Por Lu Sudré, no jornal Brasil de Fato:
Conseguir um emprego, entrar na faculdade e construir uma vida estável. Esses são os objetivos de qualquer jovem entre 18 e 24 anos. No entanto, essa parcela da população é uma das mais afetadas pela crise econômica que assola o país e a consequências desse cenário vão muito além de questões financeiras.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que, em 2018, o índice de desemprego entre os jovens brasileiros foi de 25,2% e atingiu 11,6% da população em geral. Ou seja: a probabilidade de um jovem estar desocupado é duas vezes maior do que a do restante dos brasileiros. Os números mostram que a realidade daqueles que daqui há alguns anos deveriam compor a centralidade da força produtiva do país é desanimadora.
Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgada na última quarta-feira (20), também alerta que além dos jovens enfrentaremmais dificuldades para conseguir trabalho, quando empregados, são os mais vulneráveis à demissão.
De novembro do ano passado a janeiro deste ano, a taxa de crescimento de ocupação foi de 0,9%. Porém, para as pessoas que possuem de 18 a 24 anos, houve uma retração de 1,3%.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o economista Euzébio Jorge Silveira de Souza explica que a crise socioeconômica faz com que os jovens tenham que ingressar cada vez mais cedo no mercado de trabalho para ajudar a composição da renda familiar, o que impulsiona um ciclo de precarização.
“Isso gera um efeito de redução das expectativas, das perspectivas de crescimento, de mobilidade social desses jovens, o que impacta diretamente a elevação do desemprego, porque jovens que não estavam pressionando o mercado de trabalho, passam a pressionar”, comenta.
Segundo o economista, esse quadro gera desesperança e desalento na juventude. ”Eles estão vendo um país com uma pobreza crescente, um país muito desigual. Os jovens mais pobres, sobretudo, não enxergam no mercado de trabalho uma perspectiva para superarem sua condição de pobreza”, acrescenta o presidente do Centro de Estudos e Memória da Juventude (CEMJ).
Para Euzébio, além da ausência de postos de trabalho, a alta rotatividade é outro fator que faz com que a realidade socioeconômica se agrave. “A rotatividade está vinculada a uma permanência na informalidade, em vínculos desestruturados de emprego”, critica, apontando como exemplojovens que só encontram trabalho em funções precarizadas, sem direitos trabalhistas:, entregadores ou motoristas de aplicativos.
“Quando olham para o horizonte, sobretudo em um país em crise, com um mercado de trabalho desestruturado, existe a percepção que eles vão continuar em uma ocupação com baixo salário, instável”, lamenta, ao opinar que nestes postos de trabalhos os jovens não adquirem uma qualificação que posteriormente pode se converter em um vínculo de ocupação mais estável.
Reforma para quem?
Aprovada em dezembro de 2017 pelo governo Temer, a reforma trabalhista tem um grande peso nessa equação. Enquanto a promessa de Henrique Meirelles era a criação de 6 milhões de empregos, de acordo com estatísticas sistematizadas pelo Ministério do Trabalho baseadas no saldo de empregos de julho do ano passado, desde a aprovação da Lei 13.467/17 foram gerados apenas 50.545 postos de empregos formais.
No período de novembro de 2017 a julho de 2018, foram gerados 26.300 postos intermitentes e 13.320 parciais, ou seja, 78,4% do saldo de empregos após a reforma a esse corresponde a esses dois tipos de contratação. O contrato intermitente pode ou não ser provisório, mas, nessa modalidade, o trabalhador é remunerado apenas pela hora efetivamente trabalhada no mês, com a necessidade de estar à disposição do empregador, sem salário fixo. Já o contrato parcial é uma jornada fixa porém reduzida.
“Vivemos um cenário de bastante desalento. Isso pode ocasionar, inclusive,uma ampliação da taxa de subutilização das forças de trabalho. Os jovens passam a não buscar mais uma ocupação no mercado de trabalho, não porque não precisam ou porque não gostariam, mas porque não conseguem mais trabalhar. Pessoas que poderiam trabalhar mas não estão trabalhando. Poderiam procurar emprego mas não têm dinheiro pra procurar emprego”, diz.
