domingo, 1 de agosto de 2010

Um ano sem o diploma de jornalista

Reproduzo artigo de Pedro Pomar, publicado no blog Escrevinhador:

Faz um ano que o Supremo Tribunal Federal cassou a obrigatoriedade do diploma de jornalista para o exercício da profissão. A decisão representou um dos pontos mais baixos da história da instituição que deveria ser, em tese, a mais preparada para ministrar a justiça em nosso país. O patronato, pela voz de seus representantes mais célebres — Organizações Globo, Editora Abril, Folha de S. Paulo, Estadão, Sociedade Interamericana de Prensa (SIP) — aplaudiu.

É verdade que não foi nem a primeira, nem a última vez que o STF atende aos anseios das oligarquias em detrimento da sociedade. Certamente não esqueceremos o recente perdão que concedeu aos crimes da ditadura militar e aos agentes públicos que os cometeram. Uma deliberação política, absolutamente odiosa, verdadeiro atentado contra a Humanidade.

No julgamento de 17/6/2009, os ministros do STF demonstraram profunda ignorância, aliada a uma certa dose de má fé, quando encamparam as alegações do patronato contra a exigência legal do curso superior de jornalismo como condição para o exercício da profissão de jornalista.

Os patrões, é bom destacar, não se limitaram a discursar contra o diploma, como sempre fizeram. O Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo (Sertesp) juntou-se ao procurador André Ramos, do Ministério Público Federal em São Paulo, autor da ação civil pública contra a União, e ambos impetraram recurso no STF contra decisão do Tribunal Regional Federal da 3a região favorável ao diploma.

O principal “argumento” dos ministros, com base no arrazoado do procurador, é de que o diploma fere as liberdades de expressão e de manifestação do pensamento e a liberdade do exercício profissional (previstas no artigo 5º da Constituição Federal).

É intrigante: no país que abriga um dos mais poderosos, modernos e concentrados sistemas de mídia do mundo, em que cerca de 90% da produção de bens culturais e simbólicos — inclusive os produtos jornalísticos — estão sob controle de uma dezena de grandes grupos empresariais (e um único deles, as Organizações Globo, responde sozinho por 70% do setor), o STF resolveu que é o diploma de jornalista que fere a liberdade de expressão…

Ora, quando falamos em “liberdade de expressão” vamos muito além do jornalismo. A produção e o consumo de informações jornalísticas são apenas parte da esfera da comunicação social. A expressão humana, ou seja, todo tipo de manifestações que caracterizam a comunicação social, é algo muito mais amplo do que a produção de informações de natureza jornalística. Há uma enorme variedade de manifestações de toda ordem (dialógicas, pedagógicas, artísticas, científicas), autônomas ou veiculadas pelos meios de comunicação, que não têm qualquer relação direta com o jornalismo.

Apartheid social

Por outro lado, o jornalismo também comporta uma enorme quantidade de manifestações de não jornalistas. Mesmo assim, este espaço deveria, sim, ser mais democrático, mais plural, mais aberto ao contraditório. Acontece que não é o diploma de jornalismo que faz da mídia comercial, hegemônica, um carrasco da liberdade de expressão, e sim o caráter oligárquico desses jornais, revistas e emissoras (de rádio e TV) sempre preocupados em perpetuar o apartheid social existente no Brasil.

São os proprietários da mídia comercial, e não os jornalistas enquanto categoria profissional, os principais responsáveis pela censura e pelo cerceamento da liberdade de expressão no Brasil. Será que a mídia melhorou após a cassação do diploma de jornalista? A liberdade de expressão afirmou-se no jornalismo brasileiro, livre que está do diabólico diploma? Não, definitivamente não!

Vejamos alguns fatos pós-17/6/2009:

1- A reforma editorial da Folha de S. Paulo incluiu o expurgo de alguns dos melhores colunistas do jornal, entre eles Paulo Nogueira Batista Jr., economista que é um tradicional crítico do neoliberalismo. Paulo Nogueira ficou sabendo do fim de sua coluna na véspera. “Liberdade de expressão” ou macartismo?

2- O editor da versão brasileira da National Geographic criticou, em seu blog pessoal, matéria da revista Veja que distorceu considerações de um antropólogo sobre comunidades indígenas. Ambas as publicações pertencem à Editora Abril. O jornalista da National Geographic foi imediatamente demitido. “Liberdade de expressão” ou truculência?

3- O reajuste de 7,7% nos benefícios do regime geral da Previdência Social, para os aposentados que recebem mais de um salário mínimo, decidido pelo Congresso e sancionado por Lula, foi tratado por alguns veículos na base do deboche e da chacota, como mero expediente eleitoral, desconsiderando-se, assim, a luta travada durante anos a fio pelos aposentados e por alguns parlamentares contra o “fator previdenciário” e o arrocho que levou, historicamente, a enormes perdas nos valores recebidos. “Liberdade de expressão” ou dirigismo editorial?

O diploma, ou seja, o curso superior específico de jornalismo, não garante sozinho a qualidade do jornalismo praticado, mas é um dos fatores que contribuem para tanto. Inversamente, sua supressão tenderá a piorar as coisas. Incidentes como os descritos acima vão multiplicar-se num ambiente em que caberá aos patrões não só escolher quem trabalhará em suas empresas midiáticas, mas também “formar” a seu bel prazer os escolhidos, conforme os padrões mercantis, avessos à ética jornalística e ao compromisso com a sociedade.

