terça-feira, 9 de novembro de 2010

O sindicalismo no governo Lula (2)

Por Altamiro Borges

O sindicalismo brasileiro terá enormes desafios na nova etapa da luta de classes que será aberta com a posse da presidenta Dilma Rousseff. Na história recente, o movimento sindical atravessou, basicamente, quatro importantes fases. É preciso extrair lições deste complexo período.

Quatro fases na história recente

A primeira fase foi marcada pelo brutal retrocesso imposto pelo golpe militar de 1964. Após um período de ascensão das lutas populares, em especial no governo João Goulart, houve um corte cirúrgico e sangrento. Mais de 70% dos maiores sindicatos sofreram a intervenção dos generais golpistas; centenas de lideranças foram presas, exiladas ou assassinadas nas masmorras de tortura. A ditadura impôs a paz do cemitério, esvaziando os sindicatos, proibindo greves, cerceando a liberdade de expressão e manifestação.

A segunda fase se inicia com a retomada das lutas dos trabalhadores. A greve de maio de 1978 dos metalúrgicos da multinacional Scania, em São Bernardo do Campo, é o marco desta nova etapa. Aos poucos a ditadura perde força e o sindicalismo reocupa papel de destaque no cenário nacional. Ele, inclusive, vira uma referência internacional. O país bate recordes de greves, ganha influência política e projeta lideranças – com destaque para o líder operário do ABC, Luis Inácio Lula da Silva. Num mundo que já assistia a retirada de direitos trabalhista, o Brasil aprova a “Constituição Cidadã”, como bem definiu o democrata Ulisses Guimarães, e arranca a redução da jornada de 48 para 44 horas semanais e vários outros direitos.

A terceira fase tem início com a vingança das elites patronais. A partir da eleição de Fernando Collor de Melo, elas impõem o receituário neoliberal de desmonte do estado, da nação e do trabalho. Collor é deposto, mas com FHC esta ofensiva regressiva e destrutiva ganha impulso. O desemprego bate recorde; o Exército ocupa as refinarias de Petrobras para derrotar os petroleiros grevistas e para “quebrar a espinha dorsal” do sindicalismo; os direitos trabalhistas são suprimidos de forma acelerada. O reinado de FHC é desastroso para os sindicatos, que perdem associados, assistem ao esvaziamento das assembléias, têm dificuldades para deflagrar greves e ainda se engalfinham em lutas internas.

Passividade e voluntarismo

A quarta fase é a que foi aberta com a histórica eleição de Lula para presidência da República. Muitos estudos ainda serão produzidos para entender o seu real impacto no sindicalismo. Num primeiro momento, a vitória gerou certa confusão no sindicalismo. Afinal, o Brasil nunca teve na sua história um governo oriundo de suas lutas, um presidente operário. Ele sempre foi governado por representantes da elite e os poucos que tentaram ceder algo aos trabalhadores, como Getúlio Vargas e João Goulart, foram derrubados por golpes.

Diante dos recuos iniciais do governo Lula, uma parte do sindicalismo adotou uma postura passiva, acrítica, alegando que qualquer pressão poderia servir ao jogo da direita golpista. Outra parte optou por fazer uma oposição frontal, não levando em conta a correlação de forças e os perigos de retrocesso. Estes dois extremos geraram confusão e divisão no sindicalismo. A CUT, que poderia viver a sua fase áurea com a chegada do seu fundador ao Palácio do Planalto, teve dificuldades para entender a nova realidade, caiu numa certa paralisia e sofreu três rachas seguidos, com a fundação do Conlutas, Intersindical e CTB.

A crise do sindicalismo, deflagrada pelo desmonte neoliberal imposto por FHC, tornou-se ainda mais grave devido à difícil e complexa relação diante de um governo oriundo de suas lutas.

Os três princípios “sagrados”

Com o tempo, porém, o sindicalismo foi tirando lições deste rico processo e aprimorou as suas formas de atuação. Ele passou a combinar melhor três princípios “sagrados”: autonomia diante dos governos, pressão permanente e habilidade política, para não fazer o jogo dos inimigos. Aos poucos, ele foi colhendo vitórias.

Uma das mais expressivas foi o acordo firmado com o governo Lula de valorização do salário mínimo, com reposição da inflação e metade do índice de crescimento da economia. Também conseguiu corrigir, parcialmente, a tabela do imposto de renda e enterrou, mesmo que temporariamente, as propostas de novas contra-reformas trabalhista e previdenciária. Nas bases, muitos sindicatos reverteram processos de terceirização e anularam inúmeros acordos de precarização do trabalho – como contratos temporários, banco de horas e outros.

