Por Antonio Martins, no site Outras Palavras:
Honduras, primeiro país em que os conservadores latino-americanos derrotaram (por golpe de Estado) os governos à esquerda, em 2009, parece prestes a viver nova reviravolta. Na noite de ontem, segunda (4) avançando pela madrugada, milhares de manifestantes tomaram as ruas, desafiando o toque de recolher decretado pelo governo do presidente Juan Orlando Hernández. Protestam contra os sinais evidentes de fraude nas eleições que supostamente reelegeram “JOH”, como é conhecido o presidente de direita. Os protestos contaram com uma adesão inesperada: integrantes das tropas de elite “Cobra” aderiram às manifestações. Um comunicado emitido em nome da Polícia Nacional e lido por um deles diz: “Nosso povo é soberano. Não podemos confrontá-lo e reprimir seus direitos”.
O isolamento do governo tornou-se ainda maior porque as acusações de fraude foram endossadas por observadores internacionais, levados a Honduras pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e União Europeia. “A margem estreita [do resultado], somada às irregularidades, erros e problemas sistemáticos que cercaram esta eleição, não autorizam nossa missão a ter certeza dos resultados”, diz uma nota assinada por Jorge Quiroga, ex-presidente da Bolívia e líder dos observadores da OEA. Washington mantém-se aferrada a JOH, seu firme aliado, mas – sinal dos tempos – a esta altura, a queda do governo parece ser questão de dias ou horas.
Os novos fatos são ainda mais emblemáticos porque Honduras tornou-se, desde 2009, uma espécie de laboratório da política adotada pelos EUA e pelos conservadores para retomar o poder em seu antigo quintal. Em junho daquele ano, o então presidente Manuel Zelaya foi preso em sua residência, levado ao aeroporto e deportado para a Costa Rica. A deposição foi fruto de uma trama entre o Ministério Público e a Suprema Corte de Justiça. Zelaya foi acusado de “traição nacional” por tentar alargar a democracia hondurenha. Meses antes, ele havia proposto que nas eleições daquele ano os eleitores também fossem consultados sobre a proposta de convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. Seus opositores alegaram que se tratava de um estratagema para conseguir direito à reeleição. Foi uma ação-relâmpago: apenas 48 horas se passaram entre o pedido de deposição, pelo Ministério Público, e a decisão da Suprema Corte.
O ato foi considerado um golpe pelo Conselho de Segurança da ONU e Honduras foi suspensa da OEA. No entanto, seis meses depois, os EUA aproximaram-se do governo ilegítimo, por iniciativa da secretária de Estado, Hillary Clinton. Esta atitude deu aos golpistas condições de forjar, em janeiro de 2010, uma pleito de “legitimação”. Com liberdades constitucionais suspensas e uma onda de violência contra os partidos e movimentos opositores (agora reunidos na Frente Nacional de Resistência), o Partido Liberal, de direita, voltou ao poder. Foi eleito presidente Porfirio Lobo, velho político e latifundiário.
Em 2014, Lobo foi sucedido por Juan Orlando Hernández, do mesmo partido. Em meio a imensa pobreza que devasta o país, seu mandato teve duas marcas. Por um lado, o controle absoluto sobre as instituições, por meio de ações ilegais. O Tribunal Eleitoral e a Suprema Corte tiveram sua composição alterada, para abrigar correligionários do presidente. Em 2017, este segundo órgão violou abertamente a Constituição e autorizou JOH a concorrer a um segundo mandato, alegando “proteger os direitos humanos”.
Ainda assim, Nasrallah surgiu como vencedor (por 45% dos votos contra 40%) nos primeiros boletins eleitorais, divulgados horas depois do fechamento das urnas. Foi então que algo inédito grotesco ocorreu. O Supremo Tribunal Eleitoral, controlado por JOH, suspendeu toda a divulgação de resultados parciais, alegando que só poderia pronunciar-se quando a contagem final dos votos indicasse um vencedor seguro.
Os números começaram a “reaparecer” no final da semana passada, agora indicando uma suposta “virada” de JOH. Nasrallah denunciou-os e chamou a população às ruas. O governo respondeu com toque de recolher. Só nos protestos oito manifestantes foram mortos pelas forças de repressão.
A persistência dos manifestantes, apesar da repressão brutal, parece estar surtindo efeito. Somada a ela, a nova atitude da polícia e a posição dos observadores internacionais podem inviabilizar o governo. Mas o desfecho ainda é incerto. O fracasso da primeira experiência de golpe “judiciário” na América Latina repercutirá certamente em toda a região. E os Estados Unidos parecem incapazes de se emendar. Dois dias após as eleições fraudadas, segundo a agência Reuters, o Departamento de Estado abriu caminho para que o governo receba milhões de dólares em “ajuda”, ao “certificar” que as autoridades estão empenhadas em “combater a corrupção e proteger os direitos humanos”…
Honduras, primeiro país em que os conservadores latino-americanos derrotaram (por golpe de Estado) os governos à esquerda, em 2009, parece prestes a viver nova reviravolta. Na noite de ontem, segunda (4) avançando pela madrugada, milhares de manifestantes tomaram as ruas, desafiando o toque de recolher decretado pelo governo do presidente Juan Orlando Hernández. Protestam contra os sinais evidentes de fraude nas eleições que supostamente reelegeram “JOH”, como é conhecido o presidente de direita. Os protestos contaram com uma adesão inesperada: integrantes das tropas de elite “Cobra” aderiram às manifestações. Um comunicado emitido em nome da Polícia Nacional e lido por um deles diz: “Nosso povo é soberano. Não podemos confrontá-lo e reprimir seus direitos”.