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As relações promíscuas Globo-Serra



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O "efeito silenciador" da grande mídia

Reproduzo artigo de Venício Lima, publicado no sítio Carta Maior:

Desde a convocação da 1ª. Conferência Nacional de Comunicação (CONFECOM), em abril de 2009, os grandes grupos de mídia e seus aliados decidiram intensificar a estratégia de oposição ao governo e aos partidos que lhe dão sustentação. Nessa estratégia – assumida pela presidente da ANJ e superintendente do grupo Folha – um dos pontos consiste em alardear publicamente que o país vive sob ameaça constante de volta à censura e de que a liberdade de expressão [e, sem mais, a liberdade da imprensa] corre sério risco.

Além da satanização da própria Confecom, são exemplos recentes dessa estratégia, a violenta resistência ao PNDH3 e o carnaval feito em torno da primeira proposta de programa de governo entregue ao TSE pela candidata Dilma Roussef (vide, por exemplo, a capa, o editorial e a matéria interna da revista Veja, edição n. 2173).

A liberdade – o eterno tema de combate do liberalismo clássico – está na centro da “batalha das idéias” que se trava no dia-a-dia, através da grande mídia, e se transformou em poderoso instrumento de campanha eleitoral. Às vezes, parece até mesmo que voltamos, no Brasil, aos superados tempos da “guerra fria”.

O efeito silenciador

Neste contexto, é oportuna e apropriada a releitura de “A ironia da liberdade de expressão” (Editora Renovar, 2005), pequeno e magistral livro escrito pelo professor de Yale, Owen Fiss, um dos mais importantes e reconhecidos especialistas em “Primeira Emenda” dos Estados Unidos.

Fiss introduz o conceito de “efeito silenciador” quando discute que, ao contrário do que apregoam os liberais clássicos, o Estado não é um inimigo natural da liberdade. O Estado pode ser uma fonte de liberdade, por exemplo, quando promove “a robustez do debate público em circunstâncias nas quais poderes fora do Estado estão inibindo o discurso. Ele pode ter que alocar recursos públicos – distribuir megafones – para aqueles cujas vozes não seriam escutadas na praça pública de outra maneira. Ele pode até mesmo ter que silenciar as vozes de alguns para ouvir as vozes dos outros. Algumas vezes não há outra forma”.

Fiss usa como exemplo os discursos de incitação ao ódio, a pornografia e os gastos ilimitados nas campanhas eleitorais. As vítimas do ódio têm sua auto-estima destroçada; as mulheres se transformam em objetos sexuais e os “menos prósperos” ficam em desvantagem na arena política.

Em todos esses casos, “o efeito silenciador vem do próprio discurso”, isto é, “a agência que ameaça o discurso não é Estado”. Cabe, portanto, ao Estado promover e garantir o debate aberto e integral e assegurar “que o público ouça a todos que deveria”, ou ainda, garanta a democracia exigindo “que o discurso dos poderosos não soterre ou comprometa o discurso dos menos poderosos”.

Especificamente no caso da liberdade de expressão, existem situações em que o “remédio” liberal clássico de mais discurso, ao invés da regulação do Estado, simplesmente não funciona. Aqueles que supostamente poderiam responder ao discurso dominante não têm acesso às formas de fazê-lo.

Creio que o exemplo emblemático dessa última situação é o acesso ao debate público nas sociedades onde ele (ainda) é controlado pelos grandes grupos de mídia.

Censura disfarçada

A liberdade de expressão individual tem como fim assegurar um debate público democrático onde, como diz Fiss, todas as vozes sejam ouvidas.

Ao usar como estratégia de oposição política o bordão da ameaça constante de volta à censura e de que a liberdade de expressão corre risco, os grandes grupos de mídia transformam a liberdade de expressão num fim em si mesmo. Ademais, escamoteiam a realidade de que, no Brasil, o debate público não só [ainda] é pautado pela grande mídia como uma imensa maioria da população a ele não tem acesso e é dele historicamente excluída.

Nossa imprensa tardia se desenvolveu nos marcos do de um “liberalismo antidemocrático” no qual as normas e procedimentos relativos a outorgas e renovações de concessões de radiodifusão são responsáveis pela concentração da propriedade nas mãos de tradicionais oligarquias políticas regionais e locais (nunca tivemos qualquer restrição efetiva à propriedade cruzada), e impedem a efetiva pluralidade e diversidade nos meios de comunicação.

A interdição do debate verdadeiramente público de questões relativas à democratização das comunicações pelos grupos dominantes de mídia, na prática, funciona como uma censura disfarçada.

Este é o “efeito silenciador” que o discurso da grande mídia provoca exatamente em relação à liberdade de expressão que ela simula defender.

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TVT vai ao ar em 22 de agosto

Reproduzo artigo de Lia Segre, publicado no Observatório do Direito à Comunicação:

Está marcada para 22 de agosto a estréia da TV dos Trabalhadores (TVT). A transmissão inaugural põe fim a uma espera de 23 anos, desde o primeiro pedido de concessão feito pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Será, também, um marco para a TV aberta brasileira. A TVT é a primeira emissora ligada a movimentos sociais a garantir seu espaço entre os canais abertos brasileiros.

