O processo de regressão social e restrição democrática imposta pelo governo que assumiu o país após o impeachment de Dilma Rousseff deixa uma lição clara: fazer comunicação e disputa de ideias nas administrações públicas é imprescindível para sustentar projetos políticos. Essa foi a reflexão que deu o tom em debate realizado neste sábado (26), durante seminário realizado pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, em São Luís-MA.
Dedicado a discutir os erros, acertos e desafios da comunicação nas administrações públicas, o evento contou com a presença de Franklin Martins. Para o ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência durante o governo Lula, o evento marca superação de uma fase de discutir baseado em slogans para discutir problemas concretos. Um avanço do movimento pela democratização da comunicação, em sua avaliação.
Sobre a sua passagem pela Secom, Martins afirma que não existe receita de bolo para comunicação em qualquer governo. Apesar disso, o jornalista pontua: “É na política que você vai perder ou ganhar. Tem gente que faz a disputa, do nosso lado, que ganha a eleição e baixa a bola. Como se a disputa política fosse compreensiva na eleição, mas depois os oponentes descessem do palanque. Uma vez que se abaixa a guarda, o outro lado, com seu aparelho midiático e de Estado, impõe a agenda dele”.
“Falei ao Lula, antes de aceitar o convite para ministro, que teríamos problema se não enfrentássemos o debate de ideias”, relata. “Todo dia, Lula perdia de 5x0 da imprensa, porque a bola era deles, o juiz era deles, o estádio era deles. Falei pra ele que, se ele combatesse, poderia perder, pelo menos, por um placar menor. Passou a falar todo dia pra imprensa”.
Quanto à partidarização e o enviesamento da mídia privada, Martins alerta: quem tem projetos de inclusão e justiça social tem que estar preparado para enfrentar o massacre midiático. “Temos uma ilusão de que a verdade prevalecerá, com ou sem luta política. Essa ideia é um desastre, pois não prevalecerá. A verdade só prevalece se for exposta em cada ambiente político, em cada disputa, em cada momento, até vencer”.
Na visão do ex-ministro, a batalha não pode terminar na eleição. “O essencial é que o partido, a coligação, o presidente, precisam entender que não haverá boa vontade por parte dos inimigos”, opina. “Na conjuntura atual, quem está ao lado do povo é inimigo a ser destruído. Precisamos disputar o povo, conscientizar o povo, e isso não pode ser só no período eleitoral. No período eleitoral, a disputa é de alta intensidade. Mas não pode morrer nos quatro anos seguintes”.
Presidente do Centro de Estudos Barão de Itararé, Altamiro Borges considera que o triunfo do golpe é uma radiografia da incompreensão da esquerda quanto à importância da disputa midiática. “O golpe ganha contornos dramáticos. É um processo de desmanche, de regressão civilizatória. Destruição completa do pouco que se conquistou", descreve. “A derrota política foi dura, mas temos que atentar para a derrota na batalha de ideias na sociedade. Eles jogaram no ataque o tempo todo, e venceram. Essa derrota na disputa por hegemonia, uma componente fundamental é a comunicação.
No segundo mandato de Lula, houve avanços importantes, opina o blogueiro. Mas nos dois mandatos de Dilma, foram só retrocessos. Apesar disso, não aprendemos com essa derrota, avalia. “Fomos pesquisar as várias prefeituras do campo progressista na preparação deste seminário. É frustrante. Páginas desatualizadas, serviços invisíveis, e-mail que não funciona, telefone que não atende”, conta.
A impressão que dá, na opinião de Borges, é que, no geral, as secretarias de comunicação continuam com o modelo tradicional: mexer com publicidade já consolidada com os grandes grupos de comunicação e fazer assessoria de imprensa – “às vezes bem mequetrefe”.
Por outro lado, o jornalista destaca casos que podem servir de referência para as administrações públicas. “Claro que há belíssimas experiências. Uma das principais é a Secretaria de Comunicação da Bahia. No Maranhão, começa a se desenhar uma experiência interessante. Maricá é outro caso: forjando grande vitória em um cenário de total dificuldade”, enumera.
“Se disputar hegemonia é essencial na disputa política, temos que debater mais a comunicação. Se cada prefeitura, cada governo promover debate sobre o tema, já ajuda a entendê-lo muito melhor”, receita o blogueiro. “Tem que tratar politicamente esse tema, desenvolver mecanismos para envolver a sociedade, como os Conselhos de Comunicação. Precisamos repensar tudo isso e essa é a proposta deste seminário: suscitar essas reflexão”.
