quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Regulação não é sinônimo de censura

Reproduzo artigo de Cynara Menezes, publicado no sítio da revista CartaCapital:

Mais do que buscar fontes de inspiração para seu próprio projeto de controle social da mídia, o Seminário Internacional Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias, promovido pela Secretaria de Comunicação da Presidência esta semana em Brasília, parecia ter o intuito de tentar tranquilizar setores supostamente preocupados com a liberdade de expressão. Afinal, mostrou o encontro, a regulamentação é uma realidade em países desenvolvidos como o Reino Unido, a França e Canadá, entre muitos outros. Mas que nada: ao noticiar que o ministro Franklin Martins iria “insistir” no projeto, os jornais e tevês brasileiros voltaram a bater na tecla da censura.

Franklin chegou a dizer que as críticas ao projeto, que, apostou, será mesmo apresentado pela presidente Dilma Rousseff ao Congresso, não passam de subterfúgios, porque não existe possibilidade de censura. “Essa história de que a liberdade de imprensa está ameaçada é bobagem, fantasma, é um truque. Isso não está em jogo”, afirmou. Rapidamente, a Abert (Associação das Emissoras de Rádio e TV) reagiu. “Enxergamos de modo diferente. Não estamos vendo fantasmas. São coisas que estão acontecendo”, disse Luis Roberto Antonik, diretor-geral da entidade, embora ponderando que Franklin nunca tenha usado “o poder dele para restringir a liberdade de expressão”.

Na quarta-feira 10, último dia do seminário, o ministro da Secom voltou a reafirmar que a intenção do governo é, como acontece nos demais países, estabelecer obrigações, não proibições, em termos de conteúdo, como por exemplo a proteção da língua, da cultura nacional e das crianças e menores de idade. “Estes fantasmas deveriam ficar no sótão, a regulação não é nenhum bicho-de-sete-cabeças. Na maioria dos países, quando se fala em regular conteúdo, não se fala em censura. Não tem volta de dona Solange”, disse Franklin, em referência à famosa censora do cinema e da TV da época da ditadura militar.

Ao que tudo indica, todos estão surdos. Fala-se em controle social e os donos de jornais e tevês escutam “censura”. Nos principais sites informativos dos maiores grupos noticiosos, durante os dois dias em que aconteceu o seminário o projeto idealizado pelo governo era descrito como de “controle da imprensa”. Por trás da preocupação com a liberdade de expressão, porém, esconde-se o real temor, por parte das “nove ou dez famílias” que controlam a comunicação no país (para usar as palavras do presidente Lula) de que o projeto do governo represente desconcentração do setor.

“A Sociedade Interamericana de Imprensa é um grupo de empresários, donos de jornais, preocupados em defender seu negócio. A liberdade de expressão pertence aos cidadãos, não é propriedade deles”, declarou Gustavo Bulla, diretor Nacional de Supervisão da AFSCA (Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual), órgão regulador argentino. Simultaneamente ao evento brasileiro ocorria em Mérida, no México, a 66a. reunião da SIP, que reuniu editores e executivos de jornais e meios de comunicação das Américas. A entidade mostrou sua “preocupação” com a iniciativa tomada por alguns Estados brasileiros de criar agências reguladoras de mídia, e pediu aos governadores “veto sumário” às propostas.

Segundo o ministro Franklin Martins, cada país possui seu próprio modelo regulatório, e o Brasil ainda vai escolher o seu. O exemplo da Argentina é instigante. A lei sancionada há um ano pela presidente Cristina Kirchner não tem nada a ver com a venezuelana, como se acusa, e sim com os modelos canadense e norte-americano. “Como no Brasil, também fomos chamados de ‘chavistas’”, conta Bulla. “Isso se faz para colocar medo nos cidadãos.” O que não significa que os argentinos não foram ousados em sua proposta. Não à toa, o maior grupo de comunicação do país, o Clarín, vive às turras com o governo e é considerado “o maior partido de oposição” a Kirchner.

Se já há tanta polêmica no Brasil em torno do marco regulatório, imaginem se fosse feito aqui o que ocorreu na Argentina: em agosto do ano passado, a transmissão das partidas de futebol foi simplesmente “estatizada”. Bulla conta que, como os jogos eram transmitidos via TV a cabo, isso fazia com que uma parte enorme da população não tivesse acesso ao futebol a não ser em locais públicos, como restaurantes, bares e pizzarias. O governo decidiu, então, negociar com a AFA (Associação de Futebol Argentino) a compra dos direitos de transmissão e propôs pagar o dobro do que oferecia o Clarín e a empresa Torneos y Competencias, detentores dos direitos havia 18 anos.

Desde então, todo mundo tem acesso aos jogos via TV estatal, o canal 7. “Eles tentaram ir à Justiça contra a decisão do governo, mas não conseguiram nada”, conta Bulla, citando uma frase do popular locutor esportivo Victor Hugo Morales: “Os direitos exclusivos do futebol foram o cavalo de Tróia da concentração dos meios de comunicação na Argentina”. Além de democratizar o acesso ao futebol, a lei significou não só desconcentração econômica como cultural.

Antes, como as rádios de todo o país apenas repetiam a programação vinda de Buenos Aires, um habitante da Patagônia, por exemplo, acordava com notícias sobre o tráfego na capital e não sobre sua própria região. “Isso matava as manifestações regionais de cultura”, diz Gustavo Bulla. Com a nova lei, a mera repetição de conteúdo foi restringida, assim como a possessão de até 24 concessões por um mesmo grupo de comunicação.

O que é bom para a Argentina talvez seja bom para o Brasil – e aí reside o verdadeiro temor dos donos da imprensa, não fictícios atentados à liberdade de expressão. Só falta o governo brasileiro querer questionar também as exclusividades milionárias das transmissões desportivas. Isto também seria considerado censura?

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Regulação de mídia e exorcismo

Reproduzo artigo de Renata Mielli, publicado no blog "Janela sobre a palavra":

Se em fevereiro, grupos empresariais promoveram o 1º Fórum Democracia e Liberdade de Expressão – que ficou popularmente conhecido como o seminário do Instituto Millenium – com o objetivo de se contrapor a ideia de que é preciso haver regulação da comunicação no Brasil e taxando os que a defendem de apologistas da censura; agora o governo contra-ataca e mostra que o discurso do medo, que invoca o espectro da censura, é apenas um truque para impedir o debate da regulação.

Mostrar que nos países tidos como exemplos de sociedades democráticas (Reino Unido, França, Canadá, Portugal, Espanha, Estados Unidos) há um marco regulatório pactuado entre todos os atores, abrangente e socialmente construído, é o objetivo deste importante seminário promovido pela Secom.

O seminário internacional “Comunicações eletrônicas e convergências de mídias”, reúne representantes de países europeus, dos Estados Unidos, Canadá e de organismos internacionais para apresentarem qual o ambiente regulatório de comunicação é aplicado mundo afora. O público do evento é composto de agentes econômicos da comunicação (da radiodifusão, produção audiovisual e telecomunicação), agentes públicos (agências reguladoras, ministérios, estatais) e movimentos sociais.

Na abertura, o ministro da Secom, Franklin Martins, passou o recado: vamos colocar os fantasmas no sótão. “Nenhum grupo, nenhum setor tem o poder de interditar a discussão. Ela está na mesa e será feita num ambiente de entendimento ou de enfrentamento”, e foi taxativo: “Se não discutirmos, quem vai regular é o mercado, e quando o mercado regula quem ganha é o mais forte”.

E o mais forte, neste caso, é o setor da telecomunicação que faturou só em 2009 a bagatela de 180 bilhões de reais, enquanto a radiodifusão faturou 13 bi.

E é exatamente a radiodifusão e os grupos de mídia tradicionais que têm imposto maiores obstáculos ao debate da regulação. Tanto é que foram estes os segmentos que se retiraram da comissão organizadora da 1ª Confecom, e que passaram a editorializar toda e qualquer discussão sobre comunicação como tentativa de censura. Mesmo sabendo que há uma clara opinião no governo de que “nesse ambiente de convergência de mídia é preciso dar tratamento especial à radiodifusão que opera em sinal aberto e gratuito”, como disse hoje Franklin Martins.

Ele lembrou que a legislação brasileira é da década de 60 do século passado. “Acumularam-se problemas imensos nestes anos por não termos enfrentado de frente a questão da regulação. Nossa legislação é um cipoal de gambiarras por não se enfrentar os problemas. Nossos dispositivos constitucionais não foram regulamentados. Passados 22 anos não se votou praticamente nada nesse sentido. Se nós acharmos que não queremos produção independente, produção regional, se não queremos evitar o excesso de concentração, então temos que revogar esses dispositivos”, disse.

Apesar dessa dívida história, Franklin aponta um debate sobre a regulação que olhe para frente “e procure legislar de forma mais moderna, progressista, cidadã e democrática. Precisamos de um processo de discussão pública e transparente. Sabemos que as dificuldades são imensas. Mas, se formos capazes de nos livrarmos dos nossos fantasmas e avançarmos na discussão vamos conseguir alcançar um entendimento”, acredita.

Ao final de sua fala de abertura, Franklin Martins desafiou aos presentes a perguntarem aos palestrantes se o fato de haver regulação em seus países provocou algum entrave à liberdade de imprensa ou à liberdade de expressão.

As posições expressadas pelo ministro da Secom são importantes e convergem em grande medida com o pensamento dos movimentos que têm insistentemente lutado pela democratização das comunicações no Brasil. O debate que se desenvolveu no processo da 1ª Confecom tinha exatamente o mesmo sentido: é preciso regular o setor de comunicação, a luz do que já propugna a Constituição, e é preciso construir políticas públicas que garantam a pluralidade e a diversidade comunicacional no país.

É pena que estas posições estejam sendo mais abertamente colocadas apenas no final do mandato do presidente Lula. Claro, resta a expectativa de que o novo governo se comprometa com essa importante agenda política e dê sequência aos debates que se originaram lá na Confecom.

Franklin Martins parece estar otimista neste sentido. Ele afirmou estar convencido "que a área de Comunicação no governo Dilma terá mais ou menos o mesmo tratamento que foi dado à área de energia no início do governo Lula. Criou-se um novo ambiente regulatório e se criou uma situação favorável para o crescimento da economia". Vamos ver.

O importante é que o atual governo compartilhe com a sociedade, o mais rapidamente possível, o que está elaborando como subsídios para o novo marco regulatório, permitindo que haja espaços de interação para a apresentação da versão final a ser submetida ao debate público.

O debate não vai ser fácil. Vamos ver quais são os setores que conseguirão exorcisar mais rapidamente os seus fantasmas

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Marco regulatório X liberdade da imprensa

Reproduzo artigo do professor Venício de Lima, publicado no Observatório da Imprensa:

Em entrevista concedida ao Jornal da Band, no último dia 2/11, a presidente eleita Dilma Rousseff tentou esclarecer, pela undécima vez, uma diferença que a grande mídia e seus aliados têm ignorado e, arriscaria a dizer, deliberadamente confundido: marco regulatório da mídia não tem nada a ver com qualquer restrição à liberdade da imprensa.

Diante da inescapável pauta sobre as "ameaças à democracia e à liberdade de expressão e de imprensa" que o país estaria enfrentando, o apresentador, Fábio Pannunzio, pergunta:

Apresentador: Esse é um assunto que, apesar de a senhora ter falado mil vezes disso, ainda não ficou claro o suficiente para que as pessoas possam entender. Então, vou insistir na pergunta. A senhora disse no seu discurso de anteontem [31/10] que prefere o barulho de uma imprensa livre ao silêncio das ditaduras, não é? A senhora estava se referindo a isso que se atribuí ao PT, que há uma tentativa de controlar a liberdade de imprensa no Brasil? (...)