Gestora da TV, a Fundação Sociedade, Comunicação, Cultura e Trabalho é mantida pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, mas sua diretoria é também composta por outros grandes sindicatos da região. O peso da representação destas organizações e nem mesmo o fato de um ex-presidente do sindicato ter se tornado o presidente da República, entretanto, não foi suficiente para abreviar a longa espera pela concessão, nem diminuir as dificuldades para colocar a emissora no ar.

A outorga foi concedida em 2005 e reserva o canal 46 UHF em Mogi das Cruzes (SP). A programação será ainda transmitida pela TV a cabo, através da Rede NGT e de algumas emissoras comunitárias. Além disso, a TVT terá toda sua produção disponível na internet e funcionará totalmente integrada com essa mídia. “A ideia geral é abrir acesso à TV a quem nunca teve”, afirmou Valter Sanches, diretor da fundação, fazendo menção à concentração da mídia no país.

Segundo ele, o orçamento da TVT será de R$ 400 mil por mês – na sua opinião, um valor “espartano, muito pouco para TV”. Para poder pleitear o canal, a fundação precisou de um aporte financeiro de 12 milhões de reais. Com isso, tem condições de se sustentar por dois anos. Segundo Sanches, a categoria decidiu, em congresso, investir na causa. Assim, todo o dinheiro utilizado para comprovar a saúde financeira da fundação foi dado por ela, e “não necessariamente será gasto”.

Às vésperas do lançamento do canal, a diretoria da TVT se esforça para colocar a emissora no ar inclusive com o objetivo de atrair mais parceiros par ao projeto – como outras categorias, partidos, movimentos sociais.

Parcerias

Antes de conseguir a outorga, a TVT era um acervo de 4 mil fitas guardadas em um escritório em São Bernardo do Campo e que documentam momentos da história do país desde 1986, quando a produtora foi fundada. Mais recentemente, começaram a ser produzidos alguns programas, que podiam ser acessados pela internet.

A decisão de ampliar o alcance do projeto e transformar a TVT em um canal de TV foi determinação de congresso do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. “Há muito tempo a base decidiu entrar na disputa por uma concessão e ocupar espaço na luta pela democratização dos meios de comunicação”, comentou Sanches.

De início, a TVT terá uma hora e meia de produção própria por dia. A emissora produzirá um telejornal regional e programas semanais como Memória e Contexto (que utilizará o longo acervo audiovisual do sindicato), Boa Gente (entrevista com personagens que se dedicam ao coletivo), Coopera Brasil (sobre economia solidária) e o Click e Ligue, um programa que cobrirá as redes sociais e buscará disseminar o uso de novas e velhas tecnologias. O restante da grade de programação será preenchido por reportagens e documentários da TV Brasil e das TVs Câmara e Senado.

Internet

A TVT terá relação íntima com a internet. Todo material produzido estará disponível no portal da emissora, de modo que possa ser “envedado” automaticamente, ou seja, copiado livremente para outros sites, blogs, celular, redes sociais. Para esta finalidade, os conteúdos estarão disponíveis em formato grande e em pacotes de uma hora de programação. Já para a exibição online, os programas serão disponibilizados em partes menores, por exemplo, notícias separadas do telejornal.

Uma inovação são as possibilidades de comentários nas matérias e programas. O sistema aceitará comentários escritos, mas também comentários em vídeo, que podem ser gravados com webcam, e disponibilizados no site. A direção da TV estuda utilizar estes comentários também nas transmissões da emissora.

Outra aposta é nos blogs dos programas, que serão mantidos pelos repórteres, colunistas e colaboradores. Assim, informações que não entraram nas matérias de vídeo poderão ser detalhadas em texto. Além, disso, como tentativa de humanizar as matérias, os repórteres, cinegrafistas e outros profissionais que participam das coberturas serão entrevistados em algumas matérias, para darem um relato pessoal dos acontecimentos. A equipe da TVT será composta por 70 profissionais.

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Dez falsos motivos para não votar em Dilma

Reproduzo artigo de Jorge Furtado, publicado em seu blog:

Tenho alguns amigos que não pretendem votar na Dilma, um ou outro até diz que vai votar no Serra. Espero que sigam sendo meus amigos. Política, como ensina André Comte-Sponville, supõe conflitos: “A política nos reúne nos opondo: ela nos opõe sobre a melhor maneira de nos reunir”.

Leio diariamente o noticiário político e ainda não encontrei bons argumentos para votar no Serra, uma candidatura que cada vez mais assume seu caráter conservador. Serra representa o grupo político que governou o Brasil antes do Lula, com desempenho, sob qualquer critério, muito inferior ao do governo petista, a comparação chega a ser enfadonha, vai lá para o pé da página, quem quiser que leia [1].

Ouvi alguns argumentos razoáveis para votar em Marina, como incluir a sustentabilidade na agenda do desenvolvimento. Marina foi ministra do Lula por sete anos e parece ser uma boa pessoa, uma batalhadora das causas ambientalistas. Tem, no entanto (na minha opinião) o inconveniente de fazer parte de uma igreja bastante rígida, o que me faz temer sobre a capacidade que teria um eventual governo comandado por ela de avançar em questões fundamentais como os direitos dos homossexuais, a descriminalização do aborto ou as pesquisas envolvendo as células tronco.

Ouço e leio alguns argumentos para não votar em Dilma, argumentos que me parecem inconsistentes, distorcidos, precários ou simplesmente falsos. Passo a analisar os dez mais freqüentes.

