quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A falsa democracia de Aloysio Nunes

Reproduzo artigo de João Peres, publicado na Rede Brasil Atual:

Foi com espanto e tristeza que ouvi os xingamentos a mim dirigidos pelo senador eleito Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP). Na noite de segunda-feira (25), o ex-chefe da Casa Civil do governo paulista classificou-me como “pelego e filho da puta.” A agressão verbal ocorreu antes do debate realizado pela Rede Record entre os candidatos à Presidência da República.

Ao senador, não havia, até aquele momento, dirigido nenhuma palavra. Tudo o que ele sabe de mim, naquele instante e agora, é que trabalho para a Rede Brasil Atual e para a Revista do Brasil. Parece ser suficiente para que se sinta no direito de proferir insultos: são veículos produzidos por uma empresa privada cuja receita vem da prestação de serviço (venda de anúncios e assinaturas) a pessoas físicas e jurídicas – incluindo sindicatos de trabalhadores.

Foi por conta desse aspecto que o PSDB obteve liminar, via Tribunal Superior Eleitoral (TSE), vetando a continuidade da distribuição e a divulgação da edição 52 da revista na internet sob a argumentação de que dinheiro do trabalhador não pode financiar material eleitoral - este assunto já foi discutido aqui e a editora apresentou recurso ao TSE, não cabendo de minha parte qualquer argumentação.

O que a mim, como jornalista, é importante debater é a maneira como o senador se sente no direito de tratar a imprensa. É deplorável que, como repórter, tenha de me posicionar contra a agressão que sofri, deixando de exercer o fundamento básico da minha profissão, que é escrever sobre os outros, e não sobre minha vida. O único bem de um jornalista, ao menos daquele que não se presta a coleguismos com o poder, é a palavra: é ela que ouço, é com ela que conto histórias.

Quando o senador classifica a mim como “pelego filho da puta” porque trabalho em um veículo que jamais escondeu sua posição favorável à continuidade do atual projeto de governo, recorre a uma simplificação lamentável. Seguida a linha de pensamento do futuro parlamentar, todos os que trabalham em Veja, Folha, Estado e O Globo são, necessariamente, tucanos – e aí o leitor escolha o adjetivo que deve acompanhar a classificação.

A fala do senador é reveladora da propensão a não lidar com o contraditório. Talvez por maus costumes: quem circula pelos eventos políticos brasileiros sabe a cordialidade com que são tratados alguns líderes políticos, plenamente oposta à ferocidade dispensada a outros. Ao recorrer a esta simplificação, realiza-se um desmerecimento prévio de meu trabalho, numa triste tentativa de intimidação de minha atuação. Simplificação que teve continuidade no Twitter, em que o senador utilizou aspas para dizer que sou jornalista: "O 'jornalista' faz o que eu esperava dele: mente quando afirma que o xinguei de fdp. Chamei de pelego, o que é verdade e, a mim, muito pior."

O senador sabe as palavras que proferiu. Se quer admitir em público ou não, para mim é indiferente. O que não se pode colocar em dúvida é minha formação e minha integridade profissional. Sou jornalista – sem aspas – formado pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Minha passagem pelo Departamento de Jornalismo e Editoração, portanto, está lá registrada, caso alguém se interesse em averiguar.

Daqui por diante, como o senador espera que se proceda para entrevistar algum integrante do PSDB? Será que a democracia ideal contempla apenas a manifestação das vozes amigas (e queridas), sem espaço ao debate necessário para o amadurecimento da sociedade e, por consequência, da realização do bom jornalismo? O PSDB, que tem recorrido a simplificações para acusar adversários de quererem cercear a liberdade de pensamento, é quem mais nos fornece exemplos deste suposto cerceamento. Já não cabem nos dedos de uma mão: a restrição da circulação da Revista do Brasil, a censura ao jornal ABCD Maior, a tentativa de agressão do padre que se manifestou contra boatos, a ação no Paraná para impedir a publicação de pesquisas eleitorais, a "criminalização" de jornalistas que fazem perguntas efetivas a Serra e, agora, este xingamento.

Uma coisa é a opinião de um veículo. Outra, que não se confunde, é a opinião do jornalista. Esta, manifesto em blogues e nas redes sociais da internet, bem como outras centenas de profissionais da área, e deixo para trás quando estou na condição de repórter. Nas redações nas quais trabalhei, e há nesta lista algumas que o senador seguramente vê com bons olhos, sempre mantive minha posição de não deixar que interesses se misturem. Cumpro o compromisso de ouvir todos os lados. Como teria feito na última segunda-feira, se me tivesse sido conferida, pelo senador, tal oportunidade. Espero que, na próxima ocasião, Aloysio Nunes se mostre aberto ao diálogo. Sem ofensas, sem simplificações.

.

Turma do Serra desvia R$ 400 milhões em SP

Reproduzo artigo de Leandro Fortes, publicado no sítio da revista CartaCapital:

Quando assumir, pela terceira vez, o governo do estado de São Paulo em 1º de janeiro de 2011, o tucano Geraldo Alckmin terá que prestar contas de um sumiço milionário de recursos federais do Ministério da Saúde dimensionado, em março passado, pelo Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde (Denasus). O dinheiro, quase 400 milhões de reais, deveria ter sido usado para garantir remédios de graça para 40 milhões de cidadãos, mas desapareceu na contabilidade dos governos do PSDB nos últimos 10 anos. Por recomendação dos auditores, com base na lei, o governo paulista terá que explicar onde foram parar essas verbas do SUS e, em seguida, ressarcir a União pelo prejuízo.

O relatório do Denasus foi feito a partir de auditorias realizadas em 21 estados. Na contabilidade que vai de janeiro de 1999 e junho de 2009. Por insuficiência de técnicos, restam ainda seis estados a serem auditados. O número de auditores-farmacêuticos do País, os únicos credenciados para esse tipo de fiscalização, não chega a 20. Nesse caso, eles focaram apenas a área de Assistência Farmacêutica Básica, uma das de maior impacto social do SUS. A auditoria foi pedida pelo Departamento de Assistência Farmacêutica (DAF), ligado à Secretaria de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, para verificar denúncias de desvios de repasses de recursos do SUS para compra e distribuição de medicamentos nos sistemas estaduais de saúde.