Saúde mental
Criada pelo IBGE para se referir a essa parcela da população que não tem esperança de encontrar emprego, a expressão “desalentados” vai muito além do mercado de trabalho. O ato de desistir de tentar uma realocação também pode causar danos na saúde mental dos jovens. É o que avalia Renata Paparelli, psicóloga e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o cenário de falta de oportunidades influencia diretamente na saúde mental dos jovens.
“Uma das questões extremamente importantes na juventude é a construção de um projeto de futuro, que acaba alicerçando ações e trazendo uma noção de trajetória que alenta sonhos e propicia reflexões sobre o futuro. O que identificamos em tempos de crise é algo que desgasta essa possibilidade da construção de um projeto de um futuro, de uma trajetória na qual não exista dependência econômica, de moradia, da família”, afirma a psicóloga.
Docente na área de saúde mental relacionada ao trabalhado, Paparelli não tem dúvida em seu diagnóstico de que a precarização das relações de trabalho atinge a subjetividade do ser humano. “Isso sem dúvida nenhuma vai ter um impacto subjetivo em termos de produção de sofrimento psíquico intenso. Muitos quadros de depressão. Sabemos que no mundo o suicídio vem crescendo principalmente entre jovens e é um fenômeno que podemos esperar aqui também, por conta desse processo. Isso tudo tem a ver com falta de esperança. Falta de esperança no futuro”, projeta.
Segundo a Associação Brasileira de Psicanálise, cerca de 10% dos adolescentes brasileiros estão diagnosticados com depressão.
Para a doutora em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo (USP), outro fator que prejudica a saúde mental dos jovens é a ausência de políticas públicas, o que aprofunda “um cenário extremamente violento, desalentador”. Sem políticas públicas que fomentem a formação, a educação, o lazer e a cultura dos jovens desempregados, de acordo com Paparelli, a juventude sobrevive sem alternativas.
“Esse cenário em que de um lado não há trabalho que possa ser desejado, ou seja, um trabalho não precarizado, e do outro, não haver políticas públicas que deem suporte, é o pior dos cenários. O jovem não tem muito pra onde correr. Ele não tem lazer, não tem educação, não tem esporte e também não tem trabalho”, lamenta.
Segundo a especialista, o desenvolvimento de quadros de transtornos mentais, somado a questões conjunturais e a um sofrimento psíquico profundo é capaz de gerar danos coletivos. “Há uma ausência de políticas públicas em conjunto com um estímulo que vem acontecendo à violência como forma de resolução de problemas e de conflitos. Toda o estímulo do uso de armas, de resolver as coisas na truculência. Tudo isso vai esgarçando as possibilidades de existir um exercício mais coletivo, mais comunitário. Esse esgarçamento coletivo leva a ações desesperadas. O que um menino faz quando mata outros meninos e meninas, e se mata, é um ato de desespero profundo”, analisa, em alusão ao atentado a tiros em Suzano (SP) no dia 13 de março, na Escola Estadual Raul Brasil.
Jovens pagam a conta
Euzébio Jorge, presidente do CEMJ, também critica a não priorização de políticas públicas voltadas para jovens por parte do governo federal. Ele define as medidas de austeridade como uma tentativa de transferir a responsabilidade da crise para os setores mais vulneráveis da sociedade.
“Não tenho dúvida que a ausência de política pública é a questão mais problemática que podemos estar vivendo com relação aos jovens. Seria fundamental que o Estado tivesse uma posição oposta às políticas de austeridade. O que o Estado deveria fazer é ampliar o investimento público, posto que as empresas privadas estão com um nível de incerteza em relação ao futuro que gera cada vez mais insegurança. Quem deveria ampliar o investimento público é o Estado”, argumenta, destacando que políticas de transferência de renda em período de crise cumprem papel fundamental na retomada da atividade econômica.
