domingo, 1 de agosto de 2010

Um ano sem o diploma de jornalista

Reproduzo artigo de Pedro Pomar, publicado no blog Escrevinhador:

Faz um ano que o Supremo Tribunal Federal cassou a obrigatoriedade do diploma de jornalista para o exercício da profissão. A decisão representou um dos pontos mais baixos da história da instituição que deveria ser, em tese, a mais preparada para ministrar a justiça em nosso país. O patronato, pela voz de seus representantes mais célebres — Organizações Globo, Editora Abril, Folha de S. Paulo, Estadão, Sociedade Interamericana de Prensa (SIP) — aplaudiu.

É verdade que não foi nem a primeira, nem a última vez que o STF atende aos anseios das oligarquias em detrimento da sociedade. Certamente não esqueceremos o recente perdão que concedeu aos crimes da ditadura militar e aos agentes públicos que os cometeram. Uma deliberação política, absolutamente odiosa, verdadeiro atentado contra a Humanidade.

No julgamento de 17/6/2009, os ministros do STF demonstraram profunda ignorância, aliada a uma certa dose de má fé, quando encamparam as alegações do patronato contra a exigência legal do curso superior de jornalismo como condição para o exercício da profissão de jornalista.

Os patrões, é bom destacar, não se limitaram a discursar contra o diploma, como sempre fizeram. O Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo (Sertesp) juntou-se ao procurador André Ramos, do Ministério Público Federal em São Paulo, autor da ação civil pública contra a União, e ambos impetraram recurso no STF contra decisão do Tribunal Regional Federal da 3a região favorável ao diploma.

O principal “argumento” dos ministros, com base no arrazoado do procurador, é de que o diploma fere as liberdades de expressão e de manifestação do pensamento e a liberdade do exercício profissional (previstas no artigo 5º da Constituição Federal).

É intrigante: no país que abriga um dos mais poderosos, modernos e concentrados sistemas de mídia do mundo, em que cerca de 90% da produção de bens culturais e simbólicos — inclusive os produtos jornalísticos — estão sob controle de uma dezena de grandes grupos empresariais (e um único deles, as Organizações Globo, responde sozinho por 70% do setor), o STF resolveu que é o diploma de jornalista que fere a liberdade de expressão…

Ora, quando falamos em “liberdade de expressão” vamos muito além do jornalismo. A produção e o consumo de informações jornalísticas são apenas parte da esfera da comunicação social. A expressão humana, ou seja, todo tipo de manifestações que caracterizam a comunicação social, é algo muito mais amplo do que a produção de informações de natureza jornalística. Há uma enorme variedade de manifestações de toda ordem (dialógicas, pedagógicas, artísticas, científicas), autônomas ou veiculadas pelos meios de comunicação, que não têm qualquer relação direta com o jornalismo.

Apartheid social

Por outro lado, o jornalismo também comporta uma enorme quantidade de manifestações de não jornalistas. Mesmo assim, este espaço deveria, sim, ser mais democrático, mais plural, mais aberto ao contraditório. Acontece que não é o diploma de jornalismo que faz da mídia comercial, hegemônica, um carrasco da liberdade de expressão, e sim o caráter oligárquico desses jornais, revistas e emissoras (de rádio e TV) sempre preocupados em perpetuar o apartheid social existente no Brasil.

São os proprietários da mídia comercial, e não os jornalistas enquanto categoria profissional, os principais responsáveis pela censura e pelo cerceamento da liberdade de expressão no Brasil. Será que a mídia melhorou após a cassação do diploma de jornalista? A liberdade de expressão afirmou-se no jornalismo brasileiro, livre que está do diabólico diploma? Não, definitivamente não!

Vejamos alguns fatos pós-17/6/2009:

1- A reforma editorial da Folha de S. Paulo incluiu o expurgo de alguns dos melhores colunistas do jornal, entre eles Paulo Nogueira Batista Jr., economista que é um tradicional crítico do neoliberalismo. Paulo Nogueira ficou sabendo do fim de sua coluna na véspera. “Liberdade de expressão” ou macartismo?

2- O editor da versão brasileira da National Geographic criticou, em seu blog pessoal, matéria da revista Veja que distorceu considerações de um antropólogo sobre comunidades indígenas. Ambas as publicações pertencem à Editora Abril. O jornalista da National Geographic foi imediatamente demitido. “Liberdade de expressão” ou truculência?

3- O reajuste de 7,7% nos benefícios do regime geral da Previdência Social, para os aposentados que recebem mais de um salário mínimo, decidido pelo Congresso e sancionado por Lula, foi tratado por alguns veículos na base do deboche e da chacota, como mero expediente eleitoral, desconsiderando-se, assim, a luta travada durante anos a fio pelos aposentados e por alguns parlamentares contra o “fator previdenciário” e o arrocho que levou, historicamente, a enormes perdas nos valores recebidos. “Liberdade de expressão” ou dirigismo editorial?