O caso de São Paulo não tem parâmetro em nenhuma das demais 20 unidades da federação analisadas pelo Denasus até março de 2010, data de fechamento do relatório final. Depois de vasculhar todas as nuances do modelo de gestão de saúde estadual no setor de medicamentos, os analistas demoraram 10 meses para fechar o texto. No fim das contas, os auditores conseguiram construir um retrato bem acabado do modo tucano de gerenciar a saúde pública, inclusive durante o mandato de José Serra, candidato do PSDB à presidência. No todo, o período analisado atinge os governos de Mário Covas (primeiro ano do segundo mandato, até ele falecer, em março de 2001); dois governos de Geraldo Alckmin (de março de 2001 a março de 2006, quando ele renunciou para ser candidato a presidente); o breve período de Cláudio Lembo, do DEM (até janeiro de 2007); e a gestão de Serra, até março de 2010, um mês antes de ele renunciar para disputar a eleição.

Ao se debruçarem sobre as contas da Secretaria Estadual de Saúde, os auditores descobriram um rombo formidável no setor de medicamentos: 350 milhões de reais repassados pelo SUS para o programa de assistência farmacêutica básica no estado simplesmente desapareceram. O dinheiro deveria ter sido usado para garantir aos usuários potenciais do SUS acesso gratuito a remédios, sobretudo os mais caros, destinados a tratamentos de doenças crônicas e terminais. É um buraco e tanto, mas não é o único.

A avaliação dos auditores detectou, ainda, uma malandragem contábil que permitiu ao governo paulista internalizar 44 milhões de reais do SUS nas contas como se fossem recursos estaduais. Ou seja, pegaram dinheiro repassado pelo governo federal para comprar remédios e misturaram com as receitas estaduais numa conta única da Secretaria de Fazenda, de forma ilegal.

A Constituição Federal determina que para gerenciar dinheiro do SUS os estados abram uma conta específica, de movimentação transparente e facilmente auditável, de modo a garantir a plena fiscalização do Ministério da Saúde e da sociedade. Em São Paulo essa regra não foi seguida. O Denasus constatou que os recursos federais do SUS continuam movimentados na Conta Única do Estado. Os valores são transferidos imediatamente depois de depositados pelo ministério e pelo Fundo Nacional de Saúde (FNS), por meio de Transferência Eletrônica de Dados (TED).

Em fevereiro, reportagem de CartaCapital demonstrou que em três dos mais desenvolvidos estados do País, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, todos governados pelo PSDB, e no Distrito Federal, durante a gestão do DEM, os recursos do SUS foram, ao longo dos últimos quatro anos, aplicados no mercado financeiro. O fato foi constatado pelo Denasus após um processo de auditoria em todas as 27 unidades da federação. Trata-se de manobra contábil ilegal para incrementar programas estaduais de choque de gestão, como manda a cartilha liberal seguida pelos tucanos e reforçada, agora, na campanha presidencial. Ao todo, de acordo com os auditores, o prejuízo gerado aos sistemas de saúde desses estados passava, à época, de 6,5 bilhões de reais, dos quais mais de 1 bilhão de reais apenas em São Paulo.

Ao analisar as contas paulistas, o Denasus descobriu que somente entre 2006 e 2009, nos governos de Alckmin e Serra, dos 77,8 milhões de reais do SUS aplicados no mercado financeiro paulista, 39,1 milhões deveriam ter sido destinados para programas de assistência farmacêutica – cerca de 11% do montante apurado, agora, apenas no setor de medicamentos, pelos auditores do Denasus. Além do dinheiro de remédios para pacientes pobres, a primeira auditoria descobriu outros desvios de dinheiro para aplicação no mercado financeiro: 12,2 milhões dos programas de gestão, 15,7 da vigilância epidemiológica, 7,7 milhões do combate a DST/Aids e 4,3 milhões da vigilância epidemiológica.

A análise ano a ano dos auditores demonstra ainda uma prática sistemática de utilização de remédios em desacordo com a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) estabelecida pelo Ministério da Saúde, atualizada anualmente. A lista engloba medicamentos usados nas doenças mais comuns pelos brasileiros, entre os quais antibióticos, antiinflamatórios, antiácidos e remédios para dor de cabeça. Entre 2006 e 2008, por exemplo, dos 178 medicamentos indicados por um acordo entre a Secretaria de Saúde de São Paulo e o programa de Assistência Farmacêutica Básica do Ministério da Saúde, 37 (20,7%) não atendiam à lista da Rename.

Além disso, o Denasus constatou outra falha. Em 2008, durante o governo Serra, 11,8 milhões do Fundo Nacional de Saúde repassados à Secretaria de Saúde de São Paulo para a compra de remédios foram contabilizados como “contrapartida estadual” no acordo de Assistência Farmacêutica Básica. Ou seja, o governo paulista, depois de jogar o recurso federal na vala comum da Conta Única do Estado, contabilizou o dinheiro como oriundo de receitas estaduais, e não como recurso recebido dos cofres da União.

Apenas em maio, dois meses depois de terminada a auditoria do Denasus, a Secretaria Estadual de Saúde resolveu se manifestar oficialmente sobre os itens detectados pelos auditores. Ao todo, o secretário Luís Roberto Barradas Barata, apontado como responsável direto pelas irregularidades por que era o gestor do sistema, encaminhou 19 justificativas ao Denasus, mas nenhuma delas foi acatada. “Não houve alteração no entendimento inicial da equipe, ficando, portanto, mantidas todas as constatações registradas no relatório final”, escreveram, na conclusão do trabalho, os auditores-farmacêuticos.

Barata faleceu em 17 de julho passado, dois meses depois de o Denasus invalidar as justificativas enviadas por ele. Por essa razão, a discussão entre o Ministério da Saúde e o governo de São Paulo sobre o sumiço dos 400 milhões de reais devidos ao programa de Assistência Farmacêutica Básica vai ser retomada somente no próximo ano, de forma institucional.

.

Por que os jovens votam em Serra?



.

Folha vive de rabo preso com o passado

Reproduzo artigo de Ivan Seixas, publicado no sítio Carta Maior:

Sempre suspeita, Folha vive de rabo preso com o passado.

Qual pode ser o interesse da empresa Folha de São Paulo em colocar suas mãos no prontuário de Dilma Roussef, guardado no Supremo Tribunal Militar? Boa coisa não é.

A Folha, que deu carros para o DOI-CODI (Operação Bandeirante) armar ciladas e para transportar presos políticos para longas sessões de torturas, não tem boas intenções. Ela financiou e se beneficiou com a ditadura e acha que aquilo tudo foi uma “ditabranda”.

Como acreditar em algo que parta dessa empresa que cedeu um de seus jornais para o mesmo DOI-CODI usar como panfleto em defesa de seus assassinatos?

Essa empresa e essa família foi protegida pelo DOPS, que colocou o Delegado Roberto Ward como seu segurança particular, quando a esquerda queimou carros de entrega de jornais (aqueles carros que armavam ciladas e transportavam presos para torturas) como alerta de que a colaboração com os assassinos do DOI-CODI havia sido detectado. Seus interesses nunca foram os da sociedade brasileira.

