Toda crise sempre dá início a uma disputa política para interpretar os fatos em curso. No caso da paralisação da Polícia Militar capixaba, a dinâmica dessa disputa tem sido desfavorável à corporação, sobretudo por causa das consequências dos protestos: aumento da criminalidade, prejuízo para a economia e mudança na vida cotidiana dos cidadãos. A desqualificação política, a crítica social e a tentativa de esvaziamento da pauta do movimento encobrem um dos mais importantes significados do que está acontecendo.
A marca da conjuntura atual é a crise no serviço público como um todo, e não uma crise na segurança pública, em particular. De início, o principal programa do governo para a área não era foco dos protestos; mudanças na estrutura hierárquica, também não; e nem mesmo os policiais admitiam ser líderes do movimento. Depois é que a conjuntura evoluiu, de fato, para uma crise na segurança pública. Parlamentares passaram a pedir a demissão do secretário e policiais se aquartelaram nas unidades militares.
Portanto, os episódios recentes precisariam ser ressignificados de outro ângulo. O que tornou dramática a conjuntura atual foi a natureza da área afetada pelos protestos. Mas o mesmo sucateamento e arrocho salarial têm ocorrido em outras áreas sociais importantes, como educação e saúde, afetando seriamente a população que mais depende do serviço público.
O discurso da intransigência é legitimado pela defesa de um ajuste fiscal do qual o governo capixaba é saudado pelos mercados como exemplo de sucesso. A crise atual, porém, evidencia que a contrapartida desse modelo de gestão e de desenvolvimento pode ser perversa para o conjunto da sociedade, que assiste à precarização do serviço público, em contradição com os bons resultados econômicos apresentados pelo próprio governo. Na prática, se tais resultados só podem ser obtidos a esse custo, o discurso da gestão pública eficiente nada mais tem feito do que jogar os problemas para adiante. Um deles veio à tona esta semana.
Fonte: Gazeta On Line
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