“Quando se reduz as políticas, também se está reduzindo a capacidade que o país tem de sair da crise e está jogando nas costas desse jovem a responsabilidade sobre seu fracasso. Não é à toa, que nesses momentos aparecem conjuntos de dados equivocados que diz que os jovens não conseguem emprego porque não tem qualificação adequada, ou porque não estão preparados pro mercado de trabalho, sendo que é o mercado de trabalho que não está preparado para absorver essa grande massa de jovens dispostos a contribuir com o crescimento econômico”, finaliza o economista.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que, em 2018, o índice de desemprego entre os jovens brasileiros foi de 25,2% e atingiu 11,6% da população em geral. Ou seja: a probabilidade de um jovem estar desocupado é duas vezes maior do que a do restante dos brasileiros. Os números mostram que a realidade daqueles que daqui há alguns anos deveriam compor a centralidade da força produtiva do país é desanimadora.
Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgada na última quarta-feira (20), também alerta que além dos jovens enfrentaremmais dificuldades para conseguir trabalho, quando empregados, são os mais vulneráveis à demissão.
De novembro do ano passado a janeiro deste ano, a taxa de crescimento de ocupação foi de 0,9%. Porém, para as pessoas que possuem de 18 a 24 anos, houve uma retração de 1,3%.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o economista Euzébio Jorge Silveira de Souza explica que a crise socioeconômica faz com que os jovens tenham que ingressar cada vez mais cedo no mercado de trabalho para ajudar a composição da renda familiar, o que impulsiona um ciclo de precarização.
“Isso gera um efeito de redução das expectativas, das perspectivas de crescimento, de mobilidade social desses jovens, o que impacta diretamente a elevação do desemprego, porque jovens que não estavam pressionando o mercado de trabalho, passam a pressionar”, comenta.
Segundo o economista, esse quadro gera desesperança e desalento na juventude. ”Eles estão vendo um país com uma pobreza crescente, um país muito desigual. Os jovens mais pobres, sobretudo, não enxergam no mercado de trabalho uma perspectiva para superarem sua condição de pobreza”, acrescenta o presidente do Centro de Estudos e Memória da Juventude (CEMJ).
Para Euzébio, além da ausência de postos de trabalho, a alta rotatividade é outro fator que faz com que a realidade socioeconômica se agrave. “A rotatividade está vinculada a uma permanência na informalidade, em vínculos desestruturados de emprego”, critica, apontando como exemplojovens que só encontram trabalho em funções precarizadas, sem direitos trabalhistas:, entregadores ou motoristas de aplicativos.
“Quando olham para o horizonte, sobretudo em um país em crise, com um mercado de trabalho desestruturado, existe a percepção que eles vão continuar em uma ocupação com baixo salário, instável”, lamenta, ao opinar que nestes postos de trabalhos os jovens não adquirem uma qualificação que posteriormente pode se converter em um vínculo de ocupação mais estável.
Reforma para quem?
Aprovada em dezembro de 2017 pelo governo Temer, a reforma trabalhista tem um grande peso nessa equação. Enquanto a promessa de Henrique Meirelles era a criação de 6 milhões de empregos, de acordo com estatísticas sistematizadas pelo Ministério do Trabalho baseadas no saldo de empregos de julho do ano passado, desde a aprovação da Lei 13.467/17 foram gerados apenas 50.545 postos de empregos formais.
No período de novembro de 2017 a julho de 2018, foram gerados 26.300 postos intermitentes e 13.320 parciais, ou seja, 78,4% do saldo de empregos após a reforma a esse corresponde a esses dois tipos de contratação. O contrato intermitente pode ou não ser provisório, mas, nessa modalidade, o trabalhador é remunerado apenas pela hora efetivamente trabalhada no mês, com a necessidade de estar à disposição do empregador, sem salário fixo. Já o contrato parcial é uma jornada fixa porém reduzida.
“Vivemos um cenário de bastante desalento. Isso pode ocasionar, inclusive,uma ampliação da taxa de subutilização das forças de trabalho. Os jovens passam a não buscar mais uma ocupação no mercado de trabalho, não porque não precisam ou porque não gostariam, mas porque não conseguem mais trabalhar. Pessoas que poderiam trabalhar mas não estão trabalhando. Poderiam procurar emprego mas não têm dinheiro pra procurar emprego”, diz.