E agora essa empresa, que nunca pediu desculpas pelo trabalho sujo que prestou aos torturadores, faz um cavalo de batalha para ter o “direito” de colocar suas mãos na ficha da candidata Dilma Roussef, às vésperas da votação do segundo turno da eleição presidencial. Nunca apoiou a abertura dos arquivos da repressão militar e agora fala em liberdade de imprensa? Muito suspeito.

Essa empresa já publicou uma “ficha da Dilma” forjada pelos torturadores abrigados e escondidos em sites e blogs de difamação e insulto à democracia. Será que tem mais dessas “fichas da Dilma” para apresentar em seu currículo político?

Ou talvez, produzirá alguma matéria com “a intenção de planejar o sequestro” de alguma figura do passado ainda atuante como fez com a suposta intenção de sequestro de Delfim Neto. Esse é seu estilo. Pegar uma possibilidade e transformá-la em matéria sensacionalista. Sempre a serviço de alguma manobra não explicitada.

O Supremo Tribunal Militar mantém sua posição republicana de não beneficiar ardis eleitorais em benefício ou em detrimento de quem quer que seja. A empresa Folha de São Paulo não comunga de ideais democráticos e republicanos quando insiste abertura seletiva da “ficha da Dilma”. Claro que há segundas intenções nessa manobra oportunista. Pode ser “apenas” vender jornais, mas pode ser algo mais sujo. Como ceder carros para torturadores, ceder um de seus jornais para esses mesmos carrascos, divulgar documentos forjados, defender a ditadura como se fosse ditabranda ou…

Irremediavelmente, a empresa dos Frias está de rabo preso com seu passado sórdido. A gente até que tenta ajudar na atualização da empresa, mas ela não quer.


(*) Integrante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, filho de Joaquim Alencar de Seixas, militante do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT) morto em 17/04/1971. Ivan Seixas foi preso pela Operação Bandeirantes, em São Paulo, em abril de 1971, aos 16 anos de idade, junto com seu pai, o metalúrgico Joaquim Seixas. Os dois foram torturados na Oban. Ivan é jornalista e coordenador do primeiro forum de presos e perseguidos políticos de SP.

.

Dossiê Serra: caos na segurança (3)

Por Altamiro Borges

No quesito segurança pública a demagogia tucana até poderia dar cadeia. As estatísticas indicam que de 1996 a 2001 houve um aumento da criminalidade em São Paulo. A partir deste ano, várias prefeituras foram forçadas a criar secretarias especiais de prevenção a crimes e a montar guardas municipais, em função do descaso do governo estadual. Em 2.003, com o advento do Estatuto do Desarmamento, milhares de armas de fogo foram recolhidas.

Estas e outras medidas reduziram a criminalidade, principalmente os homicídios dolosos. Mesmo assim, o quadro de insegurança ainda é grave e atemoriza cada vez mais os paulistas. Em 2008 ocorreram 24 chacinas, com 82 mortos. Nos três trimestres de 2009, houve aumento das várias modalidades criminosas, à exceção dos roubos aos bancos – os banqueiros gozam de privilégios. Neste ano, os casos de chacinas, homicídios e seqüestros relâmpagos voltaram a crescer.

Um cemitério de jovens

Os jovens são as maiores vítimas desta barbárie. O Cemitério São Luiz, na Zona Sul da capital paulista, é um símbolo desta tragédia. Ele reúne o maior número de jovens sepultados por metro quadrado no mundo. Sem política de inteligência e de prevenção, os tucanos apelam para a pura violência policial. Em 2007, 438 pessoas foram mortas pela polícia; em 2008, 431 mortos; e, até setembro de 2009, os policiais mataram 400 pessoas.

Segundo especialistas da área, muitos destes atos de violência sequer são registrados em boletins de ocorrência e muitas vítimas são inocentes. Comunidades carentes, como a Favela Paraisópolis e do Jardim Filhos na Terra, já sofreram brutais ataques policiais. A violência também se agrava com a ação dos grupos de extermínio, como os “highlanders”, esquadrão de morte integrado por policiais do 37º Batalhão da PM. Durante o governo José Serra, o grupo ficou famoso por cortar cabeças e mãos das vítimas para impedir a identificação dos mortos.

A rebelião dos policiais

No que se refere ao sistema penitenciário, o caos também é visível. Ele não oferece aos presos as mínimas condições de reinserção na sociedade. Em vários presídios paulistas, celas superlotadas e sem qualquer asseio obrigam o detentos a fazer rodízio para que todos possam dormir. Faltam funcionários, colchões, remédios e até água. São Paulo conta com 147 unidades prisionais, com capacidade para 96 mil presos. Mas os presídios estão abarrotados com cerca de 150 mil pessoas.

O tenebroso quadro de violência preocupa, inclusive, setores da própria polícia, Civil e Militar. Há muitas críticas à orientação tacanha dos governos tucanos. Os opositores desta política são perseguidos, censurados e punidos. Vários oficiais apontam que não há política de valorização da categoria, que recebe um dos piores salários do país. No ranking nacional, São Paulo aparece como décimo nono em rendimentos. O clima entre os policiais é de revolta, o que ficou patente na guerra campal de novembro de 2009 nas proximidades do Palácio dos Bandeirantes.

.

A parceria da Folha com a ditadura

Reproduzo matéria de Rodrigo Vianna, publicada no blog Escrevinhador:

A “Folha” prepara-se para atacar Dilma Rousseff – com uma “reportagem bombástica”. A “Folha” quer mostrar a “Dilma guerrilheira”. Quer abrir arquivos, só os arquivos da Dilma (e os outros?) para gerar constrangimentos à candidata. Ok. Função de jornal não é agradar ninguém. Mas por que a “Folha” não faz o mesmo com o passado de Serra? Como ele viveu no Chile? Por que fugiu do Brasil? Onde foi parar o dinheiro que a UNE tinha guardado num cofre, em 1964, quando Serra presidia a entidade? A “Folha” não quer saber.

Além disso, a “Folha” tem um passado nebuloso de parceria com a ditadura. Não é o jornal mais indicado para levantar nenhuma suspeita, sobre fato nenhum, envolvendo a ditadura.

Republico, abaixo, entrevista desse Escrevinhador (feita no ano passado) com Carlos Eugênio Paz. Ele foi líder da ALN – uma das organizações que lutaram contra a ditadura, de armas na mão. Ele afirma, com todas a letras: “o Sr Frias [pai do atual diretor do jornal] ajudou a financiar a Oban”.

