segunda-feira, 12 de maio de 2008

Um balanço parcial do governo Lula

Depois de vinte anos de feroz ditadura militar e de mais de uma década de ofensiva neoliberal, o Brasil se encontra inserido num novo contexto político. A vitória eleitoral de 2002, que levou um líder operário à presidência da Republica pela primeira vez na nossa história, abriu um novo estagio na luta de classes no país. Ele é mais complexo, cheio de possibilidades para o avanço da luta dos trabalhadores, mas também carregado de obstáculos e armadilhas. O primeiro mandato do presidente Lula confirmou esta disjuntiva.
Ele foi marcado por avanços nas áreas sociais, por maior autonomia frente às potências capitalistas e pela não criminalização dos movimentos populares. Estes aspectos positivos, que não podem ser minimizados, garantiram a sua reeleição em 2006, apesar da agressiva campanha do bloco liberal-conservador e de sua mídia. Ao mesmo tempo, o primeiro governo Lula cometeu graves erros, que causaram justa decepção em setores da sociedade. Não rompeu com a política macroeconômica neoliberal, não promoveu mudanças estruturais e ainda golpeou direitos dos trabalhadores, como na reforma da previdência. Lula nunca se disse de esquerda ou socialista, mas bem que poderia ter avançado mais nas mudanças que o povo almeja.

As vantagens externas

O segundo mandato do presidente Lula, iniciado em janeiro último, abre um novo capítulo nesta história. Em vários sentidos, as condições hoje são bem mais favoráveis para se avançar nas mudanças. O cenário externo permite posturas mais ousadas dos governantes com coragem e convicção de projeto. Diferente do primeiro mandato, quando o presidente-terrorista George W. Bush se encontrava em plena ofensiva, bombardeando e invadindo nações e taxando os descontentes de “eixo do mal”, agora ele está atolado no Iraque e metido numa grave crise interna, o que amplia a margem de manobra das nações dependentes.
Além disso, ocorreram profundas mudanças na América Latina nos últimos anos. Em 2003 só havia um governo progressista na região, o de Hugo Chávez, que ainda corria risco de queda devido a um locaute patronal. Nos demais países, os governos aplicavam a risca o modelo neoliberal e mantinham “relações carnais” com os EUA. Agora o quadro é distinto, com uma viragem à esquerda no tabuleiro político, o que reforça as posições mais progressistas. Os recentes avanços na integração latino-americana, com o fortalecimento do Mercosul, a criação da Unasul, o surgimento da Alba e as várias iniciativas de maior unidade regional, criam melhores condições para o Brasil superar a sua perversa dependência externa.

Suspiro econômico

Outro fator favorável às mudanças encontra-se, contraditoriamente, na situação da economia capitalista internacional. Há cinco anos que ela passa por uma fase de relativa estabilidade, com taxas positivas de crescimento, apesar de medíocres. O período anterior foi de intensa turbulência, com as graves crises do México, Rússia, Ásia e do próprio Brasil. Os países dependentes foram principais vítimas da instabilidade financeira e tiveram vários solavancos. Atualmente, devido ao acelerado crescimento da China, que virou a principal locomotiva da economia, e também a outros fatores, há certo suspiro na economia mundial.
As nações que exportam commodities, produtos de baixo valor agregado nos setores minerais e agrícolas, têm obtido fôlego para crescer. Em parte, isto explica o aumento das exportações brasileiras e seus saldos recordes na balança comercial. Este cenário aparentemente mais favorável, que pode evaporar caso ecloda nova crise nos EUA, permite que o segundo governo Lula seja mais audacioso nas mudanças, superando os gargalos que entravam o desenvolvimento. É bem diferente do primeiro mandato, iniciado com a nação totalmente quebrada e vulnerável, próxima do colapso, devido à gestão criminosa e entreguista de FHC.

