terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Mídia e lógica destrutiva do capital (2)

Mas, apesar da violenta concorrência, os impérios midiáticos se unem na defesa dos interesses de classe da burguesia. Como empresas capitalistas, elas defendem o destrutivo padrão de produção e consumo do capitalismo. Através das sofisticadas técnicas publicitárias, que seduzem e forjam comportamentos, elas estimulam o consumismo e procuram fixar a supremacia do “deus-mercado”, visando aumentar os lucros e superar os concorrentes. As estratégias de marketing, inclusive, já agregam valor à cadeia produtiva. “O público, além de introjetar valores dessa indústria, assiste à contaminação da cultura do espírito e da cultura popular pela anódina cultura de massas” [8].

Como alerta Frank Mazoyer, as modernas técnicas publicitárias estimulam o consumo doentio e são culpadas por várias anomalias e tragédias humanas. “Trata-se de um assédio ao pensamento para introduzir uma lista ‘ideal’ de reflexos condicionados. O prazer, daqui para frente, terá de passar pelo consumo”. Os produtos são embalados pela mídia visando “satisfazer o narcisismo do consumidor”, trazer-lhe segurança emocional, dar-lhe um sentimento de poder, imortalidade, autenticidade e de criatividade. Tudo é feito para atrair o potencial consumidor, principalmente para atingir o público infanto-juvenil. “Fala-se mesmo em psico-sedução infantil” [9].

“Graças a isso, crianças pobres bebem cada vez mais Coca-Cola e cada vez menos leite; o tempo de lazer vai se tornando o tempo de consumo obrigatório. Tempo livre; tempo prisioneiro: casas muito pobres não têm cama, mas têm televisão, e a TV está com a palavra... As mercadorias em oferta invadem e privatizam os espaços públicos. A cultura do consumo, a cultura do efêmero, condena tudo à descartabilidade midiática. Tudo muda no ritmo vertiginoso da moda, colocada a serviço da necessidade de vender... As mercadorias, fabricadas para não durar, são tão voláteis quanto o capital que as financia e o trabalho que as gera”, alerta o escritor Eduardo Galeano [10].

A mídia tem papel na própria mobilidade do capital. A agência Reuters, com seus escritórios em 94 países, envia informações atualizadas oito mil vez por segundo para 511 mil usuários. O seu acervo digital inclui três bilhões de dados sobre mais de 40 mil empresas, 244 bolsas de valores e 960 mil ações e títulos. Na fase do tsunami neoliberal, a defesa do “deus-mercado” ficou mais depravada e a mídia foi fundamental para legitimar os dogmas do desmonte do Estado, da nação e do trabalho, transformando-os no discurso hegemônico. Não há qualquer preocupação com o conteúdo da mensagem, com sua qualidade. A única obsessão é com a lucratividade.

Por isso, a mídia dá absoluta prioridade à informação-espetáculo, à informação-entretenimento – à “informação-lixo”, segundo Ramonet. Ela não está preocupada com a cultura ou a informação para os cidadãos, mas em vender cidadãos aos anunciantes. Ou, nas palavras de Osvaldo León, o que prevalece é uma mídia “concentrada e regida por critérios exclusivamente comerciais. Os critérios são da rentabilidade acima do interesse público e do paradigma do consumidor acima do cidadão. Neste contexto, o risco de que a ‘ditadura do mercado’ se consolide a partir deste enorme poder, para ganhar ‘corações e mentes’ das pessoas, não é uma mera fantasia” [11].

Instrumento da expansão imperialista

Além disso, as corporações midiáticas representam os interesses das suas burguesias de origem. Apesar da retórica publicitária sobre o “mundo sem fronteiras”, elas lutam pela expansão de seus impérios e, como efeito, de seus negócios. Relatório recente de uma Comissão Especial da ONU revelou que 85% das notícias que circulam pelo planeta são geradas nos EUA [12]. A CNN, por exemplo, transmite por satélites e cabos, a partir da sua matriz em Atlanta, notícias 24 horas por dia para 240 milhões de residências em 200 países e mais 86 milhões de lares nos EUA, e nunca escondeu que sua orientação editorial serve aos interesses estratégicos do “império do mal”.

As potências capitalistas têm plena noção do enorme poder da mídia. Os EUA aplicam no setor de 3,5% a 5,2% do seu Produto Interno Bruto (PIB). Como confessou David Rothkopf, diretor-geral da Kissinger Associates, “o objetivo central da política externa na era da informação deve ser o de ganhar a batalha dos fluxos de informação mundial, dominando suas ondas, da mesma forma como a Grã-Bretanha reinava antigamente sobre os mares”. Várias instâncias do império, como o Departamento de Estado, Departamento de Defesa, Fundo Nacional para a Democracia (NED), Agência Internacional para o Desenvolvimento (Usaid) e o Conselho de Radiodifusão (BBG), bancam programas de financiamento para jornalistas e veículos em mais de 70 nações.

“Estes programas mantêm centenas de ONGs, jornalistas, veículos e faculdades de jornalismo. O tamanho do aporte se estende a bilhões de dólares... Em dezembro de 2007, o Centro para Ajuda Internacional dos Meios (Cima), repartição do Departamento de Estado financiada pelo NED, informou que em 2006 a Usaid distribuiu US$ 53 milhões em atividades de desenvolvimento da mídia estrangeira... O governo dos EUA é o maior provedor de fundos para estes veículos no mundo inteiro, havendo destinado mais de US$ 82 milhões em 2006, sem incluir o dinheiro do Pentágono, da CIA e das embaixadas dos EUA. Para complicar o quadro, ONGs estrangeiras e jornalistas recebem fundos por outras fontes de financiamento do governo dos EUA” [13].