A “Folha é também o jornal que demitiu uma jornalista presa (e torturada) pela ditadura, por “abandono de emprego”. Como você pode ler aqui.

A “Folha” era parceira de um regime que torturava. Tem um mérito: não mudou de lado!

Esse é o jornal que quer investigar o passado de Dilma.

*****

(texto originalmente publicado em abril de 2009)

Carlos Eugênio Paz é um dos entrevistados no documentário “Cidadão Boilesen”, premiado como “melhor filme” no festival “É Tudo Verdade”.

O documentário conta a história de Albert Boilesen, executivo do grupo Ultragás que – segundo várias testemunhas – colaborou ativamente com o DOI-CODI (aparato de tortura e repressão montado durante a ditadura militar), e chegou a assistir sessões de tortura.

Como represália, Boilesen acabou morto por um comando da ALN – a Ação Libertadora Nacional. A ALN era uma das organizações de esquerda armada que lutaram contra a ditadura militar no Brasil.

Carlos Eugênio Paz foi militante da ALN (*). Na luta armada, ele usava o codinome de “Clemente”.

O “Escrevinhador” entrevistou Carlos Eugênio sobre o envolvimento do “Grupo Folha de S. Paulo” com o aparato repressivo: “Houve companheiros que, presos nas mão do DOI-CODI, foram transportados em carros da Folha ”, disse o ex-guerrilheiro. “O Grupo Folha apoiou o golpe de estado, financiou e participou diretamente da repressão e jamais fez autocrítica disso”, acrescentou.

Perguntei a Carlos Eugênio se a ALN planejou alguma ação direta contra a família Frias, na linha da execução de Boilesen: “Não (…), mas poderíamos ter chegado a isso, dada a participação direta deles na guerra, escolhendo o lado da ditadura de direita.”

O envolvimento dos Frias com o DOI-CODI não aparece só nos relatos de ex-militantes.

Em seu livro “Ditadura Escancarada”, Élio Gáspari (hoje, curiosamente, colunista da “Folha”) publica (sem grande alarde, porque ele não está aqui para causar constrangimentos à família Frias) uma informação interessante: “Carros da empresa [Folha] eram emprestados ao DOI, que os usava como cobertura para transportar presos na busca de ‘pontos’” (p. 395).

Podem checar: a frase está lá no livro do Gáspari.

Os Frias nunca negaram o fato. Fingem-se de mortos. Talvez, não seja mais suficiente. Até porque, daqui a pouco pode aparecer alguém pra fazer um documentário sobre o “Cidadão Frias”. Material e testemunhas não faltam.

(a seguir, a íntegra da entrevista com Carlos Eugênio Paz, feita por e-mail)

1) Durante o período em que voce esteve à frente da ALN (1970/1972), soube do envolvimento direto do grupo “Folha” com a OBAN/DOI-CODI?

O Grupo Folha, que apoiou o golpe de estado de direita de 31 de março de 1964 desde suas primeiras horas – basta ver as manchetes, as reportagens e os editoriais da Folha de São Paulo da época -, colaborou diretamente com a repressão política. Carros de suas publicações eram usados para disfarçar investigações e cercos e chegaram inclusive a transportar companheiros presos para o DOI-CODI. Agentes da Operação Bandeirantes serviam-se dos carros do grupo para transitarem sem serem identificados por nós como policiais.

2) A ALN chegou queimar carros da “Folha”? Por quê?

Sim, a Ação Libertadora Nacional queimou vários carros da Folha como represália à participação do Grupo Folha no financiamento da repressão e o uso de seus carros na repressão direta. Ao fazer isso, o Grupo Folha, participando diretamente da guerra, era passível de sofrer as sanções e as represálias da guerra.

3) A Familia Frias teria se mudado para o prédio do jornal, nos anos 70, temendo represálias dos grupos de esquerda. ALN chegou a planejar alguma ação contra o jornal ou os Frias?

A ALN não chegou a planejar nenhuma ação desse tipo, mas poderíamos ter chegado a isso, dada a participação direta deles na guerra, escolhendo o lado da ditadura de direita.

4) ALN chegou a elaborar lista com nomes dos principais financiadores da OBAN? Quem estava nessa lista? Alguém ligado à “Folha” constava? Havia provas contundentes? Sobrou algum documento da organização da época que faça referencia a isso?

A ALN tinha conhecimento de vários financiadores da OBAN. Entre eles estavam o Sr. Frias, Presidente do Grupo Folha, o Presidente da Ultragás, Henning Albert Boilesen, o Presidente do Grupo Ultra, Peri Igel, o Presidente do Banco Brasileiro de Descontos – Bradesco, Amador Aguiar, o Presidente da FIESP, Theobaldo de Nigris, que inclusive cedia a sede desta entidade para reuniões arrecadatórias, e muitos outros.

Havia provas cabais e contundentes. Uma amostra disso foi o justiçamento de Boilensen, que mesmo na época ficou claro ser um quadro do sistema repressivo. Hoje, com o filme “Cidadão Boilesen”, de Chaim Litewski, mais ainda. Como todos sabem, numa luta clandestina pouco se escreve por motivos de segurança, então evitávamos colocar no papel esse tipo de informação. Mesmo assim, alguns companheiros às vezes cometiam esse tipo de erro. Dessa maneira, em alguns aparelhos abandonados às pressas ou tomados pela repressão, chegaram a cair alguns papéis com nomes dessa lista. Quando os arquivos do DOI-CODI forem finalmente abertos, a população poderá tomar conhecimento de muitos fatos como esse.

5) Em seu livro (“Viagem à Luta Armada”) , você relata o caso de Solange (militante que foi torturada na OBAN, sobreviveu, e depois ajudou a reconhecer Boilesen como torturador). Você lembra de algum militante de esquerda ter dado informações diretas, semelhantes às de Solange, sobre a presença de carros da “Folha” nas operações da OBAN?

Lembro sim. Houve companheiros que, presos nas mão do DOI-CODI, foram transportados em carros da Folha. Assim como fiz no caso da companheira Solange, reservo-me o direito de não citar seus nomes, por respeito a eles e às normas de segurança. Quero dizer que compreendo o desejo de sigilo por parte de todos os companheiros da ALN e sempre o respeitarei.

6) Como avaliou o fato de a “Folha” – que nunca se pronunciou sobre esses episódios nebulosos – ter se referido à ditadura como “ditabranda”, em recente editorial?

