quarta-feira, 25 de junho de 2008

O complô civil-militar contra o MST


O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), reconhecido mundialmente por sua heróica e combativa luta pela reforma agrária no Brasil, está sendo alvo de uma conspiração das forças conservadoras do Rio Grande do Sul que visa explicitamente a sua “dissolução”. O complô reacionário congrega o agronegócio local, a governadora Yeda Crusius (metida num mar de lama de corrupção), a truculenta Brigada Militar, a mídia venal e agentes do Poder Judiciário com mentalidade escancaradamente fascistóide. O cerco ao MST se fecha celeremente e exige resposta contundente de todas as forças democráticas e populares da sociedade brasileira.

Em dezembro passado, onze procuradores da Justiça do Rio Grande do Sul participaram de uma sessão que decidiu, em caráter confidencial, “designar uma equipe de Promotores da Justiça para promover ação civil pública com vistas à dissolução do MST e à declaração da sua ilegalidade; suspensão das marchas, colunas e outros deslocamentos em massa dos sem-terra; investigar os integrantes de acampamentos e da direção do MST pela prática de crime organizado; investigar o uso de verbas públicas e de subvenções oficiais; desativação dos acampamentos que estejam sendo utilizados como ‘base de operação’ para invasão de propriedades; examinar a existência de condutas tendentes ao desequilíbrio da situação eleitoral local”, entre outras aberrações fascistas.

Uma excrescência jurídica

Foi com base nesta excrescência jurídica, que a Brigada Militar do Rio Grande do Sul despejou, na semana passada, centenas de famílias de dois acampamentos no município de Coqueiros do Sul. Barracos, plantações, criações de animais e até o posto de saúde e a escola montada pelos sem-terra foram destruídos. As famílias foram jogadas à beira da estrada em Sarandi, expostas ao frio e sem qualquer estrutura. Um dos promotores, Luis Felipe Tesheiner, presente na tal sessão secreta, justificou a desocupação afirmando que “não se trata de remover acampamentos, e sim de desmontar as bases que o MST usa para cometer reiterados atos criminosos”.

A sentença do despejo relembra a besta nazi-fascista. Cita o uso na escola do MST de livros de Paulo Freire, Florestan Fernandes e do pedagogo soviético Anton Makarenko. Chega a defender que os jovens sejam proibidos de participar de cursos. Propõe explicitamente adotar os mesmos instrumentos da ditadura militar para colocar na ilegalidade as Ligas Camponesas. Trata o MST como uma “quadrilha criminosa”, “uma ameaça à segurança nacional”. Indignado, o procurador aposentado Jacques Távora considerou a sentença um atentado à prática do Ministério Público.

“MP vestiu a camisa dos latifundiários”

“Estamos diante de uma violação flagrante dos direitos humanos, de uma infidelidade manifesta do MP às suas finalidades. Quem lê a petição vê que o MP vestiu a camisa dos latifundiários... Na petição, os promotores se baseiam no fato de que o MST é um movimento anticapitalista e esquerdista... Voltamos à época da ditadura para se sustentar esse ataque”. Jacques Távora não tem dúvidas de que se trata de uma ação orquestrada. “Está em curso no estado um abuso de poder e de autoridade. O relatório secreto do MP estava preparando essas ações desde dezembro de 2007. No relatório a expressão é a dissolução do MST. Uma reação popular organizada não é tolerada”.

Diante desta escalada fascista, os movimentos sociais e as forças de esquerda estão chamados a se manifestar com urgência e contundência. O MST já divulgou um manifesto de repúdio e pede a adesão de todos os democratas. “Vimos a vossa presença para lhes pedir solidariedade. Nosso movimento está sofrendo uma verdadeira ofensiva das forças conservadoras do Rio Grande do Sul, que não só não querem ver a terra dividida, como manda a Constituição, mas querem criminalizar os que lutam pela reforma agrária e impedir a continuidade do MST... Estas forças estão representadas hoje no governo da Sra. Yeda Crusius, na Brigada Militar, no Judiciário e no poder do monopólio da mídia”. Não há tempo a perder diante desta onda fascista!

terça-feira, 24 de junho de 2008

Fashion Week, máfias e trabalho escravo


Nas duas últimas semanas, as elites opulentas e os apreciadores da alta costura se deliciaram com os desfiles de moda no Rio de Janeiro e São Paulo, a paparicada Fashion Week. Jornais gastaram toneladas de papel para comentar cada grife nas passarelas. Já as televisões, com destaque para a TV Globo, ocuparam os espaços nobres com suas reportagens consumistas e endonistas, bem ao gosto dos ricaços. No mesmo período, a mídia burguesa fez de tudo para desqualificar a greve de 230 mil professores paulistas, “que tumultuou o trânsito dos que foram ao desfile na capital”. A visão classista da imprensa ficou escancarada nestas duas coberturas “jornalísticas”.

