Por João Paulo Cunha, no jornal Brasil de Fato:
A sessão do Supremo Tribunal Federal que negou o habeas corpus ao ex-presidente Lula pode ser analisada por vários olhares, do campo jurídico ao político. No entanto, há uma dimensão simbólica, que não foi muito falada, mas que ficou explícita na tarde de quarta-feira: a falsidade. Tudo era mentira: os atores, o cenário, o enredo e o contexto. Talvez emane daí o sentimento de engano que tomou conta de quem acompanhava aquele espetáculo deprimente.
Os ministros vestiam máscaras falsas de imparcialidade, mesmo que todos soubessem qual seria o voto de cada um deles. Se escondiam atrás de pilhas de livros, como se suas decisões fossem resultado de muito estudo e cuidado com a doutrina. Lançavam mão de linguajar aparentemente técnico e erudito, que servia como barreira para impedir um diálogo compreensível com a sociedade. O uso de expressões em desuso, de sintaxe cheia de volteios e de uma retórica bacharelesca apenas serviu para marcar a distância entre a corte e a sociedade.
O ambiente também mandava seus sinais de falsidade, tentando ostentar uma atmosfera de respeito, ao tempo em que era atravessado pela sombra das pressões de toda a natureza. As ameaças que se abateram sobre o tribunal em certa medida foram provocados pela própria desídia da presidente da casa, Cármen Lúcia. A ministra deixou de seguir a ordem natural e cronológica das ações que aguardavam decisão do tribunal, julgando o caso particular antes do geral. Foi acusada por seus próprios pares de armar uma cilada, o que engoliu covardemente. Se isso não é se apequenar, é no mínimo patrocinar uma chicana.
O constrangimento máximo veio da caserna, em um mísero tuíte, como se não precisasse mais que poucas palavras jogadas na rede para exercer a sanha de afronta à lei. Duas linhas de texto foram um rastilho que acendeu os instintos castrenses autoritários. Mas houve outros movimentos de pressão ilegítima e violenta e estratégias articuladas pela imprensa empresarial. Chegando ao cúmulo de declarações de funcionários públicos que se aventuraram a fazer jejum com objetivos compungidamente ideológicos.
A transmissão ao vivo do vexaminoso ato escancarava ainda a falta de liderança da presidente da sessão, que a tudo conduzia com ar acuado e sombriamente traiçoeiro. Como quem dirige uma comédia de erros de final esperado, fingia atenção a todos os lances, enquanto salivava com o banquete podre que preparava para a instituição. Ao final, o STF foi na direção contrária de sua missão, criando um clima de instabilidade e divisão na sociedade.
A falsidade da farsa encenada e transmitida ao vivo foi além dos personagens e do ambiente. O roteiro que fazia a cena avançar também estava atravessado de mentiras. Não se julgou o habeas corpus, mas o significado do ex-presidente Lula na vida política brasileira. A inviabilidade eleitoral era uma das entregas do golpe que começou com o impeachment. A sessão no STF preparou a cama para melar o potencial democrático da eleição. Foi esse o sentido da reunião no enredo mais amplo do golpe.
O voto da ministra Rosa Weber, esperado com certa ingenuidade como uma possibilidade de manifestação de independência, reforçou o sentido de preparação prévia do julgamento. Foi a mais falsa das falsidades. A ministra votou contra suas convicções, argumentando que seguia a decisão do colegiado, já que era uma decisão mais de procedimento que de substância. Com isso, deixaria a afirmação de seu juízo para uma votação em torno de princípios. Pode parecer confuso, mas é transparente: ela seguiu a maioria, contra sua consciência, para reservar o uso da mesma quando ela não terá mais utilidade para o direito ou para o país. Nem para sua biografia.
Completando o arco de mentiras que se abateu sobre o país, é preciso destacar a falsidade do contexto. O Supremo Tribunal Federal, na tarde e noite de quarta-feira, não era supremo, já que abriu mão de julgar o que era devido à Constituição. Não foi um tribunal, mas um colegiado amedrontado por pressões, contra as quais apenas um ministro se manifestou. E não era federal, mas assumidamente paroquial e antirrepublicano.
Quando a política e o direito são incapazes de explicar integralmente o sentimento que fere a pele, indigna o coração e açoda a consciência, talvez a compreensão da realidade como teatro acrescente alguns elementos. A história do golpe na vida política brasileira mais uma vez se repete como farsa. A capacidade de responder ao arbítrio, no entanto, não pode tomar os mesmos caminhos contumazes, entre o abatimento, a divisão e o sentimento de derrota.
No momento do balanço e da preparação para a resistência, de todas as mentiras atoladas goela abaixo a maior delas é a que apela à conciliação. Não se trata apenas de luta de classes. Não pode haver acordo com canalhas.
