quarta-feira, 12 de agosto de 2009

A luta unitária pela redução da jornada

Nesta sexta-feira, 14 de agosto, as centrais sindicais e os movimentos sociais irão às ruas em todo o Brasil na “jornada nacional de lutas” pela aprovação imediata da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que institui as 40 horas semanais de trabalho, sem redução dos salários; contra as demissões e a ofensiva do patronato de jogar o ônus da crise capitalista nas costas dos trabalhadores; por mudanças na política macroeconômica do governo, com redução drástica da taxa de juros e do superávit primário (a reserva de caixa dos banqueiros), entre outras exigências.

Estão previstos atos públicos, passeatas, bloqueios de estradas, paralisações relâmpagos e outras formas de protesto. Será mais um passo na unidade de ação dos movimentos dos trabalhadores, que passam a ocupar maior protagonismo político no país. De todas as reivindicações desta pauta unitária, uma ganha destaque e urgência: a da redução da jornada de 44 para 40 horas semanais. Mesmo num cenário de grave crise mundial do capitalismo, o sindicalismo brasileiro supera a defensiva, rejeita o terrorismo patronal e avança na luta por essa conquista estratégica.

Vitória parcial na Câmara dos Deputados

No final de junho passado, uma Comissão Especial da Câmara Federal aprovou por unanimidade a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 231/95 que institui a redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais. O texto prevê ainda o aumento do valor da hora-extra de 50% para 75%. Na ocasião, mais de mil ativistas das seis centrais sindicais legalizadas no país, que lotaram as galerias do Salão Nereu Ramos, festejaram a aprovação como uma vitória histórica da luta dos trabalhadores. Ela ainda é parcial e depende da contínua e forte pressão do sindicalismo, já que o texto deverá ser agora votado nos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

De imediato, várias entidades patronais deflagraram uma violenta gritaria contra a aprovação da PEC, de autoria dos senadores Inácio Arruda (PCdoB-CE) e Paulo Paim (PT-RS) e que teve a relatoria do deputado federal Vicente Paula (PT-SP). A mais dura na crítica foi da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que distribuiu nota oficial num tom ameaçador. “A PEC aprovada pela comissão especial da Câmara dos Deputados elevará os custos da produção indistintamente em todas as empresas, atividades e regiões do país. Conseqüentemente, ela representará mais um obstáculo às contratações”, esbravejou a CNI, para quem “as leis não criam empregos”.

O terrorismo dos patrões e da mídia

Utilizando o discurso terrorista da crise mundial do capitalismo – que foi causada pelos próprios capitalistas, e não pelos trabalhadores –, a entidade empresarial também exigiu novas medidas de precarização do trabalho. “Especialmente neste momento em que a economia brasileira enfrenta os efeitos nefastos da recessão mundial, a redução da jornada, sem o ajuste correspondente nos salários, comprometerá a competitividade das empresas... Regras trabalhistas mais modernas e flexíveis desestimularão a informalidade, garantindo direitos básicos e segurança às empresas”. Na prática, a CNI deseja jogar o ônus da crise capitalista nas costas dos trabalhadores.

No mesmo rumo, os jornalões tradicionais publicaram editoriais raivosos contra a aprovação da PEC, rotulada de “demagógica e populista”. Já algumas emissoras de televisão escalaram os seus “especialistas” de plantão para atacar a redução da jornada. O consultor empresarial José Pastore, ex-coordenador do programa trabalhista do tucano Geraldo Alckmin na sucessão presidencial de 2006, virou novamente estrela nos noticiários da TV Globo. Os sindicalistas, que se mobilizaram e forjaram uma sólida unidade na luta por esta conquista histórica, foram desqualificados; já os trabalhadores não foram ouvidos pela mídia hegemônica, que defende os interesses do capital.

Ambição egoísta pelo lucro máximo

As falácias usadas pelos empresários e por sua mídia já são bem conhecidas. Quando da abolição da escravatura, no final do século 19, os senhores da senzala também alardearam que a medida destruiria a economia do país e estimularia a “preguiça e a vagabundagem”. Quando foi criado o salário mínimo, nos anos 1940, o patronato com mentalidade escravocrata atacou com fúria esta conquista civilizatória. Na ocasião, o presidente Getúlio Vargas criticou a “burrice empresarial” e foi execrado pela oligarquia capitalista, que fez de tudo para derrubá-lo. Na fase mais recente, quando a Constituinte de 1987/88 aprovou a redução da jornada de 48 para 44 horas, o mesmo discurso apocalíptico foi alardeado pelo patronato e pelos editoriais da mídia hegemônica.