1- “Alternância no poder é bom”.

Falso. O sentido da democracia não é a alternância no poder e sim a escolha, pela maioria, da melhor proposta de governo, levando-se em conta o conhecimento que o eleitor tem dos candidatos e seus grupo políticos, o que dizem pretender fazer e, principalmente, o que fizeram quando exerceram o poder. Ninguém pode defender seriamente a idéia de que seria boa a alternância entre a recessão e o desenvolvimento, entre o desemprego e a geração de empregos, entre o arrocho salarial e o aumento do poder aquisitivo da população, entre a distribuição e a concentração da riqueza. Se a alternância no poder fosse um valor em si não precisaria haver eleição e muito menos deveria haver a possibilidade de reeleição.

2- “Não há mais diferença entre direita e esquerda”.

Falso. Esquerda e direita são posições relativas, não absolutas. A esquerda é, desde a sua origem, a posição política que tem por objetivo a diminuição das desigualdades sociais, a distribuição da riqueza, a inserção social dos desfavorecidos. As conquistas necessárias para se atingir estes objetivos mudam com o tempo. Hoje, ser de esquerda significa defender o fortalecimento do estado como garantidor do bem-estar social, regulador do mercado, promotor do desenvolvimento e da distribuição de riqueza, tudo isso numa sociedade democrática com plena liberdade de expressão e ampla defesa das minorias.

O complexo (e confuso) sistema político brasileiro exige que os vários partidos se reúnam em coligações que lhes garantam maioria parlamentar, sem a qual o país se torna ingovernável. A candidatura de Dilma tem o apoio de políticos que jamais poderiam ser chamados de “esquerdistas”, como Sarney, Collor ou Renan Calheiros, lideranças regionais que se abrigam principalmente no PMDB, partido de espectro ideológico muito amplo.

José Serra tem o apoio majoritário da direita e da extrema-direita reunida no DEM [2], da “direita” do PMDB, além do PTB, PPS e outros pequenos partidos de direita: Roberto Jefferson, Jorge Borhausen, ACM Netto, Orestes Quércia, Heráclito Fortes, Roberto Freire, Demóstenes Torres, Álvaro Dias, Arthur Virgílio, Agripino Maia, Joaquim Roriz, Marconi Pirilo, Ronaldo Caiado, Katia Abreu, André Pucinelli, são todos de direita e todos serristas, isso para não falar no folclórico Índio da Costa, vice de Serra. Comparado com Agripino Maia ou Jorge Borhausen, José Sarney é Che Guevara.

3- “Dilma não é simpática”.

Argumento precário e totalmente subjetivo. Precário porque a simpatia não é, ou não deveria ser, um atributo fundamental para o bom governante. Subjetivo, porque o quesito “simpatia” depende totalmente do gosto do freguês. Na minha opinião, por exemplo, é difícil encontrar alguém na vida pública que seja mais antipático que José Serra, embora ele talvez tenha sido um bom governante de seu estado. Sua arrogância com quem lhe faz críticas, seu destempero e prepotência com jornalistas, especialmente com as mulheres, chega a ser revoltante.

4- “Dilma não tem experiência”.

Argumento inconsistente. Dilma foi secretária de estado, foi ministra de Minas e Energia e da Casa Civil, fez parte do conselho da Petrobras, gerenciou com eficiência os gigantescos investimentos do PAC, dos programas de habitação popular e eletrificação rural. Dilma tem muito mais experiência administrativa, por exemplo, do que tinha o Lula, que só tinha sido parlamentar, nunca tinha administrado um orçamento, e está fazendo um bom governo.

5- “Dilma foi terrorista”.

Argumento em parte falso, em parte distorcido. Falso, porque não há qualquer prova de que Dilma tenha tomado parte de ações “terroristas”. Distorcido, porque é fato que Dilma fez parte de grupos de resistência à ditadura militar, do que deve se orgulhar, e que este grupo praticou ações armadas, o que pode (ou não) ser condenável. José Serra também fez parte de um grupo de resistência à ditadura, a AP (Ação Popular), que também praticou ações armadas, das quais Serra não tomou parte. Muitos jovens que participaram de grupos de resistência à ditadura hoje participam da vida democrática como candidatos. Alguns, como Fernando Gabeira, participaram ativamente de seqüestros, assaltos a banco e ações armadas. A luta daqueles jovens, mesmo que por meios discutíveis, ajudou a restabelecer a democracia no país e deveria ser motivo de orgulho, não de vergonha.

6- “As coisas boas do governo petista começaram no governo tucano”.

Falso. Todo governo herda políticas e programas do governo anterior, políticas que pode manter, transformar, ampliar, reduzir ou encerrar. O governo FHC herdou do governo Itamar o real, o programa dos genéricos, o FAT, o programa de combate a AIDS. Teve o mérito de manter e aperfeiçoá-los, desenvolvê-los, ampliá-los. O governo Lula herdou do governo FHC, por exemplo, vários programas de assistência social. Teve o mérito de unificá-los e ampliá-los, criando o Bolsa Família. De qualquer maneira, os resultados do governo Lula são tão superiores aos do governo FHC que o debate “quem começou o quê” torna-se irrelevante.

7- “Serra vai moralizar a política”.