No caso do Departamento de Estado, ele financia a mídia estrangeira através de várias oficinas, incluindo a de Assuntos Educacionais e Culturais (BECA), de Inteligência e Investigação (INR), de Direitos Humanos e Trabalho (DRL) e de Diplomacia Pública e Assuntos Públicos (OPDPA). Em 2006, o DRL recebeu quase US$ 12 milhões para o “desenvolvimento do jornalismo”. Em 1999, o Conselho de Radiodifusão (BBG) se converteu numa agência federal independente. Até 2006, ele recebeu US$ 650 milhões em subsídios carimbados do orçamento federal.

Jornalistas ou mercenários da CIA?

Além do programa Voz da América, o BBG opera várias outras estações de rádio e televisão. A Alhurra, com sede na Virginia, “é uma rede comercial livre de televisão via satélite em língua árabe para o Oriente Médio”, segundo o seu sítio. Ela já foi descrita pelo Washington Post como “o maior esforço do governo dos EUA para sacudir a opinião estrangeira desde a criação da Voz da América em 1942”. O BBG banca ainda a Rádio Sawa, dedicada à juventude árabe; a Rádio Farda, transmitida ilegalmente no Irã; e a Rádio Ásia Livre, com programação para toda a Ásia. O BBG ficou famoso por financiar a Rádio e TV Martí, com custos de US$ 39 milhões em 2008, segundo a Justificativa do Orçamento para as Operações Estrangeiras do Congresso dos EUA.

Já a Usaid banca o programa Investigação Internacional e Sustentação de Intercâmbios (Irex) e a rede Internews Network. Segundo seu sítio, o Irex é um organismo mundial que “trabalha com sócios locais para melhorar o profissionalismo e a sustentação econômica de jornais, rádios, estações de TV e redes da internet”. Seu balanço revela que ele promoveu em 2006 cursos “para mais de 100 jornalistas” e que seus 400 funcionários dão consultas e despacham programas para mais de 50 países. Já a rede Internews, criada em 1982, concentra suas atividades em países do ex-bloco soviético e já foi acusada de desestabilizar governos locais. Em maio de 2003, Andrew Natsions, ex-chefão da Usaid, descreveu a Internews como “um braço do governo dos EUA”.

Neste sentido, não surpreende que várias corporações midiáticas mantenham históricos vínculos com a CIA, a central de espionagem e terrorismo dos EUA. Em meados dos anos 1970, no rastro da investigação do escândalo de Watergate, duas comissões parlamentares, encabeçadas pelo senador Frank Church e pelo deputado Otis Pike, revelaram que ela financiava jornais, revistas, rádios e emissoras de TV, além de corromper jornalistas. Vários destes veículos, como o chileno El Mercurio, tiveram participação ativa em golpes sangrentos. Em junho de 2007, a própria CIA foi obrigada a divulgar documentos até então classificados de ultra-secretos e apelidados de “jóias da família”. O arquivo, com 11 mil páginas, revelou algumas destas relações promíscuas.

Muitas destas ações são detalhadas no livro recém-lançado “Um legado de cinzas”, do jornalista Tim Weiner. Desde a sua criação, em 1947, a CIA sempre priorizou a mídia, “cultivando os mais poderosos editores e homens de TVs e rádios e cortejando colunistas de jornais”. Allen Dulles, o mentor da agência, “mantinha contato estreito com os homens que dirigiam o New York Times, o Washington Post e as principais revistas semanais da nação. Podia pegar o telefone e editar um furo de reportagem, assegurar-se de que um correspondente estrangeiro irritante fosse afastado, ou contratar serviços de homens como o chefe do escritório da Time em Berlim e da Newsweek em Tóquio... Allen Dulles construiu uma máquina de relações públicas e propaganda que chegou a incluir mais de cinqüenta organizações de notícias e uma dúzia de editoras” [14].

NOTAS

8- Alcione Araújo. “Esquizofrenia na educação e cultura”. Folha de S.Paulo, 04/08/2006.

9- Frank Mazoyer. “A irresistível perversão da compra”. Le Monde Diplomatique, dezembro de 2000.

10- Eduardo Galeano. “O império do consumo”. Agência Carta Maior, 17/01/2007.

11- Osvaldo León. “Democratização das comunicações e da mídia”. Alainet, janeiro de 2002.

12- Pedro de Oliveira, “A propaganda como fenômeno sociológico. Portal Vermelho, fevereiro de 2003.

13- Jeremy Bigwood. “Periodismo en EEUU: financiar prensa para comprar influencia”. Portal Aporrea, junho de 2008.

14- Tim Weiner. Legado de cinzas. Uma história da CIA. Editora Record, RJ, 2008.


• Extraído do primeiro capítulo do livro “A ditadura da mídia”, publicado em julho passado pela Associação Vermelho e Editora Anita Garibaldi. Os interessados em adquirir o livro podem entrar em contato com Eliana Ada no endereço eletrônico – livro@vermelho.org.br