Nenhum argumento racional justifica esta aversão da oligarquia capitalista à redução da jornada de trabalho. A única razão para tamanha rejeição é sua ambição egoísta pelo lucro máximo, sem qualquer compromisso com os que vivem do trabalho e com o desenvolvimento da nação. Mas este motivo não pode ser confessado, por isso é embalado nos falsos discursos midiáticos. Como comprova um minucioso estudo do Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Sócio-Econômicas (Dieese), intitulado “Reduzir a jornada de trabalho é gerar empregos de qualidade”, esta conquista civilizatória é um fator indispensável para o desenvolvimento humano e para o próprio desenvolvimento da economia. Reproduzo a seguir alguns trechos deste rico documento:

Desemprego e longas jornadas

- Qual é a relação entre jornada de trabalho, emprego e qualidade de vida? Existe, hoje, uma realidade de extremos. De um lado, muitos estão desempregados e, de outro, grande número de pessoas trabalha cada vez mais, realizando horas extras e de forma muito mais intensa devido às inovações tecnológicas e organizacionais e à flexibilização do tempo de trabalho. O desemprego de muitos e as longas e intensas jornadas de trabalho de outros têm como conseqüência diversos problemas relacionados à saúde, como estresse, depressão, lesões por esforço repetitivo (LER). Aumentam também as dificuldades para o convívio familiar, que tanto podem ter como causa a falta de tempo para a família, como sua desestruturação em virtude do desemprego de seus membros.

- Se, do ponto de vista social, fica evidente a necessidade da redução da jornada de trabalho (RJT), também é sabido que a economia brasileira hoje apresenta condições favoráveis para essa redução uma vez que: a produtividade do trabalho mais que dobrou nos anos 90; o custo com salários é um dos mais baixos no mundo; o peso dos salários no custo total de produção é baixo; o processo de flexibilização da legislação trabalhista, ocorrido ao longo da década de 90, intensificou significativamente o ritmo do trabalho.


Criação de 2.252.600 novos empregos

- Em vários países, a RJT sem redução salarial tem sido discutida como um dos instrumentos para preservar e criar novos empregos de qualidade e também possibilitar a construção de boas condições de vida. Porém, esta redução poderia até ser bem mais que isso, e impulsionar a economia e dinamizar seu ciclo virtuoso levando à melhoria do mercado de trabalho. Isto permitiria a geração de novos postos de trabalho, diminuição do desemprego, da informalidade, da precarização, aumento da massa salarial e produtividade do trabalho e teria como conseqüência, o crescimento do consumo. Este, por sua vez, levaria ao aumento da produção, o que completaria o círculo virtuoso.

- Pelos cálculos do Dieese, a redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais teria o impacto potencial de gerar em torno de 2.252.600 novos postos de trabalho no país, considerando que: a) O Brasil tinha 22.526.000 pessoas com contrato de 44 horas de trabalho, em 2005, segundo dados da Relação Anual das Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho e Emprego; b) Diminuindo quatro horas de trabalho semanais de cada uma delas, cria-se a possibilidade de gerar 2.252.600 novos postos de trabalho; c) A conta a ser realizada é (22.526.000 x 4) : 40 = 2.252.600.


A limitação das horas-extras

- Para potencializar a geração de novos postos de trabalho, a RJT deve vir acompanhada de medidas como o fim das horas extras e uma nova regulamentação do banco de horas, que não permitam aos empresários compensar os efeitos de uma jornada menor de outra forma que não com a contratação de novos trabalhadores. Esse conjunto de medidas é necessário porque a contratação de novos trabalhadores tem sido, em geral, a última alternativa utilizada pelos empresários, com a adoção de outros métodos que acabam por impedir a geração de empregos. Um deles é o aumento da produtividade em função da introdução de novas tecnologias de automação ou organizacionais. Outro é a utilização de horas extras, do banco de horas; outro ainda é a intensificação do ritmo de trabalho, para citar apenas alguns.

- O fim das horas extras, ou mesmo sua limitação, por si só, já teria um potencial de geração de 1.200.000 postos de trabalho levando em consideração os dados de 2005. Ou seja, a realização das horas extras no Brasil rouba mais de 1.200.000 postos de trabalho. Isto ocorre por que: a) Pelos dados da RAIS, são feitas no país aproximadamente 52.800.000 horas extras por semana;
b) O cálculo para determinar o número de postos que isto representa é: 52.800.000 : 44 (jornada atual) = 1.200.000 novos postos de trabalho de 44 horas; c) Se fosse considerada a redução da jornada para 40 horas, o número de postos a ser criado poderia ser ainda maior.