Argumento inconsistente. Nos oito anos de governo tucano-pefelista – no qual José Serra ocupou papel de destaque, sendo escolhido para suceder FHC – foram inúmeros os casos de corrupção, um deles no próprio Ministério da Saúde, comandado por Serra, o superfaturamento de ambulâncias investigado pela “Operação Sanguessuga”. Se considerarmos o volume de dinheiro público desviado para destinos nebulosos e paraísos fiscais nas privatizações e o auxílio luxuoso aos banqueiros falidos, o governo tucano talvez tenha sido o mais corrupto da história do país.

Ao contrário do que aconteceu no governo Lula, a corrupção no governo FHC não foi investigada por nenhuma CPI, todas sepultadas pela maioria parlamentar da coligação PSDB-PFL. O procurador da república ficou conhecido com “engavetador da república”, tal a quantidade de investigações criminais que morreram em suas mãos. O esquema de financiamento eleitoral batizado de “mensalão” foi criado pelo presidente nacional do PSDB, senador Eduardo Azeredo, hoje réu em processo criminal. O governador José Roberto Arruda, do DEM, era o principal candidato ao posto de vice-presidente na chapa de Serra, até ser preso por corrupção no “mensalão do DEM”. Roberto Jefferson, réu confesso do mensalão petista, hoje apóia José Serra. Todos estes fatos, incontestáveis, não indicam que um eventual governo Serra poderia ser mais eficiente no combate à corrupção do que seria um governo Dilma, ao contrário.

8- “O PT apóia as Farc”.

Argumento falso. É fato que, no passado, as Farc ensaiaram uma tentativa de institucionalização e buscaram aproximação com o PT, então na oposição, e também com o governo brasileiro, através de contatos com o líder do governo tucano, Arthur Virgílio. Estes contatos foram rompidos com a radicalização da guerrilha na Colômbia e nunca foram retomados, a não ser nos delírios da imprensa de extrema-direita. A relação entre o governo brasileiro e os governos estabelecidos de vários países deve estar acima de divergências ideológicas, num princípio básico da diplomacia, o da auto-determinação dos povos. Não há notícias, por exemplo, de capitalistas brasileiros que defendam o rompimento das relações com a China, um dos nossos maiores parceiros comerciais, por se tratar de uma ditadura. Ou alguém acha que a China é um país democrático?

9- “O PT censura a imprensa”.

Argumento falso. Em seus oito anos de governo o presidente Lula enfrentou a oposição feroz e constante dos principais veículos da antiga imprensa. Esta oposição foi explicitada pela presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) que declarou que seus filiados assumiram “a posição oposicionista (sic) deste país”. Não há registro de um único caso de censura à imprensa por parte do governo Lula. O que há, frequentemente, é a queixa dos órgãos de imprensa sobre tentativas da sociedade e do governo, a exemplo do que acontece em todos os países democráticos do mundo, de regulamentar a atividade da mídia.

10- “Os jornais, a televisão e as revistas falam muito mal da Dilma e muito bem do Serra”.

Isso é verdade. E mais um bom motivo para votar nela e não nele.

NOTAS

1- Alguns dados comparativos dos governos FHC e Lula.

- Geração de empregos:

FHC/Serra = 780 mil

Lula/Dilma = 12 milhões

- Salário mínimo:

FHC/Serra = 64 dólares

Lula/Dilma = 290 dólares

- Mobilidade social (brasileiros que deixaram a linha da pobreza):

FHC/Serra = 2 milhões

Lula/Dilma = 27 milhões

- Risco Brasil:

FHC/Serra = 2.700 pontos

Lula/Dilma = 200 pontos

- Dólar:

FHC/Serra = R$ 3,00

Lula/Dilma = R$ 1,78

- Reservas cambiais:

FHC/Serra = 185 bilhões de dólares negativos

Lula/Dilma = 239 bilhões de dólares positivos.

- Relação crédito/PIB:

FHC/Serra = 14%

Lula/Dilma = 34%

- Produção de automóveis:

FHC/Serra = queda de 20%

Lula/Dilma = aumento de 30%

- Taxa de juros:

FHC/Serra = 27%

Lula/Dilma = 10,75%

2- Elio Gaspari, na Folha de S.Paulo de 25.07.10: José Serra começou sua campanha dizendo: “Não aceito o raciocínio do nós contra eles”, e em apenas dois meses viu-se lançado pelo seu colega de chapa numa discussão em torno das ligações do PT com as Farc e o narcotráfico. Caso típico de rabo que abanou o cachorro. O destempero de Indio da Costa tem método. Se Tupã ajudar Serra a vencer a eleição, o DEM volta ao poder. Se prejudicar, ajudando Dilma Rousseff, o PSDB sairá da campanha com a identidade estilhaçada. Já o DEM, que entrou na disputa com o cocar do seu mensalão, sairá brandindo o tacape do conservadorismo feroz que renasceu em diversos países, sobretudo nos Estados Unidos.