Sem desprezar a criatividade dos estilistas brasileiros e as peculiaridades desta indústria no país, seria sensato que a mídia não tratasse com tanto glamour este badalado mundo da moda. O livro Camorra, de Roberto Saviano, ajuda a desmistificar este setor altamente lucrativo. Lançado em 2006 na Itália, traduzido em 47 países e com 1 milhão de exemplares vendidos, ele descortina os bastidores deste “negócio”. Para isso, o jornalista italiano se infiltrou na Camorra, a organização criminosa sediada em Nápoles que já suplantou a máfia siciliana em movimentações financeiras. Após sofrer um atentado a bomba, hoje ele vive sob escolta policial e utiliza carros blindados.

Valentino, Versace, Prada e Armani

Na sua corajosa pesquisa, Saviano descobriu que um dos braços da máfia camorrista se estende à indústria da moda. Ele comprova que famosas grifes terceirizam a sua produção junto ao sistema fabril controlado pela Camorra. Muitas confecções inclusive utilizam mão-de-obra de imigrantes ilegais, com base no trabalho escravo. Como aponta Walter Maierovitch, numa resenha do livro para a revista Carta Capital, a obra “acertou em cheio grandes grifes mundiais, como Valentino, Versace, Prada e Armani. Essas empresas desfrutaram deste esquema ilegal, protegendo-se da responsabilidade criminal por meio do ridículo argumento do ‘terceirizei e basta’”.

Somente após a repercussão do livro e as denúncias da Procuradoria Antimáfia da Itália, algumas destas bilionárias empresas começaram a criticar o mercado pirata da moda. A omissão, segundo Saviano, teria os seus motivos. “Denunciar o grande mercado significava renunciar para sempre à mão-de-obra a baixo custo que utilizavam. Os clãs teriam, em represália, fechado os canais de acesso às confecções que controlam no país e as do Leste Europeu e Oriente”. O livro revela como uma empresa legal se compõe com milhares de confecções do “sistema Camorra”. Cita os leilões de modelos em escolas de Nápoles com a presença de compradores das grifes mundiais.

Ao destrinchar como funciona a Camorra, hoje uma poderosa “multinacional” com ramificações em vários setores – alta costura, drogas, contrabando e mercado financeiro –, Saviano mostra as precárias condições de trabalho dos imigrantes ilegais e dos milhares de jovens desempregados, recrutados nas periferias napolitanas. No tráfico de drogas, os jovens fazem entregas com motocicletas fornecidas pelos clãs mafiosos. Depois de várias entregas, eles ganham a moto de presente e realizam um “grande sonho, sem perceber que os capi lucraram muito mais”.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

O agronegócio golpista da Argentina

Após 101 dias de locaute golpista, os barões do agronegócio da Argentina decidiram suspender, neste final de semana, o bloqueio às estradas e outras formas violentas de protesto que causaram grave desabastecimento no país e objetivaram desestabilizar o governo democraticamente eleito de Cristina Kirchner. Segundo Alfredo Angeli, o capo da Federação Agrária Argentina, as velhas oligarquias latifundiárias, hoje travestidas de agrobusiness, deverão agora concentrar as energias na pressão aos parlamentares, que iniciam nesta semana a votação do projeto de lei dos impostos sobre exportação de grãos – as chamadas retenções. “Vamos acampar no Congresso”, esbraveja.

O conflito agrário na nação vizinha, rico em lições para os brasileiros, reflete a radicalização da luta de classes na América Latina. De um lado, as quatro entidades ruralistas, com seus interesses distintos, que não aceitam pagar mais impostos, apesar da fortuna acumulada com a valorização do preço das commodities agrícolas e o acelerado crescimento da economia – média anual de 8% nos últimos anos. O agronegócio tem força numa economia assentada no campo. A Argentina é o terceiro maior produtor mundial de soja – quase toda transgênica –, o que rendeu no ano passado US$ 13 milhões no mercado externo. Também é grande exportador de trigo e carne.