A distribuição dos ganhos de produtividade

- A adoção da redução da jornada é um dos instrumentos que possibilita aos trabalhadores participarem da distribuição dos ganhos de produtividade gerados pela sociedade. As inovações tecnológicas e organizacionais são conseqüências do acúmulo científico e do esforço contínuo de gerações e são, portanto, mérito de toda a sociedade. Assim, a sua apropriação e utilização também devem ser feitas por toda a sociedade. Caso contrário, a desigualdade é cada vez maior, aumenta a concentração da renda o que traz mais pobreza, fome e exclusão. No que diz respeito à relação entre aumento da produtividade e desemprego, o fato de que são necessárias menos horas de trabalho para produzir uma mercadoria, obriga uma opção que é política entre: transformar essa redução do tempo necessário para a produção em RJT ou deixar com que a redução do tempo de produção, ou seja, o aumento da produtividade, tenha como conseqüência o desemprego.

- No que se refere ao argumento patronal que aponta para o risco de aumento de custos, é importante dimensionar melhor o que representa uma redução de 9,09% na jornada de trabalho, ou seja, reduzi-la de 44 horas semanais para 40 horas. Conforme dados da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), a participação dos salários no custo das indústrias de transformação era de 22%, em média, em 1999. Assim, uma redução de 9,09% da jornada de trabalho representaria um aumento no custo total de apenas 1,99%.

- Ao se considerar o fato de que uma redução de jornada leva a pessoa a trabalhar mais motivada, com mais atenção e concentração e sofrendo menor desgaste, é de se esperar, como resposta, um aumento da produtividade do trabalho, que entre 1990 e 2000, cresceu a uma taxa média anual de 6,50%. Assim, ao comparar o aumento de custo (1,99%), que ocorrerá uma única vez, com o aumento da produtividade, que já ocorreu no passado e continuará ocorrendo no futuro, vê-se que o diferencial no custo é irrisório. E quando se olha para a produtividade no futuro, em menos de seis meses ele já estará compensado.


Os falsos argumentos dos empresários

- Esse argumento dá sustentação à afirmação de que a redução de jornada é uma forma de o conjunto dos trabalhadores participarem dos benefícios gerados pelas inovações tecnológicas e organizacionais e os ganhos de produtividade que proporcionam. Não se sustenta, assim, o argumento empresarial que prevê a diminuição da competitividade da indústria nacional. Segundo aqueles contrários à RJT, o aumento de custos diminuirá a competitividade do país e fará com que o Brasil perca mercado externo, o que levará ao fechamento de muitas empresas voltadas para exportação e mesmo daquelas que enfrentarão, internamente, a competição com produtos importados.

- Mais um argumento a favor da redução da jornada de trabalho pode ser encontrado nos dados do Departamento do Trabalho dos Estados Unidos que mostram o custo horário da mão-de-obra na indústria manufatureira em vários países. Um simples olhar para a tabela a seguir mostra que o custo da mão-de-obra brasileira não só é mais baixo, mas é muitas vezes mais baixo. O custo na Coréia do Sul, país que mais se aproxima dos valores brasileiros, é três vezes maior que o do Brasil. Isso significa que há muita margem para a redução da jornada.

- Custo horário da mão-de-obra dos trabalhadores ligados à indústria manufatureira, em US$.


Países 2005

Coréia do Sul 13,6
Japão 21,8
Estados Unidos 23,7
Brasil 4,1
França 24,6
Alemanha 33,0
Itália 21,1
Holanda 31,8
Espanha 17,8
Reino Unido 25,7


Uma medida reformista-revolucionária

No mesmo rumo, recente estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), intitulado “Carga horária de trabalho: evolução e principais mudanças no Brasil”, mostra que a jornada no país é muito irregular e injusta. Quase metade dos ocupados trabalha acima das 44 horas fixadas na Constituição; e a outra metade trabalha em jornadas parciais e com os salários reduzidos. Na apresentação da pesquisa, o economista Marcio Pochmann, presidente do Ipea, afirmou que a redução da jornada para 37 horas semanais poderia resolver o problema do desemprego no país, caso fosse acompanhada da ampliação dos investimentos no setor produtivo nacional.

Como se observa, as análises e dados apresentados pelo Dieese e Ipea são irrefutáveis. A redução da jornada de trabalho não é apenas uma medida de justiça social, de combate ao desemprego, à informalidade e ao arrocho salarial. Ela não beneficiaria somente o trabalhador com mais tempo livre para o estudo, a convivência familiar e o lazer. Ela alavancaria o próprio desenvolvimento do país, fortalecendo a economia nacional. Em outras palavras, ela não é uma medida, em si, de superação do capitalismo. Apenas torna o sistema de escravidão assalariada mais civilizado. É uma medida “reformista-revolucionária”, que hoje adquire caráter estratégico.