Presidente eleita: Veja bem, você tem de distinguir duas coisas: marco regulatório de um controle do conteúdo na mídia. O controle social da mídia, se for de conteúdo, ele é um absurdo! É, de fato, um acinte à liberdade de imprensa, com esse acinte eu não compactuo. Jamais compactuarei.

Apresentador: A senhora vetaria se chegasse à sua mesa?

Presidente eleita: Se chegar na minha mesa qualquer tentativa de coibir a imprensa, no que se refere a divulgação de ideias, posições, propostas, opiniões, enfim, tudo que for conteúdo, eu acho que é isso que eu falei mesmo, o barulho da imprensa , seja que crítica for, ele é construtivo. Mesmo quando você discorda dele. Agora, isso não é um milhão de vezes, é infinitas vezes melhor que o silêncio das ditaduras. Isso é uma coisa.

Outra coisa diferente é a questão do marco regulatório. Porque o marco regulatório é outra questão. Vou tentar explicar, com alguns exemplos.

Apresentador: Para que a gente consiga entender, exatamente, a questão.

Presidente eleita: Com exemplos. Por exemplo: a participação do capital estrangeiro. Você tem todo o país regulamenta a participação do capital estrangeiro nas suas diferentes mídias. Outra questão, que é importantíssima, é o fato de que o mundo está mudando em uma velocidade enorme. Então, você vai ter de regular, de alguma forma, a interação entre as mídias, porque, hoje, quem faz isso não pode fazer aquilo, que não pode fazer aquele outro. O problema do cabo, o problema do sinal aberto, como é que junta tudo isso com internet; mesmo assim eu acho que a gente tem de ter muito cuidado.

Você tem de fazer um marco regulatório que permita que haja adaptações ao longo do tempo. Por quê? Porque, eu não sei se você lembra, em 80, nos anos 80, 90, a telefonia fixa era uma potência. Cada vez mais, com a base da internet, você tem a possibilidade, em cima da internet, de ter TV, telefonia, celular, enfim. O mundo está mudando, então até isso você vai ter de considerar. Você não pode ter, também, um marco regulatório que desconheça a existência da banda larga. E se você vai poder, ou não vai poder, fazer televisão, em que condições você vai fazer televisão. Isso o Brasil vai ter de regular minimamente, até porque tem casos que, se você não fizer isso, você deixa que haja uma concorrência meio desproporcional entre diferentes organismos.

Apresentador: Ok, muito obrigado pela resposta.


[Curiosamente essa parte da entrevista não consta do vídeo disponibilizado no site do Jornal da Band]

Confusão deliberada

Um marco regulatório se refere à regulação do mercado de mídia e à garantia de direitos humanos fundamentais. A regulação é necessária para impedir a propriedade cruzada e a concentração do controle nas mãos de umas poucas famílias e oligarquias políticas; garantir competição, pluralidade e diversidade. Para impedir a continuidade do "coronelismo eletrônico"; garantir o direito de resposta, inclusive o direito difuso, e o direito de antena. Em particular, marco regulatório se refere à radiodifusão (como se sabe, mas é sempre bom relembrar, uma concessão pública) e às novas tecnologias (internet, banda larga, telefonia móvel etc.).

Como diz a célebre frase do juiz Byron White da Suprema Corte dos Estados Unidos, "é o direito dos telespectadores e ouvintes, não o direito dos controladores da radiodifusão, que é soberano".

É disso que se trata.

Pergunto ao eventual leitor(a) se ele acredita que em democracias como os Estados Unidos, a Inglaterra, a França, a Alemanha, Portugal, Espanha – para citar apenas alguns –, a liberdade da imprensa vive sob permanente ameaça? A comparação faz sentido no atual contexto brasileiro porque esses são países onde existe, há décadas, marco regulatório para o campo das comunicações, vale dizer, regulação da mídia.

A legislação ignorada

No Brasil, tanto a lei quanto a Constituição são cristalinas sobre a necessidade de fiscalização e regulação das concessões de radiodifusão. Ademais, os avanços tecnológicos das últimas décadas, que têm como marco a revolução digital e provocaram a chamada "convergência de mídias" pela diluição das fronteiras entre as telecomunicações e a radiodifusão, tornaram inevitável a regulação do setor.

Mais uma vez: é disso que se trata.

O Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962) prevê no seu artigo 10:

Art. 10. Compete privativamente à União:

II – fiscalizar os Serviços de telecomunicações por ela concedidos, autorizados ou permitidos.


Além disso, o código admite a punição para o caso de abusos de concessionários. Está escrito na lei:

Art. 52. A liberdade de radiodifusão não exclui a punição dos que praticarem abusos no seu exercício.

Art. 53. Constitui abuso, no exercício de liberdade da radiodifusão, o emprêgo dêsse meio de comunicação para a prática de crime ou contravenção previstos na legislação em vigor no País, inclusive: (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 236, de 1968)

Alguns exemplos de abusos citados na Lei:

e) promover campanha discriminatória de classe, côr, raça ou religião; (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 236, de 1968)

(...)

g) comprometer as relações internacionais do País; (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 236, de 1968)

Por outro lado, o Decreto n. 52.795 de 1963, que regulamenta os serviços de radiodifusão, antecipa normas e princípios que seriam, mais tarde, incorporados à Constituição de 1988. Está lá:

Art. 28 – As concessionárias e permissionárias de serviços de radiodifusão, além de outros que o Governo julgue convenientes aos interesses nacionais, estão sujeitas aos seguintes preceitos e obrigações: (Redação dada pelo Decreto nº 88067, de 26.1.1983)

11- subordinar os programas de informação, divertimento, propaganda e publicidade às finalidades educativas e culturais inerentes à radiodifusão;

12 – na organização da programação:

a) manter um elevado sentido moral e cívico, não permitindo a transmissão de espetáculos, trechos musicais cantados, quadros, anedotas ou palavras contrárias à moral familiar e aos bons costumes;

b) não transmitir programas que atentem contra o sentimento público, expondo pessoas a situações que, de alguma forma, redundem em constrangimento, ainda que seu objetivo seja jornalístico;

c) destinar um mínimo de 5% (cinco por cento) do horário de sua programação diária à transmissão de serviço noticioso;

d) limitar ao máximo de 25% (vinte e cinco por cento) do horário da sua programação diária o tempo destinado à publicidade comercial;

e) reservar 5 (cinco) horas semanais para a transmissão de programas educacionais.

Por fim, a Constituição de 1988, prevê, especificamente, leis federais para a regulação de diferentes aspectos das comunicações, assim como a instalação de um Conselho para auxiliar o Congresso Nacional em qualquer assunto relativo ao capítulo "Da Comunicação Social".

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

(...)

§ 3º – Compete à lei federal:

I – regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;

II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.

§ 4º – A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.

§ 5º – Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.

(...)

Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:

I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;

II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;

III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;

IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

Art. 222. (...)

§ 3º Os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no art. 221, na forma de lei específica, que também garantirá a prioridade de profissionais brasileiros na execução de produções nacionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 36, de 2002)

(...)

Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.

(...)

Art. 224. Para os efeitos do disposto neste capítulo, o Congresso Nacional instituirá, como seu órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da lei.

Direito à comunicação

Como disse a presidente eleita, há que se distinguir "marco regulatório de um controle do conteúdo na mídia". Quem os confunde está, de fato, querendo evitar a regulação do mercado e a perda de privilégios históricos.

Insisto: regular a mídia é ampliar a liberdade de expressão, a liberdade da imprensa, a pluralidade e a diversidade. Regular a mídia é garantir mais – e não menos – democracia. É caminhar no sentido do pleno reconhecimento do direito à comunicação como um direito fundamental da cidadania.

É disso que se trata.

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Os fantasmas no sótão da velha imprensa

Reproduzo artigo de Marco Aurélio Weissheimer, publicado no sítio Carta Maior:

Franklin Martins, ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, abriu o Seminário Internacional Comunicações Eletrônicas e Convergências de Mídias com uma observação que justificou o título do encontro. A convergência de mídias é um processo irreversível e já faz parte da vida cotidiana. Um telefone celular não é mais meramente um telefone. Tornou-se também um meio para acessar internet, rádio e televisão. Essa convergência de tecnologias e meios de comunicação em um pequeno aparelho abre novas possibilidades para a comunicação humana, mas essas possibilidades vêm acompanhadas de problemas. Boa parte desses problemas é causada por conflitos de mercado entre os diferentes setores que fazem da comunicação seu bezerro de ouro.

No Brasil, alguns desses setores reagem fortemente ao debate sobre a necessidade de regular esse novo mundo tecnológico, social e econômico, que já é uma realidade. Essa reação aparece revestida por um verniz ideológico que vê na ideia da regulação uma tentativa de censurar e controlar a imprensa. Isso é uma bobagem, disse Franklin Martins. E é mesmo. Não é difícil mostrar. O Brasil acaba de sair de um duro processo eleitoral onde, em um determinado momento, entidades empresariais do setor das comunicações e seus respectivos veículos ensaiaram uma mobilização nacional contra perigosíssimas ameaças à liberdade (de imprensa e outras) que estariam pairando sobre a vida democrática do país. O motivo? Uma crítica feita pelo presidente da República à cobertura sobre as eleições. Houve alguma censura por parte do governo? Nenhuma.

Houve, de fato, dois episódios de cerceamento à liberdade de expressão na campanha este ano: um praticado pelo jornal O Estado de São Paulo, que demitiu a colunista Maria Rita Kehl por não tolerar a opinião dela publicada em suas páginas; e o outro praticado pelo jornal Folha de São Paulo que entrou na Justiça para tirar do ar o site Falha de São Paulo que fazia uma paródia às capas e manchetes da publicação. Esses jornais e outros veículos da chamada grande imprensa seguem repetindo mantras ultraconservadores contra um debate que já foi feito na imensa maioria dos países apontados por eles mesmos como exemplos de liberdade de modernidade. Mas por trás de todo esse conservadorismo, há uma razão mais pragmática: o avanço das empresas de telecomunicação sobre o mercado da radiodifusão.

Só esse dado mercadológico já justificaria um interesse mais positivo do setor de radiodifusão no debate da regulação. Franklin Martins falou sobre isso ao saudar os participantes do seminário. O faturamento das teles hoje é aproximadamente 13 ou 14 vezes maior que o da radiodifusão. Sem regulação, a radiodifusão vai ser atropelada por uma jamanta, resumiu o ministro. E as grandes empresas do setor sabem disso. A Folha de São Paulo publicou um editorial, dia 15 de novembro de 2009, defendendo a restrição, em 30%, da presença de capital estrangeiro nos portais de notícias no Brasil. A proposta também é defendida pelas principais entidades do setor: Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e Associação Nacional de Jornais (ANJ).

A posição defendida por essas entidades oferece, na verdade, argumentos em defesa da necessidade de um novo marco regulatório para o setor. Para elas, a restrição ao capital estrangeiro, previsto no artigo 222 da Constituição Federal, aplica-se a qualquer negócio que explore conteúdos, independentemente do meio utilizado, seja TV, rádio, jornais ou a internet. “Práticas desleais na internet colocam em risco as bases que permitem o exercício da imprensa independente no país”, protestou a Folha no editorial, acrescentando: “Quando um país como o Brasil admite um oligopólio irrestrito na banda larga – a via para a qual converge a transmissão de múltiplos conteúdos, como TVs, revistas e jornais – alimenta um Leviatã capaz de bloquear ou dificultar a passagem de dados atores que não lhe sejam convenientes”.