Avanços palpáveis

A situação econômica aparentemente mais favorável não decorreu apenas dos fatores externos. O governo Lula adotou algumas medidas que evitaram a falência do país. Em 2003, quando chegou à presidência, o Brasil possuía uma dívida externa de US$ 210,7 bilhões e o temido risco-país, calculado pela ditadura do capital financeira, estava acima de dois mil pontos. Com as mudanças efetuadas na economia, a dívida externa caiu para US$ 161 bilhões no início de 2007 e o risco-país baixou para 200 pontos, menor índice da sua história. O governo também saldou as dívidas com o Fundo Monetário Internacional (FMI), pondo fim às humilhantes auditorias deste órgão da agiotagem. A relação da dívida externa liquida com o PIB, que na gestão de FHC saltou de 17,5% para 35,9%, no primeiro mandato de Lula baixou para 9,4%.
Já as reservas internacionais, que dão maior autonomia à economia, atingiram US$ 95 bilhões em 2006 – bem diferente do triste reinado tucano, quando despencaram de US$ 37,9 bilhões para US$ 16,3 bilhões, deixando o país totalmente vulnerável. O saldo comercial, decorrente do aumento das exportações e da redução de importações, atingiu um superávit de US$ 120 bilhões em 2006. Já no governo FHC, o déficit foi de US$ 8,6 bilhões. As mudanças na economia tiveram reflexos imediatos na vida do trabalhador. O desemprego, que atingiu 13% da População Economicamente Ativa na gestão tucana, baixou para 9% - que ainda é muito elevado. Os graduais reajustes do salário mínimo aumentaram o consumo interno e alavancaram a produção, gerando a abertura de novas vagas. Os programas sociais do governo Lula, com destaque para o Bolsa Família, que atende 11 milhões de lares, também ajudaram a aquecer o economia.

Impulso das eleições

Por último, como fator que empurra o governo Lula para uma postura mais ousada, encontra-se o próprio resultado das eleições de 2006. Apesar do bombardeio da mídia venal e do jogo sujo da direita neoliberal, que se travestiu de arauto da ética, a esmagadora maioria do povo preferiu evitar riscos de retrocesso. Por ironia da história, a ida da eleição ao segundo turno, fruto de graves erros de campanha e da manipulação da mídia, ajudou a demonstrar o que estava em jogo na disputa. Ela forçou o candidato Lula a adotar um discurso mais incisivo, politizando a campanha, com críticas às privatizações e a defesa dos investimentos nas áreas sociais, da política externa soberana e da relação democrática com dos movimentos sociais.
O candidato direitista Geraldo Alckmin ficou acuado e perdeu mais de 2,5 milhões de votos no segundo turno. As forças governistas fizeram maioria na Câmara de Deputados e elegeram vários governadores, ficando em dificuldade apenas no Senado. Neste sentido, a vitória de 2006 não foi apenas eleitoral, mas também política e ideológica. Representou um duro revés das idéias neoliberais, privatistas, entreguistas e anti-sociais. Também ajudou a enfraquecer os mercadores de ilusões no interior do governo, que sempre pregaram a conciliação de classes com as elites burguesas e promoveram cedências no primeiro mandato. Em decorrência deste resultado, os partidos do bloco liberal-conservador entraram em crise. O PFL até mudou de nome, transformando-se em DEM (ou demo!) para esconder sua opção liberal; já o PSDB não se entende, com uma guerra fratricida entre os tucanos José Serra e Aécio Neves. É indiscutível que o segundo governo Lula tem mais força política para emplacar as mudanças que a nação exige.