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Gilmar Mendes: Há juízes em São Paulo

Reproduzo artigo de Leandro Fortes, publicado no blog “Brasília, eu vi”:

Com o apoio dos setores mais conservadores e reacionários da mídia nativa, o ministro Gilmar Mendes reinou como uma espécie de déspota de toga sobre o Judiciário, a opiniãó pública e o bom senso, mesmo sendo protagonista de um dos momentos mais vexatórios da Justiça brasileira: a dupla libertação do banqueiro Daniel Dantas, graças a dois habeas corpus concedidos por Mendes, em menos de 48 horas. Dantas acabou condenado a 10 anos de prisão por ter subornado um delegado da Polícia Federal, em uma ação controlada pela Justiça, durante a Operação Satiagraha, justamente a razão do segundo pedido de prisão encaminhado pelo juiz Fausto De Sanctis, da 6a Vara Criminal Federal de São Paulo.

Cercado de bajuladores e blindado pelo corporativismo do STF, Gilmar Mendes tornou-se uma celebridade de cera e, como tal, passou por um rápido processo de descolamento da realidade, certo de que logo seria um tirano amado e admirado por seus atos e palavras. O arquivamento da ação movida por ele contra o jornalista Paulo Henrique Amorim e mais três repórteres da revista IstoÉ revela, no entanto, que o tamanho do tombo é o tamanho da fantasia. Mendes terá que viver, cada vez mais, com a vergonha pública de ter usado a toga e as leis do país para beneficiar descaradamente um banqueiro condenado pela Justiça, ou como diz PHA, um passador de bola pego no ato de passar a bola. Pior, longe da presidência da Supremo, reduzido à insignificância da rotina de ministro, não lhe restará nem mesmo um mísero colunista de ocasião para lhe fazer a defesa, nem mesmo em nome dos velhos tempos.

“Justiça manda arquivar ação de Gilmar Mendes contra PHA”, do blog Conversa Afiada:

O Juiz Federal Luiz Renato Pacheco Chaves de Oliveira, da 4ª. Vara da Justiça Federal da Seção Judiciária do Estado de São Paulo, no dia 2 de julho de 2010, decidiu: “ARQUIVEM-SE” os autos de uma ação criminal que o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes movia contra Paulo Henrique Amorim, Mino Pedrosa, Luiza Villaméa e Hugo Marques, da revista Istoé. O motivo foram informações relacionadas a desdobramentos da Operação Satiagraha e a decisão de Mendes da dar dois Habeas Corpus a Daniel Dantas em 48 horas.

O Juiz Chaves de Oliveira acolheu a manifestação da Procuradora da República Adriana Scordamaglia, que pediu o arquivamento da ação. Seguem-se trechos – brilhantes ! – da manifestação da Procuradora Scordamaglia:

“A Constituição fixa todos os critérios para assegurar a liberdade de imprensa, de informação e expressão. É que se mostra muito tênue a linha divisória entre calúnia, difamação e injuria e o direito de informar e se expressar”.

“O artigo 220 da Carta Magna determina que a manifestação de pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão nenhuma restrição … o parágrafo 1º. do artigo 220 impõe limites à lei infra-constitucional, prescrevendo que não poderá conter dispositivo embaraçador da plena liberdade de informação jornalística”.

“Daí percebe-se o cuidado que se deve ter em separar aquilo que de fato é passível de responsabilização e aquilo que apenas se enquadra no direito de informação, expressão e jornalístico. Se assim não fosse, estaríamos retrocedendo à época da ditadura militar e teríamos de aceitar, ainda que de forma velada, o retorno da censura e blindagem de autoridades em relação ao trabalho jornalístico, privando os cidadãos de seu direito de livre acesso á informação.”

“Bem, tudo isso não passaria de mais uma celeuma jurídica, se não fosse por um motivo: o requerente, suposto ofendido, é um membro do Supremo Tribunal Federal que, não bastasse, votou favoravelmente à suspensão da Lei de Imprensa.”

“Tudo a patentear que Imprensa e Democracia, na vigente ordem constitucional brasileira, são irmãs siamesas. Uma a dizer para a outra, solene e agradecidamente, ‘eu sou quem sou para serdes vós quem sois’ (verso colhido em Vicente Carvalho, no bojo do poema ‘Soneto de Mudança’). Por isso que, em nosso país, a liberdade de expressão é a maior expressão de liberdade, porquanto o que quer que seja pode ser dito por quem quer que seja.”

“A democracia avulta como síntese dos fundamentos da nossa República Federativa (‘soberania’, ‘cidadania’, ‘dignidade da pessoa humana’, ‘valores sociais do trabalho’ e da ‘livre iniciativa e pluralismo político’) e dos objetivos fundamentais desse mesmo Estado Republicano Federativo (‘construir uma sociedade livre, justa e solidária’, ‘garantir o desenvolvimento nacional’, ‘erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais’, ‘promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminação’).”

“A democracia de que trata a Constituição de 88 é tanto indireta ou representativa … quanto direta ou participativa … além de se traduzir num modelo de organização estatal que se apóia em dois dos mais vistosos pilares: a) o da informação em plenitude e de máxima qualidade; b) o da transparência e ou visibilidade do poder. Por isso que emerge da nossa Constituição a inviolabilidade da liberdade de expressão e de informação … e todo um capítulo que é a mais nítida exaltação da liberdade de imprensa. (Capitulo V, Titulo VIII).”

“Se a liberdade à informação for de relevante interesse social, o direito à vida privada deve ser afastado em detrimento do interesse publico-social dessa liberdade de informação plenamente definida e limitada.”