“Nossa legislação é um cipoal de gambiarras”

Do ponto de vista dessas empresas, portanto, o debate sobre um novo marco regulatório para o setor envolve, sobretudo, uma disputa de mercado com as grandes corporações do setor de telecomunicações. Mas essa agenda não se resume a uma questão de mercado. Há interesses públicos em jogo – como o direito à uma informação de qualidade que contemple a diversidade cultural e política do país – que vem sendo bloqueados pela intransigência do grande capital privado do setor. Para quem ainda tinha alguma dúvida, a dimensão pública do tema ficou evidenciada nos relatos das experiências de países como França, Inglaterra, Espanha, Portugal, Argentina e Estados Unidos. A existência de um marco regulador na área da comunicação é hoje um indicador da qualidade da democracia de um país.

O Brasil ainda engatinha nessa área. A nossa legislação de telecomunicações, lembrou Franklin Martins, é absolutamente ultrapassada, remontando a 1962, “quando havia mais televizinho do que televisão”. Essa legislação é hoje um “cipoal de gambiarras”, ilustrou o ministro. Ele deu outro exemplo: “Todos nós sabemos que deputados e senadores não podem ter canal de televisão. E todos sabemos que têm. O que vamos fazer?” Os conferencistas internacionais contaram o que seus países fizeram e seguem fazendo para proteger e incentivar a produção independente nacional e regional, para evitar a concentração de propriedade ou para defender crianças e adolescentes de publicidades de bebidas e medicamentos, apenas para citar alguns conteúdos. Propostas estas que seguem enfrentando forte resistência no Brasil.

Uma resistência alimentada por preconceitos e fantasmas arrastando correntes, na imagem adotada pelo titular da Secretaria de Comunicação Social do governo brasileiro. “Só um debate público transparente afasta os fantasmas. Queria convidar todos a deixar os fantasmas no sótão. É lá que devem ficar”. Trata-se de um debate irreversível, repetiu, fazendo uma previsão: “Estou convencido que a área da comunicação no governo Dilma terá o mesmo tratamento que a área de energia teve no primeiro governo Lula”. Os primeiros meses de 2010 dirão se a previsão poderá ser realizar ou não. O que parece certo é que dificilmente a velha imprensa conseguirá bloquear esse debate usando seus fantasmas empoeirados a acenar com a ameaça da censura, ameaça esta que só vem se materializando nas suas próprias redações.

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terça-feira, 9 de novembro de 2010

O sindicalismo no governo Lula (2)

Por Altamiro Borges

O sindicalismo brasileiro terá enormes desafios na nova etapa da luta de classes que será aberta com a posse da presidenta Dilma Rousseff. Na história recente, o movimento sindical atravessou, basicamente, quatro importantes fases. É preciso extrair lições deste complexo período.

Quatro fases na história recente

A primeira fase foi marcada pelo brutal retrocesso imposto pelo golpe militar de 1964. Após um período de ascensão das lutas populares, em especial no governo João Goulart, houve um corte cirúrgico e sangrento. Mais de 70% dos maiores sindicatos sofreram a intervenção dos generais golpistas; centenas de lideranças foram presas, exiladas ou assassinadas nas masmorras de tortura. A ditadura impôs a paz do cemitério, esvaziando os sindicatos, proibindo greves, cerceando a liberdade de expressão e manifestação.

A segunda fase se inicia com a retomada das lutas dos trabalhadores. A greve de maio de 1978 dos metalúrgicos da multinacional Scania, em São Bernardo do Campo, é o marco desta nova etapa. Aos poucos a ditadura perde força e o sindicalismo reocupa papel de destaque no cenário nacional. Ele, inclusive, vira uma referência internacional. O país bate recordes de greves, ganha influência política e projeta lideranças – com destaque para o líder operário do ABC, Luis Inácio Lula da Silva. Num mundo que já assistia a retirada de direitos trabalhista, o Brasil aprova a “Constituição Cidadã”, como bem definiu o democrata Ulisses Guimarães, e arranca a redução da jornada de 48 para 44 horas semanais e vários outros direitos.

A terceira fase tem início com a vingança das elites patronais. A partir da eleição de Fernando Collor de Melo, elas impõem o receituário neoliberal de desmonte do estado, da nação e do trabalho. Collor é deposto, mas com FHC esta ofensiva regressiva e destrutiva ganha impulso. O desemprego bate recorde; o Exército ocupa as refinarias de Petrobras para derrotar os petroleiros grevistas e para “quebrar a espinha dorsal” do sindicalismo; os direitos trabalhistas são suprimidos de forma acelerada. O reinado de FHC é desastroso para os sindicatos, que perdem associados, assistem ao esvaziamento das assembléias, têm dificuldades para deflagrar greves e ainda se engalfinham em lutas internas.

Passividade e voluntarismo

A quarta fase é a que foi aberta com a histórica eleição de Lula para presidência da República. Muitos estudos ainda serão produzidos para entender o seu real impacto no sindicalismo. Num primeiro momento, a vitória gerou certa confusão no sindicalismo. Afinal, o Brasil nunca teve na sua história um governo oriundo de suas lutas, um presidente operário. Ele sempre foi governado por representantes da elite e os poucos que tentaram ceder algo aos trabalhadores, como Getúlio Vargas e João Goulart, foram derrubados por golpes.

Diante dos recuos iniciais do governo Lula, uma parte do sindicalismo adotou uma postura passiva, acrítica, alegando que qualquer pressão poderia servir ao jogo da direita golpista. Outra parte optou por fazer uma oposição frontal, não levando em conta a correlação de forças e os perigos de retrocesso. Estes dois extremos geraram confusão e divisão no sindicalismo. A CUT, que poderia viver a sua fase áurea com a chegada do seu fundador ao Palácio do Planalto, teve dificuldades para entender a nova realidade, caiu numa certa paralisia e sofreu três rachas seguidos, com a fundação do Conlutas, Intersindical e CTB.

A crise do sindicalismo, deflagrada pelo desmonte neoliberal imposto por FHC, tornou-se ainda mais grave devido à difícil e complexa relação diante de um governo oriundo de suas lutas.

Os três princípios “sagrados”

Com o tempo, porém, o sindicalismo foi tirando lições deste rico processo e aprimorou as suas formas de atuação. Ele passou a combinar melhor três princípios “sagrados”: autonomia diante dos governos, pressão permanente e habilidade política, para não fazer o jogo dos inimigos. Aos poucos, ele foi colhendo vitórias.

Uma das mais expressivas foi o acordo firmado com o governo Lula de valorização do salário mínimo, com reposição da inflação e metade do índice de crescimento da economia. Também conseguiu corrigir, parcialmente, a tabela do imposto de renda e enterrou, mesmo que temporariamente, as propostas de novas contra-reformas trabalhista e previdenciária. Nas bases, muitos sindicatos reverteram processos de terceirização e anularam inúmeros acordos de precarização do trabalho – como contratos temporários, banco de horas e outros.

A legalização das centrais sindicais

Outra vitória de enorme dimensão foi a conquista da legalização das centrais sindicais. Nunca antes na história do país os trabalhadores puderam se organizar enquanto classe, de forma horizontal. Atualmente, seis já são reconhecidas formalmente. Pela última aferição do Ministério do Trabalho, de março passado, a CUT representa 38,23% dos sindicalizados; seguida da Força Sindical, com 13,71%; a jovem CTB aparece em terceiro, 7,55%; a UGT tem 7,19%; NCST (6,69%); e a CGTB (5,04%).

Pela Lei 11.648, uma conquista histórica aprovada em 2008, as centrais representam o conjunto dos trabalhadores em fóruns de negociação e contam com recursos da Contribuição Sindical para investir nas suas ações - em 2009, as seis centrais reconhecidas receberam os R$ 80,9 milhões.

Mais maduras, elas também procuraram encontrar pontos de unidade na diversidade, superando divergências e disputas. Elas agiram unitariamente na conquista do acordo do salário mínimo e em outras batalhas. O ponto alto desta unidade se deu neste ano com a realização da Conferência Nacional das Classes Trabalhadores (Conclat), que reuniu mais de 30 mil ativistas sindicais no Estádio do Pacaembu, e aprovou uma plataforma unitária para a sucessão presidencial.

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Salário mínimo e o cinismo de Serra

Reproduzo artigo de Brizola Neto, publicado no blog Tijolaço:

Chegaria a ser cômico, se não fosse ridícula, a articulação do núcleo serrista para tentar criar um problema para o Governo Dilma Rousseff, com a apresentação da proposta de elevação do salário mínimo para R$ 600.

Claro e óbvio que um salário de 600 reais não é muito e muito menos injusto para os trabalhadores. Ao contrário, é pouco, considerando a defasagem que o salário mínimo acumulou ao longo de décadas. E inclua-se aí, nesta temporada de perdas, o período de uma década – considerando o período final de Itamar e os oito anos de Fernando Henrique – em que o tucanato esteve no Governo.

Mas a proposta tucana é como Serra, tão falsa como uma nota de R$3. Uma promessa que, se fosse eleito, trataria logo de revogar, com o apoio entusiástico da mídia, sob o argumento de que recebera uma “herança maldita” do Governo Lula.

Temos, mal ou bem, uma regra acordada de reajustes salariais: inflação mais variação do PIB no penúltimo ano do reajuste. Claro que, diante da crise – que zerou o crescimento do PIB em 2008 – e do forte crescimento da economia em 2009, podemos ter mais do que o reajuste que, segundo aquela regra, ficaria na faixa de 5%, como previsto no Orçamento.

A própria presidente eleita acenou que vai negociar esta adequação, sem prejuízo da regra que, mantida, garante um reajuste bem mais significativo em 2011, – 7,5% do PIB de 2010 mais uma inflação projetada em torno de 4%. As centrais sindicais propõem R$ 580 e tudo caminharia para um acordo razoável e responsável.

Mas o tucanato serrista, apesar da derrota nas urnas, se sente à vontade para repetir a demagogia que empunharam na campanha eleitoral e repetir a cantilena de levar o mínimo, de uma tacada só, para R$ 600, o que representaria um rejuste de quase 20%.

Ora, é simples saber se há sinceridade na proposta. Os governadores tucanos de São Paulo e Minas aceitam dar um reajuste de 20% para seus servidores? Alckmin e Anastasia podem fazer isso? As prefeituras tucanas podem arcar com isso? Se os servidores paulistas pedirem – aliás, por que não podem, se os seus governantes o defendem? – um aumento destes índices, vão ser recebidos com cafezinho ou com cassetetes e bombas de gás?

A verdade é que os tucanos, que históricamente se “lixam” para a pobreza deste país, não visam uma progressão constante, segura e imune ao arbítrio dos governantes para a recuperação dos salários. Querem o tumulto e o desgaste político.

É por isso que venho repetindo aqui: estamos caminhando para um “racha” nas forças de oposição. Não há dúvidas de que uma parte dos que se alinharem, ao menos formal e aparentemente, em torno da candidatura Serra não vai partir – não de início, ao menos – para este processo irresponsável.

A outra parte? Bem, como eu disse aqui, logo poderemos ver um trocadilho a mais: Serra é do DEM.

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Emir Sader: civilização ou barbárie

Reproduzo artigo do sociólogo Emir Sader, publicado no sítio Carta Maior:

Esse é o lema predominante no capitalismo contemporâneo. Universalizado a partir da Europa ocidental, o capitalismo desqualificou a todas outras civilizações como ‘bárbaras”. A ponto que, como denuncia em um livro fundamental, Orientalismo, Edward Said, o Ocidente forjou uma noção de Oriente, que amalgama tudo o que não é Ocidente: mundo árabe, japonês, chinês, indiano, africano, etc. etc. Fizeram Ocidente sinônimo de civilização e Oriente, o resto, idêntico a barbárie.