Mídia, generais, bispos e classe mérdia

Os ruralistas contam com o apoio escancarado da mídia hegemônica, com destaque para o abjeto jornal Clarín; de velhos generais golpistas, que não escondem sua face horrenda nos protestos da oposição; da hierarquia carcomida da Igreja Católica, saudosa da tortura na ditadura militar, e da chamada classe mérdia, com seus panelaços em bairros ricos de Buenos Aires, como Recoleta e Belgrano. Desde a eclosão do conflito, em 11 de marco, estes setores golpistas não escondem seu desejo de derrubar a presidente Cristina Kirchner. Os mais excitados chegam a pregar a volta da sanguinária ditadura militar, que seqüestrou e matou mais de 30 mil argentinos entre 1976/83.

Para viabilizar este projeto, os barões do agronegócio apostaram suas fichas no caos econômico. O criminoso bloqueio das estradas resultou no desabastecimento de alimentos e combustíveis em várias cidades, inclusive na capital. Indústrias aventaram a demissão de 50 mil trabalhadores em decorrência da falta de matérias-primas e energia. A União Industrial Argentina, maior entidade empresarial do país, alegou que o movimento estaria “forçando” as dispensas. Já a Associação de Supermercados publicou nota afirmando que “os bloqueios de estradas afetaram o transporte de mercadorias em geral, não só de grãos para a exportação”. Com o cruel locaute, que praticamente interrompeu a venda de grãos ao exterior, o governo perdeu US$ 1 bilhão de impostos ao mês.

O locaute dos “generais da multimídia”

Do outro lado, encontra-se o governo de Cristina Kirchner, com todas as suas ambigüidades. Ela e seu marido, Néstor, foram eleitos com o apoio de setores ruralistas e aplicaram uma política de estímulo ao agronegócio – inclusive liberando totalmente os transgênicos. Como observa Miguel Croceri, professor da Universidade La Plata, os ruralistas sempre foram beneficiados pelo atual governo, “obtendo níveis recordes de lucro e rendas fabulosas com a exportação”. Com a volta da inflação dos alimentos, Cristina decidiu baixar decreto elevando o valor das retenções. Daí a dura reação do latifúndio. Até agora, apesar das vacilações, ela se mostra firme no seu propósito.

Num gesto corajoso, Cristina também procurou mobilizar e politizar a sociedade, participando de protestos públicos. Num deles, em abril último, ela advertiu para o risco de retrocesso político no país. Lembrou que o golpe militar de 24 de março de 1976 também foi precedido do locaute de latifundiários e nomeou lideranças golpistas daquele período que voltaram à ativa. “O passado quer voltar, mas não vai conseguir”, afirmou. Conforme ressaltou, o golpismo atual teria apenas uma marca distintiva. “Desta vez, eles não vieram com os tanques, mas sim acompanhados por generais da multimídia que fizeram o locaute à informação, torcendo e tergiversando”.

Intelectuais, artistas e movimentos sociais

Em apoio à decisão de elevar as retenções, mesmo que com críticas às ambigüidades do governo, estão várias centrais sindicais, a heróica Associação das Madres da Praça de Maio, a maior parte do movimento dos piqueteiros (desempregados) e alguns partidos de esquerda. Na manifestação de quarta-feira passada, que tomou a Praça de Maio com mais de 100 mil pessoas, os bancários paralisaram as agências de Buenos Aires e vários vôos foram atrasados ou cancelados. Conforme descreve a reportagem do jornal Brasil de Fato, “a manifestação foi marcada pela pluralidade; artistas e intelectuais estiveram presentes ao lado de integrantes dos movimentos sociais”.

Noutra edição, o jornal entrevista o dirigente da Federação de Terras e Vivendas, o ex-deputado Luis D’Elia, que acusa a mídia de “querer desestabilizar a democracia e gerar condições para a destituição de Cristina”. Hebe Bonafini, líder das Madres da Praça de Maio, conclama o povo a reforçar a luta “em defesa da democracia e da liberdade. Nenhum passo atrás”. Um manifesto assinado por quase 900 intelectuais também critica o golpismo ruralista. E o filósofo Rubén Dri alerta que “o golpe já está em curso. Frases de que ‘estamos em guerra’ e ‘isto é uma revolução’ alimentam a direita que sabe o que quer e a esquerda estúpida”. A seção na Liga Internacional de Trabalhadores (LIT), matriz do PSTU brasileiro, deu apoio aberto ao bloqueio das estradas.