“No caso em tela o crime contra a honra estaria caracterizado caso houvesse, por parte do jornalistas, a intenção de denegrir a imagem do Supremo tribunal Federal, em especial do ministro Gilmar Mendes e de seus assessores (Vinte e oito assessores de Gilmar Mendes no STF assinam a ação – PHA), o que não restou comprovado … Não se vislumbrou a pratica de crimes contra a honra, mas apenas o exercício do direito de informação e expressão.”

“Os mesmos fatos ora apurados foram alvo de criticas não apenas pelos jornalistas aqui mencionados, mas por diversos outros, inclusive juristas renomados e autoridades públicas. E não faltaram reportagens questionando a atuação do ministro Gilmar Mendes, e a acrobacia feita para legitimar a competência do STF na análise do Habeas Corpus impetrado em favor do mencionado banqueiro (Daniel Dantas). Pergunta-se, então, se todos os críticos do governo deveriam ser processados e presos. A resposta, por óbvio, é não.”

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O perigo de brincar com juros e câmbio

Reproduzo artigo de Paulo Kliass, publicado no sítio Carta Maior:

Há quase três anos e meio atrás, escrevi sobre o mesmo tema. Em 07 de fevereiro de 2007, o texto concluía assim:

“E esse é exatamente o nó atual da taxa de juros com a taxa de câmbio. A política monetária de juros elevados tem um segundo efeito negativo sobre a atividade econômica nacional. Ela provoca a sobrevalorização da taxa de câmbio, sob um regime em que a intervenção do Estado para administrá-la é vista com péssimos olhos. Assim, além de desestimular o consumo e a produção em geral, como já vimos, ela não estimula a busca da competitividade de setores exportadores de alta tecnologia e abre uma perigosa janela para a inundação de importações em setores que podem ser estratégicos para nosso parque industrial, principalmente em termos de política de geração de renda e oferta de emprego.

A busca de uma calibragem fina para esse movimento aparentemente contraditório no universo econômico passa pela redução da taxa de juros como instrumento de política monetária e pela introdução de mecanismos de controle e administração da taxa de câmbio, para evitar que as distorções acima descritas possam comprometer a qualidade do desenvolvimento que todos desejamos para o país”.

O intuito aqui não é de botar banca de especialista, para sair no final com o famoso “eu não avisei? ”... Inclusive porque uma série de outros analistas também vem alertando para esse risco. Muito pelo contrário, a intenção é chamar a atenção para a passividade com que essa questão vem sendo tratada pelo governo, em especial pelos responsáveis da área econômica, há muito tempo. É aquele já velho conhecido e sempiterno temor de adotar qualquer tipo de medida que possa ser considerada como prejudicial aos interesses da banca internacional e de seus representantes aqui dentro do país. Uma visão exclusivamente focada com as lentes do setor financeiro, em detrimento do lado real de nossa economia – ali onde são efetivamente gerados renda e empregos associados a atividades produtivas ou serviços importantes para a sociedade.

Recordemos algumas informações. Naquele longínquo dia do início do segundo mandato do presidente Lula, a taxa oficial de câmbio do real brasileiro em relação ao dólar norte-americano era de R$ 2,08 – e diversos analistas já apontavam para os riscos embutidos em tal cotação, considerada como estando sobrevalorizada à época. A taxa de juros Selic, tal como definida pelo Copom do Banco Central, estava na faixa de 13% anuais em fevereiro de 2007.

Passados quase 42 meses, a taxa de câmbio está hoje em R$ 1,76 e a taxa de juros da Selic, recentemente elevada, alcançou 10,75% ao ano. Cabem aqui algumas ponderações a respeito de tal quadro de conjuntura econômica.

Em primeiro lugar, permitam-me fazer um rápido exercício para termos uma noção mais aproximada do significado da atratividade que tais condições oferecem ao recurso financeiro especulativo circulante pelo mundo afora, em busca de porto mais seguro e de elevada rentabilidade. Para efeito de comparação, utilizemos o caso hipotético de um operador do mercado financeiro que tivesse um montante de US$ 1.000 para aplicar, lá naquele dia de fevereiro de 2007. A alternativa considerada mais conservadora de todo o mercado global, de menor risco, seria a compra dos títulos do governo norte-americano. Com as taxas oferecidas pelo mercado dos EUA, tal aplicação chegaria aos dias de hoje com valor aproximado de US$ 1.060 – apenas e tão somente a remuneração da taxa de juros do FED, o Banco Central daquele país. Uma rentabilidade de 6% ao longo de todo o período aqui considerado.

Peguemos, agora, outro caso: o de um jovem operador, com perfil um pouco mais arriscado e mais ligado nas operações financeiras oferecidas pelos governos dos países do Terceiro Mundo. Conhecedor das regras do mercado financeiro brasileiro e das garantias oferecidas pelo ex-presidente mundial do Bank of Boston à frente da condução da política monetária, ele teria optado por aplicar os mesmos US$ 1.000 em títulos do governo brasileiro. Reparem bem se que trata ainda de uma operação de baixo risco – nada de ações na Bolsa de Valores, derivativos, commodities futuras, hedge cambial ou otras cositas más, dentre as inúmeras operações conhecidas por quem domina a terminologia do financês. A rentabilidade dessas é impublicável...