No cinema, na literatura, nos discursos, civilização é identificada com a civilização da Europa ocidental – a que se acrescentou a dos EUA posteriormente. Brancos, cristãos, anglo-saxões, protestantes – sinônimo de civilizados. Foram o eixo da colonização da periferia, a quem queriam trazer sua “civilização”. Foram colonizadores e imperialistas.

Os EUA se encarregaram de globalizar a visão racista do mundo, através de Hollywood. Os filmes de far west contavam como gesto de civilização as campanhas de extermínio das populações nativas nos EUA, em que o cow boy era chamado de “mocinho” e, automaticamente, os indígenas eram “bandidos, gestos que tiveram em John Wayne o “americano indômito”, na realidade a expressão do massacre das populações originárias.

Os filmes de guerra foram sempre contra outras etnias: asiáticos, árabes, negros, latinos. O país que protagonizou o maior massacre do século passado – a Alemanha nazista -, com o holocausto de judeus, comunistas, ciganos, foi sempre poupada pelos nortemamericanos, porque são iguais a eles – brancos, anglo-saxões, capitalistas, protestantes. O único grande filme sobre o nazismo foi feito pelo britânico Charles Chaplin – O grande ditador -, que teve que sair dos EUA antes mesmo do filme estrear, pelo clima insuportável que criaram contra ele.

Os países que supostamente encarnavam a “civilização” se engalfinharam nas duas guerras mundiais do século XX, pela repartição das colônias – do mundo bárbaro – entre si, em selvagens guerras interimperialistas.

Essa ideologia foi importada pela direita paulista, aquela que se expressou no “A questão social é questão de polícia”, do Washington Luis – como o FHC, carioca importado pela elite paulista -, derrubada pelo Getúlio e que passou a representar o anti-getulismo na politica brasileira. Tentaram retomar o poder em 1932 – como bem caracterizou o Lula, nada de revolução, um golpe, uma tentativa de contrarrevolução -, perderam e foram sucessivamente derrotados nas eleições de 1945, 1950, 1955. Quando ganharam, foi apelando para uma figura caricata de moralista, Jânio, que não durou meses na presidência.

Aí apelaram aos militares, para implantar sua civilização ao resto do país, a ferro e fogo. Foi o governo por excelência dessa elite. Paz sem povo – como o Serra prometia no campo: paz sem o MST.

Veio a redemocratização e essa direita se travestiu de neoliberal, de apologista da civilização do mercado, aquela em que, quem tem dinheiro tem acesso a bens, quem não tem, fica excluído. O reino do direito contra os direitos para todos.

Essa elite paulista nunca digeriu Getúlio, os direitos dos trabalhadores e seus sindicatos, se considerava a locomotiva do país, que arrastava vagões preguiçosos – como era a ideologia de 1932. Os trabalhadores nordestinos, expulsos dos seus estados pelo domínio dos latifundiários e dos coronéis, foi para construir a riqueza de São Paulo. Humilhados e ofendidos, aqueles “cabeças chatas” foram os heróis do progresso da industrialização paulista. Mas foram sempre discriminados, ridicularizados, excluídos, marginalizados.

Essa “raça” inferior a que aludiu Jorge Bornhausen, são os pobres, os negros, os nordestinos, os indígenas, como na Europa “civilizada” são os trabalhadores imigrantes. Massa que quando fica subordinada a eles, é explorada brutalmente, tornava invisível socialmente.

Mas quando se revela, elege e reelege seus lideres, se liberta dos coronéis, conquista direitos, com o avança da democratização – ai são diabolizadas, espezinhadas, tornadas culpadas pela derrota das elites brancas. Como agora, quando a candidatura da elite supostamente civilizada apelou para as explorações mais obscurantistas, para tentar recuperar o governo, que o povo tomou das suas mãos e entregou para lideres populares.

É que eles são a barbárie. São os que chegaram a estas terras jorrando sangue mediante a exploração das nossas riquezas, a escravidão e o extermínio das populações indígenas. Civilizados são os que governam para todos, que buscam convencer as pessoas com argumentos e propostas, que garantem os direitos de todos, que praticam a democracia. São os que estão construindo uma democracia com alma social – que o Brasil nunca tinha tido nas mãos desses supostos defensores da civilização.

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O novo visual de Serra para 2014



Sugestão do internauta Augusto da Fonseca, publicada no blog Conversa Afiada.

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segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O contraste na diplomacia brasileira

Reproduzo artigo de Argemiro Ferreira, publicado na revista CartaCapital:

O êxito da diplomacia brasileira é festejado em toda parte por governos estrangeiros e pela mídia internacional. Mas na mídia nacional só há espaço (nas páginas impressas e na tevê) para opiniões de certos ex-diplomatas que serviram ao Itamaraty no governo FHC e obstinam-se em desacreditar a política externa e o País em artigos, entrevistas e debates. Revistas como Foreign Policy e Time, dos Estados Unidos, a alemã Der Spiegel, os jornais franceses Le Monde e Le Figaro, o espanhol El País, o britânico Financial Times e outros são pródigos em elogios ao novo papel do Brasil no mundo. Já as famílias Marinho, Civita, Frias e Mesquita, em O Globo, Veja, Folha e Estadão, abominam o "protagonismo" de Lula.

Esse pecado horroriza Celso Lafer, ex-colega de FHC na USP. De família ilustre, ele foi ministro do Exterior de Collor às vésperas da renúncia e voltou ao cargo nos extertores do governo FHC. Ao atacar Lula em artigo recente, acusou a política externa de "busca de prestígio" e "voluntarismo". Com Collor e FHC optava pela submissão silenciosa à vontade das potências. Só a elas caberia discutir o que fosse relevante. Ensinou Juracy Magalhães: "Se é bom para os EUA, é bom para o Brasil".

Submissa foi ainda a conduta pessoal de Lafer como ministro quando ia aos EUA: tirava os sapatos para policiais no aeroporto. Submeteu-se, além disso, à autoridade de segundo escalão da diplomacia norte-americana, o embaixador John Bolton, que o mandou obrigar o diplomata brasileiro José Bustani a deixar o cargo para o qual fora eleito na ONU. Licenciado do Itamaraty, o embaixador Bustani era diretor da Organização para a Proibição de Armas Químicas. Pelo regulamento os EUA deveriam levar sua proposta ao voto dos países membros. Mas Lafer capitulou: retirou o apoio do Brasil ao diplomata e o isolou no Itamaraty. Bustani só foi reabilitado no governo Lula.

Será "protagonismo" preferir dignidade a capitulação? Ou liderar ação global contra a fome? Proposto pelo Brasil, tal esforço, a que logo se somaram os presidentes da França, do Chile e o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, veio no primeiro ano de Lula. Reuniões em Roma e Nova York, adesões em toda parte. Metas foram fixadas para 2015. E o Brasil, como confirmou a ONU mês passado, cumpre sua parte: lidera o ranking mundial dos países que reduziram a pobreza. É performance, mais do que protagonismo. Nada a ver com o sugerido pelos ex-diplomatas nos veículos das famílias da grande mídia.

A ofensiva enfurecida contra a política externa tem protagonistas: os ex-ministros Lafer e Luiz Felipe Lampreia, e ex-embaixadores como Roberto Abdenur, Sérgio Amaral e Carlos Azambuja, além do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), que Lampreia, criou quando ainda chanceler com recursos de embaixadas e entidades estrangeiras. O êxito da política externa choca o grupo de aposentados, que transforma em alvo prioritário o ex-colega Celso Amorim, chamado por Foreign Policy "o melhor ministro do Exterior do mundo". Ali David Rothkopf ainda escreveu que 2009 foi "o melhor ano para o Brasil desde o Tratado de Tordesilhas (1494)".

Outros alvos dos ex-diplomatas, além de Amorim e do próprio Lula, são o atuante ministro Samuel Pinheiro Guimarães, e o assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia. O grupo chega a extremos na ânsia de explicar o contraste entre a inércia passada e o dinamismo do momento atual vivido pelo Brasil. Na vertente diplomática da campanha eleitoral, manipularam-se bordões, imagens e símbolos para desmerecer triunfos. O diálogo com líderes cuja imagem é vilanizada na mídia - Chávez, Fidel, Ahmadinejad - vira sabotagem da democracia, dos direitos humanos e da não proliferação nuclear.

Aos olhos dos detratores a substância do diálogo é menos relevante do que a imagem distorcida. Depois da visita de Lula a Teerã, por exemplo, uma cidadã americana, antes cumprindo pena, procurou na ONU o chanceler Amorim. Na conversa, expressou seu agradecimento ao presidente pelo que fizera a favor da libertação dela. Mas no Brasil a campanha obsessiva de oito anos às vezes parece até destinada a elevar ex-diplomatas ao status de estrelas de novela tal a frequência com que surgem na tevê. A atividade deles exige habilidade, claro. Têm de zelar pelas relações privilegiadas com a mídia que lhes reserva o espaço.

A má-fé fica clara quando retratam o presidente como marionete de Chávez, Fidel ou outros líderes demonizados. A desproporção entre peso e potencial do Brasil e seu líder e os que supostamente o "controlam" basta para expor a ficção grotesca. A suspeita é de que nem quem dissemina as versões acredita nelas. Entendo a frustração dos aposentados: devia ser FHC a brilhar no palco do mundo. No continente é notório o fascínio exercido por Lula, capaz até de influir em eleições na Bolívia, Equador, El Salvador, Uruguai, Paraguai. Observe-se ainda a atual presença da China no Brasil, como maior parceiro comercial, lugar que era dos EUA.

Apesar de serem commodities o grosso das exportações para a China, já há esforço em andamento para mudar o quadro, reforçado ainda pela disposição de empresas chinesas para investir aqui. Este ano aquele país torna-se o que mais investe no Brasil (10 bilhões de dólares), em especial em projetos de infraestrutura e telecomunicações -– um desmentido irônico às alegações de que depois de FHC a política externa só aposta no fracasso, em países pobres demais. As apostas são no respeito à independência política e autodeterminação, não em sistemas políticos, religiões e costumes.

A democracia é outra aposta explícita. Em Honduras o Brasil apoiou a devolução do poder ao presidente legítimo, eleito pelo povo e deposto por militares que o arrancaram da cama, de pijama, e o enfiaram num avião para fora do país. Nossa diplomacia e o resto do continente rejeitaram a violência, apesar do recuo dos EUA – que abriu a porta a mais golpes na região. Der Spiegel, a mais importante revista semanal de informação da Alemanha, destacou em maio de 2010 - num longo artigo sobre nossa diplomacia, "Lula Superstar" - a ação do Brasil no exterior. Deu ainda a explicação do próprio Lula, de que está curando "antigo complexo de vira-lata" dos nossos diplomatas perante os EUA e a Europa.

A revista também contou que em 2003, na grande estreia internacional de Lula na cúpula do G-8 em Evian, França, todos estavam sentados no salão do hotel à espera de George W. Bush. Ao chegar o presidente dos EUA, os demais se levantaram - menos Lula. Para o brasileiro, o gesto não fazia sentido: antes ninguém se levantara à chegada dos outros. O que os Lafer, Lampreia & cia. parecem não entender, ao pôr em dúvida a atuação do Brasil - e na ilusão de uma marcha a ré para diplomacia igual à deles, do medo e da omissão - é que o mundo vive processo de mudança, acelerado por um reexame à luz da crise financeira global, da qual o país saiu bem, melhor do que a maioria.

