Por Mateus Cordeiro, no site Outras Palavras:
A madrugada de quinta para sexta-feira foi de reuniões no Espírito Santo, mais precisamente duas reuniões importantes e que convergiam para o mesmo foco. A primeira aconteceu no Palácio da Fonte Grande, durou quase doze horas e teve como atores principais as representantes das mulheres de policiais militares, que fecham as portas dos quarteis no Estado há uma semana, e os representantes do governo. Já a segunda era bem mais informal, sem convocação e somente com uma pauta – afinal, o único objetivo daquelas pessoas que nem se conheciam era liberar do IML de Vitória os corpos de familiares mortos em mais um dia sangrento.
A reunião palaciana foi marcada pelo tensionamento já presente entre o governo e o movimento dos policiais. Houve choro, manifestantes ameaçadas, ata falsa, secretário engravatado dando o posicionamento da tropa governamental e, obviamente, nenhum acordo. O fim melancólico das tratativas coloca claramente que duas forças, até então bem amigas, não conseguem mais se entender. O governo culpa sua segurança particular pela onda de violência crescente no Espírito Santo. Já a PM, cansou do seu papel de vigilante do Estado e, veja só, coloca o governo como truculento — se é que a PM pode acusar alguém de truculência — e culpado pelos 120 mortos, até agora. Dessa vez, alguma coisa parece mesmo ter saído da caixa de Pandora de modo tão surpreendente que nem mesmo o governador Paulo Hartung, ou “Imperador PH”, acostumado a usar a PM para dissipar movimentos sociais, sabe a quem recorrer.
O dia-a-dia está estranho pelas bandas capixabas. O governador – atestado como doente e por isso impedido de participar do interminável processo das negociações – chamou uma velha amiga da mídia tradicional para dar uma entrevista exclusiva. Na hora do pronunciamento, panelas foram ouvidas nos bairros nobres da Capital. As ruas das cidades viraram praças de guerra recheadas de carros de combate, tanques, jipes e caminhões do exército.
Nesse cabo de guerra, é do lado do povo que a corda arrebenta. O governo peca pela intransigência, já que Paulo Hartung foi eleito através de uma plataforma que prega o “ajuste fiscal” e não aceita, de forma alguma, que coloquem obstáculos em seu caminho de cortes. O Faraó Capixaba, aposta (e muito) nesse modelo para galgar lugares bem mais altos na política nacional. Segundo os bastidores, o atual governante do Espírito Santo, que agora vê totalmente deteriorada sua imagem para o resto do país, seria uma opção viável para o PMDB, seu atual partido, ou até mesmo pelo PSD – legenda que ele flerta há anos – para uma candidatura à presidência do Brasil.
A reunião dos engravatados terminou, mas a agonia das famílias em frente do IML continua firme e forte. Os corpos que não param de chegar vêm, em sua maioria, dos bairros periféricos da Grande Vitória — onde o Exército não entra. Eles tornaram-se verdadeiros campos de batalha desde o tarde do primeiro domingo mais sangrento de fevereiro. Tiros são ouvidos diariamente em uma corrida desenfreada de jovens, que mais parecem estar brincando de polícia e ladrão em seus videogames. Porém, ao invés de ficção é a realidade. Isso as mulheres de PMs parecem não perceber.
As negociadoras, que sempre aplaudiram e criaram o personagem de “herói de farda” para os seus maridos – que reprimiam qualquer movimento social –, agora não entendem que o jogo virou. Embasadas em uma greve “branca”, claramente orquestrada por grupos políticos de dentro da própria Polícia Militar do Espírito Santo, as mulheres participam de reuniões com reivindicações difusas, sem nenhum conhecimento do que estão solicitando e jogam a população para um covil de leões.
O governo já sabe que no fim de tudo alguém terá de pagar a conta dessas mortes, e convenhamos, não cai nada bem politicamente ter na ficha mais de cem assassinatos. A estratégia hartunguista baseia-se em duas frentes. A primeira é criminalizar os policiais, com mais de 700 indiciados por crime militar, valendo risco de prisão e expulsão da “honrosa” corporação. O segundo passo é usar a mídia capixaba, que recebeu – só no ano passado- incríveis R$ 70 milhões em publicidade para colocar toda a culpa do sangue que jorra nas ruas para a PM.
O problema parece longe de uma solução palpável. O governo tenta passar a imagem de que estão em jogo apenas o orçamento, Lei de Responsabilidade Fiscal, e cumprimento de limites legais. Mas não se pode deixar de abrir os olhos para a profundidade do problema, que está intimamente ligado ao corte de investimentos sociais, aumento da desigualdade, fim das alternativas de crescimento e geração de renda para a população mais pobre, passando também por temas como fim das isenções fiscais do governo PH, desmilitarização da polícia, e uma nova lei de drogas.
A crise ainda perdura, os jovens continuam morrendo em crescimento inversamente proporcional a sensação de segurança, mesmo com as forças nacionais tentando cumprir o seu papel de vigiar as vidraças e prédios de grandes empresas.
O Governo mata por teimosia, a PM mata pelos anos de omissão, e no fim disso tudo, como em um jantar de inimigos em que todos consumiram, só nos restará saber quem vai pagar a conta – porque culpa todo mundo tem.