A legalização das centrais sindicais

Outra vitória de enorme dimensão foi a conquista da legalização das centrais sindicais. Nunca antes na história do país os trabalhadores puderam se organizar enquanto classe, de forma horizontal. Atualmente, seis já são reconhecidas formalmente. Pela última aferição do Ministério do Trabalho, de março passado, a CUT representa 38,23% dos sindicalizados; seguida da Força Sindical, com 13,71%; a jovem CTB aparece em terceiro, 7,55%; a UGT tem 7,19%; NCST (6,69%); e a CGTB (5,04%).

Pela Lei 11.648, uma conquista histórica aprovada em 2008, as centrais representam o conjunto dos trabalhadores em fóruns de negociação e contam com recursos da Contribuição Sindical para investir nas suas ações - em 2009, as seis centrais reconhecidas receberam os R$ 80,9 milhões.

Mais maduras, elas também procuraram encontrar pontos de unidade na diversidade, superando divergências e disputas. Elas agiram unitariamente na conquista do acordo do salário mínimo e em outras batalhas. O ponto alto desta unidade se deu neste ano com a realização da Conferência Nacional das Classes Trabalhadores (Conclat), que reuniu mais de 30 mil ativistas sindicais no Estádio do Pacaembu, e aprovou uma plataforma unitária para a sucessão presidencial.

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Salário mínimo e o cinismo de Serra

Reproduzo artigo de Brizola Neto, publicado no blog Tijolaço:

Chegaria a ser cômico, se não fosse ridícula, a articulação do núcleo serrista para tentar criar um problema para o Governo Dilma Rousseff, com a apresentação da proposta de elevação do salário mínimo para R$ 600.

Claro e óbvio que um salário de 600 reais não é muito e muito menos injusto para os trabalhadores. Ao contrário, é pouco, considerando a defasagem que o salário mínimo acumulou ao longo de décadas. E inclua-se aí, nesta temporada de perdas, o período de uma década – considerando o período final de Itamar e os oito anos de Fernando Henrique – em que o tucanato esteve no Governo.

Mas a proposta tucana é como Serra, tão falsa como uma nota de R$3. Uma promessa que, se fosse eleito, trataria logo de revogar, com o apoio entusiástico da mídia, sob o argumento de que recebera uma “herança maldita” do Governo Lula.

Temos, mal ou bem, uma regra acordada de reajustes salariais: inflação mais variação do PIB no penúltimo ano do reajuste. Claro que, diante da crise – que zerou o crescimento do PIB em 2008 – e do forte crescimento da economia em 2009, podemos ter mais do que o reajuste que, segundo aquela regra, ficaria na faixa de 5%, como previsto no Orçamento.

A própria presidente eleita acenou que vai negociar esta adequação, sem prejuízo da regra que, mantida, garante um reajuste bem mais significativo em 2011, – 7,5% do PIB de 2010 mais uma inflação projetada em torno de 4%. As centrais sindicais propõem R$ 580 e tudo caminharia para um acordo razoável e responsável.

Mas o tucanato serrista, apesar da derrota nas urnas, se sente à vontade para repetir a demagogia que empunharam na campanha eleitoral e repetir a cantilena de levar o mínimo, de uma tacada só, para R$ 600, o que representaria um rejuste de quase 20%.

Ora, é simples saber se há sinceridade na proposta. Os governadores tucanos de São Paulo e Minas aceitam dar um reajuste de 20% para seus servidores? Alckmin e Anastasia podem fazer isso? As prefeituras tucanas podem arcar com isso? Se os servidores paulistas pedirem – aliás, por que não podem, se os seus governantes o defendem? – um aumento destes índices, vão ser recebidos com cafezinho ou com cassetetes e bombas de gás?

A verdade é que os tucanos, que históricamente se “lixam” para a pobreza deste país, não visam uma progressão constante, segura e imune ao arbítrio dos governantes para a recuperação dos salários. Querem o tumulto e o desgaste político.

É por isso que venho repetindo aqui: estamos caminhando para um “racha” nas forças de oposição. Não há dúvidas de que uma parte dos que se alinharem, ao menos formal e aparentemente, em torno da candidatura Serra não vai partir – não de início, ao menos – para este processo irresponsável.

A outra parte? Bem, como eu disse aqui, logo poderemos ver um trocadilho a mais: Serra é do DEM.

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Emir Sader: civilização ou barbárie

Reproduzo artigo do sociólogo Emir Sader, publicado no sítio Carta Maior:

Esse é o lema predominante no capitalismo contemporâneo. Universalizado a partir da Europa ocidental, o capitalismo desqualificou a todas outras civilizações como ‘bárbaras”. A ponto que, como denuncia em um livro fundamental, Orientalismo, Edward Said, o Ocidente forjou uma noção de Oriente, que amalgama tudo o que não é Ocidente: mundo árabe, japonês, chinês, indiano, africano, etc. etc. Fizeram Ocidente sinônimo de civilização e Oriente, o resto, idêntico a barbárie.

