Por Rodrigo Assis Mesquita, na revista Caros Amigos:
"Na nossa época atual, o discurso e a escrita política consistem, em grande parte, na defesa do indefensável". George Orwell, 1946
O projeto de reforma trabalhista enviado pelo Poder Executivo tinha por objetivo declarado valorizar a negociação coletiva. Relativamente enxuto, o texto original elencava treze situações em que o negociado prevalecia sobre o legislado, qualquer que fosse o resultado do acordo coletivo. Na Câmara dos Deputados, o texto foi substituído por um calhamaço ainda pior que altera a maior parte da CLT.
O discurso é o de que a legislação trabalhista brasileira é arcaica e deve ser modernizada para gerar mais empregos. "Reformar" e "modernizar" são duas palavras que trazem uma sensação positiva. Afinal, você só reforma aquilo que está velho ou quebrado e quase ninguém é contra coisas modernas, como smartphones metálicos, robôs e carros que andam sozinhos.
As palavras têm poder e quem controla a narrativa tem a primeira palavra sobre a opinião pública. Não é à toa que o Governo Federal vem investindo pesado em propaganda na TV, no rádio e na Internet em defesa de reformas que ninguém sabe de onde vêm. Mas "reforma" e "modernização" são apenas palavras que, soltas, não significam nada. Sem informações adicionais e sem debate, cada um preenche o significado das palavras com aquilo que quer, como um emprego digno, melhor salário, mais tempo com a família.
O projeto de reforma foi claramente desenhado para se tornar a anti-CLT, uma Demolição das Leis Trabalhistas embalada numa propaganda de modernização combinada com promessa de empregos e um toque de ameaça. Dizem que ela é urgente, senão algo terrível acontecerá, seja lá o que for.
O estudo da OIT "Emprego mundial e perspectivas sociais 2015: a natureza cambiante do trabalho" analisou dados e estatísticas de 63 países nos últimos 20 anos e concluiu que a diminuição de direitos trabalhistas não estimula a criação de empregos nem diminui o desemprego. No mesmo sentido, relatório de 2015 da OCDE demonstra que a diminuição de direitos trabalhistas em países europeus a partir de 2008 gerou o fechamento de boas vagas e o surgimento de empregos precários.
A propaganda pela reforma contrapõe o "velho" ao "moderno", como se leis antigas se tornassem ruins pelo mero decurso do tempo. A Constituição dos EUA é essencialmente a mesma desde 1789 e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que protege a dignidade humana, é de 1948.
No ensaio "Política e a língua inglesa", de 1946, George Orwell critica o uso de palavras imprecisas no discurso político, de palavras cujo conteúdo é propositalmente indefinido para que o público escute o que quer ouvir e não o que está sendo dito. Às palavras que ele cita, como “justiça”, “realístico”, “fascismo” e “progressista”, poderíamos acrescentar “reforma”.
* Rodrigo Assis Mesquita é Procurador do Trabalho.
"Na nossa época atual, o discurso e a escrita política consistem, em grande parte, na defesa do indefensável". George Orwell, 1946
O projeto de reforma trabalhista enviado pelo Poder Executivo tinha por objetivo declarado valorizar a negociação coletiva. Relativamente enxuto, o texto original elencava treze situações em que o negociado prevalecia sobre o legislado, qualquer que fosse o resultado do acordo coletivo. Na Câmara dos Deputados, o texto foi substituído por um calhamaço ainda pior que altera a maior parte da CLT.
O discurso é o de que a legislação trabalhista brasileira é arcaica e deve ser modernizada para gerar mais empregos. "Reformar" e "modernizar" são duas palavras que trazem uma sensação positiva. Afinal, você só reforma aquilo que está velho ou quebrado e quase ninguém é contra coisas modernas, como smartphones metálicos, robôs e carros que andam sozinhos.
As palavras têm poder e quem controla a narrativa tem a primeira palavra sobre a opinião pública. Não é à toa que o Governo Federal vem investindo pesado em propaganda na TV, no rádio e na Internet em defesa de reformas que ninguém sabe de onde vêm. Mas "reforma" e "modernização" são apenas palavras que, soltas, não significam nada. Sem informações adicionais e sem debate, cada um preenche o significado das palavras com aquilo que quer, como um emprego digno, melhor salário, mais tempo com a família.
O projeto de reforma foi claramente desenhado para se tornar a anti-CLT, uma Demolição das Leis Trabalhistas embalada numa propaganda de modernização combinada com promessa de empregos e um toque de ameaça. Dizem que ela é urgente, senão algo terrível acontecerá, seja lá o que for.
O estudo da OIT "Emprego mundial e perspectivas sociais 2015: a natureza cambiante do trabalho" analisou dados e estatísticas de 63 países nos últimos 20 anos e concluiu que a diminuição de direitos trabalhistas não estimula a criação de empregos nem diminui o desemprego. No mesmo sentido, relatório de 2015 da OCDE demonstra que a diminuição de direitos trabalhistas em países europeus a partir de 2008 gerou o fechamento de boas vagas e o surgimento de empregos precários.
Contra esses dados, o governo federal e o Congresso Nacional oferecem apenas discurso e propaganda. A exposição de motivos do projeto de lei original e a da versão aprovada na Câmara não citam nenhuma pesquisa, nenhuma estatística, nem para refutar os dados apresentados por outras instituições como o Ministério Público do Trabalho. As propagandas atacam o fato da CLT ser de 1941, mas ignoram que, conforme o atual Procurador Geral do Trabalho, mais de 85% da redação original foi alterada e que o marco normativo atual é a Constituição Federal de 1988, lastreada em tratados internacionais.
A propaganda pela reforma contrapõe o "velho" ao "moderno", como se leis antigas se tornassem ruins pelo mero decurso do tempo. A Constituição dos EUA é essencialmente a mesma desde 1789 e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que protege a dignidade humana, é de 1948.
No ensaio "Política e a língua inglesa", de 1946, George Orwell critica o uso de palavras imprecisas no discurso político, de palavras cujo conteúdo é propositalmente indefinido para que o público escute o que quer ouvir e não o que está sendo dito. Às palavras que ele cita, como “justiça”, “realístico”, “fascismo” e “progressista”, poderíamos acrescentar “reforma”.
* Rodrigo Assis Mesquita é Procurador do Trabalho.
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