Por Gustavo Noronha, no site Brasil Debate:
Os primeiros sinais de ressurgimento de uma alternativa fascista no cenário político brasileiro teve seu ovo da serpente chocado nas eleições de 2010. Naquela ocasião, já era possível perceber na campanha presidencial de José Serra, que adotava naquela eleição um discurso cada vez mais reacionário, a reboque de uma elite conservadora espelhada numa mídia perdida. Se nunca pareceu razoável que o PSDB incorporasse uma agenda fascista, a postura na campanha permitiu que estes setores, que antes tinham cautela em expressar abertamente suas opiniões, agora manifestem livremente suas agendas.
Se antes o debate sobre a ascensão do fascismo era restrito a círculos mais acadêmicos, a dimensão política que o fenômeno tomou no Brasil torna necessário um debate público e urgente sobre a questão. E como é um termo que normalmente causa confusão, convém demarcar o início da discussão com a definição do que seja o fascismo.
Robert Paxton, um dos maiores estudiosos sobre o tema, entende, no seu livro Anatomia do Fascismo, que o “fascismo é um sistema de autoridade política e ordem social que tem o objetivo de reforçar a unidade, a energia e a pureza de comunidades nas quais a democracia liberal é acusada de produzir divisão e declínio”. A seguir ele complementa ao classificar como “uma forma de comportamento político marcado pela preocupação obsessiva com o declínio da comunidade, com a humilhação e a vitimização e pelo culto compensatório da unidade, energia e pureza, na qual um partido de massas de militantes nacionalistas, trabalhando em colaboração desconfortável mas efetiva com as elites tradicionais, abandona as liberdades democráticas e busca através de violência redentora e sem controles éticos ou legais objetivos de limpeza interna e expansão externa”.
Um ponto importante também da abordagem de Paxton é que “os líderes fascistas não faziam segredo de não terem um programa. Mussolini exaltava essa ausência”. Ele acrescenta ainda que “os programas eram informais e fluídos” e que os fascistas faziam as concessões necessárias para “conquistar aliados e subir ao poder”. O que ocorria era que os intelectuais que ajudavam na sua elaboração programática acabavam renegados. O que os movimentos fascistas sempre fizeram foi uma “radical instrumentalização da verdade” e alteravam seu programa com frequência e sem sequer se dar ao trabalho de escrever uma justificação casuística que fosse.
Nas palavras do ministro da propaganda nazista, Goebbels, “não tinha sentido procurar converter os intelectuais. Isto porque os intelectuais nunca se converteriam e, de qualquer modo, sempre se renderiam aos mais fortes, este sempre será o ‘homem comum’. Os argumentos devem, portanto, ser grosseiros, claros e fortes, e apelar para emoções e instintos, não para o intelecto. A verdade não era importante e estava inteiramente subordinada à tática e à psicologia.”
Neste sentido, aparecem os dois temas que foram massificados nos últimos anos pela mídia hegemônica como os grandes males do Brasil, a corrupção e a suposta farra fiscal da era PT no governo. Os roubos e desvios apurados na Lava Jato são apregoados como o maior escândalo de corrupção da história do Brasil. Por outro lado, os problemas na economia se sustentam, pela narrativa hegemônica, na ideia de que o orçamento público funcionaria como uma família ou firma, não podendo o governo gastar mais do que aquilo que arrecada.
A construção do discurso midiático procura entrelaçar as temáticas e construir a ideia subjacente de que um governo cuja estratégia econômica esteja centrada no dispêndio público é intrinsecamente corrupto. Impõe-se no imaginário popular que o governo gasta demais não porque seria necessário, mas porque existiria um custo implícito relativo à corrupção em cada gasto público.
Os que acreditam no que dizem os grandes órgãos de imprensa têm a certeza de que, sem os corruptos, estaríamos na Suécia. Ou seja, mesmo que os economistas ortodoxos mais sérios não coadunem com a formulação, vende-se subliminarmente a ideia de que, uma vez resolvida corrupção, as eventuais necessidades de ajuste fiscal seriam minoradas.
Desde as eleições de 2014, quando a coalização liderada pelo PT sinalizou claramente que aprofundaria o projeto neodesenvolvimentista na direção das grandes demandas apresentadas nas ruas em 2013 e fez a opção política de incorporar a agenda econômica da oposição de direita derrotada no segundo turno, o terreno ficou mais fértil para soluções de ordem fascista. O golpe foi viável porque a escolha não trouxe os apoiadores do adversário e corroeu a base social de apoio ao governo.
Instalou-se, então, uma clássica crise de hegemonia no sentido Gramsciano, com uma separação das grandes massas de suas ideologias tradicionais e o abandono de suas crenças anteriores. Os representados da nossa democracia não mais se enxergavam em seus representantes.
