terça-feira, 19 de setembro de 2017

'Zero Hora' e a demissão de Verissimo

Luis Fernando Verissimo
Por Tarso Genro, no site Sul-21:

Norberto Bobbio, no seu maravilhoso “Elogio da Serenidade”, diz que os dois acontecimento mais recentes que mais provocaram discussões sobre o tema do “mal” foram Auschwitz e a “queda do Muro de Berlim”. O primeiro representando “um desafio para o homem de fé”, o segundo um desafio, “sobretudo para o homem de razão”. E conclui, perante tais catástrofes – a primeira representando o mal em estado puro e a segunda a transfiguração da revolução em seu contrário, que tornou a utopia uma prisão –, conclui, repito: que os homens de razão “ficaram tentados a falar em derrota de Deus” e os “homens da fé”, em “suicídio da revolução”. Bobbio aponta, portanto, uma inversão: um argumento crítico-religioso por parte da razão iluminista e um argumento político-moral – baseado na força da ação política leiga – por parte dos crentes.

Pelo que circula a respeito da demissão de Luis Fernando Veríssimo, o mais completo, brilhante inteligente cronista do país – titular de uma coluna na “Zero Hora” – esta teve razões puramente financeiras, a saber: através de um cálculo de custo-benefício, a empresa deve ter chegado à conclusão que o número de leitores que perderá, vai gerar um prejuízo menor do que a manutenção da sua coluna, no referido jornal. Trata-se de uma “questão puramente financeira”, deve ter instruído um gerente (saneador de empresas com dificuldades econômicas), destes que são contratados para gerenciar custos de maneira impiedosa. É um argumento que não faz a inversão de razões, expostas por Bobbio, mas se reporta diretamente ao cerne: isto é uma empresa! e assim os seus empregados devem ser tratados, em momentos de crise! Trata-se de uma “questão puramente financeira”, deve ter instruído um gerente (saneador de empresas com dificuldades econômicas), destes que são contratados para gerenciar custos de maneira impiedosa.

Enquanto os argumentos de Bobbio – embora proferidos por fontes invertidas – são racionais para falar sobre o “mal”, duvido que este mal financeiro, argumentado por um “manager” da desgraça, o seja. A dimensão simbólica desta demissão, num jornal que apoiou Golpe e ajudou a montar este Governo, composto por uma Confederação de Investigados e Denunciados (que veio para liquidar o que temos de Estado Social no Brasil), que trata com uma diferença alarmante os Governos democráticos de esquerda – em relação aos Governos neoliberais falimentares e os de propensão fascista – deverá custar muito caro ao seu prestígio. Ele, o jornal, certamente passará a ter, agora, uma linha “democrática” mais esquálida e certamente ainda mais arrogante do que foi até agora.

Luis Fernando Veríssimo, no jornal Zero Hora, não era somente um colunista, mas sempre foi um capital da credibilidade mínima do seu jornalismo conservador e da sua frágil expressão de pluralidade política.

O “headhunter” – não no sentido caçador de talentos, mas cortador de cabeças pensantes – não deve ter pesado os reflexos políticos de médio e longo prazo, desta sua decisão “técnica”, pois as suas avaliações de caráter puramente quantitativo não levaram em consideração a alma dos leitores do jornal, pois, para gostar de Luis Fernando, não precisa ser de esquerda. Basta ter um apreço mínimo à dignidade humana, gosto pelo seu talento literário, que flui do seu texto cheio de humor, cultura, e às vezes da melancolia serena, que emana dos seus personagens mais significativos. É uma perda imposta ao jornalismo do Rio Grande, que viu dispensado do seu meio um intelectual universal. E deixa também viúvos, os demais escribas decentes do jornal que, certamente, perdem a oportunidade de superar um paradigma que trabalhava ao seu lado.

Intuí a demissão de Luis Fernando, quando começaram a ser selecionadas pela editoria do jornal, cartas de leitores – desqualificados em suas críticas – que respondiam aos seus artigos políticos, inculpando-o por ele, LFV, ter um pequeno apartamento em Paris, onde eventualmente tomava um bom vinho com Chico Buarque. Como se ambos tivessem obtido alguma coisa, que não tenha sido fruto do seu trabalho digno como artistas e escritores, que são. Era o espírito de Geddel – incorporado em algum leitor seleto – que já pairava soberano sobre os critérios de custos que o cortador de cabeças iria implementar mais tarde. E o mais tarde chegou. Para o luto de quem buscava inteligência e humor, nas páginas de Zero Hora.

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