Por Paula Quental, no site Brasil Debate:
A agenda ambiental no Brasil contabiliza vitórias expressivas nos últimos 30 anos, entre elas a criação de importantes marcos legais, políticas e programas, o fortalecimento institucional do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o país ter sido sede de dois eventos internacionais do porte da Eco 92 e Rio+20 e a conquista de resultados efetivos, como a queda nas taxas de desmatamento na Amazônia legal. Os recursos públicos para a execução da política ambiental, ainda que muito mirrados em relação ao orçamento total da União, tiveram aumento entre 2003 a 2008 e um ápice em 2013 (0,34% do bolo orçamentário).
A partir daí, porém, os valores declinaram, até atingirem 0,16% do orçamento em 2017 (cerca de R$ 2,9 bilhões). Entre 2014 e 2017 houve cortes reais dos gastos em todas as unidades orçamentárias: da ordem de 36% na administração direta, do MMA; 8,4% no Ibama; 5,4% no ICMBio; 4,4% no Jardim Botânico do Rio de Janeiro e 2,7% na Agência Nacional de Águas (ANA). A exceção foi o Serviço Florestal Brasileiro (SFB), que teve perdas de 25% entre 2014 e 2015, mas depois recuperou.
O fato é que chegamos a 2018 com 13% menos recursos que em 2014 e uma elevação do contingenciamento de 2,4% para 12,1%, em função do ajuste fiscal implementado pelo governo federal.
Esses números foram reunidos pela economista Camila Gramkow, especialista na temática ambiental, com base no que é disponibilizado pelo Siga-Brasil do Senado Federal, e utilizados para subsidiar o estudo “Política ambiental no Brasil: Perspectivas a partir do gasto público”. O texto foi apresentado e discutido, no último dia 23 de abril, em sessão do “Observatório de Austeridade”, série de reuniões para debater os efeitos das políticas de ajuste fiscal, promovida pela Fundação Friedrich Ebert Stiftung (FES) e o Brasil Debate.
São números mais do que frustrantes, alerta a autora, se for levado em conta o tamanho da responsabilidade ambiental: somos o país mais biodiverso do planeta, sendo o nº 1 em espécies de plantas, anfíbios e primatas, o nº 2 em mamíferos e répteis e o 3º com mais espécies de aves. Só restam de pé 12,4% das florestas da Mata Atlântica e a Amazônia e o Cerrado seguem em processo de desmatamento ao ritmo da ampliação das fronteiras da atividade agropecuária. Especialmente a partir de 2014 as taxas de desmatamento da Amazônia voltaram a crescer, depois de forte recuo, como mostra o gráfico abaixo.
“A perda da cobertura florestal nos variados biomas põe em risco a provisão de serviços ecossistêmicos vitais para a prosperidade socioeconômica do país, tais como provisão de água, regulação do clima, fertilização, formação de solos, dentre outros”, aponta.
Segundo Camila, paralelamente ao amadurecimento de políticas para o meio ambiente ocorrido nos últimos anos, inclusive com a autoimposição de metas ambiciosas de redução das emissões de GEE (gases do efeito estufa) – de 36% até 2025 e de 43% até 2030 em relação aos níveis emitidos em 2005 –, o país vem passando por cortes orçamentários preocupantes no setor. E que serão agravados com a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 95, responsável pelo congelamento de despesas primárias por 20 anos – a principal, e controvertida, medida de austeridade do governo Michel Temer.
“Esse novo cenário de restrição fiscal fragiliza ainda mais a agenda ambiental, que apresenta um histórico de baixíssima participação no orçamento total da União”, afirma Camila.
Como resultado da queda no orçamento discricionário da pasta do meio ambiente, é comum, por exemplo, encontrar Unidades de Conservação (UCs), algumas delas com milhões de hectares, sem dinheiro para o combustível dos veículos utilizados para a fiscalização.
O maior impacto do corte orçamentário de 2018, para a autora, foi a extinção do Bolsa Verde, programa de transferência de renda responsável por retirar da extrema pobreza cerca de 14 mil famílias que vivem em áreas de relevância para a conservação ambiental. Elas recebiam R$ 300 a cada três meses, como incentivo para usarem os territórios de maneira sustentável e em troca de manter crianças e adolescentes na escola. O número de famílias cadastradas este ano, e que ficará a ver navios, chegou a 53.072.