A derrota da mídia

O resultado eleitoral de 2006 também significou uma fragorosa derrota da mídia hegemônica. Diante do desgaste e da crise dos partidos neoliberais, ela assumiu o papel de “partido da direita”. No passado, ela já prestara este serviço sujo: desestabilizou os governos de Getúlio Vargas e João Goulart; incentivou o golpe de 1964; apoiou a ditadura militar (a famíglia Frias, que controla o jornal Folha de S.Paulo, cedeu suas peruas para o envio de presos políticos à tortura); enriqueceu com o regime autoritário (foi a fase áurea da Rede Globo); demonizou os movimentos grevistas nos anos 80; interferiu na Constituinte para impedir os avanços sociais; criou a figura do “caçador de marajás” para evitar a vitória da esquerda em 1989; apostou na eleição e reeleição de FHC; e fez propaganda escancarada do ideário neoliberal.
No governo Lula, a mídia manteve a mesma linha editorial. Manipulando as informações e deformando as consciências, tentou enquadrar e domesticar o presidente ou simplesmente apostou no seu impeachment, numa despudorada ação golpista. Na campanha eleitoral, ela fez campanha aberta da oposição. O livro “A mídia e as eleições de 2006”, organizado por Venício de Lima, prova com vários gráficos que as notícias negativas contra Lula foram três vezes maiores as de Alckmin. Marcos Coimbra, do Instituto Vox Populi, afirma que nunca viu tanta manipulação. Apesar deste bombardeio midiático, o povo garantiu a reeleição e infringiu histórica derrota à mídia prepotente. Revelou que o seu poder manipulador não é imbatível. Atualmente, apenas seis grupos controlam mais de 70% da mídia nativa – Marinho (Globo), Abravanel (SBT), Macedo (Record), Frias (Folha), Civita (Abril) e Mesquita (Estadão). Somente a TV Globo detém mais de 60% das milionárias verbas publicitárias – inclusive dos R$ 1,06 bilhão dos cofres públicos. Na prática, existe no Brasil uma ditadura midiática, que a pleito de 2006 ajudou a desmascarar. Não é para menos que o governo Lula, tão iludido e dócil no primeiro turno, agora investe na criação de uma rede pública de comunicação e que os movimentos sociais exigem a revisão das concessões para as emissoras privadas de rádio e TV, o fim da perseguição às rádios comunitárias, novo marco regulatório que elimine o monopólio do setor, e a rediscussão do destino das verbas publicitárias. Entre outros méritos, a eleição de 2006 tornou urgente o debate sobre a democratização da mídia. Sem enfrentar a ditadura midiática não haverá efetiva democracia no país e a luta dos trabalhadores esbarrará em enormes obstáculos.

Janeiro de 2008 - www.vermelho.org.br

Os novos ventos na América Latina

Num cenário em mutação, em que o império se fragiliza e as idéias neoliberais perdem encanto, avançam as lutas dos povos no mundo todo. A heróica resistência iraquiana, fincada numa região rica em petróleo, é hoje o calcanhar de Aquiles dos EUA. Fruto da violência imperial, ela conflagrou toda a região asiática. Outro fenômeno animador é o crescente engajamento da juventude na luta por “outro mundo é possível”. Este movimento de rebeldia, que ganhou maior organicidade a partir dos Fóruns Sociais Mundiais (FSM) de Porto Alegre, é hoje uma pedra no sapato das corporações empresariais e das potencias capitalistas. E também surgem sinais positivos de uma retomada das lutas sindicais, com as recentes greves gerais na França, Portugal, Grécia e Itália contra as regressões na previdência social e nos direitos trabalhistas.