O Grupo Folha apoiou o golpe de estado, financiou e participou diretamente da repressão e jamais fez autocrítica disso. Aliás, comportamento adotado pela direita brasileira em seu conjunto. Hoje falam de democracia como se tivessem sido democratas a vida inteira. Roberto Marinho, por ocasião de seu falecimento, foi saudado como um democrata, Frias também. Grupos econômicos que financiaram a repressão hoje saúdam a democracia. Um dos defensores e redatores do AI-5, o Cel. Jarbas Passarinho, posa de tolerante e democrata.

Ao mesmo tempo, quando falamos de abrir os arquivos da ditadura, quando pedimos os corpos de nossos desaparecidos para que suas famílias possam enfim chorá-los e descansar, quando queremos saber como esses assassinatos foram perpetrados, muitas vozes se levantam nos acusando de revanchistas. O Grupo Folha está, quando fala de “ditabranda”, onde sempre esteve, à direita da sociedade, e defende a ditadura. Talvez eles achem que se devesse, na época, ter cometido ainda mais e mais graves crimes contra o povo brasileiro.

*****

* A ALN foi comandada por Carlos Marighella até 1969 – quando o legendário militante comunista foi morto numa emboscada na alameda Casa Branca, em São Paulo. No lugar dele, assumiu Joaquim Câmara Fereira, o “Toledo” – que também morreu (sob tortura), em 1970.

Marighella e Toledo eram velhos militantes, formados na escola do Partidão. Romperam com o PCB e lançaram-se à luta armada nos anos 60. Mas sempre foram quadros políticos, mais do que quadros militares.

Depois da morte dos dois, a ALN passou a ser comandada por uma geração que já entrara na militância de armas na mão. Carlos Eugênio Paz fazia parte dessa geração. Quem quiser saber um pouco mais sobre a história de Carls Eugênio/Clemente pode ler:

- “Viagem à Luta Armada”, relato autobiográfico de Carlos Eugênio (Editora BestBolso);

- ou “Clemente” , de Denise Rollemberg – trata-se de um dos capítulos do livro “Perfis Cruzados” (Editora Imago), obra organizada por Beatriz Kushnir.

.

A maracutaia no Metrô e a caradura de Serra

Reproduzo artigo de Brizola Neto, publicado no blog Tijolaço:

Será que o José Serra acha que todo mundo é burro? Será que ele acha que uma dúzia de grandes empreiteiras de obras ia combinar sozinha quem ia pegar cada pedacinho dos 20 quilômetros da linha 5 do metrô de São Paulo sem que ninguém do governo ficasse sabendo? E ainda iam fazer isso reduzindo os preços para ganharem menos na obra?

Que história é essa de dizer que ele não tem nada com isso por ele não ser governador se a licitação foi aberta e “acertada” entre as empreiteiras enquanto ele estava no Palácios dos Bandeirantes?

Tenha paciência, né?! Primeiro, o senhor não conhecia o Sr. Paulo “Obscuro”. Agora, o senhor quer que a gente acredite que ninguém da sua equipe teve nada a ver com a maracutaia de R$4 bilhões da obra do metrô?

O senhor acha que a opinião pública é um bando de beócios?

Como é que o senhor vai dizer que “direcionamento” da licitação não houve? Assim, de plano, sem investigação? O senhor acha que as coisas são assim como fez com Paulo Preto, bastando dizer “não foi ele” e está tudo resolvido?

Mesmo que não tenha sido por ordem sua, o que garante que não foi um dos seus auxiliares que comandou esse arranjo indecoroso? E o que dizer de sua cara de pau em afirmar que “em todo caso isso transcorreu depois da minha saída”?

Quando a Folha de S.Paulo registrou em cartório o resultado da licitação quando o senhor se encontra na plenitude de seus poderes no Palácio dos Bandeirantes.

Pode haver dúvida do seu envolvimento, Sr. Serra. E o senhor, como toda pessoa, tem o direito ao princípio da presunção da inocência. Não é possível, mesmo diante da fraude em uma licitação, acusar ninguém de corrupto sem provas - como, aliás, o senhor faz a torto e a direito com os outros.

Mas do cinismo, isso sim, o senhor já dá provas cabais, mesmo sem qualquer investigação. A sua cara de pau excede e muito àquela que a população, infelizmente, se acostumou a ver nos políticos.

A bancada do PDT na Assembleia de São Paulo está coletando assinaturas para abertura de uma CPI para investigar está manipulação de resultados. Vamos ver se não será mais uma das dezenas de CPI’s que os governos tucanos, especialmente o seu, impediram que fossem instaladas.

Em relação aos seus adversários, o senhor sabe exigir a apuração célere, imediata, impiedosa. Não há problema. Quem se corrompeu que pague por isso. Agora, como dizia minha vó, macaco olha o seu rabo. Aliás, macaco não, tucano!

.

O Jornal Nacional e o meteorito de papel

Reproduzo artigo de Washington Araújo, publicado no Observatório da Imprensa:

Ânimos exaltados fazem aflorar ainda mais a partidarização da imprensa no corrente pleito de 2010. Esta é uma campanha presidencial sui generis. Tudo o que não é fato vira notícia e tudo o que tem potencial de notícia deixa de ser divulgado. Chama a atenção o vocabulário corriqueiro dos candidatos à Presidência da República: o adversário é sempre mentiroso, não importa qual seja a situação, a mentira antecede o depoimento, a desfaçatez nubla a face da verdade e o que acusa o outro de mentiroso age da mesma forma e sem a contração de qualquer músculo facial.

Na tarde da quarta-feira (20/10), no Rio de Janeiro, tivemos o próprio "Efeito Borboleta": uma simples bolinha de papel, pesando não mais que 5 ou 8 gramas, bateu na cabeça do candidato José Serra. Mas foi suficiente para produzido o festejado efeito cinematográfico: ocupou espaço nobre no Jornal Nacional, edição mais que caprichada com direito a inserção de vídeo com foto, de entrevista de médico com áudio de repórter, ampliações desmesuradas com o intuito nada ingênuo de transformar o choque de uma bolinha de papel sobre um ser humano com a gravidade e contundência de meteorito se chocando com o planeta Terra.

Fabricação de realidades

A idéia da TV Globo era usar todos os recursos de dramaturgia acessíveis. Apenas a emissora líder não contava com o baixo desempenho da protagonista... Com uma bolinha de papel não dá para escrever capítulo muito emocionante, algo que seja digno de novela das 9.

A edição pareceu resultante de vitamina de atleta olímpico e tinha de tudo mesmo: bolinha de papel tocando o lado esquerdo da calva do presidenciável, caminhada de 20 minutos, presidenciável atendendo chamada no telefone celular, presidenciável passando a mão levemente sobre o lado direito da calva, presidenciável entrando na van, depois saindo da van, voltando a caminhar, e tudo isso tendo como pano de fundo bandeiras vermelhas e azuis, gritos, gente alvoroçada.

