Por Gabriel Brito, no site Correio da Cidadania:
Festejada por setores hegemônicos da política, do capital e da mídia, a presidência de Mauricio Macri na Argentina chega ao final de seu mandato sob um silêncio indicativo de seu fiasco. Como revelado pelo Instituto Nacional de Estatísticas e Censos da República Argentina, a pobreza e a indigência atingem praticamente 40% da população. No horizonte, um cenário eleitoral pouco animador. É sobre isso que o Correio conversou com Carlos Eduardo Vidigal, professor do departamento de História da UnB com especialidade no país vizinho.
Sobre os resultados econômicos, Vidigal afirma que o presidente ignorou as experiências de recorte liberal dos anos 90 e enumerou razões dos maus resultados: “gradualismo das medidas, que, ao não produzirem efeitos mais imediatos, minou a confiança dos agentes econômicos; b) a diminuição da retenção de valores (taxação extra das exportações do agronegócio e de combustíveis aplicada pelo governo Cristina Kirchner) e a baixa competitividade da economia argentina, em termos gerais, em um cenário internacional de protecionismo e altíssima competição”.
Em meio a isso, algumas movimentações nos segmentos populares agitam a política interna, a exemplo das questões feministas, que lograram igualdade de gênero na distribuição de vagas ao Congresso já neta eleição, e o pragmático movimento sindical. Além de comentar a relação com o novo governo brasileiro, Vidigal vislumbra para as eleições presidenciais de novembro um cenário carente de novidades.
“O problema do macrismo é que se a economia não der sinais de recuperação, acompanhada da estabilização monetária e alguma recomposição dos salários, dificilmente o governo chegará em boas condições às eleições. Entretanto, o que potencializa possível candidatura de Maria Eugenia Vidal são as divisões do peronismo (quadro que poderá se modificar nos próximos meses) e as denúncias de corrupção contra Cristina Kirchner”.
A entrevista completa com Carlos Eduardo Vidigal pode ser lida a seguir.
O INDEC (Instituto Nacional de Estatísticas e Censos da República Argentina) acaba de publicar estudo que afirma o aumento da pobreza e da indigência no país para 32% e 6,7% respectivamente. A que se deve o aumento desses indicadores em sua compreensão?
A deterioração econômica da Argentina remonta aos anos 2007-2008, com algumas oscilações, e tem como principais fatores: a) a desaceleração da economia chinesa e as idas e vindas da economia europeia, áreas que absorvem parte significativa das exportações do país; b) a crise brasileira, em especial a partir de 2013, que provocou queda nas exportações de manufaturados; c) o baixo dinamismo do mercado interno, dependente dos setores primário-exportadores; d) a carestia e a inflação, que têm corroído os salários e a poupança de trabalhadores e da classe média.
Como avaliar os quatro anos de governo Macri, em especial em sua orientação econômica?
Macri foi eleito em 2015 com a promessa de reativar a economia, conter a inflação e gerar empregos, por meio de uma política econômica de corte liberal, ignorando as experiências latino-americanas dos anos 1990, que resultaram em um colapso da economia do país, que à época atingiu os maiores índices de pobreza da história argentina.
Entre as medidas do governo que concorreram para o agravamento da crise, embora seus objetivos fossem a reativação econômica, pode-se citar: a) o gradualismo das medidas, que, ao não produzirem efeitos mais imediatos, minou a confiança dos agentes econômicos; b) a diminuição da retenção de valores (taxação extra das exportações do agronegócio e de combustíveis aplicada pelo governo Cristina Kirchner), uma reivindicação “do campo” – como chamam o agronegócio – que, entretanto, resultou em queda da arrecadação fiscal; e c) a baixa competitividade da economia argentina, em termos gerais, em um cenário internacional de protecionismo e altíssima competição.
Como explicar a imensa depreciação do peso argentino?
É uma decorrência da baixa competitividade da economia argentina, diante do que o governo procura promover exportações por meio da depreciação da moeda.
No campo das lutas sociais, o maior destaque seriam as pautas feministas? Como a igualdade de gênero no Congresso e até a sempre complicada questão da legalização do aborto em contextos mais amplos puderam avançar no país?
As pautas sociais se assemelham ao que vem ocorrendo no Brasil, com a diferença de que Maurício Macri atuou como verdadeiro equilibrista nas últimas eleições provinciais, procurando agradar – principalmente no tema do aborto – sua base de apoio: Igreja católica e setores “conservadores” em geral. Cabe observar que, em relação às pautas feministas, diferentemente do Brasil, o governo argentino se alinha à sociedade.
Algumas manifestações foram contidas pelo governo, como na reunião do G-20, em janeiro, em que tudo transcorreu na normalidade... As dúvidas ficaram por conta dos “argumentos” utilizados pelo governo para conter manifestações.
Que outras movimentações sociais se destacam recentemente?
O movimento sindical argentino tem apresentado, já há alguns anos, maior capacidade de atuação junto ao poder, e atuado de acordo com interesses específicos, notadamente na defesa do emprego, se afastando, de certo modo, de posicionamentos ideológicos do passado.
O líder dos caminhoneiros, Hugo Moyano, tem apoiado o governo Macri, mas pode mudar de posição, como já fez em algumas ocasiões. Moyano, depois de apoiar a reeleição de Cristina Kirchner, se afastou desse campo e se aproximou de Macri.
Com eleições presidenciais para outubro, qual cenário se desenha e quais seriam as principais forças da disputa? Teremos uma repetição do cenário de 2015, macrismo e kirchnerismo, ou outras alternativas devem se destacar?
Analistas argentinos, no primeiro trimestre de 2019, têm considerado mais provável a disputa entre Cristina Fernández de Kirchner e Mauricio Macri, que, eventualmente, poderá ser substituído pela governadora da Província de Buenos Aires, Maria Eugenia Vidal, teoricamente mais competitiva, ou seja, com índices mais baixos de rejeição.
O problema do macrismo é que se a economia não der sinais de recuperação, acompanhada da estabilização monetária e alguma recomposição dos salários, dificilmente o governo chegará em boas condições às eleições.
Entretanto, o que potencializa possível candidatura de Maria Eugenia Vidal são as divisões do peronismo (quadro que poderá se modificar nos próximos meses) e as denúncias de corrupção contra Cristina Kirchner.
Por fim, como o novo governo brasileiro é visto pelas instituições argentinas?
Maurício Macri e seus principais assessores, inicialmente, simpatizaram mais (e apoiaram) Jair Bolsonaro, em razão de seu adversário principal ser Fernando Haddad, do PT, mas com os desencontros e exageros retóricos do novo governo brasileiro, há certo distanciamento, certa precaução, embora haja sintonia no campo econômico e em alguns temas da agenda externa, como a Venezuela e as relações com os Estados Unidos, sem tanta subserviência como a de Brasília.
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