segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Antes da merenda, o desvio das mochilas

Por Antonio Barbosa Filho, no blog Vale Pensar:

Para alívio de muitos corruptos e de alguns policiais, promotores e magistrados mais condescendentes com desvios de dinheiro público, o escândalo de hoje faz esquecer o escândalo de ontem. A mídia lança uma nova “denúncia” a cada semana, ela repercute por alguns dias, mas logo é superada pela mais nova. Quando atinge o governo federal, o PT ou seus aliados, ainda há um esforço para manter o caso em evidência, ou para “requentá-lo” quando falta assunto, mas quando o caso envolve políticos ou funcionários tucanos, a operação-abafa é acionada desde o primeiro instante e a notícia tem vida curta e exíguo espaço – quando chega a ser divulgada.

O recente escândalo do superfaturamento na compra de suco de laranja e provavelmente de outros suprimentos para a merenda escolar do Estado de São Paulo não pode ser abafado até o momento, e vem revelando um lado podre do Governo Alckmin que vinha sendo cuidadosamente sonegado ao público. A corrupção na Secretaria da Educação paulista e no seu braço operativo, a Fundação para o Desenvolvimento da Educação, não se esgota a este momentoso caso. Antes de desviarem recursos da merenda, os tucanos já haviam cometido outros crimes semelhantes, como a distribuição de propinas a políticos e empresários na compra de mochilas escolares, revelada ainda em 2012.

O “escândalo das mochilas” ocupou pequeno espaço na mídia paulista e nacional, e os processos judiciais a respeito caminham a passo de tartaruga na Justiça estadual e na federal. Ninguém foi preso, nem teve suas fotos publicadas em alguma primeira página ou exibida nos noticiários de TV. Os envolvidos continuam soltos, desfrutando das fortunas adquiridas em prejuízo de milhões de estudantes da rede escolar do governo Alckmin.

Houve alguma discreta punição, na verdade. O ex-presidente da Fundação, José Bernardo Ortiz, ex-prefeito de Taubaté, ex-deputado estadual e ex-presidente do DAEE (órgão encarregado, entre outras tarefas, de despoluir o rio Tietê, outra operação de milhões de dólares que deveriam ser auditados) era o presidente da FDE em 2012, quando o cartel das mochilas foi denunciado por um lobista irritado porque o esquema lhe deu um calote de 400 mil reais em propinas. O governador foi obrigado a afastar o presidente Ortiz, e depois de alguns meses, a demití-lo.

O filho de Ortiz, José Bernardo Ortiz Júnior, foi apontado como o mentor e beneficiário do cartel. Embora nunca tenha sido funcionário da repartição comandada por seu pai, Ortiz Júnior tinha sala, motorista e secretária a sua disposição, e recebia os negociadores na sede da FDE, além de hotéis e aeroportos. Neste caso da compra de 1 milhão de mochilas, ele recebeu cerca de R$ 2 milhões para investir em sua campanha a prefeito de Taubaté, que venceu no segundo turno, depois da campanha mais rica da História da cidade de 300 mil habitantes, no Vale do Paraíba paulista. Pai e filho tiveram seus bens bloqueados pela 14a Vara da Fazenda Pública da capital, até o limite de 34 milhões, e depois de oito meses de mandato Júnior teve seu mandato cassado pela Justiça Eleitoral do município, decisão confirmada pelo Tribunal Regional Eleitoral.

Atualmente, o prefeito continua no cargo graças a um recurso ao TSE, para o qual um ministro pediu vistas sem prazo para devolver à pauta. Como o TSE será agora presidido por Gilmar Mendes, poucos acreditam que a cassação do tucano, apesar das evidências e dos pareceres da Procuradoria Geral Eleitoral e do relator, ministro Herman Benjamin, seja confirmada na terceira instância. Caso isso ocorra, Júnior terá que deixar o cargo de prefeito de Taubaté, para recorrer ao Supremo.

A revista CartaCapital foi uma das poucas que deram atenção a este escândalo no coração do governo Alckmin. Em 14 de novembro passado, publicou reportagem de Henrique Beirangê, na qual se informa que:

“Ortiz Júnior tinha um apetite voraz pelos recursos públicos. O lobista diz que o então candidato à prefeitura pediu para ser aproximado a fornecedores de material escolar e mochilas da FDE. O tucano foi claro: precisava arrecadar entre 7 e 8 milhões de reais. A contribuição correspondia a 10% dos contratos das empresas com a fundação administrada por seu pai. O lobista ficou interessado, pois ganharia uma comissão.

Ortiz Júnior foi além. Se ganhasse as eleições, além da FDE, as empresas teriam acesso livre à prefeitura. Como promessa é dívida, mesmo após as investigações terem sido iniciadas, a Capricórnio, uma das companhias apontadas na denúncia do MP, levou parte de um contrato de 722 mil reais em junho deste ano para fornecimento de brinquedos para a rede municipal de ensino.”


Ou seja: a impunidade permite a continuidade dos crimes. E o silêncio da mídia sobre as mochilas certamente contribuiu para o caso nas merendas. É o resultado natural do complô entre a velha mídia, parte do Judiciário e o PSDB paulista.

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