A verdadeira “praga da agricultura”

A suspensão temporária dos bloqueios não encerra os violentos conflitos de classes na Argentina. As retenções, que foram criadas em 1967, suspensas nos anos 90 pelo neoliberal Carlos Menem e retomadas em 2002, têm três objetivos básicos: redistribuir a “renda extraordinária” do setor gerada pelo boom das commodities rurais; garantir subsídios a insumos e combustíveis, que têm seus preços controlados pelo governo; e manter os preços dos grãos e seus derivados no mercado interno. Na violenta recessão do início deste século, este imposto foi um dos principais pilares da recuperação econômica do país, fazendo o caixa necessário para a moratória da dívida externa e para o fim da paridade dólar-peso. Atualmente, representa 13% da arrecadação fiscal da União.

Até economistas cúmplices do neoliberalismo reconhecem que esse imposto é indispensável ao país. Para Luiz Carlos Bresser Pereira, ex-ministro de FHC, as retenções estão “absolutamente corretas” e são responsáveis pelo “notável crescimento recente da Argentina”. Evitam que o país vire uma grande fazenda, permitindo a sua industrialização e uma melhor distribuição de renda. O economista brasileiro lembra que o Brasil também teve suas retenções, chamadas de “confisco cambial”, entre 1930/80, o que garantiu a industrialização nacional. “O Brasil poderia crescer o dobro se aplicasse essa política, mas aqui ninguém tem coragem de mexer com o setor agrícola”.

Com o seu locaute prolongado e radicalizado, os barões do agronegócio revelam que não têm qualquer compromisso com a nação ou com o seu povo. A exemplo dos ruralistas brasileiros, os argentinos visam apenas seus altos lucros. O discurso nacionalista, carregado de slogans sobre o progresso econômico, serve apenas de fachada para sua ambição capitalista. A postura golpista e preconceituosa também é a mesma. Nas eleições presidenciais brasileiras de 2006, muitos barões do agronegócio colaram em seus carrões adesivos com os dizeres: “Lula, a praga da agricultura”. Não dá para ter ilusões com a nata deste setor, que nunca abandonou o seu passado escravista.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Convenção 158 da OIT pode sucumbir



Numa tensa reunião nesta quarta-feira, a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara Federal adiou para 25 de junho a votação da mensagem presidencial 59/08, que ratifica a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Esta norma, que já é aplicada em 34 países, proíbe as demissões imotivadas. Caso fosse implantada no Brasil, ela dificultaria a sanha arbitrária do patronato, que abusa do facão por razões econômicas (estimular a rotatividade para rebaixar salários e direitos) e políticas (inibir a ação coletiva, sindical, dos trabalhadores).

Em maio, alguns jornalões deram notinhas – já que a opressão do trabalhador nunca é manchete na mídia – sobre a demissão de uma trabalhadora paulista por “flatulência” – ela foi ceifada por soltar gases! O jocoso caso revela toda a crueldade das empresas, que demitem por flatulência ou porque o trabalhador se sindicalizou ou foi a uma assembléia. Vigorando a Convenção 158, tal dispensa não ocorreria. Na prática, a sua ratificação representaria uma guinada nas relações de trabalho no país e uma “mini-revolução” no sindicalismo, que ganharia maior poder de pressão.

O poderoso lobby do capital

Exatamente por isso, a Convenção 158 está sofrendo violento bombardeio do patronato. Pelos corredores do Congresso Nacional, serviçais do capital percorrem gabinetes para convencer os deputados federais e senadores a rejeitarem a mensagem presidencial. Parlamentares garantem que há muito não se via um lobby tão intenso e descarado. O terrorismo patronal é o mesmo de sempre. Os seus lobistas, como José Pastore, que coordenou o programa trabalhista do tucano Geraldo Alckmin, afirmam que a Convenção 158 engessará a economia do país, levando-a ao colapso, reduzirá a produtividade e estimulará a preguiça do trabalhador, entre outros absurdos.

Nesta violenta batalha política, com eminente caráter de classes, os empresários contam com a cumplicidade de inúmeros parlamentares afinados com suas visões – e financiados pelo capital. Se depender da atual correlação de forças no Congresso Nacional, a Convenção 158 irá sucumbir rapidamente. O relator da matéria, o deputado Júlio Delgado (PSB-MG), inclusive já deu parecer contrário à mensagem presidencial. Oposto ao seu partido, que historicamente sempre condenou a demissão imotivada, ele argumentou que a norma prejudicará a propalada “empregabilidade”.

Uma nova morte súbita

Como alerta o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), a comissão deverá acatar o parecer contrário na votação do dia 25, já que sua maioria é ligada ao capital. Com isso, dificilmente ela passará pelo Congresso Nacional e terá morte súbita pela segunda vez na história recente do país. A Convenção 158 foi aprovada pela OIT em 1982. Em 1992, ela foi ratificada no país e, em 1996, foi incorporada ao direito brasileiro. Mas, no mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) acatou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) proposta pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI). Logo na seqüência, o neoliberal FHC arquivou de vez a norma.

