Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Ninguém precisa se impressionar com o sentimentalismo improvisado de quem tenta acusar Lula de esconder-se atrás de Marisa Letícia para fugir das acusações do triplex do Guarujá.
A verdade é que a presença de Marisa nas tratativas para a compra e depois na desistência de uma cota no edifício do Guarujá - o único pretexto material para a Lava Jato tentar atingir Lula numa acusação criminal - é um fato estabelecido de forma concreta. Os documentos - que nunca envolvem Lula - estão nos autos e não precisam ser lembrados aqui. Ela sempre foi a primeira a sustentar essa versão. A fonte original, desde o tempo em que a OAS não havia entrado na história, que era um investimento da Bancoop.
O ponto em debate é outro. Este sim deveria preocupar todo cidadão honestamente incomodada com a memória de Marisa - e de toda pessoa que não tem condições de se defender.
Dois meses depois de sua morte após um AVC, evento médico que não pode ser dissociado de uma prolongada pressão sobre a família, que incluiu uma operação de busca e apreensão de bens na sua residência, sem falar no grampo e divulgação covarde de diálogos entre mãe e filho que não tinham nenhum interesse objetivo, mas apenas ajudavam a destruir a imagem privada dos interlocutores, ela permanece como personagem no julgamento de Lula em função de uma decisão do próprio juiz Sérgio Moro.
Dias depois de sua morte, através de seus advogados Lula entrou com um requerimento solicitando duas providências legais elementares - extinguir a punibilidade de Marisa e decretar sua absolvição sumária. São providências previstas pelo artigo 297, IV do Código de Processo Penal, combinado com o artigo 107, I do Código Penal.
É fácil entender por que isso acontece. Ao extinguir a punibilidade de uma pessoa falecida, a Justiça reconhece o fato óbvio de que ela não pode ser punida. Ao decretar sua absolvição sumária, reconhece que ninguém pode ser considerado culpado sem que possa exercer o amplo direito de defesa, o que inclui o trânsito em julgado de sua sentença.
São artigos mais do que simbólicos. Permitem que os direitos humanos, uma garantia que a humanidade passou a reconhecer na Revolução Francesa de 1789, acompanhem uma pessoa desde o nascimento e mesmo depois de sua morte. É uma situação que engrandece a cultura democrática de uma sociedade.
O fato é que Moro aceitou a primeira solicitação mas recusou a segunda. Em despacho, alegou que "cabe, diante do óbito, somente o reconhecimento da extinção da punibilidade, sem qualquer consideração quanto a culpa ou inocência do acusado em relação a imputação."
Não vou discutir quem faz a interpretação correta desses dois artigos. Não tenho competência. O pedido foi negado e os advogados de Lula entraram com recurso no Tribunal Regional Federal da 4a. Região. O fato é que o pedido dos advogados de Lula encontra apoio em boa jurisprudência.
Mas é possível examinar as consequências práticas da decisão de Moro, que evitou "qualquer consideração quanto a culpa ou inocência" de Marisa.
Sabemos que não há uma única prova contra Lula nas negociações para a compra de uma cota no edifício do Guarujá. Nenhuma. Nem que tenha sido proprietário. Todos os papéis que envolviam o negócio foram assinados por Marisa Letícia que, conforme o próprio Lula, sempre foi a grande interessada naquele imóvel.
Em setembro do ano passado, quando aceitou a denúncia do Ministério Público contra Marisa, acusada de "lavagem de dinheiro", o próprio juiz apontou para a existência de "dúvidas relevantes quanto a seu envolvimento doloso" e reconheceu que poderia fazer uma "melhor reflexão no decorrer do processo."
Sem jamais cogitar que poderia estar diante de um investimento banal de uma trabalhadora, mãe e avó criada em São Bernardo do Campo, com economias para adquirir um imóvel num típico pombal de litoral, Moro tomou a decisão pelo aspecto utilitário de quem necessita de provas para sustentar uma teoria. Partindo da convicção de que estava apurando "acertos de propina no esquema criminoso da Petrobras," escreveu que "sua participação específica e sua contribuição para a aparente ocultação do real proprietário é suficiente " para a aceitação da denúncia. Mesmo assim, em palavras que os advogados de Lula e Marisa definiriam como demonstração de "inegável desfaçatez", Sérgio Moro registrou: "lamenta o Juízo em especial a imputação realizada contra Marisa Letícia da Silva."