A grande mídia assumiu a liderança da classe dominante e desde então tenta impor sua pauta. Os partidos tradicionais de direita hoje desapareceram como força eleitoral e estão a reboque da extrema-direita, da solução fascista. Nos termos de Polanyi: “A solução fascista do impasse atingido pelo capitalismo liberal pode ser descrita como uma reforma da economia de mercado, alcançada ao preço da extinção de todas as instituições democráticas, tanto no campo industrial como no político”.
A lembrança da bonança da gestão do ex-presidente Lula ainda oferece alguma resistência pelo Lulismo. Esta resistência não foi suficiente, contudo, para impedir que seu líder fosse preso e impedido de disputar as eleições.
As possibilidades reais de vitória fascista no processo eleitoral nos remete de volta a Paxton e seus cinco estágios para ascensão do fascismo. Seu texto, que ajuda muito a compreender o que se passa no Brasil de hoje e os perigos do porvir, apresenta com três questionamentos que devemos fazer sobre os movimentos neo ou protofascistas que os permitiria superar um estágio nos quais seria impossível detê-los:
“1. Eles estão se tornando enraizados em partidos que representam grandes interesses e sentimentos e conseguem ampla influência na cena política?
2. O sistema econômico e constitucional está num estado de bloqueio aparentemente insolúvel pelas autoridades existentes?
3. Uma rápida mobilização política está ameaçando sair do controle das elites tradicionais ao ponto que elas busquem ajuda para manter a ordem?”
Intuitivamente se percebe que as respostas para o cenário brasileiro não são muito animadoras. E fica a pergunta: O que fazer?
Retomando Gramsci, o cenário continua incerto. A crise de hegemonia ainda não se resolveu com a retomada do controle pela classe dominante. A maioria da população ainda aposta no processo eleitoral como caminho para a volta da normalidade. Os setores conservadores que deram o golpe ainda não sabem exatamente qual o objetivo a não ser a definição de um inimigo, como nos fascismos, no caso o PT e a esquerda (inclusive aqueles que se opuseram ao PT pela esquerda).
E mais uma vez voltando a Paxton, há no fascismo “uma visão conspiratória e maniqueísta da história como uma batalha entre os campos do bem e do mal, entre os puros e os corruptos, da qual a própria comunidade ou nação é sempre vítima”. O anúncio por Jair Bolsonaro de que sua derrota só poderia ocorrer em caso de fraude, dá uma sinalização de que caminho eles pretendem trilhar. O combate ao fascismo agora precisa ser franco, aberto e ousado. É tempo de uma frente ampla antifascista não apenas nas urnas, mas também nas ruas.
Os primeiros sinais de ressurgimento de uma alternativa fascista no cenário político brasileiro teve seu ovo da serpente chocado nas eleições de 2010. Naquela ocasião, já era possível perceber na campanha presidencial de José Serra, que adotava naquela eleição um discurso cada vez mais reacionário, a reboque de uma elite conservadora espelhada numa mídia perdida. Se nunca pareceu razoável que o PSDB incorporasse uma agenda fascista, a postura na campanha permitiu que estes setores, que antes tinham cautela em expressar abertamente suas opiniões, agora manifestem livremente suas agendas.
Se antes o debate sobre a ascensão do fascismo era restrito a círculos mais acadêmicos, a dimensão política que o fenômeno tomou no Brasil torna necessário um debate público e urgente sobre a questão. E como é um termo que normalmente causa confusão, convém demarcar o início da discussão com a definição do que seja o fascismo.
Robert Paxton, um dos maiores estudiosos sobre o tema, entende, no seu livro Anatomia do Fascismo, que o “fascismo é um sistema de autoridade política e ordem social que tem o objetivo de reforçar a unidade, a energia e a pureza de comunidades nas quais a democracia liberal é acusada de produzir divisão e declínio”. A seguir ele complementa ao classificar como “uma forma de comportamento político marcado pela preocupação obsessiva com o declínio da comunidade, com a humilhação e a vitimização e pelo culto compensatório da unidade, energia e pureza, na qual um partido de massas de militantes nacionalistas, trabalhando em colaboração desconfortável mas efetiva com as elites tradicionais, abandona as liberdades democráticas e busca através de violência redentora e sem controles éticos ou legais objetivos de limpeza interna e expansão externa”.
Um ponto importante também da abordagem de Paxton é que “os líderes fascistas não faziam segredo de não terem um programa. Mussolini exaltava essa ausência”. Ele acrescenta ainda que “os programas eram informais e fluídos” e que os fascistas faziam as concessões necessárias para “conquistar aliados e subir ao poder”. O que ocorria era que os intelectuais que ajudavam na sua elaboração programática acabavam renegados. O que os movimentos fascistas sempre fizeram foi uma “radical instrumentalização da verdade” e alteravam seu programa com frequência e sem sequer se dar ao trabalho de escrever uma justificação casuística que fosse.