Agora, por outros caminhos, a mesma tragédia pode se repetir. Para evitá-la, é urgente reforçar a pressão do sindicalismo. Também é preciso rechaçar as falácias da elite burguesa e de sua mídia. A Associação Nacional do Magistrado Trabalhista (Anamatra) já emitiu parecer técnico contra a mentira de que a norma proíbe qualquer demissão. “O texto normativo apenas estabelece limites razoáveis ao atual poder do empresário de dispensar seus empregados, para que assim não mais o faça sem razão alguma ou até mesmo por motivos injustos... A Convenção 158 não assegura estabilidade a ninguém, mas ela garante uma relação jurídica cidadã, protegida do arbítrio”.

Rechaçar as mentiras e pressionar

A norma não justifica o terrorismo patronal. A demissão é considerada sem justa causa quando é motivada apenas por “filiação sindical; exercício de mandato de representação dos trabalhadores; apresentação de queixa ou participação em processos contra o empregador por violações da legislação; razões relacionadas à raça, cor, sexo, estado civil, responsabilidades familiares, gravidez, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social; ausência do trabalho durante a licença-maternidade; e ausência temporária por força de enfermidade ou acidente”.

Com base em dados do Dieese, a Anamatra critica a rotatividade no emprego no país superior a 40%. Dados do Ministério do Trabalho revelam que houve 14 milhões de contratações em 2007, mas 12 milhões de trabalhadores perderam seus empregos. A rotatividade serve ao rebaixamento dos salários e dos direitos. Para a Anamatra, “a Convenção 158 permitiria maior perenidade nas relações laborais, proporcionando segurança econômica aos trabalhadores, evitando problemas no mercado de trabalho ocasionados pela precarização das relações trabalhistas, pelo alto índice de desemprego, pela alta taxa de informalidade e de rotatividade da mão-de-obra”.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Yeda Crusius e a corrupção na mídia




O jornalista Marco Aurélio Weissheimer, da Carta Maior, encontrou uma pista para explicar o tratamento cordial – e tardio – dispensado pela mídia hegemônica ao escândalo de corrupção no governo tucano de Yeda Crusius. Pesquisando os documentos que o Ministério Público Federal apresentou contra a quadrilha que roubou o Detran, ele descobriu que os líderes desta maracutaia investiram na formação de opinião pública favorável bancando anúncios publicitários nos jornais gaúchos. Um lobista do PSDB acusado de integrar a máfia diz, numa carta à governadora, que vários colunistas da mídia comercial foram pagos com dinheiro do esquema ilícito.

Na página 56 do documento, o Ministério Público é taxativo: “O grupo investia não apenas na imagem de seus integrantes, mas também na própria formação de uma opinião pública favorável aos seus interesses, ou seja, aos projetos que objetivavam desenvolver. A busca de proximidade com jornais estaduais, os aportes financeiros destinados a controlar jornais de interesse regional, freqüentes contratações de agências de publicidade e mesmo a formação de empresas destinadas à publicidade são comportamentos periféricos adotados pela quadrilha para enuviar a opinião pública, dificultar o controle social e lhes conferir aparente imagem de lisura e idoneidade”.

Colunistas ou mercenários?

O documento não revela quais os jornais ou colunistas que prestaram o serviço sujo à máfia do Detran. Diante da gravidade da denúncia, o Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande Sul enviou pedido à CPI que apura o caso para que sejam nominados os profissionais e veículos, “pois não é justo que toda a categoria seja colocada sob suspeição”. Já os jornais estaduais – a rigor, existem apenas dois, Zero Hora e Correio do Povo – fingiram-se de mortos diante da grave revelação do MPF. Até agora, a imprensa gaúcha simplesmente nem citou o trecho do documento.

Além das referências feitas pelo Ministério Público ao braço midiático da máfia, outro indício do envolvimento de jornalistas aparece numa carta do empresário Lair Ferst à governadora Crusius. Nela, o lobista tucano diz ser vítima de campanha difamatória por parte de integrantes da máfia e cita o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, João Luiz Vargas, e José Antonio Fernandes. Segundo confessa, a quadrilha “conta com uma série de colunistas de vários jornais que tem remuneração paga por José Fernandes para plantar notícias”. As investigações da Polícia Federal indicam que Ferst se envolveu numa briga interna no grupo pelo controle da rapina do Detran.

