A mídia nativa tem chorado muito pela delicada situação do Clarín, reforçando o coro de que o jornal estaria sendo “perseguido” pelo governo argentino de Cristina Kirchner. Mas deixou de fazer alarde com uma denúncia recente, bem mais chocante. A Câmara Federal de San Martín mandou o juiz federal Conrado Bergesio realizar, “de forma imediata e sem mais postergações”, exames de DNA dos filhos adotivos da dona Grupo Clarín, Ernestina Herrera de Noble. Há fortes suspeitas de que eles foram “retirados” de presos políticos durante a cruel ditadura na Argentina.
A grave denúncia foi apresentada pela fundadora do movimento Avós da Praça de Maio, Chicha Mariani, que acredita que uma das filhas adotivas de Ernestina seja, na verdade, sua neta, Clara Anahí, cujos pais foram seqüestrados pelos militares em novembro de 1976. A suspeita é antiga, mas esbarrava na estranha lentidão de Bergesio. Segundo os juízes Hugo Gurruchaga e Alberto Criscuolo, o citado “se enreda em discussões que não levam a lugar algum” e, sete anos após ter herdado a causa, “não realiza a medida básica, essencial e impostergável” de cruzar os DNAs das crianças adotadas com os das 22 famílias que buscam crianças desaparecidas na ditadura.
As mentiras da família Noble
Segundo registros do cartório, Ernestina adotou duas crianças em maio de 1976, com os nomes de Marcela e Felipe Noble. Ela disse à juíza Ofélia Hejt, de San Isidro, que encontrou a menina numa caixa abandonada na porta de sua residência e ofereceu como testemunhas uma vizinha e um caseiro. Em 2001, Roberto Garcia, 85 anos, declarou ao juiz Robertto Marquevich que nunca foi caseiro da casa citada. Na verdade, ele foi motorista da família Noble durante 40 anos. Já a suposta vizinha também nunca residiu no local apontado, segundo depoimento da sua neta. “As datas apresentadas pela dona do Clarin também se revelaram falsas”, garante o jornal Página 12.
Estas e outras falsidades foram decisivas para levantar suspeitas da adoção de filhos dos presos políticos. Também contribuiu o fato da juíza Ofélia Hejt ter aprovado outra adoção, em abril de 1977, de uma criança, Andrés Blunda, de três meses, que recuperou a sua verdadeira identidade em 1984. “As irregularidades levaram o juiz Marquevich a pedir a detenção de Ernestina Noble, decisão esta que lhe custou o cargo após uma campanha desencadeada pelo jornal Clarín. O seu substituto, Conrado Bergesio, passou a conceder todas as medidas solicitadas pelos advogados da família Noble e bloqueou a obtenção das amostras de DNA”, denuncia o jornal Página 12.
Exames de DNA provam a crueldade
Agora, com a decisão da Câmara Federal de San Martín, estas análises deverão ser realizadas “de forma imediata e sem postergações”. Os exames de DNA já permitiram a identificação de nove filhos de desaparecidos políticos. Caso as análises confirmem as suspeitas, o futuro Grupo Clarín será sombrio. Ficará comprovada a relação macabra e promíscua entre os donos da empresa e os generais que ensangüentaram a Argentina. Em vários editoriais, manchetes e “reportagens”, o jornal Clarín apoiou o golpe militar e a ditadura, com suas torturas, assassinatos e desaparecidos.
Como retribuição, neste sombrio período a família Noble ergueu seu império midiático. Ele hoje monopoliza os meios de comunicação na Argentina, controlando jornais, revistas, emissoras de televisão e rádios. A recente “Leis dos Medios”, proposta por Cristina Kirchner e aprovada no parlamento, visa exatamente por fim ao monopólio do Grupo Clarin, construindo na ditadura e usado para desestabilizar o país, como na promoção do locaute do agronegócio em 2008. Por isso, a lei argentina sofre tantos ataques – inclusive no Brasil. Confirmada a denúncia, qual será a postura dos barões da mídia? Manterão seu silêncio cúmplice diante dos órfãos da ditadura?