O diploma, ou seja, o curso superior específico de jornalismo, não garante sozinho a qualidade do jornalismo praticado, mas é um dos fatores que contribuem para tanto. Inversamente, sua supressão tenderá a piorar as coisas. Incidentes como os descritos acima vão multiplicar-se num ambiente em que caberá aos patrões não só escolher quem trabalhará em suas empresas midiáticas, mas também “formar” a seu bel prazer os escolhidos, conforme os padrões mercantis, avessos à ética jornalística e ao compromisso com a sociedade.

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7 comentários:

ailton martins disse...

Olá td bom, estou passando para divulgar este documentário se puder der uma olhada. Obrigado.

Sensibilizador documentário "Nos Olhos da Esperança". http://nosolhosdaesperanca.blogspot.com/ É verdade, justiça tardia é injustiça!

Raphael Tsavkko Garcia disse...

Apesar da pressão do patronato, reduzir a questão do diploma a isto apenas é tolo.

Diploma é sim uma forma de censura. Em um país em que 90% dos brasileiros não tem ensino superior permitir que apenas uma ínfima minoria tenha espaço nos jornais é o que?

Diploma nada mais é que o reflexo de uma classe corporativista e que agora está lambendo as feridas.

Unknown disse...

Deformações jornalísticas

Ninguém precisa de diplomas para coletar informações, cultivar análises e reproduzir raciocínios legíveis. Canudos de papel não materializam vocações ou talentos, em qualquer afazer criativo.
Na verdade, considerando a qualidade média dos serviços em questão, a própria formação universitária precisa ser repensada com urgência. Uma preocupante parcela dos jovens jornalistas brasileiros carece de rudimentos teóricos que deveriam ser exigidos de qualquer cidadão, ainda mais de alguém que pretende “formar opiniões”. Supondo-os diplomados, e quase todos são, chegamos a nos perguntar como conseguiram completar o colegial e passar num vestibular, antes mesmo da formatura.
Não me refiro à imprensa de província (amiúde injustiçada), nem às crônicas esportivas e policiais, recheadas de cacoetes divertidos. Até respeitados veículos de abrangência nacional sucumbem a escrutínios rigorosos. Os erros de gramática e concordância aparecem com lamentável freqüência. Amiúde surge o clássico “dar a luz a” e uma constelação de cacofonias no estilo “nunca ganha”. E os lugares-comuns se transformaram em dialeto particular, subproduto inócuo do discurso publicitário.
Há também demonstrações constrangedoras de ignorância acerca dos assuntos abordados. As besteiras com vocabulário jurídico e científico dariam livros. Em recente matéria sobre os descalabros do Judiciário, alguém incluiu o Tribunal de Contas, órgão autônomo, auxiliar do Legislativo. Acabo de ouvir uma repórter mencionando o Ministério “do” Público, na mesma rádio onde outra relatara os casos de gripe suína no Estado americano de “Órrio”. Claro, ninguém precisa ser poliglota, mas um “Bob Dáilan” ou um “Reimbáude” já são demais em qualquer contexto, não apenas cultural.
Talvez devêssemos tolerar deslizes textuais ou de conteúdo específico, tendo em vista as vicissitudes do ofício. E toda generalização seria tola, especialmente num universo tão amplo quanto diversificado. Mas algumas ponderações críticas se fazem necessárias, porque parte da categoria mobiliza-se para defender a exigência do diploma justamente como garantia de qualidade e competência. Corporativismos à parte, será que as faculdades existentes atingem esses nobres objetivos?
Um sério problema da formação acadêmica jornalística é que sua inviável pretensão à universalidade resulta em amplo superficialismo. Não há como especializar o formando em todos os assuntos de interesse público. Mesmo em espaços “apenas” informativos, certas pautas demandam exatidão e profundidade inacessíveis a curiosos ocasionais. Privar o público de esclarecimentos técnicos pode acarretar prejuízos irreversíveis. A imprensa não é nem pode ser feita apenas por jornalistas.
Não que a decisão do STF traga novidades às relações laborais. Sob arengas liberalizantes ou legalistas de patrões e empregados, dissemina-se a adoção consensual de estratégias para driblar a legislação trabalhista. A tendência fatalmente inviabilizará as regulamentações profissionais. Aliás, funcionários que se transformam em Pessoas Jurídicas não podem reclamar de precariedade, amadorismo ou perda de direitos.
E as empresas continuarão preferindo candidatos diplomados. Além de conhecer jargões e técnicas básicos, eles disputam chances num mercado de trabalho já suficientemente competitivo, que pressiona os iniciantes a sufocar abstrações éticas para satisfazer os desmandos dos superiores. Assim estará garantido o exército de pobres diabos que se acotovelarão para inventar uma futura Escola Base, outro casal Nardoni, os novos pugilistas cubanos.
Se há qualquer ameaça ao futuro do jornalismo brasileiro, os interessados podem procurá-la numa crise inédita de credibilidade, nascida nas próprias redações e alimentada com a cumplicidade de todos os envolvidos, principalmente os tais diplomados. Mas será impossível compreender a decadência roçando apenas sintomas aparentes e momentâneos, sem dissecar sua natureza essencialmente política.