Colapso da ética no jornalismo

O lamentável, como afirma Marco Aurélio, é que a imprensa nada divulgue sobre essas relações promíscuas. “Apesar de todas essas informações, a mídia gaúcha decidiu silenciar sobre o tema. Acusados, de forma generalizada, de ter recebido verba publicitária de integrantes da quadrilha, os jornais do Estado não publicaram uma linha sequer sobre esse assunto espinhoso”. O mesmo tem ocorrido na mídia nacional. Mas o ruidoso silêncio não é de se estranhar. Há muito que a mídia comercial mantém relações corrompidas com o poder, como prova Bernardo Kucinski no imperdível livro “O jornalismo na era virtual – ensaios sobre o colapso da razão ética”.

Ele mostra que sempre existiu no Brasil uma imprensa “marrom”, feita de matérias compradas e de deturpações grosseiras para favorecer grupos econômicos e políticos ou simplesmente para vender mais jornal. Cita Assis Chateaubriand, que ergueu seu império dos Diários Associados com base num jornalismo inescrupuloso. “A corrupção é uma prática sedutora na indústria de comunicação pelo fato de nela se combinar o poder de influenciar politicamente a opinião pública com o poder econômico. Nenhuma outra indústria tem essa característica. É uma prática também comum entre os jornalistas, por sua proximidade no jogo de influência dos poderosos”.

A corrupção institucionalizada

Para ele, porém, a prática da corrupção adquiriu novos e sutis contornos na era do jornalismo on-line e do predomínio da ditadura financeira e da globalização neoliberal. Ela é mais patente no jornalismo econômico, “que estabeleceu relações promíscuas e venais com o capital financeiro. Analistas de bancos e corretores de valores conseguem ganhos extraordinários nas bolsas ou mesas de câmbio por intermédio da disseminação de notícias falsas ou falseadas... Com o colapso da Enron e de outras grandes empresas norte-americanas na primeira crise da economia virtual em 2002, descobriu-se que essas empresas faziam pagamentos volumosos a jornalistas de prestígio pela redação de discursos e relatórios, forma disfarçada de comprar seus favores”.

A chaga da corrupção nos meios de comunicação e até entre os jornalistas, que nunca é abordada pela própria mídia, teria ganhado impulso com o neoliberalismo. “O projeto neoliberal implantou-se no país comprando votos no Congresso e vendendo grandes empresas públicas a consórcios formados por meio de acordos secretos que contaram com recursos dos bancos oficiais e de fundos de pensão, obtidos às vezes com apoio em suborno. O neoliberalismo consagrou a corrupção como padrão de negócios e da política. A própria ideologia neoliberal, fundada no individualismo exacerbado, em sua versão latino-americana, alimentou a corrupção”.

Lembra que na campanha pela reeleição de FHC, “os barões da imprensa se reuniram com ele em Brasília e fecharam totalmente com sua candidatura. Assim, a corrupção nas empresas jornalísticas voltou à dimensão institucionalizada e compartilhada de um grande projeto de classe”. Ele aponta ainda as práticas mais comuns de cooptação de jornalistas usadas por políticos e empresas. Uma delas é o merchandising – a propaganda camuflada em programas de entretenimento. “O exemplo mais notável e mais conhecido foi o da organização de uma falsa ONG, chamada Brasil-2000, pelo presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros, para pagar jornalistas que pudessem fazer merchandising das privatizações e, por tabela, da candidatura de FHC”. Como se observa, Yeda Crusius teve um renomado mestre de Sorbonne.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Um balanço do Fórum de Mídia Livre



O 1º Fórum de Mídia Livre, realizado neste final de semana no campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro, superou as expectativas mais otimistas. Apesar da frágil divulgação e da débil estrutura, ele reuniu cerca de 500 ativistas de vários estados, o que confirma a crescente rejeição à ditadura midiática e a existência de inúmeras e ricas experiências independentes e alternativas por todo o país. Lançado em março, num encontro em São Paulo com 42 jornalistas, docentes e comunicadores sociais, o fórum já mostrou a sua força e tem tudo para ser um ator importante na luta pela democratização dos meios de comunicação e pelo fortalecimento da mídia livre.

Além do aspecto quantitativo, que garantiu a sua representatividade, o fórum teve uma qualidade que deve ser preservada e valorizada: a sua pluralidade. Durante os dois dias do evento na UFRJ, houve a convivência madura e franca entre distintas concepções e variadas experiências. Desde os que priorizam as iniciativas atomizadas e autonomistas, até os que encaram esta batalha como eminentemente política, na qual a pressão sobre o Estado é decisiva. O fórum teve a presença de jornalistas da “mídia grande” – embora poucos – e de ativistas que realizam, de forma heróica e criativa, experiências em rádios e TVs comunitárias, sites, blogs, revistas e jornais.