Por fim, o presidente do Barão de Itararé apontou caminhos para promover a multiplicidade de opiniões e ideias na mídia em uma conjuntura desfavorável. “É preciso e há como estimular pluralidade e diversidade, com leis ou sem. Publicidade é imposto, direto e indireto. Então não aceito a ideia de que esse dinheiro fortaleça monopólios. Não pode ir só pros gigantes privados. A publicidade é uma questão decisiva para fortalecer a diversidade e pluralidade midiática”.
Maranhão, Maricá, Bahia: experiências positivas na comunicação
Representantes de dois dos três casos citados por Altamiro Borges relataram as suas experiências no debate. Sandra Recalde, da Comunicação da Prefeitura de Maricá, e Robinson Almeida, Secretário de Comunicação da Bahia por quase oito anos. Eles falaram sobre as especificidades de cada caso, mas destacaram um elemento em comum: sem compreender a importância estratégica da comunicação, não há como reverter o quadro.
Recalde fez uma ampla explanação de como funciona a comunicação na administração de Maricá. Chama a atenção o grande investimento em uma equipe de comunicação integrada e dedicada, deixando claro que, para a prefeitura, comunicação não é gasto, mas investimento.
“Quando assumimos, existiam três equipes fragmentadas. Nosso primeiro desafio foi integrar os trabalhos”, recorda. “Quem faz a estratégia de comunicação não é o pessoal da publicidade. A publicidade é só um recurso para o pessoal de comunicação. São empresas que estão à disposição de nossa estratégia”.
Segundo ela, é preciso ocupar todos os espaços possíveis. “Entramos nos territórios para conquistá-los: grupos de redes sociais, por exemplo”. Quanto à publicidade oficial, Recalde conta que a gestão trabalha com todos os jornais da cidade. “Temos uma relação clara com eles: somos clientes, não interferiremos na sua linha editorial e não pediremos nada, mas anunciarei com vocês e teremos a mesma postura que teríamos com um supermercado; se comprar um iogurte vencido, vou denunciar e, se você fizer uma denúncia contra nós, terá de ouvir nossa versão. Se a ética de vocês é comercial, então cobraremos na mesma lógica”.
Engenheiro de formação Robinson Almeida conta que recebeu a missão de construir a Secretaria de Comunicação de Jacques Wagner pois o governador não queria alguém com domínio técnico, mas que tivesse um entendimento profundo da construção política do governo.
“A Bahia é do tamanho da França e precisávamos saber os hábitos de mídia da população”, diz. “Não existe uma única comunicação no estado. Fizemos um amplo diagnóstico sobre consumo de mídia. A partir disso, fizemos uma Conferência Regional de Comunicação, em 2008. Se tem Conferência para Saúde, para Educação, por que não para a Comunicação?”, questiona.
A estrutura do aparelho de Estado foi montada para servir às classes dominantes e reproduz a lógica da dominação. Uma vez lá dentro, o esforço é para inverter essa lógica, pontua Almeida. “O primeiro pressuposto que temos é a comunicação como serviço, de interesse público. O segundo é o da comunicação como direito, que empodere os setores excluídos dos meios de comunicação dominantes. O terceiro pressuposto é o do poder: a comunicação é quem sustenta o projeto político”, lista. “Se você não se comunica, é atropelado e não faz a disputa política”.
Quanto à questão da publicidade, Almeida tem a seguinte opinião: “Numa Secretaria, você tem que entender que você opera com o sistema tradicional de radiodifusão e você tem que usar as rádios e TVs, que são concessões públicas. A forma talvez mais expressa de patrimonialismo nesse país é o entendimento das concessões públicas de rádio e TV como propriedades privadas”.
Se os meios são comerciais, opina Almeida, você vira um grande cliente e ele terá que sentar na mesa com você. “Isso te dá força, empoderamento, que dá força para lutar pela causa pública. Por isso, acredito que a aplicação das verbas publicitárias precisam atender a critérios técnicos, mas também a critérios políticos e institucionais”.
“Erramos ao não alterar a lógica de concentração econômica dos meios, de não encaminhar os resultados da Conferência Nacional de Comunicação de 2009, de não abraçar os meios alternativos”, reflete. “Temos que fazer a autocrítica para continuarmos o enfrentamento à elite”.
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