domingo, 10 de janeiro de 2021

Haddad e a derrota moral da 'Folha'

Foto: Ricardo Stuckert
Por Fernando Brito, em seu blog:


Fernando Haddad fez algo que só o qualifica como político e ser humano.

Mostrou que a conveniência nunca pode ser mais importante que a dignidade.

Para Haddad, oriundo da classe média alta paulistana, bem acolhido em círculos acadêmicos e da elite, seria simples e envaidecedor continuar contando com uma coluna semanal na Folha.

Mas a atitude do jornal, que já tornava isso um exercício permanente de tolerância – obrigação, aliás, de homens públicos – chegou a termos intoleráveis no editorial da edição de segunda-feira passada, onde acusava seu colunista da baixeza de afirmar que o ex-prefeito defendia o direito de Lula candidatar-se à presidência porque estaria “esperançoso por uma nova chance” de acabar por substituí-lo na chapa, como em 2018.

E Haddad fez muito bem em não tolerar o intolerável: um jornal que diz acolher sua opinião mas que o julga capaz de um subterfúgio desta natureza torpe.

Não, não é normal agir assim. Imagine, por exemplo se o The New York Times – o qual tantas vezes o jornal paulistano aspira ser, em escala tupiniquim – abrigasse uma coluna de Kamala Harris e escrevesse, em editorial, que a até agora senadora pela Califórnia aceitasse ser companheira de chapa de Joe Biden, “esperançosa por uma chance” de acabar substituindo o veterano político, de 78 anos?

A Folha, sim, é que é dissimulada e covarde, porque vocifera contra o que Bolsonaro é (e que não difere do que sempre sabidamente foi) mas refugiou-se na “Paris da omissão” quando se tratou de entregar a ele o nosso país.

Por isso é que nunca será sequer a sombra do grande jornal norte-americano, até porque este, na hora das decisões, não escolhe o muro e, menos ainda escolheria, sem a coragem de explicitá-lo, um tiranete como o que tiveram por lá ou o temos aqui, desafortunadamente.

Ao menos para este modesto escriba, hoje, Fernando Haddad tornou-se mais digno de, um dia, exercer a Presidência e a escolha de Lula para que o encarnasse em 2018 foi sábia e honrada.

Homens leais, com caráter e dignidade são raros na vida pública e saber reconhecer um deles é dever que independe de ideologias e até de programas políticos. Como é dever discernir entre o palavrório liberal de quem, na “hora H”, por ódios políticos, entrega o país a um canalha.

Ao texto de Haddad.

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Despedida

Fernando Haddad, na Folha

Agradeço ao leitor a consideração que me tenha dispensado. Procurei ser o mais zeloso possível ao ocupar este espaço, trazendo à sua consideração um ponto de vista menos paroquial sobre assuntos de interesse nacional.

Quando fui convidado para ser colunista da Folha, relutei em aceitar. Na época, me incomodava o posicionamento do jornal no segundo turno das eleições de 2018.

Pareceu-me uma falsificação inaceitável um órgão de imprensa que apoiou o golpe militar de 1964 equiparar, em editorial, um professor de teoria democrática a uma aberração saída dos porões da ditadura. Àquela altura, a Folha já sabia que a família Bolsonaro era autoritária e corrupta, mas entendia que a agenda econômica neoliberal de Paulo Guedes compensaria o risco. Teria sido mais correto assumir isso publicamente.

Na semana passada, ocorreu um episódio insólito. Uma jornalista sugeriu, em artigo publicado no Estadão, que o STF mantivesse a condenação de Lula e desconsiderasse as provas de parcialidade de Moro. E por quê? Para evitar que Lula seja candidato em 2022, o que, supostamente, favoreceria a candidatura de Bolsonaro. Reagi, nas redes sociais, afirmando que, diante de tanta infâmia e covardia, restava ao PT reafirmar os argumentos da defesa de Lula e relançá-lo à Presidência.

Em editorial, segunda-feira (4/1), este jornal resolveu me atacar de maneira rebaixada. Incapaz de perceber na minha atitude a defesa do Estado de Direito, interpretou-a como tentativa oportunista de eu próprio obter nova chance de disputar a eleição presidencial, ou seja, que seria um gesto motivado por interesse pessoal mesquinho. Simplesmente desconsiderou que, nos últimos dois anos, em todas as oportunidades, inclusive em entrevista recente ao jornal, defendi sempre a mesma posição, qual seja, a precedência da candidatura de Lula.

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