Mas é ainda pouco frente ao cenário antevisto se esse patamar baixo de gastos se mantiver e o país não der conta de fazer a sua parte na mitigação da emissão de GEE. O Acordo de Paris (UNFCCC, de 2015), lembra a economista, cravou pela primeira vez que o aquecimento global é “inequívoco” e deixou claro que o planeta sofrerá consequências devastadoras para a humanidade se não conseguir manter o aquecimento abaixo de 2° C. Para que esse esforço aconteça, é preciso investir, e não cortar, recursos.
Dobradinha austeridade/ruralistas
Em sua exposição na sede da FES, Camila, que contou com os comentários críticos de outros dois especialistas, Carlos Eduardo Young, professor do Instituto de Economia da UFRJ, e Maureen Santos, pesquisadora da Plataforma Socioambiental do Brics Policy Center e coordenadora de programa da Fundação Heinrich Böll Brasil, frisou ainda que além dos cortes orçamentários determinados pela política de austeridade da gestão Michel Temer, o meio ambiente no Brasil se encontra ameaçado pela sequência de vitórias no Congresso da chamada Bancada Ruralista (que, estima-se, só na Câmara, abranja um quarto dos parlamentares).
Significa que em troca de apoio político para a aprovação do impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff e de reformas impopulares, bem como de barrar investigações de corrupção, Temer ajudou a passar medidas do interesse desta bancada, as quais, no geral, tendem a estimular o desmatamento, o uso ainda maior de agrotóxicos e contribuir para afrouxar a fiscalização de ações predatórias.
Entre essas medidas estão a Lei nº 13/465/2017, antes apelidada de “MP da Grilagem”, que cuida de regularização fundiária, a reforma trabalhista rural, restrições à reforma agrária e demarcação de territórios de povos tradicionais, além da possibilidade de venda de terras a estrangeiros. Anteriormente, no governo Dilma, houve a aprovação do Novo Código Florestal, em 2012, considerado um desastre pelos ambientalistas.
Perspectivas
Ainda que a realidade de restrição fiscal seja um grande obstáculo para o poder público atuar na proteção ambiental, Camila aponta, em seu estudo, algumas alternativas possíveis de financiamento.
Entre elas, a possibilidade de captar recursos junto à comunidade internacional, aproveitando os fundos criados a partir de negociações globais, o uso de instrumentos de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), defendidos pelo professor Young, e o ICMS ecológico (ICMS-e), mecanismo de transferência fiscal verde que incorpora condicionalidades ambientais no repasse de recurso dos estados para os municípios.
Ela cita ainda algumas iniciativas recentes que podem reforçar os recursos, como a conversão de multas ambientais em serviços de preservação, a autorização para o ICMBio administrar fundo privado integralizado com recursos oriundos da compensação ambiental e o RenovaBio, política anunciada em 2017 que cria um mercado de transação de Créditos de Descarbonização por Biocombustíveis (CBIOs).
Para Camila, no entanto, o Brasil, que não tem como fugir à vocação de ser um líder mundial na questão do meio ambiente, deveria ousar mais e forjar “uma mudança estrutural rumo a um estilo de desenvolvimento sustentável, caracterizado por transformações na estrutura produtiva que tanto fomentem o desenvolvimento socioeconômico quanto reduzam as emissões de GEE”. Isso seria feito, por exemplo, com a criação de um tributo ambiental e com a expansão do gasto fiscal verde, incentivando investimentos de baixa emissão de GEE.
Documento e livro
O trabalho de Camila Gramkow e vários outros que estão sendo expostos nas sessões do “Observatório da Austeridade” subsidiarão a segunda versão do documento “Austeridade e Retrocesso”, dessa vez com um enfoque social, sobre o desmonte das políticas públicas e apresentando caminhos alternativos para áreas como saúde, educação, cultura, meio ambiente, direitos humanos, moradia, agricultura familiar, entre outras.
O primeiro documento, “Austeridade e Retrocesso: finanças públicas e política fiscal no Brasil”, foi lançado em setembro de 2016 pela FES em colaboração com o GT de Macro da Sociedade Brasileira de Economia Política, Fórum 21 e Plataforma Política Social, no contexto da votação da EC 95 (então PEC 241 e PEC 55) e teve ampla divulgação (mais de 500 mil downloads).
A versão 2 será elaborada a partir da síntese de um conjunto de artigos curtos que, por sua vez, resultarão em um segundo produto do projeto: um livro a ser publicado pela Editora Autonomia Literária, com lançamento previsto para acontecer na Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) deste ano.
