Em artigo anterior comentamos algumas dicas do livro A Doutrina do Choque, no qual a escritora canadense Naomi Klein chama a atenção para uma tática de dominação dos golpistas mundo afora, a tática do choque: aproveitar os momentos de trauma coletivo para aplicar sua política. Mais do que isso, diz ela: eles criam o trauma coletivo, não esperam simplesmente que ele ocorra.
Naomi Klein compara as técnicas de dominação política de massas – aquelas que estamos vivendo hoje – com a técnica dos interrogatórios promovidos pelos torturadores. A vantagem do policial, e sua principal arma, é destruir mentalmente o preso. Para isso, isolá-lo de tal maneira que não saiba o que ocorre lá fora – com seu movimento, seus companheiros, suas crenças. Depois de algum tempo, desmoralizado, desmotivado, descrente, ele cede. Desiste de resistir.
Essa é a técnica do ataque-choque que estamos vivendo no Brasil há vários anos, desde 2013, pelo menos, quando as forças da direita (local e internacional) perceberam os pontos fracos do governo e investiram fortemente em “grupos de base” para desestabilizá-lo. A grande mídia é a caixa de eco dessa campanha, que envolve políticos, policiais, promotores e juízes. Nacionais e internacionais. Desde aquela época, os círculos dominantes que se sentiram incomodados com a evolução do país resolveram que era hora e era possível começar a virar o jogo. Nós tínhamos nossos pontos fracos, nós estávamos insuficientemente organizados, confusos e divididos. Era o momento.
A única saída que resta ao campo progressista – em sentido amplo – é reverter essa situação de cerco. Romper o próprio cerco, a estratégia de isolamento, divisão e confusão. A primeira regra é quebrar a vantagem dos torturadores: jamais permitir que nos peguem isolados. Que nos joguem uns contra os outros. Que desmanchem nossa confiança e nossas crenças.
Nunca ficar isolado. Isso quer dizer, antes de mais nada, que temos que tomar cuidado com a informação que nos dirigem como indivíduos. Os líderes de movimentos e partidos são em geral pessoas que procuram ficar informados. Isso é necessário, mas tem um perigo: você também está mais exposto à conversa deles. Se não tomar cuidado, vai achar que os únicos temas importantes são aqueles que eles martelam na mídia deles. Que os únicos pontos de vista são os que expressam os ‘especialistas” deles. Cuidado imediato que temos que tomar: sempre que ouvirmos algo que eles dizem pensemos assim: onde é que eles querem chegar com essa “informação”? Quem eles querem enganar? O que eles querem que eu pense? Porque é disso que se trata.
Não é apenas o PT e Lula que são alvos desses ataques. Evidentemente, são o alvo principal, porque encarnam uma ideia, ainda que vaga, de reforma possível, já experimentada em conta-gotas. E encarnam a ideia de um contra-ataque. Mas também o restante do campo progressista será alvo de ataque, desinformação.
Basta ver o que a mídia promoveu com Marcelo Freixo, numa entrevista infeliz à Folha de S. Paulo. A entrevista foi claramente dirigida e editada para “pautar” um debate dentro da esquerda. Ou melhor, pautar um “não debate”, um tiroteio. A técnica foi bem sucedida – a confusão foi enorme, inclusive dentro do próprio partido de Freixo. Este é apenas um exemplo – a máquina de “(de)formação” da grande mídia tentará desmoralizar e dividir tudo aquilo que tenha cheiro de justiça social, reforma progressista, esquerda.
Informação e contrainformação. Hegemonia em disputa
Segundo cuidado: é decisivo manter redes permanentes de contato e troca de informação dentro da esquerda, dos movimentos populares, partidos, sindicatos. Rádio peão, “de cela em cela”. Temos que nos comunicar com toda a nossa tropa, claro, todo o nosso povo. Mas antes de tudo temos que ter redes de informação que liguem os ativistas da linha de frente, que coordenem suas percepções e suas reações. Isso não se resolve apenas com internet e whatsapp. Tem que ter rádios e, se possível, TVs paralelas. E o velho panfleto. Inventar novas formas, reinventar as antigas.
Para os sindicatos, por exemplo, trata-se de uma luta de vida e morte. Como sabemos, eles foram duramente golpeados não apenas pela política do governo. Vinham sendo atingidos, faz tempo, por uma contínua estratégia de esvaziamento, de fragmentação, que os tornaria praticamente irrelevantes. Viam suas categorias escapar pelos dedos, pela reforma dos contratos, a terceirização, a “reengenharia” que transforma as empresas em redes de subcontratação.
Os sindicatos precisam sair daquilo que pode ser uma zona de conforto mas é apenas um caminho da morte. Precisam ir onde o povo está. Não vale grande coisa o sindicato ter uma sede num ponto central da cidade se os trabalhadores e suas famílias são segregados em bairros distantes. Vá a um bairro popular da periferia de uma grande cidade. Os trabalhadores e suas famílias continuam procurando lugares para conversar, trocar experiências e informações, organizar suas vidas.
Se não tem movimentos e sindicatos, irão para a alternativa mais à mão, as igrejas. Onde encontram acolhimento, amigos, dicas, orientações, autoajuda. Os sindicatos precisam pensar em organizar uma alternativa capilarizada para responder a essa necessidade. Uma “igreja do trabalho”, onde se espalhe a teologia do inconformismo e da luta, não a da aceitação, da obediência.
Terceiro cuidado: sair da defesa para o ataque. Os inimigos têm que ser divididos, acuados, confundidos. Temos que achar seus pontos fracos, suas diferenças, suas indecisões. Dividir e desmoralizar o inimigo. Mostrar como são podres. Reduzir sua confiança, sua zona de conforto. Paz entre nós, guerra aos senhores. Sem trégua. E mirar nos cabeças. Não vamos nos preocupar com os pequenos paneleiros. Esses vão vacilar, mudar, recuar. Pegar no pé dos chefes. Desmoralizar a bandeira. Para ter uma boa defesa é preciso um bom ataque.
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