Um continente em transe

O destaque desta resistência, porém, se dá na América Latina, o que nem sempre é notado pelos lutadores sociais do Brasil – talvez porque ainda não cultivemos a nossa identidade latino-americana. Nos últimos anos, o continente passou por bruscas alterações no tabuleiro político. Para o cientista político José Luis Fiori, esta mudança é inédita na história da região. De laboratório do neoliberalismo, ela se converteu na vanguarda da luta contra os seus efeitos destrutivos. A resistência avança num ritmo acelerado, utilizando diversas formas de luta. De maneira residual, ainda persistem experiências de guerrilha – com realce para as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs), que dominam 40% do território. Outra forma de luta, com marcas insurrecionais, é a dos levantes populares, que já depuseram onze presidentes na região.
A maior forma de expressão desta rebeldia, entretanto, se dá através das urnas, com a insatisfação popular resultando na derrota dos candidatos comprometidos com as idéias neoliberais. Hugo Chávez, um militar rebelde, inaugurou a série de vitórias à esquerda no final de 1998; na seqüência foram eleitos um operário e sindicalista no Brasil, Lula; um líder camponês e indígena na Bolívia, Evo Morales; um ex-guerrilheiro na Nicarágua, Daniel Ortega; um economista heterodoxo no Equador, Rafael Correa; além de René Preval no Haiti, Nestor e Cristina Kirchner na Argentina, Tabaré Vázquez no Uruguai e Michele Bachelet no Chile. Em breve, um teólogo da libertação, Fernando Lugo, poderá se tornar presidente do Paraguai.

Ritmos e processos diferenciados

Cada país destes, com suas particularidades, realiza experiências distintas no enfrentamento à grave crise que devastou a região nas décadas sombrias do neoliberalismo. Alguns governantes adotam posturas mais ousadas, em especial nas nações andinas – Venezuela, Bolívia e Equador. Outros trilham caminhos mais moderados, evitando confrontos, como no Brasil, Uruguai e Chile. Em comum, todos os novos governos, inclusive por temerem a pressão social, tentam se distanciar dos velhos dogmas neoliberais, paralisando as privatizações em áreas estratégicas da economia, voltando a reforçar o papel indutor do Estado, investindo em programas sociais e reduzindo o ímpeto das medidas de precarização trabalhista.
Como afirmou Chávez no Fórum Social Mundial em Caracas, em 2006, a conduta dos novos governantes reflete a correlação de forças de cada país, não adota um modelo único e segue ritmos diferenciados, mas todos buscam superar as mazelas do neoliberalismo. Para não frustrar as expectativas populares e evitar o retorno do bloco liberal-conservador, as novas forças nos governos necessitam avançar nas mudanças. A vida empurra para maior ousadia e radicalização; do contrário, a revanche da história pode ser brutal. O caso mais exemplar é o da Venezuela, onde o processo bolivariano adquire contornos revolucionários e coloca como desafio a construção do “socialismo do século XXI”. Ele desafia a arrogância imperialista e ataca a ditadura midiática ao não renovar a concessão da golpista RCTV. Mesmo derrotado “por ahora” no referendo, o seu projeto de reforma constitucional propunha a redução da jornada de trabalho para 36 horas semanais, a reforma agrária antilatifundiária e a inclusão na previdência do trabalhador informal.
Já na Bolívia, Evo Morales nacionaliza campos e refinarias de petróleo e gás. A corajosa iniciativa é um marco na história do país, o mais pobre da América do Sul, apesar deste possuir reservas estimadas em 1,5 trilhão de metros cúbicos de gás, de extrair 40 mil barris de petróleo por dia e de produzir 150 milhões de pés cúbicos de gás por ano. A partir deste gesto soberano, parte da riqueza natural agora é destinada aos programas sociais de combate à fome, à eletrificação da zona rural e à alfabetização. Já Rafael Correa, no Equador, afirma que não pagará a dívida externa com a fome do povo, vence com folga a eleição para a Constituinte e reafirma sua convicção socialista. Nos outros países, inclusive no Brasil, o processo de mudança é mais contido, o que gera insatisfação nos movimentos sociais e atiça os setores conservadores.