A permanência de Marisa no processo, quando não tem como se defender, cumpre essa função. Ajuda a colocar o alvo real da Lava Jato, Lula, sob chantagem. Ou ele fica quieto, e aceita uma denuncia que sempre repudiou como falsa. Ou recorda o papel de Marisa no caso - quando será acusado de desrespeitar a memória da mulher. O pressuposto é que Lula estaria escondendo um crime. Nessa encenação, esconde-se o mais importante: até agora não se demostrou que um crime foi cometido.
Demonstra-se, mais uma vez, que não se assiste a um julgamento de fatos ou provas. O que está em curso é um julgamento de caráter.
Já que não se pode demonstrar mostrar que Lula era o "proprietário oculto" do triplex, tenta-se provar que é um mau marido. Da mesma forma, há duas semanas, com ajuda do arrependido Emílio Odebrecht, tentou-se demonstrar que foi um mau líder dos trabalhadores.
Nada mais necessário para quem, sem provas jurídicas, necessita amortecer uma previsível resistência popular a qualquer decisão injusta no final do julgamento.
Na verdade, estamos numa nova fase de um processo que teve como eixo político sustentar, inicialmente, a noção de que Lula foi um "presidente-ladrão" no país do "capitalismo de compadrio."
Como as pesquisas mostram, essa visão não colou. O espetáculo encontra-se em nova etapa, coerente com uma estratégia destrutiva na qual a "deslegitimação" dos acusados é parte essencial para se condenar personalidades públicas, como o próprio Sérgio Moro escreveu num texto clássico sobre a Operação Mãos Limpas.
Não surpreende, assim, que a mesma mídia que humilhou Marisa com a divulgação de conversas privadas tente comover o público com a hipocrisia típica das lágrimas de crocodilo. Nunca lhe deu o direito de se defender e expor seus argumentos com dignidade. Nunca poupou detalhes sobre possíveis aventuras de Lula fora do casamento, sempre escondidos no caso de Fernando Henrique Cardoso. Jamais teve a decência de lhe pedir desculpas por um comportamento invariavelmente implicante. injusto e preconceituoso.
Deu para entender, né?
Ninguém precisa se impressionar com o sentimentalismo improvisado de quem tenta acusar Lula de esconder-se atrás de Marisa Letícia para fugir das acusações do triplex do Guarujá.
A verdade é que a presença de Marisa nas tratativas para a compra e depois na desistência de uma cota no edifício do Guarujá - o único pretexto material para a Lava Jato tentar atingir Lula numa acusação criminal - é um fato estabelecido de forma concreta. Os documentos - que nunca envolvem Lula - estão nos autos e não precisam ser lembrados aqui. Ela sempre foi a primeira a sustentar essa versão. A fonte original, desde o tempo em que a OAS não havia entrado na história, que era um investimento da Bancoop.
O ponto em debate é outro. Este sim deveria preocupar todo cidadão honestamente incomodada com a memória de Marisa - e de toda pessoa que não tem condições de se defender.
Dois meses depois de sua morte após um AVC, evento médico que não pode ser dissociado de uma prolongada pressão sobre a família, que incluiu uma operação de busca e apreensão de bens na sua residência, sem falar no grampo e divulgação covarde de diálogos entre mãe e filho que não tinham nenhum interesse objetivo, mas apenas ajudavam a destruir a imagem privada dos interlocutores, ela permanece como personagem no julgamento de Lula em função de uma decisão do próprio juiz Sérgio Moro.
Dias depois de sua morte, através de seus advogados Lula entrou com um requerimento solicitando duas providências legais elementares - extinguir a punibilidade de Marisa e decretar sua absolvição sumária. São providências previstas pelo artigo 297, IV do Código de Processo Penal, combinado com o artigo 107, I do Código Penal.
É fácil entender por que isso acontece. Ao extinguir a punibilidade de uma pessoa falecida, a Justiça reconhece o fato óbvio de que ela não pode ser punida. Ao decretar sua absolvição sumária, reconhece que ninguém pode ser considerado culpado sem que possa exercer o amplo direito de defesa, o que inclui o trânsito em julgado de sua sentença.
São artigos mais do que simbólicos. Permitem que os direitos humanos, uma garantia que a humanidade passou a reconhecer na Revolução Francesa de 1789, acompanhem uma pessoa desde o nascimento e mesmo depois de sua morte. É uma situação que engrandece a cultura democrática de uma sociedade.