Nesta unidade na diversidade, surgiram várias propostas para o fortalecimento da mídia livre no país – como a da construção de uma rede colaborativa, um tipo de portal, que crie maior sinergia entre as várias experiências; a campanha pela democratização das verbas publicitárias; a luta pela realização da Conferência Nacional de Comunicação com critérios democráticos de participação; a exigência de que os Correios distribuam impressos alternativos, superando o atual monopólio do setor; a campanha pela inclusão digital e pela difusão do software livre; construção de pontos de mídia livre, seguindo a rica experiência dos pontos de cultura; entre outras idéias.

Os participantes também aprovaram os próximos passos organizativos e políticos do Fórum de Mídia Livre, o que consolida o movimento e indica que ele veio para jogar papel na sociedade. A próxima fase, no segundo semestre deste ano, será a da constituição dos núcleos nos estados, que terão autonomia para organizar fóruns estaduais representativos; em janeiro próximo, durante o Fórum Social Mundial em Belém, ocorrerá um encontro de caráter mundial ou latino-americano dos “midialivristas”; e o segundo fórum brasileiro foi marcado para 2009. Também foi composto um novo grupo de trabalho executivo nacional (GTE) para encaminhar as decisões da UFRJ.

No que se refere à ação política, ficou acertada a ampla difusão do manifesto do movimento, que será alvo de debates com os movimentos sociais e as forças políticas. Já os núcleos municipais e estaduais agendarão encontros com representantes do Executivo, Legislativo e Judiciário, assim como serão marcadas audiências com os presidentes da República, do Congresso e do STF. A idéia é promover nesta data um ato político em Brasília. A partir do belo evento da UFRJ, o Fórum de Mídia Livre (FML) agora adquire nova dinâmica e seu êxito dependerá do engajamento de todos os que encaram esta luta como indispensável à ampliação da democracia no Brasil.

Assista as reportagens do 1º Fórum de Mídia Livre: http://www.tj.ufrj.br

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Alstom, Yeda Crusius e a mídia tucana




O jornalista Nelson de Sá, que monitora atentamente o que rola na mídia e ainda preserva certa imparcialidade nas páginas da Folha, confirmou nesta semana o que muitos já sabem: a imprensa burguesa protege descaradamente tucanos e demos. Com o título “um mês depois”, ele ironizou: “Por qualquer razão, o Jornal Nacional [da TV Globo] deu o caso Alstom na sexta-feira, um mês depois de sair em manchete no Wall Street Journal. E nada de mencionar o PSDB ou o governo paulista, só o Metrô, ‘sob suspeita’ por um contracheque de 1994”. Noutro caso mais cabeludo, o colunista lembrou que “o escândalo no Rio Grande do Sul só chegou ao JN, enfim, no sábado”.

As duas denúncias sepultaram a imagem dos tucanos e dos demos, que pousavam cinicamente de guardiões da ética. No primeiro caso, a empresa suíça foi privilegiada em contratos para obras no Metrô, inclusive ficando livre de licitações. Mas a mídia, inclusive a Folha, não dá destaque nem esclarece o assunto. Como reagiu indignado o blogueiro Eduardo Guimarães, “no caso Alstom, a denúncia contra Alckmin, Kassab e outros não vem de brasileiros ou de pessoas físicas. Quem denunciou que a multinacional andou dando dinheiro para as campanhas políticas em troca de gordos contratos com o governo de São Paulo foram o Wall Street Journal e a justiça suíça”.

Já no caso da governadora Yeda Crusius, a situação é mais dramática. Não há apenas indícios de corrupção, mas provas concretas. O próprio vice-governador, do insuspeito Demo, já apresentou fitas comprovando que as estatais gaúchas fizeram “caixa-2” para a campanha tucana e mantém um esquema ilícito para garantir a sua governabilidade. Desesperada e abandonada por tucanos de alta plumagem, Yeda exonerou quatro secretários e até montou um gabinete da crise. Mesmo assim, cresce o movimento pelo impeachment da governadora tucana. A CPI do Detran acumula provas que justificariam a cassação do mandato, o que seria o maior vexame nacional do PSDB.