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"Lula não poderá ser sombra de Dilma"

Reproduzo entrevista da socióloga Maria Victoria Benevides, publicada na revista IstoÉ:

Aos 68 anos, Maria Victoria Benevides é uma das mais importantes e independentes sociólogas do País. Professora titular da Escola de Educação da Universidade de São Paulo, ela estudou na França e nos Estados Unidos. Observadora atenta do cenário político brasileiro, Maria Victória tem dez livros publicados, entre eles “O Governo Kubitschek”, “A UDN e o Udenismo” e o “PTB e o Trabalhismo”.

É uma das pioneiras do estudo dos direitos humanos e, em 1986, recebeu do Conselho Nacional de Mulheres o título de Mulher do Ano na área de ciência política.

Tem participado dos debates públicos sobre a reforma política, com ênfase nos instrumentos de democracia direta. Participou dos debates de fundação do PT, mas se afastou do partido em 2005, e nunca perdeu sua independência intelectual e acadêmica (*).

Maria Victoria faz críticas ao processo eleitoral e enumera os desafios que deverão ser enfrentados pela presidente eleita, Dilma Rousseff. “Num país ainda dominado por uma política machista e personalista, ter pela primeira vez uma mulher como presidente da República é uma grande novidade”, disse.

O maior desafio, entretanto, ainda está por vir. “Haverá sobre Dilma uma dupla cobrança. Assim como Lula dizia que não podia errar por ser um operário de origem pobre, ela não poderá errar exatamente pelo fato de ser mulher”, explica a socióloga.

A entrevista é de Claudio Dantas Sequeira e Sérgio Pardellas e publicada pela revista IstoÉ, no. 219, 05-11-2010. Eis a entrevista:

O que representa a vitória da Dilma Rousseff?

A primeira observação é bastante óbvia. A eleição de Dilma significa o apoio à continuidade do governo Lula. Ela foi a candidata de uma coligação partidária que é a base de apoio do governo e pessoalmente indicada pelo presidente como sua sucessora. Mas há uma especificidade nessa vitória: o fato de ser a primeira mulher presidente do Brasil, embora já tenha ocorrido em outros países europeus e latino-americanos, para nós é uma grande novidade. Ela terá um peso muito grande sobre si. Será cobrada como presidente e como mulher.

O fato de Dilma ser mulher embute uma cobrança maior?

Sim. A política brasileira não é apenas muito machista, mas também personalista. A própria Dilma, quando candidata, sempre se referiu a isso. Lula dizia que não podia errar por ser um operário, pau-de-arara, um nordestino de origem pobre que chegou a presidente do Brasil. Não podia errar e trair a confiança de todos que votaram nele e se identificaram com ele. Dilma, por sua vez, não poderá errar pelo fato de ser a primeira mulher.

A sra. acha que o presidente, assim que passar a faixa presidencial, deve se retirar da cena política?

Acho que Lula deve ser retirar sim, inclusive por respeito à presidente eleita e às regras republicanas e democráticas. Ele não pode ser uma sombra para a presidente. Lula terá ainda algum tempo na Presidência para fazer a transição da melhor maneira e, evidentemente, discutir com ela temas cruciais que serão herdados naturalmente. Há uma lista grande: reformas política, tributária, fundiária e agrária, toda a problemática do desenvolvimento sustentável e o agronegócio, assim como a revisão do processo de nomeação de novos membros do Supremo Tribunal Federal e o enfrentamento do poder hegemônico e sem controle dos meios de comunicação de massa.

Dilma terá condições de aglutinar os partidos para a aprovação das reformas?

As reformas não foram feitas porque o presidente Lula fosse contra seu conteúdo, mas porque eram mais difíceis na correlação de forças. O Lula não tinha a maioria que o novo governo terá no Congresso. Sua personalidade também é diferente, baseada na negociação e conciliação. Dilma deverá fugir do estilo de conciliação do presidente Lula, será mais favorável ao encaminhamento das reformas. Ela tem uma excelente relação com o PT. Não tem ligações com grupos envolvidos em disputas políticas. O papel dela será extremamente importante. Mas a sua equipe, o ministério e seu conselho político deverão ter um peso especial para redirecionar, de certa forma, a relação do Executivo com o Legislativo.

O PT, que agora é maioria na Câmara, terá mais responsabilidade nessa tarefa?

O partido certamente tem a obrigação de dividir com o presidente essa responsabilidade. Mas temos de lembrar que programa de um partido é uma coisa e programa de governo, outra. E isso terá que ser muito bem avaliado. Mas confio que o partido terá esse bom-senso, ainda mais porque as lideranças partidárias sabem perfeitamente que não ganharam sozinhas a eleição. Fizeram alianças e coligações. Vale lembrar que o Brasil é uma federação, em que o peso dos Estados conta e o resultado eleitoral mostra um mapa diferenciado de adesão à candidatura vitoriosa.

Diante do resultado fraco nas eleições, qual o caminho para a oposição? PSDB e DEM devem ficar unidos?

Durante os oito anos do governo FHC, eles estiveram unidos. Essa aliança se repetiu agora, e é muito forte em São Paulo, Minas e alguns Estados do Nordeste e do Sul. Então, vejo PSDB-DEM como uma unidade, o que lamento. Acho que seria importante para o Brasil ter uma oposição crítica, que fiscalize e controle, e uma social-democracia autêntica, o que infelizmente não temos. A oposição vai partir para uma linha mais aguerrida e vai dar muito trabalho dentro e fora do Congresso. Essa oposição pode ter perdido as eleições, mas não perdeu necessariamente seu espaço na sociedade. Com raríssimas exceções, toda a chamada grande imprensa apoiou a candidatura PSDB-DEM.

Aécio Neves tem a capacidade de circular não só na oposição, mas também entre os partidos governistas Qual será o papel dele a partir de agora?

Aécio é um nome natural para 2014. É um candidato que já demonstrou que tem em primeiríssimo lugar a sua carreira pes¬soal. Haja visto seu comportamento durante todo o primeiro turno das eleições presidenciais, quando não participou da campanha de José Serra. Tanto por sua própria vontade como por seus desacertos com o Serra e a cúpula paulista do PSDB. Vejo o ex-governador Aécio como um político jovem que vai se dedicar daqui para a frente a assumir um papel de oposição a outro político jovem que se destacou muito nessas últimas eleições, que é o governador de Pernambuco, Eduardo Campos. Quer dizer, temos de um lado o neto de Miguel Arraes e de outro o neto de Tancredo Neves, como jovens políticos que têm o objetivo legítimo de se candidatar aos cargos mais elevados.

Eles representam uma nova forma de fazer política ou reproduzem a tradição de seus avós?

Isso eu não saberia dizer. Pelo que conheço de Arraes e Tancredo, nenhum de seus netos tem o mesmo estilo de fazer política, simplesmente porque o Brasil e o mundo mudaram muito. É claro que o nome da família continua forte, mas o aproveitamento é só dessa tradição.

Aécio, Eduardo Campos e a própria Dilma se destacam pela boa gestão. Estamos diante de uma nova geração de políticos com perfil mais técnico?

Se for isso, eu lamentarei muito. Porque um político, ainda mais num cargo executivo elevado, como presidente da República ou governador de Estado, não é principalmente um gestor. Ele tem que ter uma equipe que seja competente, eficiente e moderna, para melhor aproveitar os recursos materiais e humanos disponíveis. Mas o político, acima de tudo, é político. Tem o compromisso com o interesse público em torno de princípios e principalmente na definição de prioridades. Costumo dizer a meus alunos que se votar para presidente, para governador, para prefeito se resumisse na escolha do melhor gerente, não precisaríamos de uma eleição, mas de um concurso público.

Com os 20 milhões de votos obtidos no primeiro turno, Marina Silva se consolida como alternativa política para o futuro?

Não. Política é muito mais do que um nicho eleitoral. Ela tem uma história de vida maravilhosa, tem compromisso ético e agregou muito ao debate com a questão ambiental. Mas em termos de grande política, seu programa é claramente insuficiente, assim como sua agilidade política para perceber quando e como agir. Considero, por exemplo, bastante ruim, do ponto de vista político, ela não ter definido uma posição para o segundo turno. Fica muito difícil entender essa posição de neutralidade. Isso não existe na política.

É viável o retorno do presidente Lula em 2014?

Nenhum presidente saiu do governo com um apoio de 80% da população. Então, é perfeitamente legítimo que haja a proposta de uma volta. Mas a nova presidente tem o direito de tentar a reeleição. E seria uma falta de respeito com Dilma extirpar radicalmente essa hipótese.

Considerando a guerra suja travada especialmente no segundo turno e as confusões em torno da Lei da Ficha Limpa, que lições se pode tirar da campanha?

No Brasil ainda há um subdesenvolvimento político muito grande, especialmente em termos de conscientização e entendimento do que é participar politicamente. Nossa democracia participativa ainda é muito incipiente, embora tenha dado um exemplo eloquente com a campanha da Ficha Limpa. Além disso, temos de entender o peso da religiosidade na mentalidade do brasileiro. PSDB e DEM se aproveitaram sordidamente dessa religiosidade do povo brasileiro e uma parte da Igreja Católica se comportou de maneira ignóbil. Temas de foro íntimo, de moral privada e de religião não podem ser explorados politicamente nas campanhas eleitorais. O aborto, por exemplo, é uma questão de saúde pública.

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(*) Após a publicação da entrevista, a professora enviou esclarecimento importante para sua lista de emails:

"Venho informar que, ao contrário do que aparece na apresentação de minha entrevista à revista IstoÉ, não me afastei do PT, embora tenha sofrido muito com a crise de 2005. Pertenço à corrente Mensagem ao Partido, liderada por Tarso Genro, Paulo Vannuchi, Fernando Haddad, José Eduardo Cardoso,Carlos Neder, Zilah Abramo, André Singer, entre outros.

Favor divulgar,

Abraços, Maria Victoria Benevides"


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A revolução russa e a imprensa brasileira

Na comemoração do aniversário da revolução russa, reproduzo artigo enviado pelo historiador Augusto Buonicore:

As notícias da queda do tzarismo na Rússia foram recebidas com festa no Brasil. Nas comemorações que se seguiram, congraçaram-se burgueses e proletários, liberal-conservadores e anarquistas. Tal qual o fevereiro de 1848 na França, o fevereiro russo de 1917 foi a "revolução bela, a revolução da simpatia universal".

Nos dois casos o povo havia se unido à burguesia para derrubar uma monarquia indesejável. Alguns meses depois a concórdia universal foi quebrada com a radicalização da luta de classes e a explosão de rebeliões operárias. No caso francês os operários foram derrotados "e a rebelião afogada em sangue"; no russo, a luta de classes terminou com a vitória dos operários sobre os seus oponentes, burgueses e latifundiários.

No Brasil, entre fevereiro e outubro de 1917, os primeiros sinais das graves desavenças futuras podiam ser observados nas interpretações dadas em relação aos fatos e principais personagens da revolução ainda em curso. Kerenski, o chefe social-revolucionário de direita que participou desde o primeiro governo provisório, pouco a pouco, foi se tornando o ídolo dos nossos republicanos burgueses. Estes o chamavam de Danton russo e herói da Nova Rússia democrática.

A burguesia e os setores oligárquicos nada entenderam dos reais motivos que levaram àquele grande movimento revolucionário. Chegaram mesmo a afirmar que se tratava de uma rebelião contra as vacilações do tzarismo em relação a continuidade de sua participação na guerra imperialista. Ela teria sido a afirmação do espírito patriótico do povo russo, interessado em levar a guerra até o final sem nenhum acordo com a Alemanha. Assim, segundo eles, a queda do Tzar havia liberado energias para que o país continuasse no conflito mundial ao lado dos seus aliados da Entente, capitaneada pela Inglaterra, França e Estados Unidos.