O fato é que Moro aceitou a primeira solicitação mas recusou a segunda. Em despacho, alegou que "cabe, diante do óbito, somente o reconhecimento da extinção da punibilidade, sem qualquer consideração quanto a culpa ou inocência do acusado em relação a imputação."
Não vou discutir quem faz a interpretação correta desses dois artigos. Não tenho competência. O pedido foi negado e os advogados de Lula entraram com recurso no Tribunal Regional Federal da 4a. Região. O fato é que o pedido dos advogados de Lula encontra apoio em boa jurisprudência.
Mas é possível examinar as consequências práticas da decisão de Moro, que evitou "qualquer consideração quanto a culpa ou inocência" de Marisa.
Sabemos que não há uma única prova contra Lula nas negociações para a compra de uma cota no edifício do Guarujá. Nenhuma. Nem que tenha sido proprietário. Todos os papéis que envolviam o negócio foram assinados por Marisa Letícia que, conforme o próprio Lula, sempre foi a grande interessada naquele imóvel.
Em setembro do ano passado, quando aceitou a denúncia do Ministério Público contra Marisa, acusada de "lavagem de dinheiro", o próprio juiz apontou para a existência de "dúvidas relevantes quanto a seu envolvimento doloso" e reconheceu que poderia fazer uma "melhor reflexão no decorrer do processo."
Sem jamais cogitar que poderia estar diante de um investimento banal de uma trabalhadora, mãe e avó criada em São Bernardo do Campo, com economias para adquirir um imóvel num típico pombal de litoral, Moro tomou a decisão pelo aspecto utilitário de quem necessita de provas para sustentar uma teoria. Partindo da convicção de que estava apurando "acertos de propina no esquema criminoso da Petrobras," escreveu que "sua participação específica e sua contribuição para a aparente ocultação do real proprietário é suficiente " para a aceitação da denúncia. Mesmo assim, em palavras que os advogados de Lula e Marisa definiriam como demonstração de "inegável desfaçatez", Sérgio Moro registrou: "lamenta o Juízo em especial a imputação realizada contra Marisa Letícia da Silva."
A permanência de Marisa no processo, quando não tem como se defender, cumpre essa função. Ajuda a colocar o alvo real da Lava Jato, Lula, sob chantagem. Ou ele fica quieto, e aceita uma denuncia que sempre repudiou como falsa. Ou recorda o papel de Marisa no caso - quando será acusado de desrespeitar a memória da mulher. O pressuposto é que Lula estaria escondendo um crime. Nessa encenação, esconde-se o mais importante: até agora não se demostrou que um crime foi cometido.
Demonstra-se, mais uma vez, que não se assiste a um julgamento de fatos ou provas. O que está em curso é um julgamento de caráter.
Já que não se pode demonstrar mostrar que Lula era o "proprietário oculto" do triplex, tenta-se provar que é um mau marido. Da mesma forma, há duas semanas, com ajuda do arrependido Emílio Odebrecht, tentou-se demonstrar que foi um mau líder dos trabalhadores.
Nada mais necessário para quem, sem provas jurídicas, necessita amortecer uma previsível resistência popular a qualquer decisão injusta no final do julgamento.
Na verdade, estamos numa nova fase de um processo que teve como eixo político sustentar, inicialmente, a noção de que Lula foi um "presidente-ladrão" no país do "capitalismo de compadrio."
Como as pesquisas mostram, essa visão não colou. O espetáculo encontra-se em nova etapa, coerente com uma estratégia destrutiva na qual a "deslegitimação" dos acusados é parte essencial para se condenar personalidades públicas, como o próprio Sérgio Moro escreveu num texto clássico sobre a Operação Mãos Limpas.
Não surpreende, assim, que a mesma mídia que humilhou Marisa com a divulgação de conversas privadas tente comover o público com a hipocrisia típica das lágrimas de crocodilo. Nunca lhe deu o direito de se defender e expor seus argumentos com dignidade. Nunca poupou detalhes sobre possíveis aventuras de Lula fora do casamento, sempre escondidos no caso de Fernando Henrique Cardoso. Jamais teve a decência de lhe pedir desculpas por um comportamento invariavelmente implicante. injusto e preconceituoso.
Deu para entender, né?
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