Nas palavras do ministro da propaganda nazista, Goebbels, “não tinha sentido procurar converter os intelectuais. Isto porque os intelectuais nunca se converteriam e, de qualquer modo, sempre se renderiam aos mais fortes, este sempre será o ‘homem comum’. Os argumentos devem, portanto, ser grosseiros, claros e fortes, e apelar para emoções e instintos, não para o intelecto. A verdade não era importante e estava inteiramente subordinada à tática e à psicologia.”
Neste sentido, aparecem os dois temas que foram massificados nos últimos anos pela mídia hegemônica como os grandes males do Brasil, a corrupção e a suposta farra fiscal da era PT no governo. Os roubos e desvios apurados na Lava Jato são apregoados como o maior escândalo de corrupção da história do Brasil. Por outro lado, os problemas na economia se sustentam, pela narrativa hegemônica, na ideia de que o orçamento público funcionaria como uma família ou firma, não podendo o governo gastar mais do que aquilo que arrecada.
A construção do discurso midiático procura entrelaçar as temáticas e construir a ideia subjacente de que um governo cuja estratégia econômica esteja centrada no dispêndio público é intrinsecamente corrupto. Impõe-se no imaginário popular que o governo gasta demais não porque seria necessário, mas porque existiria um custo implícito relativo à corrupção em cada gasto público.
Os que acreditam no que dizem os grandes órgãos de imprensa têm a certeza de que, sem os corruptos, estaríamos na Suécia. Ou seja, mesmo que os economistas ortodoxos mais sérios não coadunem com a formulação, vende-se subliminarmente a ideia de que, uma vez resolvida corrupção, as eventuais necessidades de ajuste fiscal seriam minoradas.
Desde as eleições de 2014, quando a coalização liderada pelo PT sinalizou claramente que aprofundaria o projeto neodesenvolvimentista na direção das grandes demandas apresentadas nas ruas em 2013 e fez a opção política de incorporar a agenda econômica da oposição de direita derrotada no segundo turno, o terreno ficou mais fértil para soluções de ordem fascista. O golpe foi viável porque a escolha não trouxe os apoiadores do adversário e corroeu a base social de apoio ao governo.
Instalou-se, então, uma clássica crise de hegemonia no sentido Gramsciano, com uma separação das grandes massas de suas ideologias tradicionais e o abandono de suas crenças anteriores. Os representados da nossa democracia não mais se enxergavam em seus representantes.
A grande mídia assumiu a liderança da classe dominante e desde então tenta impor sua pauta. Os partidos tradicionais de direita hoje desapareceram como força eleitoral e estão a reboque da extrema-direita, da solução fascista. Nos termos de Polanyi: “A solução fascista do impasse atingido pelo capitalismo liberal pode ser descrita como uma reforma da economia de mercado, alcançada ao preço da extinção de todas as instituições democráticas, tanto no campo industrial como no político”.
A lembrança da bonança da gestão do ex-presidente Lula ainda oferece alguma resistência pelo Lulismo. Esta resistência não foi suficiente, contudo, para impedir que seu líder fosse preso e impedido de disputar as eleições.
As possibilidades reais de vitória fascista no processo eleitoral nos remete de volta a Paxton e seus cinco estágios para ascensão do fascismo. Seu texto, que ajuda muito a compreender o que se passa no Brasil de hoje e os perigos do porvir, apresenta com três questionamentos que devemos fazer sobre os movimentos neo ou protofascistas que os permitiria superar um estágio nos quais seria impossível detê-los:
“1. Eles estão se tornando enraizados em partidos que representam grandes interesses e sentimentos e conseguem ampla influência na cena política?
2. O sistema econômico e constitucional está num estado de bloqueio aparentemente insolúvel pelas autoridades existentes?
3. Uma rápida mobilização política está ameaçando sair do controle das elites tradicionais ao ponto que elas busquem ajuda para manter a ordem?”
Intuitivamente se percebe que as respostas para o cenário brasileiro não são muito animadoras. E fica a pergunta: O que fazer?
Retomando Gramsci, o cenário continua incerto. A crise de hegemonia ainda não se resolveu com a retomada do controle pela classe dominante. A maioria da população ainda aposta no processo eleitoral como caminho para a volta da normalidade. Os setores conservadores que deram o golpe ainda não sabem exatamente qual o objetivo a não ser a definição de um inimigo, como nos fascismos, no caso o PT e a esquerda (inclusive aqueles que se opuseram ao PT pela esquerda).
E mais uma vez voltando a Paxton, há no fascismo “uma visão conspiratória e maniqueísta da história como uma batalha entre os campos do bem e do mal, entre os puros e os corruptos, da qual a própria comunidade ou nação é sempre vítima”. O anúncio por Jair Bolsonaro de que sua derrota só poderia ocorrer em caso de fraude, dá uma sinalização de que caminho eles pretendem trilhar. O combate ao fascismo agora precisa ser franco, aberto e ousado. É tempo de uma frente ampla antifascista não apenas nas urnas, mas também nas ruas.
0 comentários:
Postar um comentário