A agenda ambiental no Brasil contabiliza vitórias expressivas nos últimos 30 anos, entre elas a criação de importantes marcos legais, políticas e programas, o fortalecimento institucional do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o país ter sido sede de dois eventos internacionais do porte da Eco 92 e Rio+20 e a conquista de resultados efetivos, como a queda nas taxas de desmatamento na Amazônia legal. Os recursos públicos para a execução da política ambiental, ainda que muito mirrados em relação ao orçamento total da União, tiveram aumento entre 2003 a 2008 e um ápice em 2013 (0,34% do bolo orçamentário).
A partir daí, porém, os valores declinaram, até atingirem 0,16% do orçamento em 2017 (cerca de R$ 2,9 bilhões). Entre 2014 e 2017 houve cortes reais dos gastos em todas as unidades orçamentárias: da ordem de 36% na administração direta, do MMA; 8,4% no Ibama; 5,4% no ICMBio; 4,4% no Jardim Botânico do Rio de Janeiro e 2,7% na Agência Nacional de Águas (ANA). A exceção foi o Serviço Florestal Brasileiro (SFB), que teve perdas de 25% entre 2014 e 2015, mas depois recuperou.
O fato é que chegamos a 2018 com 13% menos recursos que em 2014 e uma elevação do contingenciamento de 2,4% para 12,1%, em função do ajuste fiscal implementado pelo governo federal.
Esses números foram reunidos pela economista Camila Gramkow, especialista na temática ambiental, com base no que é disponibilizado pelo Siga-Brasil do Senado Federal, e utilizados para subsidiar o estudo “Política ambiental no Brasil: Perspectivas a partir do gasto público”. O texto foi apresentado e discutido, no último dia 23 de abril, em sessão do “Observatório de Austeridade”, série de reuniões para debater os efeitos das políticas de ajuste fiscal, promovida pela Fundação Friedrich Ebert Stiftung (FES) e o Brasil Debate.
São números mais do que frustrantes, alerta a autora, se for levado em conta o tamanho da responsabilidade ambiental: somos o país mais biodiverso do planeta, sendo o nº 1 em espécies de plantas, anfíbios e primatas, o nº 2 em mamíferos e répteis e o 3º com mais espécies de aves. Só restam de pé 12,4% das florestas da Mata Atlântica e a Amazônia e o Cerrado seguem em processo de desmatamento ao ritmo da ampliação das fronteiras da atividade agropecuária. Especialmente a partir de 2014 as taxas de desmatamento da Amazônia voltaram a crescer, depois de forte recuo, como mostra o gráfico abaixo.
“A perda da cobertura florestal nos variados biomas põe em risco a provisão de serviços ecossistêmicos vitais para a prosperidade socioeconômica do país, tais como provisão de água, regulação do clima, fertilização, formação de solos, dentre outros”, aponta.
Segundo Camila, paralelamente ao amadurecimento de políticas para o meio ambiente ocorrido nos últimos anos, inclusive com a autoimposição de metas ambiciosas de redução das emissões de GEE (gases do efeito estufa) – de 36% até 2025 e de 43% até 2030 em relação aos níveis emitidos em 2005 –, o país vem passando por cortes orçamentários preocupantes no setor. E que serão agravados com a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 95, responsável pelo congelamento de despesas primárias por 20 anos – a principal, e controvertida, medida de austeridade do governo Michel Temer.
“Esse novo cenário de restrição fiscal fragiliza ainda mais a agenda ambiental, que apresenta um histórico de baixíssima participação no orçamento total da União”, afirma Camila.
Como resultado da queda no orçamento discricionário da pasta do meio ambiente, é comum, por exemplo, encontrar Unidades de Conservação (UCs), algumas delas com milhões de hectares, sem dinheiro para o combustível dos veículos utilizados para a fiscalização.
O maior impacto do corte orçamentário de 2018, para a autora, foi a extinção do Bolsa Verde, programa de transferência de renda responsável por retirar da extrema pobreza cerca de 14 mil famílias que vivem em áreas de relevância para a conservação ambiental. Elas recebiam R$ 300 a cada três meses, como incentivo para usarem os territórios de maneira sustentável e em troca de manter crianças e adolescentes na escola. O número de famílias cadastradas este ano, e que ficará a ver navios, chegou a 53.072.