A madrugada de quinta para sexta-feira foi de reuniões no Espírito Santo, mais precisamente duas reuniões importantes e que convergiam para o mesmo foco. A primeira aconteceu no Palácio da Fonte Grande, durou quase doze horas e teve como atores principais as representantes das mulheres de policiais militares, que fecham as portas dos quarteis no Estado há uma semana, e os representantes do governo. Já a segunda era bem mais informal, sem convocação e somente com uma pauta – afinal, o único objetivo daquelas pessoas que nem se conheciam era liberar do IML de Vitória os corpos de familiares mortos em mais um dia sangrento.
A reunião palaciana foi marcada pelo tensionamento já presente entre o governo e o movimento dos policiais. Houve choro, manifestantes ameaçadas, ata falsa, secretário engravatado dando o posicionamento da tropa governamental e, obviamente, nenhum acordo. O fim melancólico das tratativas coloca claramente que duas forças, até então bem amigas, não conseguem mais se entender. O governo culpa sua segurança particular pela onda de violência crescente no Espírito Santo. Já a PM, cansou do seu papel de vigilante do Estado e, veja só, coloca o governo como truculento — se é que a PM pode acusar alguém de truculência — e culpado pelos 120 mortos, até agora. Dessa vez, alguma coisa parece mesmo ter saído da caixa de Pandora de modo tão surpreendente que nem mesmo o governador Paulo Hartung, ou “Imperador PH”, acostumado a usar a PM para dissipar movimentos sociais, sabe a quem recorrer.
O dia-a-dia está estranho pelas bandas capixabas. O governador – atestado como doente e por isso impedido de participar do interminável processo das negociações – chamou uma velha amiga da mídia tradicional para dar uma entrevista exclusiva. Na hora do pronunciamento, panelas foram ouvidas nos bairros nobres da Capital. As ruas das cidades viraram praças de guerra recheadas de carros de combate, tanques, jipes e caminhões do exército.
Nesse cabo de guerra, é do lado do povo que a corda arrebenta. O governo peca pela intransigência, já que Paulo Hartung foi eleito através de uma plataforma que prega o “ajuste fiscal” e não aceita, de forma alguma, que coloquem obstáculos em seu caminho de cortes. O Faraó Capixaba, aposta (e muito) nesse modelo para galgar lugares bem mais altos na política nacional. Segundo os bastidores, o atual governante do Espírito Santo, que agora vê totalmente deteriorada sua imagem para o resto do país, seria uma opção viável para o PMDB, seu atual partido, ou até mesmo pelo PSD – legenda que ele flerta há anos – para uma candidatura à presidência do Brasil.
A reunião dos engravatados terminou, mas a agonia das famílias em frente do IML continua firme e forte. Os corpos que não param de chegar vêm, em sua maioria, dos bairros periféricos da Grande Vitória — onde o Exército não entra. Eles tornaram-se verdadeiros campos de batalha desde o tarde do primeiro domingo mais sangrento de fevereiro. Tiros são ouvidos diariamente em uma corrida desenfreada de jovens, que mais parecem estar brincando de polícia e ladrão em seus videogames. Porém, ao invés de ficção é a realidade. Isso as mulheres de PMs parecem não perceber.
As negociadoras, que sempre aplaudiram e criaram o personagem de “herói de farda” para os seus maridos – que reprimiam qualquer movimento social –, agora não entendem que o jogo virou. Embasadas em uma greve “branca”, claramente orquestrada por grupos políticos de dentro da própria Polícia Militar do Espírito Santo, as mulheres participam de reuniões com reivindicações difusas, sem nenhum conhecimento do que estão solicitando e jogam a população para um covil de leões.
O governo já sabe que no fim de tudo alguém terá de pagar a conta dessas mortes, e convenhamos, não cai nada bem politicamente ter na ficha mais de cem assassinatos. A estratégia hartunguista baseia-se em duas frentes. A primeira é criminalizar os policiais, com mais de 700 indiciados por crime militar, valendo risco de prisão e expulsão da “honrosa” corporação. O segundo passo é usar a mídia capixaba, que recebeu – só no ano passado- incríveis R$ 70 milhões em publicidade para colocar toda a culpa do sangue que jorra nas ruas para a PM.
O problema parece longe de uma solução palpável. O governo tenta passar a imagem de que estão em jogo apenas o orçamento, Lei de Responsabilidade Fiscal, e cumprimento de limites legais. Mas não se pode deixar de abrir os olhos para a profundidade do problema, que está intimamente ligado ao corte de investimentos sociais, aumento da desigualdade, fim das alternativas de crescimento e geração de renda para a população mais pobre, passando também por temas como fim das isenções fiscais do governo PH, desmilitarização da polícia, e uma nova lei de drogas.
A crise ainda perdura, os jovens continuam morrendo em crescimento inversamente proporcional a sensação de segurança, mesmo com as forças nacionais tentando cumprir o seu papel de vigiar as vidraças e prédios de grandes empresas.
O Governo mata por teimosia, a PM mata pelos anos de omissão, e no fim disso tudo, como em um jantar de inimigos em que todos consumiram, só nos restará saber quem vai pagar a conta – porque culpa todo mundo tem.
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