O liberal-conservador Rui Barbosa emprestou seu prestígio a essa tese infundada. Num discurso afirmou: "O Kaiser tem colaboradores no seio da nobreza russa, da dinastia russa, do exército russo. Generais, ministros, príncipes, trabalham envolvidos nessa teia, pela paz em separado e pelo abandono da aliança (com a Entente). A ação militar claudica, atravessam-se as operações, desastres inexplicáveis anulam o poder gigantesco das massas moscovitas (...) Até que um dia a sensibilidade nacional, advertida pelos rumores subterrâneos da traição, acorda a súbitos, uma força imprevista ergue da gleba o titão esmagado, o trono imperial desaparece e as prisões do Estado se fecham sobre os administradores, os magnatas, os generais amigos dos inimigos". Ele, como toda a imprensa burguesa e oligárquica apenas tagarelava o que era reproduzido pelas agências noticiosas estrangeiras.

O Evening Standart, por exemplo, estampou: "Essa revolução não foi nem anti-dinástica, nem anti-aristocrática. Foi puramente anti-alemã". O italiano Corriere della Sera por sua vez disse: "Os aliados, portanto, só tem a se alegrar com esse golpe desferido contra a Alemanha, o mais forte depois de Marne". Na mesma linha ia O Clarion do social-democrata inglês Hyndman: "A despeito das intrigas alemãs, não houve nenhuma tentativa de contra-revolução. A despeito de ofertas financeiras (...) nenhuma greve eclodiu nas fábricas de munição (...) os soldados não estão, como esperavam os inimigos da Rússia, amotinados contra seus oficiais. Os tolstoianos (entendidos com pacifistas) fracassaram completamente em sua tentativa de levar a Revolução a uma capitulação sem resistência ao inimigo".

Num primeiro momento, homens como Rui Barbosa e Hyndman pareciam estar certos, pois o governo provisório dirigido pela burguesia liberal - e com participação minoritária dos socialistas reformistas - manteve todos os compromissos militares assumidos pelo tzarismo. Mas isto estava longe de representar os verdadeiros interesses das massas populares que haviam posto abaixo a dinastia dos Romanov. Os trabalhadores queriam que a Rússia saísse o quanto antes daquela guerra desastrosa. Uma das principais palavras de ordem dos revoltosos de fevereiro era, justamente, Paz! Os porta-vozes da guerra imperialista desconheciam - ou fingiam desconhecer - este fato.

Em abril, poucas semanas após a eclosão da revolução, uma nota do ministro de relações exteriores, afirmando o desejo governamental de manter a Rússia na guerra, levou a realização de grandes mobilizações populares. O resultado da crise de abril foi a renúncia do ministro e a constituição de um governo composto por uma maioria socialista reformista, dirigido pelo próprio Kerenski. Ele, apesar da crise, continuou conduzindo uma guerra cada dia mais impopular.

Em julho o governo provisório resolveu realizar uma grande ofensiva militar, buscando insuflar o espírito patriótico e calar a oposição bolchevique. O tiro saiu pela culatra e os exércitos russos sofreram uma fragorosa derrota. Logo em seguida ocorreram grandes manifestações de rua e choques armados com as forças governistas. Os operários foram derrotados e se iniciou um breve período de recuo da revolução. Os líderes bolcheviques se exilaram ou foram presos.

Lênin, um agente alemão?

O nome de Lênin começou a aparecer na imprensa mundial - e brasileira - apenas depois da divulgação de suas Teses de Abril. Nelas ele conclamava o não-apoio ao governo provisório e defendia que o todo poder fosse entregue aos sovietes, um embrião do poder operário e popular formado na revolução de fevereiro. O Partido Bolchevique, chefiado por Lênin, era o principal defensor da idéia de que a Rússia deveria se retirar imediatamente da guerra. Tal proposta irritava profundamente os governos e as classes dominantes dos países aliados, entre os quais se incluía o Brasil.

Em maio de 1917 já se podia se ler nos jornais brasileiros matérias como essas: "Em certos pontos trabalhadores dirigidos por agentes alemães, quiseram fazer demonstrações contra a guerra, os demais operários protestaram, travando-se conflitos de certa importância que exigiram a intervenção da polícia (...) O correspondente de um jornal norueguês (...) anunciou também que foi assassinado em Petrogrado, ontem de manhã, o socialista Lênin, apontado como agente alemão". (A Noite, 02/05/1017).

Alguns dias depois o mesmo jornal reafirmaria a morte de Lênin "durante uma rusga entre operários e soldados". Possivelmente os jornais se referissem, de maneira distorcida, às grandes manifestações de massas contra o ministro de relações exteriores e à manutenção da guerra. A imprensa invertia os fatos.

Depois dos acontecimentos de julho, um jornal brasileiro dava esta interessante descrição do líder dos bolcheviques: "Dizem (...) que o verdadeiro nome de Lênin é Leão Ulianov e que ele pode ser considerado como chefe da espionagem alemã na Rússia, tendo gasto nos últimos meses vários milhões de rubros" (O combate, – 25/07/1917).

Os bolcheviques eram chamados pela imprensa brasileira e latino-americana, inclusive anarquista, de maximalistas. Alguns diziam que era porque defendiam o programa máximo, outros porque era maioria (bolchevique) no Partido Social-Democrata. Existiam ainda aqueles que, mal informados, acreditavam que o termo se devia ao fato de serem discípulos do famoso escritor russo Maximo Gorki.

Jornais importantes, como o Correio da Manhã, não se furtavam de publicar coisas hilariantes como essa: "O célebre agitador Lênin faleceu em 1916 na Suíça e o falso Lênin que ultimamente tem agitado a Rússia não é outro senão um certo Zaberlun, antigo amigo de Lênin". Era comum referência a Lênin como sendo judeu - uma clara tentativa de relacionar a revolução russa com um suposto complô judaico internacional para conquistar o mundo.

Em primeiro de outubro o jornal Época anunciou solenemente que Lênin finalmente havia sido preso pelo governo provisório. O mesmo artigo chamava o partido bolchevique de “partido anarquista. Sobre Lênin também podia se ler: "Seu modo de vestir é dos mais descuidados (...) o que não impede de por, desde a revolução, diamantes nos botões de punho das camisas".

A imprensa liberal lastimou profundamente a vitória dos bolcheviques, mas foi obrigada a anunciá-la. Nos primeiros dias que se seguiram a queda do governo provisório, as notícias começaram novamente a serem distorcidas. No dia 11 de novembro o jornal A noite anunciava prazeroso: "Os cossacos, ajudados pelos minimalistas, estão prestes a dominarem os leninistas, com os quais têm travado batalhas nas ruas da capital".

No dia seguinte afirmava o mesmo jornal: "Kerenski, à frente de 200 mil homens dedicados e apoiados pela grande maioria da população, como também pelo Exército e pelas organizações conservadoras, luta a estas horas contra os maximalistas nos arrabaldes de Petrogrado ou, talvez, dentro da própria capital russa. De Lênin e seus comparsas não há notícias, acreditando-se mesmo que já tenham procurado asilo em lugar seguro (...) Esperemos, com otimismo, o resultado da luta que se está travando, porque dela deve sair triunfante a boa causa que é a que defende Kerenski".

Um dos principais jornais brasileiros, O País, afirmou: "O governo chefiado pelo Sr. Lênin reconheceu-se incapaz de deter as forças consideráveis de Kerenski". O Imparcial, por sua vez, estampou: "Já não há dúvidas sobre a situação da Rússia: o sr. Kerenski dominará integralmente a desordem leninista". Continua ele: "Comunicações de fontes autorizadas aqui recebidas anunciam que o Sr. Kerenski, à frente de importantíssimas tropas, marcha sobre Petrogrado".

No dia 13 de novembro, A Noite deu detalhes dos combates: "O Sr. Kerenski sai uma vez mais triunfante dos seus inimigos. Nos arrabaldes e dentro da própria capital (...) travou-se uma batalha que terminou (...) com a derrota dos maximalistas. Estes já reconhecem, aliás, a sua perdição e procuram agora chegar a um acordo, que Kerenski repele integralmente, declarando que maximalistas depuseram as armas, dominando a cidade um outro comitê, formado pelo ex-presidente da Duma".

O jornal anunciaria exultante que Kerenki havia entrado em Petrogrado e Lênin tinha sido preso. "É preciso que esta aventura seja exemplarmente castigada para que os comparsas de Lênin ou outros agitadores anarquistas, a serviço da Alemanha, não tenham vontade de repeti-la", pregava. Esses devaneios tomavam conta de toda imprensa oligárquico-burguesa.

Em março de 1919, referindo-se as revoluções russa e alemã que ainda se desencadeava, declarou Rui Barbosa: "Uma comoção tal, por mais horrenda que haja sido a guerra, vem a ser ainda cem vezes mais sinistra. Porque não é a fraternidade: é a inversão do ódio entre as classes. Não é o reconhecimento dos homens: é a sua exterminação mútua. Não arvora a bandeira do evangelho: bane Deus da alma e das reivindicações do povo. Não dá trégua à ordem. Não conhece a liberdade cristã. Dissolveria a sociedade. Extinguiria a religião. Desumanizaria a humanidade. Inverteria, subverteria a obra do Criador".

Naquele mesmo momento, a Rússia revolucionária estava resistindo bravamente aos ataques das potências imperialistas e dos exércitos brancos (contra-revolucionários). Estes seriam derrotados definitivamente em 1921.

Mesmo depois de consolidado o poder soviético, a imprensa liberal continuou a caluniar a Rússia levantando contra ela todo tipo de acusações. Quando da grande fome que se abateu sobre aquele país no início da década de 1920 - fruto da seca e da guerra civil imposta pelas potências capitalistas - um jornal escreveu: "Ali os famintos desenterravam cadáveres para comer. Os adultos, famintos, invejavam as crianças alimentadas pela American Relief Administration, provocando casos freqüentes de canibalismo. Ainda, em Sâmara, a polícia fechou um restaurante que servia aos fregueses carne de crianças". Surgia assim a lenda, repetidas por décadas a fio, que os comunistas comiam criancinhas.

Lima Barreto e Astrojildo Pereira

No Brasil também existiam aqueles, que ao contrário do conservador Rui Barbosa, admiravam a revolução russa e a obra dos bolcheviques. Um deles era o grande escritor negro Lima Barreto. Em novembro de 1918, ainda preso a um leito hospitalar, escreveu: "O que os jornais disseram (...) sobre o maximalismo e anarquismo, fez-me lembrar como os romanos resumiam, nos primeiros séculos da nossa era, o cristianismo nascente. Os cristãos, afirmavam eles categoricamente, devoram crianças e adoram um jumento. Mais ou menos isto, julgavam os senhores do mundo de uma religião que iria dominar todo aquele mundo por eles conhecidos e mais uma parte muito maior cuja existência nem suspeitavam (...) A teimosia dos burgueses só fará adiar a convulsão que será então pior: e que eles se lembrem, quando mandam cavilosamente atribuir propósitos iníquos aos seus inimigos, pelos jornais irresponsáveis; lembrem-se que, se dominam até hoje a sociedade, é às custas de muito sangue da nobreza que escorreu na guilhotina, em 1793, na Praça da Grève, em Paris. Atirem a primeira pedra".