Depois corta para entrada do presidenciável em hospital, sinais de tontura e as primeiras aspas ouvidas por testemunhas de que "estou meio grogue". Depois saindo de clínica de saúde com médico dizendo que "o candidato não sofreu qualquer arranhão... nada externo".

Foi esse enredo que atravessou os programas dos presidenciáveis. O de José Serra, carregado de dramaticidade, tendo a locução de repórter desconhecida emulando a voz de Ilze Scamparini, aquela correspondente da TV Globo para assuntos do Vaticano e também da Itália em geral. Emula o rotineiro e grave estilo de enunciar crise cardinalícia ou mesmo morte do pontífice ou então a eleição do novo sucessor no trono de Pedro. Impressiona a avidez com que emissoras de televisão se sentem tão à vontade para criar a realidade que lhes pareça melhor, mais adequada, conveniente ou ao menos plausível.

"Misterioso caso"

Na quinta-feira (21/10), temos discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva embrulhando os parágrafos acima e amarrando todo esse minitiroteiro com barbantes apertados. O aperto de quem denuncia o conteúdo do pacote como farsa, nada mais que farsa. Até o goleiro Rojas, aquele que simulou ter sido atingido por foguete em jogo no Rio de Janeiro, foi mencionado na fala presidencial. Uma vez mais o pano de fundo era desmascarar mais mentiras, mais inverdades, mais falsidade, mais realidade fabricadas.

Na edição do Jornal Nacional de quinta-feira (21/10), repetição de cenas do arquivo do dia anterior acrescidas de aula sobre bolinha de papel, rolo de fita crepe e a teoria pouco convincente – penso – de dois eventos estanques, isolados, completamente distintos. A aula foi ministrada com raro didatismo pelo ex-professor da Unicamp Ricardo Molina de Figueiredo em um veículo e em um horário em que cada segundo vale literalmente ouro em pó. Onde a eternidade é condensada aos 5, 10 ou 15 segundos de matéria levada ao ar.

A TV Globo, ao escolher o especialista Molina, deixou claro que neste jogo quer maior protagonismo. Afinal é o mesmo Molina quem vem abastecendo dezenas de matérias produzidas pelo mesmo Jornal Nacional ao longo das décadas: Seu nome se encontra de alguma forma envolvido com casos como a compra de votos para a reeleição de Fernando Henrique Cardoso; o acidente aéreo com os integrantes da banda Mamonas Assassinas; o pagamento de suborno no caso Waldomiro Diniz; as mortes de Celso Daniel e de Paulo César Farias; os atentados do PCC em São Paulo; e o caso da menina Eloá, em São Paulo.

Apesar da notoriedade, em suas aparições na mídia, o ex-professor Molina comumente faz declarações sobre ações da perícia criminal oficial, mesmo sem nunca ter sido perito criminal oficial. Certamente passará a lustrar mais sua fama com este "misterioso caso da bolinha de papel" na reta final da campanha presidencial de 2010.

De joelhos

Chegamos a uma encruzilhada perigosa em que a credibilidade de boa parte de nossa grande imprensa parece uma vez mais afundar: se dispomos das conclusões e se estas parecem sólidas, quase pétreas, por que não montar as variáveis do problema que possam se harmonizar de forma indolor e quase imperceptível com as conclusões? E é um processo retroalimentado diariamente: primeiro surge na coluna do jornalista Merval Pereira, depois ganha mais substância com o comentário da historiadora Lucia Hippolito na rádio CBN e pronto: logo os engenhosos e incompletos raciocínios pautarão as falas do presidenciável José Serra ao longo do dia.

Para chegar a tais conclusões basta um pouco de paciência: visitar os blogs dos citados e conferir vídeos no Youtube do presidenciável, em especial aqueles com suas aparições nos telejornais das TVs Globo, SBT, Record e Band.

O que é mais escasso no episódio é a ausência total de análises profundas por parte da grande imprensa sobre o acirramento de ânimos de parte a parte. O excesso de uso dos carimbos contendo palavras como "mentira", "inverdade", "falsidade". Revistas e jornais proclamam completa independência dos partidos postulantes à Presidência da República ao mesmo tempo em que os profissionais que assinam suas matérias, colunas e também os simulacros de reportagens não fazem outra coisa que proclamar diária e semanalmente sua profissão de fé na capacidade e experiência demonstrados por seu candidato ao Palácio do Planalto. Tal profissão de fé é sempre recorrente como recorrente tem sido a demonização do tal "outro lado" que atende também pelo nome de "campanha adversária".

Como linha auxiliar da oposição, parte considerável da grande mídia verbaliza o que pode ser apenas intuído por esta campanha. E se a "campanha adversária" decide não deixar passar em branco tão engenhosa estratégia partidária, então veremos que 10 em 10 vezes esta será atacada como atentatória à liberdade de imprensa, estará mostrando ranço autoritário, demonstrará assimetria entre a liturgia que se espera de detentor de cargo público e a função de militante político. E partem para a desqualificação mesmo...

Ao momento, a profundidade (da análise) a que me refiro é tal que uma formiga de joelhos poderia atravessar sem o menor risco de afogamento.

.

O "vírus oportunista" na campanha eleitoral

Reproduzo entrevista de Frei Betto ao jornal Folha de S.Paulo:

Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, 66, afirma que a forma como são abordados religião e aborto nesta campanha está "plantando no Brasil as sementes de um possível fundamentalismo religioso".

O frade dominicano responsabiliza a própria Igreja Católica por introduzir um "vírus oportunista" na disputa eleitoral.

E define como "oportunistas desesperados" os bispos da Regional Sul 1 da CNBB (São Paulo) que assinaram no fim de agosto uma nota, depois tornada panfleto, recomendando aos fieis não votar em candidatos do PT.

Em entrevista à Folha, o religioso analisa que os temas ganharam espaço na agenda porque "lidam com o emocional do brasileiro". "Na América Latina, a porta da razão é o coração, e a chave do coração é a religião. A religião tem um peso muito grande na concepção de mundo, de vida, de pessoa, que a população elabora."

Amigo do presidente Lula, de quem foi assessor entre 2003 e 2004 e a quem depois manteve apoio crítico, e eleitor de Dilma Rousseff, Frei Betto defende que as políticas sociais do atual governo evitaram milhões de mortes de crianças e, por isso, discuti-las é mais importante do que debater o aborto.

Desde que deixou o cargo de assessor de Lula, o sr. manteve um apoio crítico ao governo, um certo distanciamento. A pauta religiosa - ou a forma como ela foi introduzida na campanha - lhe reaproximou do governo e do PT?