Saúde mental
Criada pelo IBGE para se referir a essa parcela da população que não tem esperança de encontrar emprego, a expressão “desalentados” vai muito além do mercado de trabalho. O ato de desistir de tentar uma realocação também pode causar danos na saúde mental dos jovens. É o que avalia Renata Paparelli, psicóloga e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o cenário de falta de oportunidades influencia diretamente na saúde mental dos jovens.
“Uma das questões extremamente importantes na juventude é a construção de um projeto de futuro, que acaba alicerçando ações e trazendo uma noção de trajetória que alenta sonhos e propicia reflexões sobre o futuro. O que identificamos em tempos de crise é algo que desgasta essa possibilidade da construção de um projeto de um futuro, de uma trajetória na qual não exista dependência econômica, de moradia, da família”, afirma a psicóloga.
Docente na área de saúde mental relacionada ao trabalhado, Paparelli não tem dúvida em seu diagnóstico de que a precarização das relações de trabalho atinge a subjetividade do ser humano. “Isso sem dúvida nenhuma vai ter um impacto subjetivo em termos de produção de sofrimento psíquico intenso. Muitos quadros de depressão. Sabemos que no mundo o suicídio vem crescendo principalmente entre jovens e é um fenômeno que podemos esperar aqui também, por conta desse processo. Isso tudo tem a ver com falta de esperança. Falta de esperança no futuro”, projeta.
Segundo a Associação Brasileira de Psicanálise, cerca de 10% dos adolescentes brasileiros estão diagnosticados com depressão.
Para a doutora em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo (USP), outro fator que prejudica a saúde mental dos jovens é a ausência de políticas públicas, o que aprofunda “um cenário extremamente violento, desalentador”. Sem políticas públicas que fomentem a formação, a educação, o lazer e a cultura dos jovens desempregados, de acordo com Paparelli, a juventude sobrevive sem alternativas.
“Esse cenário em que de um lado não há trabalho que possa ser desejado, ou seja, um trabalho não precarizado, e do outro, não haver políticas públicas que deem suporte, é o pior dos cenários. O jovem não tem muito pra onde correr. Ele não tem lazer, não tem educação, não tem esporte e também não tem trabalho”, lamenta.
Segundo a especialista, o desenvolvimento de quadros de transtornos mentais, somado a questões conjunturais e a um sofrimento psíquico profundo é capaz de gerar danos coletivos. “Há uma ausência de políticas públicas em conjunto com um estímulo que vem acontecendo à violência como forma de resolução de problemas e de conflitos. Toda o estímulo do uso de armas, de resolver as coisas na truculência. Tudo isso vai esgarçando as possibilidades de existir um exercício mais coletivo, mais comunitário. Esse esgarçamento coletivo leva a ações desesperadas. O que um menino faz quando mata outros meninos e meninas, e se mata, é um ato de desespero profundo”, analisa, em alusão ao atentado a tiros em Suzano (SP) no dia 13 de março, na Escola Estadual Raul Brasil.
Jovens pagam a conta
Euzébio Jorge, presidente do CEMJ, também critica a não priorização de políticas públicas voltadas para jovens por parte do governo federal. Ele define as medidas de austeridade como uma tentativa de transferir a responsabilidade da crise para os setores mais vulneráveis da sociedade.
“Não tenho dúvida que a ausência de política pública é a questão mais problemática que podemos estar vivendo com relação aos jovens. Seria fundamental que o Estado tivesse uma posição oposta às políticas de austeridade. O que o Estado deveria fazer é ampliar o investimento público, posto que as empresas privadas estão com um nível de incerteza em relação ao futuro que gera cada vez mais insegurança. Quem deveria ampliar o investimento público é o Estado”, argumenta, destacando que políticas de transferência de renda em período de crise cumprem papel fundamental na retomada da atividade econômica.
“Quando se reduz as políticas, também se está reduzindo a capacidade que o país tem de sair da crise e está jogando nas costas desse jovem a responsabilidade sobre seu fracasso. Não é à toa, que nesses momentos aparecem conjuntos de dados equivocados que diz que os jovens não conseguem emprego porque não tem qualificação adequada, ou porque não estão preparados pro mercado de trabalho, sendo que é o mercado de trabalho que não está preparado para absorver essa grande massa de jovens dispostos a contribuir com o crescimento econômico”, finaliza o economista.
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