A sessão do Supremo Tribunal Federal que negou o habeas corpus ao ex-presidente Lula pode ser analisada por vários olhares, do campo jurídico ao político. No entanto, há uma dimensão simbólica, que não foi muito falada, mas que ficou explícita na tarde de quarta-feira: a falsidade. Tudo era mentira: os atores, o cenário, o enredo e o contexto. Talvez emane daí o sentimento de engano que tomou conta de quem acompanhava aquele espetáculo deprimente.
Os ministros vestiam máscaras falsas de imparcialidade, mesmo que todos soubessem qual seria o voto de cada um deles. Se escondiam atrás de pilhas de livros, como se suas decisões fossem resultado de muito estudo e cuidado com a doutrina. Lançavam mão de linguajar aparentemente técnico e erudito, que servia como barreira para impedir um diálogo compreensível com a sociedade. O uso de expressões em desuso, de sintaxe cheia de volteios e de uma retórica bacharelesca apenas serviu para marcar a distância entre a corte e a sociedade.
O ambiente também mandava seus sinais de falsidade, tentando ostentar uma atmosfera de respeito, ao tempo em que era atravessado pela sombra das pressões de toda a natureza. As ameaças que se abateram sobre o tribunal em certa medida foram provocados pela própria desídia da presidente da casa, Cármen Lúcia. A ministra deixou de seguir a ordem natural e cronológica das ações que aguardavam decisão do tribunal, julgando o caso particular antes do geral. Foi acusada por seus próprios pares de armar uma cilada, o que engoliu covardemente. Se isso não é se apequenar, é no mínimo patrocinar uma chicana.
O constrangimento máximo veio da caserna, em um mísero tuíte, como se não precisasse mais que poucas palavras jogadas na rede para exercer a sanha de afronta à lei. Duas linhas de texto foram um rastilho que acendeu os instintos castrenses autoritários. Mas houve outros movimentos de pressão ilegítima e violenta e estratégias articuladas pela imprensa empresarial. Chegando ao cúmulo de declarações de funcionários públicos que se aventuraram a fazer jejum com objetivos compungidamente ideológicos.
A transmissão ao vivo do vexaminoso ato escancarava ainda a falta de liderança da presidente da sessão, que a tudo conduzia com ar acuado e sombriamente traiçoeiro. Como quem dirige uma comédia de erros de final esperado, fingia atenção a todos os lances, enquanto salivava com o banquete podre que preparava para a instituição. Ao final, o STF foi na direção contrária de sua missão, criando um clima de instabilidade e divisão na sociedade.
A falsidade da farsa encenada e transmitida ao vivo foi além dos personagens e do ambiente. O roteiro que fazia a cena avançar também estava atravessado de mentiras. Não se julgou o habeas corpus, mas o significado do ex-presidente Lula na vida política brasileira. A inviabilidade eleitoral era uma das entregas do golpe que começou com o impeachment. A sessão no STF preparou a cama para melar o potencial democrático da eleição. Foi esse o sentido da reunião no enredo mais amplo do golpe.
O voto da ministra Rosa Weber, esperado com certa ingenuidade como uma possibilidade de manifestação de independência, reforçou o sentido de preparação prévia do julgamento. Foi a mais falsa das falsidades. A ministra votou contra suas convicções, argumentando que seguia a decisão do colegiado, já que era uma decisão mais de procedimento que de substância. Com isso, deixaria a afirmação de seu juízo para uma votação em torno de princípios. Pode parecer confuso, mas é transparente: ela seguiu a maioria, contra sua consciência, para reservar o uso da mesma quando ela não terá mais utilidade para o direito ou para o país. Nem para sua biografia.
Completando o arco de mentiras que se abateu sobre o país, é preciso destacar a falsidade do contexto. O Supremo Tribunal Federal, na tarde e noite de quarta-feira, não era supremo, já que abriu mão de julgar o que era devido à Constituição. Não foi um tribunal, mas um colegiado amedrontado por pressões, contra as quais apenas um ministro se manifestou. E não era federal, mas assumidamente paroquial e antirrepublicano.
Quando a política e o direito são incapazes de explicar integralmente o sentimento que fere a pele, indigna o coração e açoda a consciência, talvez a compreensão da realidade como teatro acrescente alguns elementos. A história do golpe na vida política brasileira mais uma vez se repete como farsa. A capacidade de responder ao arbítrio, no entanto, não pode tomar os mesmos caminhos contumazes, entre o abatimento, a divisão e o sentimento de derrota.
No momento do balanço e da preparação para a resistência, de todas as mentiras atoladas goela abaixo a maior delas é a que apela à conciliação. Não se trata apenas de luta de classes. Não pode haver acordo com canalhas.
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