Entre nós, seriam os dirigentes do movimento operário que melhor entenderiam os acontecimentos russos daqueles anos turbulentos. O instinto de classe lhe dizia de qual lado deveria combater. Escolheram o lado dos conselhos de operários, soldados e camponeses contra o governo provisório de Kerenski.

Naquele momento destacou-se a atuação do jornalista e, então, líder anarquista Astrojildo Pereira. Ele assumiu decididamente a defesa da revolução russa, enviando uma série de artigos para os principais jornais cariocas, assinando com o pseudônimo de Alex Pavel. A grande parte deles, é claro, não foi publicada e possivelmente acabou indo para o cesto de lixo de algum editor. Um pouco mais tarde, em 1918, estes artigos foram organizados e publicados sob o título "A Revolução Russa e a Imprensa". Este livreto cumpriu um papel importante no esclarecimento do movimento operário brasileiro.

Logo no seu primeiro artigo escreveu: "Jamais se viu na imprensa do Rio tão comovedora unanimidade de vistas e de palavras, como, neste instante, a respeito da revolução russa. Infelizmente, tão comovedora quanto deplorável, essa unanimidade, toda afinada pelas mesmíssimas cordas da ignorância, da mentira e da calúnia. Saudada quando rebentou (...) a revolução russa é hoje objeto das maldições da nossa imprensa, que nela só vê fantasmas de espionagem alemã, bicho perigoso de não sei quantos milhões de cabeças e garras. Provavelmente os nossos jornais desejariam que se constituísse, na Rússia, sobre as ruínas do Império, uma flamante democracia de bacharéis e de negociantes, (...) como esta nossa, presidida pela sabedoria inconfundível do Sr. Venceslau".

O anarquista Astrojildo Pereira defendeu o comunista Lênin das acusações que lhe eram feitas pela imprensa mundial. "Lênin, disse ele, é um velho socialista militante de mais de 20 anos, e como tal, ferozmente perseguido pela autocracia moscovita, mas sempre o mesmo homem de caráter indomável e intransigente (...) Como pode, pois entrar nos cascos de alguém que um homem destes, precisamente quando vê seus caros ideais em marcha, a concretizar-se, numa soberba floração de energia vital, vá vender-se a um governo estrangeiro? Lênin se quisesse vender-se algum dia, bastava esboçar o mais leve sinal e o governo de São Petersburgo rechear-lhe-ia os bolsos fartamente, vencendo pelo dinheiro o inimigo implacável (...) Os cascos do mais espesso jumento repelirão, por demasia, tais sandices".

Em outra carta afirmou ele: "Os maximalistas que formam uma fração dos socialistas russos são, por sua natureza, especificamente inimigos de todos os governos monárquicos e plutocráticos, da Rússia e de fora da Rússia, portanto inimigos naturais dos governos de Berlim e de Viena (...) Ora, se isso é verdade (...) como conceber que os maximalistas sejam agentes alemães, agindo por influxo do marco prussiano, traidores da pátria e outras coisas não menos feias?". Alguns meses depois, comprovando estas opiniões, os “maximalistas” alemães ajudariam a derrubar os impérios, prussiano e autro-húngaro.

Astrojildo conseguiu, apesar das poucas informações que dispunha, descrever com precisão o que ocorria na longínqua Rússia em julho de 1917: "Os dois núcleos orientadores do movimento, a Duma e o Comitê de Operários e Soldados, este surgido da própria revolução, logo tomaram posições antagônicas, terminado o primeiro golpe demolidor. A Duma vinda do antigo regime, pode dizer-se representa, em maioria, a burguesia moderada e democrática, ao passo que o Comitê de Operários e Soldados, composto de operários, representa o proletariado avançado, democrata, socialista e anarquista. A Duma deu o governo provisório e o primeiro ministério; o Comitê de Operários e Soldados derrubou o primeiro ministério, influiu poderosamente na formação do segundo e tem anulado quase por completo, senão de todo, a ação da Duma (...) A qual das duas forças está destinada a preponderância na reorganização da vida russa? O que se pode afirmar com certeza é que essa preponderância tem cabido, até agora, ao proletariado. E como o proletariado, cuja capacidade política já anulou o papel da Duma burguesa, está também com as armas na mão, não encontrando, pois, resistência séria aos seus desígnios, não muito longe da certeza andará que prever a sua contínua preponderância, até completa absorção de todos os ramos da vida nacional, extinguindo-se, de tal modo, num prazo mais ou menos largo, a divisão do povo russo em castas diversas e inimigas. E inútil é insistir na influência que tais acontecimentos exercerão no resto do mundo, na obra de reconstrução dos povos, cujos alicerces estão sendo abalados pelo fragor inaudito dos grandes canhões destruidores".

Neste trecho magistral, ele demonstrou uma grande capacidade de análise política, – virtude que o conduziria a ser um dos principais responsáveis pela fundação do Partido Comunista do Brasil em março de 1922. Por esse motivo, o nome de Astrojildo Pereira estará sempre entrelaçado com o da Revolução Russa em nosso país.

Bibliografia

- Bandeira, Moniz e outros. "O Ano Vermelho", Ed. Civilização Brasileira, RJ, 1967.

- Buonicore, Augusto. "Astrojildo e a gênese do comunismo no Brasil", In Vermelho.

- Ferro, Marc. "O Ocidente diante da Revolução Soviética", ed. Brasiliense, SP, 1984.

- Koval, Boris. "A grande revolução de outubro e a América Latina", Ed. Alfa-Omega, SP, 1980.

- Oliveira, J. R. Guedes de. "Viva, Astrojildo Pereira", Fundação Astrojildo Pereira/Abaré, 2005.

- Pereira, Astrojildo. "A formação do PCB (1922/1928)". Ed Prelo, Lisboa, 1976.

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Experiências mundiais de regulação de mídia

Reproduzo matéria publicada no sítio Carta Maior:

O governo federal, por meio da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, promove, dias 9 e 10 de novembro, em Brasília, o Seminário Internacional das Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias para debater os impactos das mudanças tecnológicas, seus desafios e oportunidades na nova era da digitalização. O objetivo do Seminário é fornecer subsídios para legisladores, reguladores, formuladores de políticas públicas e segmentos empresariais e da sociedade civil que atuam no setor da comunicação.

O encontro contará com a participação de 11 especialistas, dirigentes e representantes de entidades e órgãos reguladores de seis diferentes países. Eles debaterão as experiências, avanços e limitações de seus processos regulatórios de radiodifusão e telecomunicações. Os debates ocorrerão no Teatro da Caixa (SBS, Quadra 4, Lote 3, 4.)

O seminário trará as experiências de regulação no setor de comunicações eletrônicas de vários países, como Argentina, Espanha, Estados Unidos, França, Portugal e Reino Unido, e da União Europeia, além de estudos desenvolvidos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Participam, como palestrantes, dirigentes e representantes da Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom), Portugal; da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), Portugal; do Conselho Superior do Audiovisual (CSA - Conseil Supérieur de l´Audiovisuel), França; da Comissão de Mercado das Telecomunicações (CMT - Comisión del Mercado de las Telecomunicaciones), Espanha; da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual (AFSCA - Autoridad Federal de Servicios de Comunicación Audiovisual), Argentina; do Office of Communications (Ofcom), Reino Unido; especialistas na área de regulação da Comissão Europeia, da Unesco, da OCDE e da Comissão Federal de Comunicações (FCC - Federal Communications Commission), Estados Unidos.

Estão convidados para o evento entidades da sociedade civil e empresarial, parlamentares, representantes de órgãos governamentais, acadêmicos, especialistas e a imprensa. Em razão da limitação de lugares no local do seminário, não há inscrições abertas. A participação no evento ocorrerá somente mediante convite. Em caso de desistências, novas inscrições poderão ser efetuadas desde que os interessados enviem o nome e o órgão que representam para o e-mail seminariointernacional@planalto.gov.br.

O evento será transmitido ao vivo pelo site do seminário e pela TV NBR.

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A guerra cambial e o Brasil

Reproduzo artigo de Antonio Corrêa de Lacerda, publicado no jornal Valor Econômico:

“Quando a realidade muda, minhas convicções também mudam”. John M. Keynes (1883-1946)

A guerra cambial é um dos principais pontos de discussão na pauta da reunião do G-20, que ocorrerá em Seul, na próxima semana. O mundo vive um quadro de desordem monetária e cambial, que se agravou depois da crise mais recente, o que tem imposto enormes desafios aos países em desenvolvimento.

A recente decisão do FED (Federal Reserve) de injetar US$ 600 bilhões no mercado, mantendo baixas taxas de juros, deve estimular as operações carry trade, a arbitragem entre taxas de câmbio e de juros, deslocando-as para países em desenvolvimento, especialmente aqueles que praticam taxas de juros superiores à média dos países centrais.

Do outro lado, a China mantém há décadas uma política de câmbio desvalorizado como fator crucial de competitividade. Mas, a guerra cambial não é um movimento que se restringe aos dois países citados. Há muitos outros países se aproveitando do momento para se fortalecer.

Para a economia brasileira, especialmente, o novo quadro representa, ao mesmo tempo, desafios e oportunidades. A relevância do problema cambial brasileiro e seus impactos negativos sobre a estrutura produtiva e no balanço de pagamentos, está na ordem do dia.

A discussão cambial até então restrita aos fóruns econômicos ou de demandas empresariais, muitas vezes tidas como “corporativas”, ganha relevância e amplitude, inclusive no discurso e decisões do governo. O desafio é ir além do simplismo do “câmbio flutuante que flutua” e da definição das taxas de juros unicamente baseada no sistema de metas de inflação de curto prazo.

Na questão cambial, a mudança não requere, necessariamente, o abandono do regime flutuante – que já se mostrou o mais adequado – mas sim, o seu aperfeiçoamento, levando em conta as circunstâncias impostas pela conjuntura internacional. Seria ingênuo de nossa parte deixá-lo simplesmente oscilar ao sabor dos movimentos dos fluxos de capitais. A recente elevação do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) tem se mostrado uma medida acertada, porém insuficiente, por si só, de fazer frente à magnitude do problema a ser enfrentado. O quadro requer mais ousadia.

Cada vez mais países estão instrumentalizando a sua política cambial como incentivo às suas exportações e de proteção à produção doméstica como antídoto para os efeitos da crise, visando principalmente a retomada da atividade, assim como preservar emprego e renda. Da mesma forma, EUA, Europa e Japão reduziram a suas taxas nominais de juros a quase zero, o que na prática significa juro real negativo, com o mesmo objetivo.

É essa a circunstância que impõe ao Brasil a necessidade de mudar para manter. Ou seja, é preciso utilizar todos os instrumentos possíveis, de políticas macroeconômicas (fiscal, monetária e cambial), assim como as políticas de competitividade (políticas industrial, comercial e tecnológica/inovacional) para fazer frente à guerra cambial instalada.

Assim como o regime de câmbio flutuante, o nosso sistema de metas de inflação tem seus méritos, mas, tem que ser aperfeiçoado. É preciso levar mais em conta a conjuntura internacional, para evitar manter a nossa política monetária na contramão dos demais países, pois isso nos torna alvo fácil da especulação. A inflação de commodities, por exemplo, não pode implicar automaticamente em uma elevação da taxa de juros básica, até mesmo porque ela tem pouco efeito sobre esses preços.

Faz-se necessário ainda ampliar a desindexação da economia, definir um horizonte mais estendido no prazo de cumprimento da meta, além de rever o que considerar como definidor da taxa de juros. O quadro atual de juros nos faz incorrer em um custo muito elevado tanto de financiamento da dívida pública quanto de carregamento das reservas cambiais. Aí está uma oportunidade para o Brasil. Temos hoje um déficit nominal das contas públicas de cerca de 2% do PIB, muito abaixo de muitos países. Por outro lado, o custo do financiamento da dívida pública representa 5,5% ao ano. Há um evidente espaço para reduzir juros e, consequentemente, diminuir o custo de financiamento da dívida pública e o déficit nominal.