http://guilhermescalzilli.blogspot.com/

Unknown disse...

Deformações jornalísticas

Ninguém precisa de diplomas para coletar informações, cultivar análises e reproduzir raciocínios legíveis. Canudos de papel não materializam vocações ou talentos, em qualquer afazer criativo.
Na verdade, considerando a qualidade média dos serviços em questão, a própria formação universitária precisa ser repensada com urgência. Uma preocupante parcela dos jovens jornalistas brasileiros carece de rudimentos teóricos que deveriam ser exigidos de qualquer cidadão, ainda mais de alguém que pretende “formar opiniões”. Supondo-os diplomados, e quase todos são, chegamos a nos perguntar como conseguiram completar o colegial e passar num vestibular, antes mesmo da formatura.
Não me refiro à imprensa de província (amiúde injustiçada), nem às crônicas esportivas e policiais, recheadas de cacoetes divertidos. Até respeitados veículos de abrangência nacional sucumbem a escrutínios rigorosos. Os erros de gramática e concordância aparecem com lamentável freqüência. Amiúde surge o clássico “dar a luz a” e uma constelação de cacofonias no estilo “nunca ganha”. E os lugares-comuns se transformaram em dialeto particular, subproduto inócuo do discurso publicitário.
Há também demonstrações constrangedoras de ignorância acerca dos assuntos abordados. As besteiras com vocabulário jurídico e científico dariam livros. Em recente matéria sobre os descalabros do Judiciário, alguém incluiu o Tribunal de Contas, órgão autônomo, auxiliar do Legislativo. Acabo de ouvir uma repórter mencionando o Ministério “do” Público, na mesma rádio onde outra relatara os casos de gripe suína no Estado americano de “Órrio”. Claro, ninguém precisa ser poliglota, mas um “Bob Dáilan” ou um “Reimbáude” já são demais em qualquer contexto, não apenas cultural.
Talvez devêssemos tolerar deslizes textuais ou de conteúdo específico, tendo em vista as vicissitudes do ofício. E toda generalização seria tola, especialmente num universo tão amplo quanto diversificado. Mas algumas ponderações críticas se fazem necessárias, porque parte da categoria mobiliza-se para defender a exigência do diploma justamente como garantia de qualidade e competência. Corporativismos à parte, será que as faculdades existentes atingem esses nobres objetivos?
Um sério problema da formação acadêmica jornalística é que sua inviável pretensão à universalidade resulta em amplo superficialismo. Não há como especializar o formando em todos os assuntos de interesse público. Mesmo em espaços “apenas” informativos, certas pautas demandam exatidão e profundidade inacessíveis a curiosos ocasionais. Privar o público de esclarecimentos técnicos pode acarretar prejuízos irreversíveis. A imprensa não é nem pode ser feita apenas por jornalistas.
Não que a decisão do STF traga novidades às relações laborais. Sob arengas liberalizantes ou legalistas de patrões e empregados, dissemina-se a adoção consensual de estratégias para driblar a legislação trabalhista. A tendência fatalmente inviabilizará as regulamentações profissionais. Aliás, funcionários que se transformam em Pessoas Jurídicas não podem reclamar de precariedade, amadorismo ou perda de direitos.
E as empresas continuarão preferindo candidatos diplomados. Além de conhecer jargões e técnicas básicos, eles disputam chances num mercado de trabalho já suficientemente competitivo, que pressiona os iniciantes a sufocar abstrações éticas para satisfazer os desmandos dos superiores. Assim estará garantido o exército de pobres diabos que se acotovelarão para inventar uma futura Escola Base, outro casal Nardoni, os novos pugilistas cubanos.
Se há qualquer ameaça ao futuro do jornalismo brasileiro, os interessados podem procurá-la numa crise inédita de credibilidade, nascida nas próprias redações e alimentada com a cumplicidade de todos os envolvidos, principalmente os tais diplomados. Mas será impossível compreender a decadência roçando apenas sintomas aparentes e momentâneos, sem dissecar sua natureza essencialmente política.

http://guilhermescalzilli.blogspot.com/

Alexandre Figueiredo disse...