Mas é ainda pouco frente ao cenário antevisto se esse patamar baixo de gastos se mantiver e o país não der conta de fazer a sua parte na mitigação da emissão de GEE. O Acordo de Paris (UNFCCC, de 2015), lembra a economista, cravou pela primeira vez que o aquecimento global é “inequívoco” e deixou claro que o planeta sofrerá consequências devastadoras para a humanidade se não conseguir manter o aquecimento abaixo de 2° C. Para que esse esforço aconteça, é preciso investir, e não cortar, recursos.
Dobradinha austeridade/ruralistas
Em sua exposição na sede da FES, Camila, que contou com os comentários críticos de outros dois especialistas, Carlos Eduardo Young, professor do Instituto de Economia da UFRJ, e Maureen Santos, pesquisadora da Plataforma Socioambiental do Brics Policy Center e coordenadora de programa da Fundação Heinrich Böll Brasil, frisou ainda que além dos cortes orçamentários determinados pela política de austeridade da gestão Michel Temer, o meio ambiente no Brasil se encontra ameaçado pela sequência de vitórias no Congresso da chamada Bancada Ruralista (que, estima-se, só na Câmara, abranja um quarto dos parlamentares).
Significa que em troca de apoio político para a aprovação do impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff e de reformas impopulares, bem como de barrar investigações de corrupção, Temer ajudou a passar medidas do interesse desta bancada, as quais, no geral, tendem a estimular o desmatamento, o uso ainda maior de agrotóxicos e contribuir para afrouxar a fiscalização de ações predatórias.
Entre essas medidas estão a Lei nº 13/465/2017, antes apelidada de “MP da Grilagem”, que cuida de regularização fundiária, a reforma trabalhista rural, restrições à reforma agrária e demarcação de territórios de povos tradicionais, além da possibilidade de venda de terras a estrangeiros. Anteriormente, no governo Dilma, houve a aprovação do Novo Código Florestal, em 2012, considerado um desastre pelos ambientalistas.
Perspectivas
Ainda que a realidade de restrição fiscal seja um grande obstáculo para o poder público atuar na proteção ambiental, Camila aponta, em seu estudo, algumas alternativas possíveis de financiamento.
Entre elas, a possibilidade de captar recursos junto à comunidade internacional, aproveitando os fundos criados a partir de negociações globais, o uso de instrumentos de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), defendidos pelo professor Young, e o ICMS ecológico (ICMS-e), mecanismo de transferência fiscal verde que incorpora condicionalidades ambientais no repasse de recurso dos estados para os municípios.
Ela cita ainda algumas iniciativas recentes que podem reforçar os recursos, como a conversão de multas ambientais em serviços de preservação, a autorização para o ICMBio administrar fundo privado integralizado com recursos oriundos da compensação ambiental e o RenovaBio, política anunciada em 2017 que cria um mercado de transação de Créditos de Descarbonização por Biocombustíveis (CBIOs).
Para Camila, no entanto, o Brasil, que não tem como fugir à vocação de ser um líder mundial na questão do meio ambiente, deveria ousar mais e forjar “uma mudança estrutural rumo a um estilo de desenvolvimento sustentável, caracterizado por transformações na estrutura produtiva que tanto fomentem o desenvolvimento socioeconômico quanto reduzam as emissões de GEE”. Isso seria feito, por exemplo, com a criação de um tributo ambiental e com a expansão do gasto fiscal verde, incentivando investimentos de baixa emissão de GEE.
Documento e livro
O trabalho de Camila Gramkow e vários outros que estão sendo expostos nas sessões do “Observatório da Austeridade” subsidiarão a segunda versão do documento “Austeridade e Retrocesso”, dessa vez com um enfoque social, sobre o desmonte das políticas públicas e apresentando caminhos alternativos para áreas como saúde, educação, cultura, meio ambiente, direitos humanos, moradia, agricultura familiar, entre outras.
O primeiro documento, “Austeridade e Retrocesso: finanças públicas e política fiscal no Brasil”, foi lançado em setembro de 2016 pela FES em colaboração com o GT de Macro da Sociedade Brasileira de Economia Política, Fórum 21 e Plataforma Política Social, no contexto da votação da EC 95 (então PEC 241 e PEC 55) e teve ampla divulgação (mais de 500 mil downloads).
A versão 2 será elaborada a partir da síntese de um conjunto de artigos curtos que, por sua vez, resultarão em um segundo produto do projeto: um livro a ser publicado pela Editora Autonomia Literária, com lançamento previsto para acontecer na Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) deste ano.
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