Segundo reportagem desta semana no jornal Valor, “o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já marcou data para anunciar seus planos ambiciosos para o uso do real nas transações da América do Sul... Na próxima reunião da Unasul, que agrega os países da região, ainda neste semestre, Lula quer apresentar aos parceiros proposta que pode ampliar o uso do real nas relações entre os vizinhos”. Caso a notícia se confirme, será um acontecimento inédito nesta sofrida região, tratada como “quintal dos EUA”, e poderá representar o fim do “império do dólar” no continente.
O estudo desta medida ousada reflete tanto a grave crise econômica dos Estados Unidos, que tem como efeito o derretimento da sua moeda, como o avanço das forças progressistas na América do Sul. Ela seria impensável há alguns atrás, quando os EUA exerciam poder unipolar e gozavam de ampla hegemonia. No mesmo rumo agora defendido pelo Brasil, a China propôs recentemente o fim do padrão-dólar nas transações comerciais e financeiras no mundo. O governo Hugo Chávez também apresentou a proposta da criação do “sucre”, como moeda única na região. A reação do “império do mal” a todas estas propostas tem sido violenta. É o seu poder que está em jogo!
A resistência do Banco do Central
Ainda conforme a reportagem, o mecanismo de substituição do dólar não está pronto e passa por discussões na equipe econômica, “onde, jura-se no Palácio do Planalto, já existe concordância do reticente Banco Central”. Só se a convicção de Lula for muito forte para dobrar as resistências do banqueiro Henrique Meireles, presidente do BC e ex-dirigente do Bank of Boston. Segundo os estudos prévios, os países sul-americanos seriam autorizados a sacar, junto ao BC, uma quantia de reais que seria usada para o comércio com o Brasil ou mesmo para repassar a outros países da continente. “Falta ainda, segundo um graduado assessor de Lula, definir o total que será posto à disposição dos vizinhos. Lula quer que seja uma quantia significativa”, afirma o jornal.
No mês passado, Brasil e Argentina já firmaram acordo de substituição do dólar nas transações comerciais entre os dois países. A medida foi favorável à nação vizinha, altamente dependente dos dólares para os seus negócios, o que se torna um calvário num período de escassez da moeda ianque no mundo. Lula já tem o apoio de Cristina Kirchner e de Hugo Chávez para sua proposta. Os demais países da região, inclusive os alinhados aos EUA, também deverão aderir à iniciativa, como forma, até pragmática, de superar a sua vulnerabilidade. O Brasil tem superávits com todas as nações da América do Sul, com exceção da Bolívia em função das suas exportações de gás.
A desconstrução dos Estados Unidos
Conforme constata o Valor, mesmo a contragosto, a iniciativa brasileira de expandir a circulação do real na região poderá “ser vista como uma medida antiamericana – o que não é – destinada a botar a colherzinha do Brasil na sopa da desconstrução dos EUA como emissor da moeda de troca mundial”. Mesmo assim, o jornal de negócios da burguesia nativa concorda que a medida é cabível. “Se quiser reduzir as fontes de pressão sobre as políticas comerciais dos parceiros sul-americanos e minimizar seus efeitos sobre as vendas de produtos brasileiros na região, o governo tem de buscar mecanismos criativos e menos dependentes do fluxo de dólares para esses países. Lula mandou seus técnicos encontrarem esses mecanismos e conta tê-los em mãos até junho”.