Henrique Meirelles e o presidente da Uber, Dara Khosrowshahi Foto: Adriano Machado/Reuters |
Nesta terça-feira dia 1º de novembro o Senado votou um projeto (PLC-28) que deveria ser a regulamentação do Uber e demais aplicativos de transporte privado. Ao contrário do estardalhaço dos apoiadores do Uber, o projeto era muito simples e visava adequar esses aplicativos ao Código de Trânsito Brasileiro. Reduzia a fatia – de 25% para 5% – a fatia dos rendimentos dos motoristas abocanhada pela transnacional norte-americana. Exigia, entre outras coisas, vistoria anual nos veículos, registro dos mesmos no nome dos motoristas e habilitação adequada para o transporte particular de pessoas. Regras básicas de segurança e legalidade.
As previsões sobre o resultado da votação eram amplamente favoráveis à aprovação do projeto. Eis que o presidente-executivo do Uber, Dara Khosrowshahi, em pessoa, veio dos EUA para o Brasil, sendo recebido por senadores e até pelo ministro da Fazenda Henrique Meirelles. Resultado? O projeto foi descaracterizado por emendas que visam deixar o Uber e os demais aplicativos operando acima das leis vigentes. Aprovado por ampla maioria, o novo texto foi remetido novamente à Câmara dos Deputados. Para tal mudança brusca de direção do projeto, é de se imaginar os mimos que a presidência da corporação tenha oferecido aos nossos senadores. O fato de um presidente de uma empresa estrangeira vir ao país e virar radicalmente uma votação no Senado dá dimensão do tamanho da força dessa empresa multinacional.
Ainda vamos pagar caro pela fetichização que a maior parte das pessoas têm pelo Uber. Enquanto ele serve para satisfazer o desejo de parte da população em andar de carro (e se endividar no cartão de crédito), tudo parece lindo. Quando a “plataforma” for aplicada nas demais profissões [1], muitos vão hipocritamente se perguntar como isso aconteceu. A “uberização” do mercado de trabalho vai nos deixar com saudade da reforma trabalhista de Michel Temer. A “uberização” do mundo do trabalho vem sendo objeto de estudos e de severas críticas por parte dos organismos internacionais, como a Organização Internacional do Trabalho. Vários países europeus já se mobilizaram para impedir o Uber em seus territórios. O exemplo mais recente é o de Londres, onde o aplicativo teve sua licença cancelada
O governo brasileiro e o grande capital tentam vender o Uber como saída para o desemprego que atinge cerca de 14 milhões de brasileiros. O discurso do Uber para seus “parceiros” (como chama os motoristas, para não denotar vínculo empregatício) é o mesmo que os governos neoliberais usam para a população em geral: “se houver qualquer regulamentação o aplicativo ficará inviável! (…) Teremos que encerrar as atividades!” Exatamente igual às falas do tipo “a reforma trabalhista é necessária para gerar empregos”, como se a culpa do desemprego fosse dos direitos do trabalhador. Pura lorota. O Uber pagar mais impostos e seguir regras básicas de funcionamento e segurança não inviabiliza sistema nenhum. Mas prevalece a ganância de ganhar mais às custas do trabalho dos motoristas.
Ao contrário do que se pensa, não está em questão uma disputa entre taxistas e motoristas sem alvará para o serviço [2] – mas a soberania e proteção ao trabalho. O Uber é o suprassumo dos desejos dos empresários, por estabelecer uma clara relação de trabalho sem proteção laboral, convertendo o trabalhador em “responsável” pela sua própria remuneração. Com a miserável remuneração das corridas do Uber, um/uma motorista do aplicativo trabalha em média de 10 a 12 horas por dia. Não há qualquer tipo de lei trabalhista que dê conta de proteger os motoristas de aplicativos, até porque, como ressaltamos, do ponto de vista legal essa modalidade de trabalho sequer existe para a legislação trabalhista e de trânsito brasileira.
A Uber, que diz ser uma empresa de tecnologia, mas opera no mercado de transporte sem ter um veículo sequer, tem objetivos muito mais lucrativos do que transportar pessoas. Suas metas passam por mapear o comportamento de todos os cidadãos, criando assim uma rede de informações vendável, sem nenhum controle estatal. Se conseguirem quebrar o táxi de vez, monopolizarão o mercado e poderão impor os preços, objetivo primordial de qualquer monopólio.
* Roberto Santana Santos é Historiador e secretário-executivo da REGGEN-UNESCO. Doutorando em Políticas Públicas pela UERJ. João Claudio Platenik Pitillo é Historiador e pesquisador do Núcleo de Estudos das Américas da UERJ. Doutorando em História Social pela UNIRIO.
Notas:
1 - A prefeitura de Ribeirão Preto/SP do PSDB tentou fazer um “Uber” para professores recentemente. Após críticas o projeto está paralisado, por enquanto. https://www.cartacapital.com.br/sociedade/professor-uber-a-precarizacao-do-trabalho-invade-as-salas-de-aula
2 - https://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2017/11/01/a-questao-principal-nao-e-uber-vs-taxis-mas-uber-vs-trabalhadores/
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