O isolamento do governo tornou-se ainda maior porque as acusações de fraude foram endossadas por observadores internacionais, levados a Honduras pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e União Europeia. “A margem estreita [do resultado], somada às irregularidades, erros e problemas sistemáticos que cercaram esta eleição, não autorizam nossa missão a ter certeza dos resultados”, diz uma nota assinada por Jorge Quiroga, ex-presidente da Bolívia e líder dos observadores da OEA. Washington mantém-se aferrada a JOH, seu firme aliado, mas – sinal dos tempos – a esta altura, a queda do governo parece ser questão de dias ou horas.
Os novos fatos são ainda mais emblemáticos porque Honduras tornou-se, desde 2009, uma espécie de laboratório da política adotada pelos EUA e pelos conservadores para retomar o poder em seu antigo quintal. Em junho daquele ano, o então presidente Manuel Zelaya foi preso em sua residência, levado ao aeroporto e deportado para a Costa Rica. A deposição foi fruto de uma trama entre o Ministério Público e a Suprema Corte de Justiça. Zelaya foi acusado de “traição nacional” por tentar alargar a democracia hondurenha. Meses antes, ele havia proposto que nas eleições daquele ano os eleitores também fossem consultados sobre a proposta de convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. Seus opositores alegaram que se tratava de um estratagema para conseguir direito à reeleição. Foi uma ação-relâmpago: apenas 48 horas se passaram entre o pedido de deposição, pelo Ministério Público, e a decisão da Suprema Corte.
O ato foi considerado um golpe pelo Conselho de Segurança da ONU e Honduras foi suspensa da OEA. No entanto, seis meses depois, os EUA aproximaram-se do governo ilegítimo, por iniciativa da secretária de Estado, Hillary Clinton. Esta atitude deu aos golpistas condições de forjar, em janeiro de 2010, uma pleito de “legitimação”. Com liberdades constitucionais suspensas e uma onda de violência contra os partidos e movimentos opositores (agora reunidos na Frente Nacional de Resistência), o Partido Liberal, de direita, voltou ao poder. Foi eleito presidente Porfirio Lobo, velho político e latifundiário.
Em 2014, Lobo foi sucedido por Juan Orlando Hernández, do mesmo partido. Em meio a imensa pobreza que devasta o país, seu mandato teve duas marcas. Por um lado, o controle absoluto sobre as instituições, por meio de ações ilegais. O Tribunal Eleitoral e a Suprema Corte tiveram sua composição alterada, para abrigar correligionários do presidente. Em 2017, este segundo órgão violou abertamente a Constituição e autorizou JOH a concorrer a um segundo mandato, alegando “proteger os direitos humanos”.
A violação de direitos foi precisamente a segunda marca do governo do Partido Liberal. Tornou-se famoso o caso da líder indígena e feminista Berta Cáceres, de projeção internacional, assassinada em março de 2016 por lutar contra a construção de uma hidrelétrica. Infelizmente, não foi um caso isolado. Segundo relatório da Anistia Internacional, centenas de ativistas foram mortos e milhares tiveram de deixar o país devido à perseguição política desencadeada a partir do golpe. Entre eles estão ativistas de esquerda, defensores dos direitos humanos e do ambiente, integrantes dos movimentos LGTB. Apesar das constantes denúncias, o governo norte-americano continuou, durante todo o tempo, a apoiar JOH. Um foco principal de colaboração foi o financiamento e treinamento direto das forças de segurança brutais, associadas a execuções extrajudiciais de opositores.
As eleições realizadas há dez dias foram marcadas pela fraude desde o início. A oposição lançou um outsider: o apresentador de TV Salvador Nasrallah, ligado a um pequeno Partido Anticorrupção. Os sinais de que haveria manipulação de urnas surgiram semanas antes do pleito. A revista britânica Economist recebeu gravações de um encontro em que governistas tramavam claramente “estratégias” e “técnicas” para permitir múltiplos votos de seus correligionários, alterar cédulas ou destruir boletins eleitorais desfavoráveis.
As eleições realizadas há dez dias foram marcadas pela fraude desde o início. A oposição lançou um outsider: o apresentador de TV Salvador Nasrallah, ligado a um pequeno Partido Anticorrupção. Os sinais de que haveria manipulação de urnas surgiram semanas antes do pleito. A revista britânica Economist recebeu gravações de um encontro em que governistas tramavam claramente “estratégias” e “técnicas” para permitir múltiplos votos de seus correligionários, alterar cédulas ou destruir boletins eleitorais desfavoráveis.
Ainda assim, Nasrallah surgiu como vencedor (por 45% dos votos contra 40%) nos primeiros boletins eleitorais, divulgados horas depois do fechamento das urnas. Foi então que algo inédito grotesco ocorreu. O Supremo Tribunal Eleitoral, controlado por JOH, suspendeu toda a divulgação de resultados parciais, alegando que só poderia pronunciar-se quando a contagem final dos votos indicasse um vencedor seguro.
Os números começaram a “reaparecer” no final da semana passada, agora indicando uma suposta “virada” de JOH. Nasrallah denunciou-os e chamou a população às ruas. O governo respondeu com toque de recolher. Só nos protestos oito manifestantes foram mortos pelas forças de repressão.
A persistência dos manifestantes, apesar da repressão brutal, parece estar surtindo efeito. Somada a ela, a nova atitude da polícia e a posição dos observadores internacionais podem inviabilizar o governo. Mas o desfecho ainda é incerto. O fracasso da primeira experiência de golpe “judiciário” na América Latina repercutirá certamente em toda a região. E os Estados Unidos parecem incapazes de se emendar. Dois dias após as eleições fraudadas, segundo a agência Reuters, o Departamento de Estado abriu caminho para que o governo receba milhões de dólares em “ajuda”, ao “certificar” que as autoridades estão empenhadas em “combater a corrupção e proteger os direitos humanos”…
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