Numa operação que parece orquestrada, a mídia hegemônica desencadeou nos últimos dias uma brutal ofensiva contra os movimentos sociais brasileiros. Cada veículo escolheu um alvo e bateu pesado. A Folha de S.Paulo, que acha que a ditadura militar foi “branda”, atacou o sindicalismo, concluindo que ele está “despreparado”, “enferrujado” e “atrelado ao governo Lula”. O Correio Braziliense destilou veneno contra a UNE, questionando, sem qualquer consistência, os recursos públicos destinados legitimamente à entidade máxima dos estudantes universitários. E todos os meios privados se somaram no ataque aos líderes do Movimento dos Sem-Terra. “Eles invadem e também matam”, esbravejou a revista Veja, que trata o MST como “bando de delinqüentes”.
Vários fatores explicam esta nova ofensiva da mídia. Como principal “partido do capital”, ela se mostra atordoada com a popularidade de Lula e teme que ele faça seu sucessor (ou sucessora) em 2010. A mídia, que já advogou o impeachment do presidente e tentou evitar a sua reeleição, não engole a idéia da continuidade do atual bloco de forças no poder. Ao criminalizar os movimentos sociais, ela visa fragilizar uma importante base de apoio, embora autônoma e crítica, do governo Lula. A ofensiva também tem caráter preventivo. A mídia teme que, com o agravamento da crise mundial capitalista, as lutas sociais se intensifiquem e empurrem o governo mais à esquerda.
Ódio à “estrutura sindical getulista”
Tanto isto é verdade que ela tenta, a todo custo, colocar uma cunha entre as organizações sociais e o governo Lula. No caso do sindicalismo, o motivo de toda sua gritaria é a conquista histórica da legalização das centrais e do direito a uma parcela da Contribuição Sindical – com recursos advindos do bolso do próprio trabalhador. Para os barões da mídia, tais conquistas “atrelam” o sindicalismo ao governo e agravam sua crise de representação. A Folha, que apoiou a ditadura quando esta interveio nos sindicatos, prendeu e matou seus dirigentes, agora prega a “autonomia sindical” e defende ações mais duras de combate ao governo. O canto de sereia é habilidoso!
Os editoriais do Estadão, Folha, Globo e de outros veículos privados revelam que a mídia nunca concordou com a legalização das centrais e nem aceitou que elas tenham recursos legítimos para investir nas suas ações. Para ela, é urgente desmontar a “estrutura sindical getulista”, liquidando a unicidade e todos os mecanismos de contribuição financeira. Quanto mais fraco e pulverizado o sindicalismo, melhor para o capital. Em especial, num momento de agravamento da crise do capitalismo, que tende a aguçar os conflitos de classe. Quanto à relação com o governo, a mídia prefere o cenário imposto por FHC, que tentou quebrar a “espinha dorsal” do sindicalismo.
Resposta certeira da UNE
O mesmo intento de desgastar os movimentos sociais e causar atritos na relação com o governo fica patente nas críticas ao movimento estudantil e ao MST. Na matéria intitulada “10 milhões para amansar a UNE”, o Correio Braziliense não esconde este objetivo maroto. Insinua que os recursos públicos são usados de forma irregular e sem transparência, mas não apresenta qualquer prova neste sentido. Ele questiona a autonomia e a legitimidade da UNE, mas não aborda as suas mobilizações e reivindicações. Deixa implícita a critica ao governo Lula por manter uma relação democrática com o movimento estudantil – talvez também saudosa dos tempos da ditadura.
Diante destes ataques gratuitos e maliciosos, a presidente da entidade, Lucia Stumpf, não vacilou em condenar a manipulação midiática. “O título da referida matéria não é justificado em nenhum fato concreto. A matéria não aponta nenhum caso em que a UNE tenha se calado e nem poderia, visto que tal comportamento não ocorreu em nenhum momento. A UNE preserva sua autonomia e independência frente a este ou a qualquer outro governo”. Após elencar as iniciativas culturais e sociais da entidade, Lucia enfrenta com coragem o debate matreiro sobre os recursos públicos e não cai na defensiva. “A UNE, assim como qualquer organização civil, tem toda a legitimidade para pleitear verbas públicas e o faz com toda responsabilidade e dentro dos parâmetros legais”.
O MST e os delinqüentes da Veja
Já no tocante ao MST, a cantilena midiática é antiga. Jornalões e emissoras de televisão insistem em pintar o movimento como ilegal, “criminoso”, que recebe verbas públicas do governo Lula. Neste coro reacionário, que despreza o papel civilizador do MST na luta pela reforma agrária, a mídia venal agora conta com o ativismo do presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Gilmar Mendes. Exacerbando nas suas atribuições, ele declarou que “o financiamento público de movimentos que cometem ilícitos é ilegal, é ilegítimo” – para deleite dos veículos privados.
Excitada, a revista Veja foi ao ápice do seu reacionarismo e indagou: “Até quando esse bando de delinqüentes terá licença para afrontar a lei?”. Num artigo rancoroso e ideologizado, afirmou que a recente onda de ocupações de terras ociosas “obedece a calendário e motivo bem definidos. Às vésperas de um ano eleitoral, MST e os congêneres querem continuar a receber vultosos repasses governamentais – o que implica a permanência do PT no governo... Por meio do embrutecimento de seus métodos ou do puro e simples banditismo, os sem-terra tentam influenciar os rumos das eleições em seu favor”. O triste é saber que este pasquim direitista ainda tem publicidade oficial!
O Berlusconi da direita nativa
João Paulo Rodrigues, membro da direção nacional do MST, também não se intimidou diante da mídia e do presidente do STF. Rechaçou a notícia divulgada pela imprensa de que o movimento recebeu R$ 40 milhões dos cofres públicos, mas explicou que as organizações vinculadas à luta pela reforma agrária recebem recursos oficiais. “Isto é legítimo e legal”. Irônico, lembrou que a ONG Alfabetização Solidária, criada pela ex-primeira dama no governo FHC, recebeu mais de R$ 330 milhões do Estado, no mais caro programa educativo do planeta. Ele citou ainda recente reportagem da revista Carta Capital, que denúncia que o Instituto Brasiliense de Direito Público, ligado ao ministro Gilmar Mendes, recebeu 2,4 milhões de verbas públicas.
Sobre o presidente do STF, João Paulo foi incisivo. “O ministro Gilmar Mendes foi transformado no mais novo líder da direita brasileira. Ágil para defender o patrimônio, mas lento para defender as vidas. Ele ataca os povos indígenas, os quilombolas, os direitos dos trabalhadores e defende os militares da ditadura. Enfim, agora a direita tem seu Berlusconi tupiniquim. Ele opina sobre tudo e sobre todos. Aliás, ele deve à opinião pública uma explicação sobre a rapidez com que soltou o banqueiro corrupto Daniel Dantas, que financia muitas campanhas eleitorais e alicia grande parte da mídia... Como líder da direita, Mendes defende os interesses da burguesia e faz intenso ataque ideológico à esquerda e aos movimentos sociais, pavimentando a retomada eleitoral da direita em 2010. José Serra não precisa se preocupar, já tem um cabo eleitoral poderoso no STF”.