A mídia hegemônica, que durante a chamada crise do “mensalão” pediu a cabeça do presidente Lula, agora nada fala sobre o impeachment da atual governadora e ex-ministra de FHC. Cadê os editoriais e as chamadas no horário nobre de televisão sobre a queda iminente da nobre tucana? Cadê os vestais da ética do PSDB e do ex-PFL? O demo até fala em expulsar o vice-governador linguarudo. FHC e Serra simplesmente sumiram. Vale até recordar um discurso hidrófobo da ex-senadora Yeda Crusius, em julho de 2005, contra “o mar de lama da corrupção que se instalou no Palácio do Planalto” e também a sua singela pergunta: “Não é o caso de impeachment?”.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Os próximos passos do “mídia livre”



O 1º Fórum de Mídia Livre, que ocorre neste final de semana na Universidade Federal do Rio de Janeiro, já se constitui numa importante vitória política dos que lutam contra a ditadura midiática no país. Na reunião do Grupo de Trabalho Executivo na noite desta segunda-feira, a diretora da faculdade de comunicação da UFRJ, Ivana Bentes, e o jornalista Gustavo Barreto relataram que mais de 800 pessoas já se inscreveram para participar do evento. Apesar da ausência de estrutura e da frágil divulgação, a média diária de adesões é de 60 pessoas, o que deve resultar num fórum com mais de mil inscritos, numa prova cabal da força e representatividade do jovem movimento.

Acertado os últimos detalhes da composição das cinco mesas temáticas e das 13 oficinas, agora surge a discussão sobre os próximos passos do movimento “mídia livre”. Como contribuição ao debate, apresento algumas propostas iniciais no sentido da continuidade e fortalecimento desta mobilização em defesa da diversidade informativa e dos veículos alternativos. O 1º Fórum não pode se bastar com a sua representatividade e nem com a aprovação de uma carta de princípios. Ele deve prosseguir, adquirindo maior organicidade – sem ferir sua pluralidade – e interferindo nos debates sobre a democratização dos meios de comunicação no país. Neste sentido, sugiro:

1- Passos organizativos. A partir do evento da UFRJ, os participantes ficariam incumbidos de organizar os fóruns estaduais em todo o país, com o objetivo de reunir as várias experiências de “mídia livre” e dar maior amplitude ao movimento. Executivas estaduais seriam montadas para, com autonomia e criatividade, organizar estes encontros ainda neste ano. Um segundo fórum nacional, ainda mais amplo e representativo, poderia coincidir com o Fórum Social Mundial, marcado para janeiro em Belém (PA). Com base em consultas aos movimentos de outros países, o 2º Fórum de Mídia Livre poderia ter caráter mundial ou latino-americano. Para aprofundar as reflexões e tirar propostas concretas, as cinco mesas temáticas elegeriam comissões permanentes.

2- Ação política. A partir das contribuições dos presentes na UFRJ, o documento aprovado seria debatido com os movimentos sociais e partidos engajados na luta pela democratização da mídia. Cada estado montaria comitivas para entregá-lo aos representantes dos três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário. Também seriam agendadas audiências com o presidente da Republica, os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Dependendo das condições materiais, a audiência em Brasília seria precedida de uma manifestação em frente ao Palácio do Planalto, como forma de dar maior visibilidade ao movimento. Esta pressão política teria também como objetivo fortalecer a luta pela convocação da Conferencia Nacional das Comunicações, democrática e participativa.

3- Iniciativa legislativa. Uma comissão especial seria criada na UFRJ para, com auxílio jurídico, elaborar uma proposta de legislação visando incentivar a diversidade e a pluralidade informativas no Brasil. Em vários países da Europa já existem leis de incentivo aos veículos alternativos que redistribuem as verbas publicitárias oficiais e adotam outros mecanismos de estímulo à produção independente – como isenção de material gráfico, ampliação dos raios de radiodifusão, apoio às rádios comunitárias, distribuição dos veículos alternativos nos órgãos públicos, entre outros. Este projeto de lei, que poderia adotar a forma de uma medida legislativa de iniciativa popular, seria um importante instrumento concreto na luta pelo fortalecimento da mídia livre.

4- Rede colaborativa. É urgente criar maior sinergia entre as milhares de experiências de mídia livre existentes no país. Apesar da qualidade e enorme criatividade, a maioria delas hoje padece de dificuldades e tem seu alcance reduzido – o que emperra o seu poder de fogo na luta de idéias travada na sociedade. Isolado, nenhum veículo alternativo terá força para fazer frente à violenta manipulação da ditadura midiática. É possível e necessário criar mecanismos para que todos se fortaleçam mutuamente, numa ação mais solidária de difusão destes meios e de intercâmbio de trabalho. A criação da “rede das redes”, de um portal da mídia livre, poderia ser o caminho.