Eu nunca me distanciei. Sempre apoiei o governo, embora fazendo críticas. O governo Lula é o melhor da nossa história republicana, mas não tão ideal quanto eu gostaria, porque não promoveu, por exemplo, nenhuma reforma na estrutura social brasileira, principalmente a reforma agrária.

Mas nunca deixei de dar o meu apoio, embora tenha escrito dois livros de análise do governo, mostrando os lados positivos e as críticas que tenho, que foram "A mosca azul" e "O calendário do poder", ambos publicados pela Rocco. Desde o início do processo eleitoral, embora seja amigo e admire muito a Marina Silva, no início até pensei que Dilma venceria com facilidade e que poderia apoiá-la [Marina], mas depois decidi apoiar a candidata do PT.

Mas você entrou com mais força na campanha por conta da pauta religiosa, sem a qual talvez não tivesse entrado tanto?

Eu teria entrado de qualquer maneira dando meu apoio, dentro das minhas limitações. Agora essa pauta me constrange duplamente, como cidadão e como religioso. Porque numa campanha eleitoral, penso que o mais importante é discutir o projeto Brasil. Mas como entrou o que considero um vírus oportunista, o tema do aborto e o tema religioso, lamentavelmente as duas campanhas tiveram, sobretudo agora no segundo turno, que ser desviadas para essas questões, que são bastante pontuais. Não são questões que dizem respeito ao projeto Brasil de futuro. Ou, em outras palavras: mais do que se posicionar agora na questão do aborto é se posicionar em relação às políticas sociais que evitam a morte de milhões de crianças. Nenhuma mulher, nenhuma, mesmo aquela que aprova a total liberalização do direito ao aborto, é feliz por fazer um aborto.

Agora o que uma parcela conservadora da Igreja se esquece é que políticas sociais evitam milhões de abortos. Porque as mulheres, quando fazem, é por insegurança, frente a um futuro incerto, de miséria, de seus filhos. Esses 7,5 anos do governo Lula certamente permitiram que milhares de mulheres que teriam pensado em aborto assumissem a gravidez. Tiveram seus filhos porque se sentem amparadas por uma certa distribuição de renda que efetivamente ocorreu no governo Lula, tirando milhões de pessoas da miséria.

Por que aborto, crença e religião entraram tão fortemente na pauta da campanha?

Porque eles lidam com o emocional do brasileiro. Como o latino-americano em geral, a primeira visão de mundo que o brasileiro tem é de conotação religiosa. Sempre digo que, na América Latina, a porta da razão é o coração, e a chave do coração é a religião. A religião tem um peso muito grande na concepção de mundo, de vida, de pessoa, que a população elabora.

Mas não foi a população que levou esse tema [à campanha], foram alguns oportunistas que, desesperados e querendo desvirtuar a campanha eleitoral, introduziram esses temas como se eles fossem fundamentais.

O próprio aborto é decorrência, na maior parte, das próprias condições sociais de uma parcela considerável da população.

Quem são esses oportunistas?

Primeiro os três bispos que assinaram aquela nota contra a Dilma, diga-se de passagem à revelia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Realmente eles se puseram no palanque, sinalizando diretamente uma candidata com acusações que considero infundadas, injustificadas e falsas.

A Dilma, que já defendeu a descriminalização do aborto, recuou em relação ao tema.

Respeito a posição dela. Agora eu, pessoalmente, como frade, como religioso, como católico, sou a favor da descriminalização em determinados casos. Pode colocar aí com todas as letras. Porque conheço experiências em outros países, como a França, em que a descriminalização evitou milhões de abortos. Mulheres foram convencidas a ter o filho dentro de gravidez indesejada. Então todas as estatísticas comprovam que a descriminalização favorece mais a vida do que a criminalização. É importante que se diga isso, na minha boca. Na Itália, que é o país do Vaticano, predominantemente católico, foi aprovada a descriminalização.

O sr. acha que o recuo da Dilma é preço eleitoral a pagar?

Respeito a posição dos candidatos, tanto da Dilma quanto do Serra, sobre essas questões. Não vou me arvorar em juiz de ninguém. Como disse, acho que esse é um tema secundário no processo eleitoral e no projeto Brasil.

Pelo que se supõe, já que não há muita clareza nos candidatos, nem Dilma nem Serra são favoráveis ao aborto em si, mas ambos parecem abertos a discutir sua descriminalização. Por que é tão difícil para ambos debater esse tema com clareza e honestidade?

Porque é um tema que os surpreende. Não é um tema fundamental numa campanha presidencial. É um vírus oportunista, numa campanha em que você tem que discutir a infraestrutura do país, os programas sociais, a questão energética, a preservação ambiental. Entendo que eles se sintam constrangidos a ter que se calar diante dos temas importantes para a nação brasileira e entrar num viés que infelizmente está plantando no Brasil as sementes de um possível fundamentalismo religioso.

Como o sr. vê a participação direta de bispos, padres e pastores na campanha, pregando contra ou a favor de um ou outro candidato?

Eu defendo o direito de que qualquer cidadão brasileiro, seja bispo, seja até o papa, tenha a sua posição e a manifeste. O que considero um abuso é, em nome de uma instituição como a Igreja, como a CNBB, alguém se posicionar tentando direcionar o eleitorado. Eu, por exemplo, posso, como Frei Betto, manifestar a minha preferência eleitoral. Mas não posso, como a Ordem Dominicana a qual eu pertenço, dizer uma palavra sobre isso. Considero um abuso.

E a participação de uma diocese da CNBB na produção de panfletos recomendando fieis a não votarem na Dilma?

É uma posição ultramontana, abusiva, de tentar controlar a consciência dos fieis através de mentiras, de ilações injustificadas.

O sr. acredita, como aponta o PT, que o PSDB está por trás da produção dos panfletos?

Não, não posso me posicionar. Só me posiciono naquilo em que tenho provas e evidências. Prefiro não falar sobre isso.

Quais as diferenças de tratamento do tema aborto nas diferentes religiões?

Ih, meu caro, isso é muito complexo. Agora, na rua... Eu estou na rua, indo para a PUC [para ato de apoio a Dilma, na última terça à noite]. Para entrar nesse detalhe... Eu escrevi um artigo até para a Folha, anos atrás, sobre a questão do aborto. É muito delicado analisar as diferenças. Há nuances. Mesmo dentro da Igreja Católica há diferentes posições sobre quando é que o feto realmente se transforma num ser vivo. Não é uma questão fechada na Igreja. Ainda não há, nem do ponto de vista do papa, uma questão dizendo: o feto é um ser vivo a partir de tal data. É uma questão em discussão, teologicamente inclusive. São Tomás de Aquino dizia que 40 dias depois de engravidar. Isso aí depende muito, é uma questão em aberto.

