no jornal que o Instituto FHC recebeu R$ 975 mil, em pagamentos mensais feitos pela Odebrecht, no período de dezembro de 2011 a dezembro de 2012? Ou que Aécio Neves cedeu helicópteros e aviões do governo mineiro para 198 voos de celebridades e políticos?
Tão rapidamente como piscam no noticiário, estas informações desaparecem, e não despertam o menor interesse em editorialistas e colunistas da grande imprensa, sempre tão severos e indignados quando se trata de denúncias contra os governos e líderes do PT.
Ao encerrar sua crônica, Millôr Fernandes ainda deu um conselho de amigo:
"Quando alguém, na rua, gritar "Pega ladrão!", finge que não é com você".
Vida que segue.
Ninguém melhor do que Millôr tratou do festival de hipocrisia e cinismo dos brasileiros que se dedicam à moralidade seletiva. É dele a célebre constatação: "Estou cansado de sentar à mesa com corruptos para falar de corrupção".
Também tenho me sentido cansado ultimamente ao conversar sobre este assunto que há tempos domina o noticiário, como se a corrupção tivesse sido inventada ontem e não fosse uma prática secular nas nossas relações políticas e empresariais.
Neste livro, lançado 34 anos atrás, quando o Brasil ainda era comandado pelos generais, Millôr propõe nove questões para que os leitores façam um teste sobre a sua própria honestidade. Está na página 60:
"Dizem por aí que todo homem tem seu preço. Há quem vá mais longe afirmando que alguns homens são vendidos a preço de banana. Sempre esperei, na vida, o dia da Grande Corrupção, e confesso, decepcionado, que ele nunca veio. A mim só me oferecem causas meritórias, oportunidades de sacrifício, salvações da Pátria ou pura e frontalmente a hedionda tarefa de lutar... contra a corrupção".
"Enquanto eu procuro desesperadamente uma oportunidade, as pessoas e entidades agem comigo de tal forma que às vezes chego a duvidar de que a corrupção exista. Mas, falar em corrupção, como anda a sua? Vendendo saúde ou combalida e atrofiada como a minha? Responda com muito cuidado às perguntas abaixo e depois conclua sobre sua própria personalidade: você é um corrupto total ou um idiota completo? (Não há meio termo.)".
Um exemplo do teste encontra-se na sexta questão, que trata do pagamento de impostos, quando ainda não havia Operação Zelotes:
"Há uma diferença fundamental entre fraudar e evitar o imposto de renda. Quando você descobriu isso, você: 1) Ficou indignado com as possibilidades de os poderosos usarem tudo a seu favor. Como é que se pode escamotear um ordenado? 2) Começou a estudar furiosamente a legislação para descobrir todos os furos. 3) Tinha 11 anos de idade e estava terminando o curso primário. 4) Nunca mais pagou um tostão de imposto".
Tempos atrás, ouvi de empresário bem sucedido uma frase exemplar, hoje recorrente, quando se fala do pagamento de impostos nas altas rodas: "Eu prefiro pagar bons advogados do que dar meu dinheiro para esses vagabundos do governo. Eu não pago mais imposto". No país da moralidade seletiva, nem lhe passou pela cabeça que estava confessando um crime.
Com muito cuidado, discretamente, aqui e ali, de vez em quando vazam informações que rompem a cortina de proteção desta seletividade nas denúncias. O que diria Millôr, por exemplo, ao ler no jornal que o Instituto FHC recebeu R$ 975 mil, em pagamentos mensais feitos pela Odebrecht, no período de dezembro de 2011 a dezembro de 2012? Ou que Aécio Neves cedeu helicópteros e aviões do governo mineiro para 198 voos de celebridades e políticos?
Tão rapidamente como piscam no noticiário, estas informações desaparecem, e não despertam o menor interesse em editorialistas e colunistas da grande imprensa, sempre tão severos e indignados quando se trata de denúncias contra os governos e líderes do PT.
Ao encerrar sua crônica, Millôr Fernandes ainda deu um conselho de amigo:
"Quando alguém, na rua, gritar "Pega ladrão!", finge que não é com você".
Vida que segue.
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