Ao internalizar os dólares, convertendo-os pela taxa de câmbio, ele teria obtido R$ 2.080 em fevereiro de 2007. Com a remuneração oferecida pela SELIC ao longo dos anos, a rentabilidade mínima obtida teria sido de 45%. Ou seja, os R$ 2.080 teriam se elevado a R$ 3.016 no final de julho deste ano. Caso resolvesse recuperar os valores em dólares à taxa de câmbio atual de R$ 1,76 , o nosso jovem anunciaria – entre surpreso e orgulhoso - ao proprietário do recurso: “Sir, we’ve got US$ 1.713 !!!”. Milagre? Talvez a explicação tenha muito pouco a ver com alguma ajuda oferecida pela mãozinha divina. Mas o fato é que a operação rendeu mais de 70% - um retorno muito elevado, quando comparado aos 6% do exemplo anterior. Quem conhece um pouco do funcionamento do mercado financeiro, sabe o que isso significaria em termos de bônus na conta bancária do responsável de uma operação que rende 12 vezes mais do que a outra!

Com esse tipo de benesse de remuneração oferecida pelo governo brasileiro ao capital especulativo, o interesse declarado é promover um fluxo crescente de atração de recursos externos para fechar as nossas contas externas. Assim, sempre fico meio com pé atrás quando ouço as bravatas do tipo: “agora não somos mais devedores, e sim credores, do FMI!”. É claro é que foi importante a eliminação da dívida brasileira junto ao Fundo. Porém, o custo atual de rolar o nosso modelo com base no capital financeiro de curto prazo obtido junto ao mercado internacional é tão ou mais elevado do que antes.

O fato é que está cada vez mais apertado o nó entre a política de juros e a política de câmbio. O grande argumento utilizado pelos que não têm interesse em alterar o estado de coisas é a propalada “tranqüilidade” oferecida pelo nível de reservas internacionais acumuladas pelo Brasil. Realmente, os valores impressionam. Naquele fevereiro de 2007, o estoque dessa conta era de US$ 100 bilhões. Hoje elas estão no patamar de US$ 253 bilhões – um crescimento superior a 150%.

Porém, o comportamento exibido por outras variáveis deveria recomendar, aos formuladores de política econômica, muita cautela no tratamento da questão externa. O saldo anual da Balança Comercial lá em fevereiro de 2007 era um superávit de US$ 46 bi. Com a valorização da taxa de câmbio, as exportações foram desestimuladas e as importações ficaram incentivadas. O resultado foi uma redução do saldo comercial, que atinge hoje a marca superavitária de US$ 19 bi.

Por outro lado, as informações relativas às remessas para exterior também devem servir como sinal de alerta. Em 2007, o valor anual de divisas remetidas ao exterior por conta de pagamento de juros, lucros e similares era de US$ 65 bi. Agora, passado esse período todo aqui analisado, esses valores subiram para US$ 100 bi anuais. Um crescimento superior a 50%.

Por isso se faz importante destravar essa verdadeira bomba de efeito retardado que está montada em nossa estratégia de condução da economia. Imagino que a investigação e a pesquisa a respeito desses anos todos de obstinação tresloucada em manter a pole position na corrida de países por juros mais altos vai render muitas dissertações de mestrado e teses de doutorado. O Brasil não precisa fazer esse enorme sobre-esforço de alimentar a gulodice parasitária do capital financeiro especulativo para manter sua estabilidade macroeconômica interna e seu necessário desenvolvimento.

Ao manter os juros da Selic elevados, o Banco Central perpetua o ingresso desses recursos externos, que nada mais fazem senão inflar artificialmente os indicadores do “bom mocismo”. E como a massa desses valores continua a ingressar em nosso território sob o sacrossanto e imexível regime da assim chamada “liberdade cambial”, o real continua a se valorizar frente às outras moedas do mundo. E para evitar que outra praia se apresente mais atrativa do que a nossa e desvie a atração do capital que para cá se dirigiu, dá-lhe manutenção da taxa oficial de juros em patamares injustificadamente levados. Conclusão: é a clássica situação do cachorro correndo atrás do próprio rabo. Ilude-se ao achar que está avançando, pois apenas corre em círculos sem sair do lugar.

Um dos maiores riscos da opção até aqui adotada é a conduta a ser adotada face a uma debandada de recursos externos. Por isso, a menção a brincar com fogo aqui no título. Apesar da dimensão do estoque de reservas internacionais, o chamado “efeito de manada” do capital especulativo não costuma perdoar os países que, até à véspera, os hospedavam de forma tão generosa. Uma das alternativas é reduzir a dependência desse tipo de risco, por meio de uma taxação do recurso externo de curto prazo. Tal medida tenderá a reduzir o ingresso dos mesmos e permitirá uma reversão da valorização cambial. E as razões para a definição da taxa de juros serão menos influenciadas pela atratividade do recurso externo, com folga para redução. E o alívio nas despesas orçamentárias - atualmente comprometidas com o pagamento de centenas de bilhões de reais com juros da dívida - propiciaria o direcionamento para gastos nas áreas do social e da infra-estrutura.

E já que eu iniciei este artigo com uma “auto-citação”, termino com outra do mesmo artigo de fevereiro de 2007:

“A prudência recomenda algum grau de intervenção da autoridade econômica na fixação de seu ‘preço’, a taxa de câmbio. Aliás, é exatamente o que faz a grande maioria dos países industrializados. Porém, um dos efeitos da sobrecarga ideológica do neoliberalismo em nossas praias foi a fé cega de que a solução de mercado é sempre a mais eficiente.”

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