Em artigo recente na Folha, o sr. disse que conhecia Dilma e que ela é "pessoa de fé cristã, formada na Igreja Católica". O que diria sobre a formação e a religiosidade de Serra?

Eu sou amigo do Serra, de muitos anos, desde a época do movimento estudantil. Nunca soube das suas opções religiosas. Da Dilma sim, porque fui vizinho dela na infância [em Belo Horizonte], estivemos juntos no mesmo cárcere aqui em São Paulo, onde ela participou de celebrações, e também no governo. Não posso de maneira alguma me posicionar em relação ao Serra. Respeito a religiosidade dele.

Se você me perguntasse antes da campanha sobre a posição religiosa do Serra, eu diria: não sei. Mas considero uma pessoa muito sensata, que respeita crenças religiosas, a tolerância religiosa, a liberdade religiosa. Nesse ponto os dois candidatos coincidem.

O que achou do material de campanha de Serra que destaca a frase "Jesus é a verdade e a vida" junto a uma foto do candidato?

Não cheguei a ver e duvido que seja material de campanha dele. Como bom mineiro, fico com pé atrás. Será que é material de campanha, será que é apócrifo?... Agora mesmo estão distribuindo na internet um texto, que me enviou hoje o senador [Eduardo] Suplicy, [intitulado] "13 razões para não votar em Dilma", com a logomarca da Folha, de um artigo que eu teria publicado na Folha, assinado por mim. Não dá para dizer que [o santinho] é da campanha dele.

Mas tem foto dele, o número dele [tem inclusive o CNPJ da coligação]...

Bem, espero que a campanha, o comitê dele desminta isso e, se não desmentir, quem cala, consente.

No mesmo artigo o sr. diz que torturadores praticavam "ateísmo militante". O sr. não respeita quem não crê em Deus?

Meu caro, eu tenho inúmeros amigos ateus. Nenhum deles tirou do contexto essa frase. Com essa pergunta você me permite aclarar uma coisa muito importante: que a pessoa professe ateísmo, tem todo o meu apoio, é um direito dentro de um mundo secularizado, de plena liberdade religiosa.

Agora, a minha concepção de Deus é que Deus se manifesta no ser humano. Então toda vez que alguém viola o ser humano, violenta, oprime, está realizando o ateísmo militante. Ateus que reivindicam o fim dos crucifixos em lugares públicos, o nome de Deus na Constituição - isso não é ateísmo militante, isso é laicismo, que eu apoio. O ateísmo militante para mim é profanar o templo vivo de Deus, que é o ser humano.

Tiraram do contexto, não entenderam...

É que houve queixas de ateus em relação àquele trecho do seu artigo, tido como discriminatório...

Podem ter se sentido ofendidos por não terem percebido isso. Para mim o ateísmo militante é você negar Deus lá onde, na concepção cristã, ele se manifesta, que é no ser humano. Você professar o ateísmo é um direito que eu defendo ardorosamente. Agora, você não pode é chutar a santa, como fez aquele pastor na Record. Ou seja, eu posso ser ateu, como eu sou cristão, mas eu não digo que a fé do muçulmano é um embuste ou que a fé do espírita é uma fantasia. Isso é um desrespeito.

O sr. relatou no artigo que encontrou Dilma no presídio Tiradentes [em São Paulo] e que lá fizeram orações. Como foram esses encontros?

Ela estava presa na ala feminina, eu na ala masculina e, como religioso, eu tinha direito de, aos domingos, passar para a ala feminina para fazer celebrações. E ela participava. O diretor do presídio autorizava isso.

O sr. já comparou o Bolsa Família a uma "esmola permanente"...

[interrompendo] Não, eu não usei essa expressão. Eu sempre falei que o Bolsa Família é um programa assistencialista e o Fome Zero era um programa emancipatório. Nunca chamei de esmola não. Se saiu isso aí, puseram na minha boca.

Deixa eu buscar aqui o contexto exato...

Quero ver o contexto. Dito assim como você falou agora eu não falei isso não.

Vou achar aqui o texto, espera aí.

Bem, mas não importa o que eu disse. Eu te digo agora o seguinte: o Bolsa Família é um programa compensatório e o Fome Zero era um programa emancipatório.

Você falou o seguinte [numa entrevista à Folha em 2007]: "Até hoje o Bolsa Família não tem porta de saída. O governo inteiro sabe qual é, mas não tem coragem: é a reforma agrária, a única maneira de 11 milhões de famílias passarem a produzir a própria renda e ficarem independentes, emancipadas do poder público. Você não pode fazer política social para manter as pessoas sob uma esmola permanente. Nem por isso considero o Bolsa Família negativo, devo dizer isso. O problema é que não pode se perenizar".

Ótimo que você pegou o texto, muito bem, é isso mesmo. Veja bem, não vamos tirar de contexto não.

O que o sr. pensa do Bolsa Família hoje?

Isso que eu te falei: é um programa compensatório. Eu gostaria que voltasse o Fome Zero, que tem um caráter emancipatório, tinha porta de saída para as famílias. E o Bolsa Família, embora seja positivo, até hoje não encontrou a porta de saída, o que eu lamento.

O sr. continua a ser um defensor inconteste do regime cubano? Ainda é amigo de Fidel?

Não, veja bem. A sua afirmação... Não põe na minha boca o que você acabou de falar. Eu sou solidário à Revolução Cubana. Eu faço um trabalho em Cuba há muitos anos, de reaproximação da Igreja e do Estado. Estou muito agradecido a Deus e feliz por poder ajudar esse processo, que resultou recentemente na liberação de vários presos políticos.

O sr. participou diretamente desse processo, dessa última libertação?

Indiretamente sim. Mas não é ainda o momento de eu entrar em detalhes.

O sr. acha que essa tendência de abertura do regime é inexorável?

Sim, claro, tem que haver mudanças. Cuba está preocupada em se adaptar. Mas nada disso indica a volta ao capitalismo.

Sobre o desrespeito aos direitos humanos em Cuba, ainda há presos políticos...

Meu caro, ninguém desrespeita mais os direitos humanos no mundo do que os Estados Unidos. E fala-se pouco, lamentavelmente. Basta ver o que os Estados Unidos fazem em Guantánamo.

Cuba ocupa o 51º no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU, que é insuspeito. O Brasil, o 75º.

.

Wagner Tiso e o jingle "Dilma-lá"



.