No cinema, na literatura, nos discursos, civilização é identificada com a civilização da Europa ocidental – a que se acrescentou a dos EUA posteriormente. Brancos, cristãos, anglo-saxões, protestantes – sinônimo de civilizados. Foram o eixo da colonização da periferia, a quem queriam trazer sua “civilização”. Foram colonizadores e imperialistas.

Os EUA se encarregaram de globalizar a visão racista do mundo, através de Hollywood. Os filmes de far west contavam como gesto de civilização as campanhas de extermínio das populações nativas nos EUA, em que o cow boy era chamado de “mocinho” e, automaticamente, os indígenas eram “bandidos, gestos que tiveram em John Wayne o “americano indômito”, na realidade a expressão do massacre das populações originárias.

Os filmes de guerra foram sempre contra outras etnias: asiáticos, árabes, negros, latinos. O país que protagonizou o maior massacre do século passado – a Alemanha nazista -, com o holocausto de judeus, comunistas, ciganos, foi sempre poupada pelos nortemamericanos, porque são iguais a eles – brancos, anglo-saxões, capitalistas, protestantes. O único grande filme sobre o nazismo foi feito pelo britânico Charles Chaplin – O grande ditador -, que teve que sair dos EUA antes mesmo do filme estrear, pelo clima insuportável que criaram contra ele.

Os países que supostamente encarnavam a “civilização” se engalfinharam nas duas guerras mundiais do século XX, pela repartição das colônias – do mundo bárbaro – entre si, em selvagens guerras interimperialistas.

Essa ideologia foi importada pela direita paulista, aquela que se expressou no “A questão social é questão de polícia”, do Washington Luis – como o FHC, carioca importado pela elite paulista -, derrubada pelo Getúlio e que passou a representar o anti-getulismo na politica brasileira. Tentaram retomar o poder em 1932 – como bem caracterizou o Lula, nada de revolução, um golpe, uma tentativa de contrarrevolução -, perderam e foram sucessivamente derrotados nas eleições de 1945, 1950, 1955. Quando ganharam, foi apelando para uma figura caricata de moralista, Jânio, que não durou meses na presidência.

Aí apelaram aos militares, para implantar sua civilização ao resto do país, a ferro e fogo. Foi o governo por excelência dessa elite. Paz sem povo – como o Serra prometia no campo: paz sem o MST.

Veio a redemocratização e essa direita se travestiu de neoliberal, de apologista da civilização do mercado, aquela em que, quem tem dinheiro tem acesso a bens, quem não tem, fica excluído. O reino do direito contra os direitos para todos.

Essa elite paulista nunca digeriu Getúlio, os direitos dos trabalhadores e seus sindicatos, se considerava a locomotiva do país, que arrastava vagões preguiçosos – como era a ideologia de 1932. Os trabalhadores nordestinos, expulsos dos seus estados pelo domínio dos latifundiários e dos coronéis, foi para construir a riqueza de São Paulo. Humilhados e ofendidos, aqueles “cabeças chatas” foram os heróis do progresso da industrialização paulista. Mas foram sempre discriminados, ridicularizados, excluídos, marginalizados.

Essa “raça” inferior a que aludiu Jorge Bornhausen, são os pobres, os negros, os nordestinos, os indígenas, como na Europa “civilizada” são os trabalhadores imigrantes. Massa que quando fica subordinada a eles, é explorada brutalmente, tornava invisível socialmente.

Mas quando se revela, elege e reelege seus lideres, se liberta dos coronéis, conquista direitos, com o avança da democratização – ai são diabolizadas, espezinhadas, tornadas culpadas pela derrota das elites brancas. Como agora, quando a candidatura da elite supostamente civilizada apelou para as explorações mais obscurantistas, para tentar recuperar o governo, que o povo tomou das suas mãos e entregou para lideres populares.

É que eles são a barbárie. São os que chegaram a estas terras jorrando sangue mediante a exploração das nossas riquezas, a escravidão e o extermínio das populações indígenas. Civilizados são os que governam para todos, que buscam convencer as pessoas com argumentos e propostas, que garantem os direitos de todos, que praticam a democracia. São os que estão construindo uma democracia com alma social – que o Brasil nunca tinha tido nas mãos desses supostos defensores da civilização.

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O novo visual de Serra para 2014



Sugestão do internauta Augusto da Fonseca, publicada no blog Conversa Afiada.

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