Miro, de fato o diploma de jornalismo não é o fator decisivo para o desenvolvimento da cidadania na sociedade moderna, mas é um comprovante dos ensinamentos que um jornalista aprendeu na sua formação acadêmica, e é, em parte, um meio de controlar os "aventureiros" da opinião que pululam aos montes, feito praga em plantação.

Sou jornalista de formação, com registro no Ministério do Trabalho, e realmente sei o quanto existem oportunistas que se aproveitam da não-exigência do diploma.

Sei que existem exceções de jornalistas não-diplomados, como o grande Mino Carta, mas ele é de uma geração de tempos em que não havia cursos de jornalismo, mas que tinham seu compromisso ético na profissão, que desempenhavam com admirável honestidade e fiel comprometimento com os interesses públicos. Essa geração, aliás, tornou-se curiosamente uma escola para nós, jornalistas.

Mas, infelizmente, isso não é sempre assim. É até raro, na medida em que, depois de 1964, a mediocridade passou a dominar nosso país, o "jeitinho" passou a regular as normas de "sucesso pessoal" vigentes.

Por isso, nossa imprensa é tomada de pessoas sem formação, sem informação, "aventureiros" da opinião, dondocas escrevinhadoras, políticos pedantes metidos a radiojornalistas, gente que não sabe a diferença entre data venia e Datafolha que é metida a se especializar no que não sabe.

Fico com pena quando os defensores da dispensa do diploma de jornalismo usam como pretextos a democratização da opinião e o fortalecimento da democracia. Como se todo mundo pudesse ser jornalista. Grande engano.

A opinião é algo que qualquer um pode ter. Mas isso não é jornalismo. Jornalismo não é sinônimo de opinião, seria como achar que todos nós somos médicos só porque socorremos alguém.

Jornalismo é uma profissão específica, seu profissional é dotado de habilidades peculiares. Quando se cursa jornalismo, se aprende, entre outras coisas, os tipos de produção de notícia, a diferença entre notícia, reportagem e entrevista, e mesmo os tipos diferentes de redação, edição, as linguagens jornalísticas do rádio, TV, jornal, Internet etc, os diferentes setores da imprensa, a Teoria da Comunicação e seus principais pensadores e correntes.

Quem não cursou jornalismo e se faz de jornalista não sabe disso. E tende a ter um desenvolvimento menos criativo, menos responsável. Seu repertório de leitura tende a ser superficial, seu repertório ideológico confuso, ele não saberá, por exemplo, as diferenças entre resenha e artigo, e seu pedantismo só causará fascínio a quem for mais ignorante do que ele.

Além do mais, ser um "jornalista" não-diplomado, na maioria das vezes, gera arrogância, alimenta vaidades, e, quando esses pseudo-jornalistas se aliam aos seus "colegas" patrões, eles se tornam verdadeiras ameaças à cidadania que dizem defender. E, quanto mais permanecem no seu "trabalho", mais perigosos e prepotentes se tornam.

A exigência do diploma não impede que o povo simples transmita sua voz. Ter opinião não é o sinônimo de fazer jornalismo. O jornalismo é apenas um instrumento de transmitir opinião, mas não é o ato em si. E o diploma age não de forma discriminatória, mas sim como um comprovante que uma categoria profissional teve uma formação educacional que lhe fez desenvolver suas habilidades especializadas.

Alessandra disse...

O movimento sindical dos jornalistas deveria ter coisa muito mais importante e legítima para se preocupar. Regulamentação da profissão é fundamental - e não precisa passar por diploma específico. Lei de imprensa, democratizaçãod a comunicação... tanto a fazer e só ouço falar em corporativismo barato. E que mania chata essa de dizer que fim do diploma é interesse do patronato. Não convenceu ninguém até hoje. Importante olhar as demandas da vida real...

Marcelo Nicolósi disse...

O diploma não impede a liberdade de expressão do cidadão comum, inibe o exercício da profissão de jornalista por despreparados.
Quem argumenta contra o diploma de jornalista,
ou desconhece o que se aprende nas faculdades,
ou que o diploma não impede o acesso do cidadão comum à mídia para livre se expressar,
ou tem interesse em desprestigiar o jornalista como profissional,
ou ainda é jornalista que não cursou uma faculdade e se acredita prova de que o diploma é desnecessário. Ora, por melhores que estes sejam, seriam ainda melhores se tivessem feito o curso. Estudar é bom, acreditem. http://diplomadejornalistanet.blogspot.com/