Outra oportunidade decorrente é que o juro alto agrava a valorização do real e suas consequências. Reduzir os juros ajudaria a conter a pressão pela valorização do real. Além disso, a deterioração do déficit em transações correntes do balanço de pagamentos e os estragos na estrutura produtiva e de padrão de comércio exterior brasileiro, derivados da apreciação cambial, requerem mudanças. Há uma perversa desintegração das cadeias produtivas locais, muitas vezes inviabilizadas pela impossibilidade de exportar, ou pelo crescimento expressivo que temos observado no coeficiente de importação. Estas não mais se restringem a matérias primas, componentes, ou máquinas e equipamentos, mas a todos os elos da produção.

A deterioração das balanças comercial e de serviços e rendas têm provocado o crescimento do déficit em conta corrente de balanço de pagamentos, que deve atingir US$ 50 bilhões este ano. Mais do que o montante em si, pouco significativo, relativamente às reservas cambiais, ou ao PIB, o que de fato impressiona é a velocidade da sua deterioração.

Como bem define a frase em epígrafe, atribuída a Keynes, quando um interlocutor questionou por que havia alterado sua posição, em relação a um posicionamento passado, as circunstâncias advindas da guerra cambial internacional nos impõem o imperativo da mudança. Até mesmo porque, a relutância em fazê-lo, implicaria custos econômicos, sociais e, consequentemente, políticos, muito mais elevados em um futuro, que se mostra cada vez mais próximo.

* Antonio Corrêa de Lacerda economista, doutor pelo IE/Unicamp e professor do departamento de economia da PUC-SP, é coautor de “Economia Brasileira”

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O sindicalismo no governo Dilma (1)

Por Altamiro Borges

A vitória de Dilma Rousseff nas eleições de 2010 dá continuidade ao ciclo político aberto com a histórica eleição de Lula, em 2002. Naquela ocasião, a chegada à presidência da República do carismático líder operário se deu num cenário bem mais difícil. A economia brasileira estava em frangalhos e quase foi à falência, curvando-se três vezes diante dos algozes do Fundo Monetário Internacional (FMI). A destruição foi obra da política neoliberal de FHC, que entregou boa parte do patrimônio público nos leilões da privataria, bateu recordes de desemprego, retirou os direitos trabalhistas e reduziu o papel do estado como indutor do desenvolvimento da economia nacional.

Diante desta herança maldita, o presidente Lula cedeu às pressões das elites e preservou o tripé neoliberal de juros altos, superávit primário e libertinagem financeira, o que manteve os índices de baixo crescimento econômico e alto desemprego. Mais ainda: Lula enviou ao parlamento uma proposta regressiva de contra-reforma da Previdência Social. Estas e outras medidas impopulares causaram uma justa frustração dos trabalhadores diante do novo governo, oriundo das suas lutas. O sindicalismo ficou atordoado, na defensiva, e presenciou a divisão de suas organizações.

Com a crise do chamado mensalão, desencadeada pela mídia a partir de maior de 2005, parecia que a primeira experiência de um governo presidido por um operário caminhava para o total fiasco. A direita golpista chegou até a defender o impeachment de Lula, o que gerou imediata reação das organizações populares. A Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) promoveu atos em vários estados e no Distrito Federal contra o golpe. Temendo a revolta popular, a direita passou a investir no “sangramento” do presidente, apostando numa vitória eleitoral em 2006.

A guinada desenvolvimentista

Mas, aos poucos, o governo Lula deu passos no sentido de pôr em prática seus compromissos de mudança. A política externa ativa e altiva rompeu o alinhamento servil aos EUA, estimulou a integração latino-americana e diversificou as relações comerciais. Apesar da pressão das elites, o governo Lula garantiu o dialogo com os movimentos sociais e não criminalizou suas lutas. Com o tempo, ele passou também a adotar medidas de estímulo ao mercado interno e teve a ousadia de bancar os programas de transferência de renda que tiraram da miséria milhões de brasileiros – como Bolsa Família e Luz para Todos, entre outros.

No segundo mandato, bem mais fortalecido ao sair da tormenta, o presidente Lula iniciou uma reorientação da política econômica, apostando no rumo desenvolvimentista, em especial com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Houve a retomada do crescimento econômico, invertendo a curva do desemprego. A grave crise capitalista mundial, detonada no final de 2008, chegou a ameaçar esta nova fase de prosperidade. Mas, como afirma o ditado popular chinês, a crise também é uma janela de oportunidade.

Diante do risco, o governo Lula reafirmou sua linha desenvolvimentista. Cortou juros, aumentou os investimentos – inclusive no ousado programa Minha Casa, Minha Vida – e reduziu impostos no setor produtivo. O Brasil foi um dos últimos países a entrar na crise e um dos primeiros a sair dela, ainda robusto. A projeção é que a economia cresça mais de 7% em 2010 e que a geração de emprego bata recorde histórico. O Brasil já se projeta como a quinta maior economia do mundo.

Direita é forte e vai espernear

Dilma Rousseff tomará posse em 1º de janeiro neste cenário bem mais favorável. O legado do operário Lula não é a herança maldita do neoliberal FHC. O novo governo nasce com melhores condições para impulsionar o desenvolvimento do país e para enfrentar os seus graves problemas sociais, numa das nações que ainda ostenta os piores índices de desigualdade do planeta.

Isto não pode gerar ilusão ou passividade. Afinal, a direita brasileira, que representa os interesses da elite nativa e dos impérios internacionais, ainda tem força. Ela jogou sujo e foi derrotada nas eleições, mas não entregará a rapadura facilmente. Fará de tudo para manter seus privilégios e para evitar qualquer reforma estrutural no país. Ela perdeu eleitoralmente, mas tentará vencer politicamente, enquadrando o novo governo ou investindo na sua desestabilização golpista.

A eleição de Dilma Rousseff barrou o retrocesso neoliberal, mas não garante por si só o avanço nas mudanças. Com autonomia e inteligência política, os movimentos sociais precisarão intensificar a pressão para garantir seus direitos imediatos e futuros. A luta de classes tende a se acirrar no Brasil.

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O governo Dilma e a comunicação social

Reproduzo artigo de Marcelo Salles, publicado no blog Escrevinhador:

“A Comunicação é uma missão social. Por isto, juro respeitar o público, combatendo todas as formas de preconceito e discriminação, valorizando os seres humanos em sua singularidade e na luta por sua dignidade” (Juramento do Jornalista Profissional)

Segundo a jornalista Marilia Gabriela, a vitória de Dilma foi apertada. 12 milhões foi pouco pra ela. Uma Bolívia inteira de votos não bastou, como não foi suficiente para convencer a maior parte dos intelectuais da direita e de seus arautos. “A oposição vai governar 54% do eleitorado” é a frase mais comum a flutuar pelo vasto oligopólio da mídia.

De fato a direita ganhou importantes governos estaduais. Ocorre que, para a infelicidade dela, o campo progressista também venceu importantes governos estaduais. E mais: 60% da Câmara dos Deputados e 70% do Senado Federal. Talvez o Congresso Nacional mais à esquerda que o Brasil já viu. Mas como parte da direita não enxerga o Brasil…

A primeira entrevista de Dilma, depois de eleita, foi para a TV Record. Nem o Lula, que é o Lula, ousou desafiar a supremacia da TV Globo. Se a iniciativa vai se traduzir em ações concretas de combate às irregularidades das empresas de mídia, que violam descaradamente a Constituição Federal, isso só o tempo vai dizer. É preciso ficar atento para os novos ministros das Comunicações, Educação, Cultura e Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Seja como for, não dar a primeira entrevista à Globo tem um valor simbólico gigantesco.

Por um motivo muito simples: a TV Globo, inaugurada em parceria com o grupo estadunidense Time-Life um ano depois da ditadura, foi o principal sustentáculo do regime autoritário que sequestrou, torturou e assassinou milhares de brasileiros.

Vamos à opinião de quem trabalhou por 10 anos na Fundação Roberto Marinho, inclusive ocupando o posto mais alto da organização, a de controller. Roméro Machado:

- O escândalo Globo/Time Life não é meramente um caso de um sócio brasileiro (Roberto Marinho) que aceita como sócio uma empresa estrangeira (Grupo Time-Life), contra todas as leis do país. O escândalo Globo/Time-Life é mais do que isso. É antes de mais nada um suporte de mídia que visava apoiar, dar base, sustentação e consolidar a ditadura no Brasil, apoiada e supervisionada pela CIA, por exigência dos Estados Unidos, comandado por terroristas da CIA, como Vernon Walters e Joe Walach, sendo este último com emprego fixo na Globo, como “representante” do grupo Time-Life.

Dilma lutou contra essa ditadura, e ela sabia muito bem que a tortura foi utilizada como instrumento de controle social, assim como a Globo, para permitir a desnacionalização das economias latino-americanas. A jornalista Naomi Klein, no livro “A doutrina do choque”, mostrou de modo lapidar a relação dos regimes autoritários com a implementação do capitalismo neoliberal em Nuestra América. Foi no Chile o laboratório. Foi no Chile de Pinochet que os Chicago Boys, sob a orientação do economista Milton Friedman, fizeram a festa. O receituário é conhecido: privatizações, redução do Estado e abertura econômica indiscriminada. Rigorosamente o contrário do caminho adotado pelo Brasil e pelos países latino-americanos que conquistam avanços importantes.

Por isso é muito significativa a escolha da presidenta eleita.

Não é o fato de a TV Record ter sido a escolhida, apesar de lá existirem profissionais competentes e que não estão impedidos de fazer jornalismo por forças superiores. O fato é que a Globo foi preterida. E com isso, toda uma lógica foi declinada.

Do ponto de vista da comunicação, podemos antever alguns caminhos para o governo Dilma – caminhos esses que vão influir, em grande medida, no desenvolvimento do Brasil e dos demais países da América Latina:

1) O novo governo escolhe o caminho da conciliação com as Organizações Globo, para minimizar conflitos e poder seguir sem muitas turbulências com sua agenda política. Isso significa não mudar significativamente a política de radiodifusão.

2) Resolve tocar a sua agenda política para a radiodifusão sem pedir autorização para ninguém, o que significa, entre outras medidas: adotar as principais resoluções da Conferência Nacional de Comunicação, como proibir a propriedade cruzada, aproveitar a digitalização para democratizar o espectro radioelétrico, estimular o desenvolvimento de veículos de comunicação alternativos, fomentar a criação de um conselho para os profissionais da mídia e, óbvio, fazer valer a Constituição Federal nos artigos que tratam da Comunicação Social – 220 a 224.

No primeiro caso, poderemos esperar avanços tímidos no campo da comunicação. No segundo caso, uma revolução pode ter início. Seja como for, é fundamental alertar: qualquer caminho que seja adotado terá conseqüências diretas para toda a sociedade, considerando que a mídia tem poder suficiente para interditar debates ou impor as pautas de seus próprios interesses. E essas conseqüências virão para o bem e para o mal, e a depender da correlação de forças. 55 milhões de votos e as maiorias no Senado e na Câmara são bons auspícios. Mas uma Bolívia faz toda a diferença.

Observação: se os movimentos sociais, os partidos políticos, a academia, as associações de classe e demais organizações da sociedade civil ficarem esperando que o governo faça tudo sozinho, nada vai acontecer.

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