Esforço da integração regional

Apesar destas diferenças de ritmos e concepções, outro fator unifica estas várias experiências: o esforço da integração latino-americana. Cada governante, por razões pragmáticas ou por convicção, já percebeu que isolado nenhum país terá como enfrentar o poder do “império do mal”, que historicamente sempre tratou o continente como “quintal dos EUA”. Com esta compreensão avançada, importantes passos têm sido dados no rumo da constituição de um bloco regional contra-hegemônico.
Além de fortalecer o Mercosul, que agora suplanta a fase da união comercial e adquire contornos políticos – inclusive com a eleição do seu parlamento –, avança o projeto da Unasul, que integrará toda a América do Sul, e ganha solidez a proposta da construção da Alba (Alternativa Bolivariana das Américas). Passos também são dados no sentido da maior sinergia no setor energético, como no gasoduto que beneficiará toda região, na criação do Banco Sul, como instrumento de fomento ao desenvolvimento regional, e mesmo no reforço da TeleSul, como contraponto à ofensiva ideológica dos EUA através de sua mídia.
Nunca antes na história a América Latina avançou tanto na concretização do antigo sonho do libertador Simon Bolívar da construção da “Pátria Grande” – para o desespero do imperialismo ianque e europeu. É certo que a integração não é um processo fácil. Há muitas assimetrias entre os países da região. Há ainda divergências políticas, como diante da ocupação do Haiti por tropas da ONU, sob comando do Brasil. Já a nacionalização do petróleo na Bolívia atiçou a ira da elite brasileira, que exigiu o rompimento de relações diplomáticas e o envio de tropas à fronteira. Apesar destas dificuldades, os novos governantes sabem que a integração é vital – do contrário será a desintegração da região para a alegria do “império do mal”.

Reação do império e das oligarquias

Mas estes avanços, que confirmam o cenário mais favorável à luta dos povos, não ocorrem impunemente. Os EUA têm poderosos interesses nesta rica e estratégica região e não ficam parados frente às mudanças. O império continua atuando nos campos econômico-comercial, político-diplomático, militar e ideológico. Derrotado na proposta neocolonial da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), tenta seduzir e atrair países via tratados bilaterais de comércio (TLCs) para isolar as nações rebeldes. Mesmo desmoralizado, ainda investe na desestabilização dos governos da região – como na tentativa frustrada de golpe contra o governo venezuelano e, agora, no incentivo às iniciativas separatistas da burguesia na Bolívia. No terreno militar, ele mantém mais de 850 “consultores” no governo do narcoterrorista Álvaro Uribe, na Colômbia, e monta mais uma base no Paraguai. Já na esfera ideológica, os EUA detêm o controle de mais de 85% das informações que circulam na região e contam com o apoio da mídia venal e servil destes países.
As oligarquias locais, que há séculos controlam o poder e saqueiam as riquezas num consórcio subalterno com os grupos imperialistas, também procuram sair da defensiva. No referendo da reforma constitucional na Venezuela, elas superaram sua divisão e, com o forte apoio dos EUA, conquistaram importante vitória política – após sofrerem dez derrotas eleitorais consecutivas. Na Bolívia, a elite racista organiza grupos de mercenários, promove o desabastecimento do mercado e prega o separatismo, criando um clima de guerra civil para sabotar a nova Constituição. No Equador, investe contra a Constituinte instalada em novembro e também prega a divisão do país. Mesmo nas experiências mais moderadas, ela tenta criar obstáculos às tímidas mudanças. A recente derrota da CPMF, o “imposto do cheque” usado para financiar os programas sociais e a área da saúde, comprova o ódio da burguesia à “gastança pública” do governo Lula.

Urgência do internacionalismo ativo

Todas estas investidas do imperialismo e das oligarquias associadas indicam que, apesar dos avanços, não está ainda consolidado o projeto de mudanças na região – seja na perspectiva socialista ou mesmo na via moderada. Qualquer deslize tático pode ser fatal para os que defendem a libertação da América Latina. Na prática, os setores populares e democráticos do continente ainda se encontram numa fase de resistência, de acumulação de forças, na qual é fundamental ousadia, inteligência política e forte unidade. O “império do mal” e as elites abastadas ainda são poderosos e as idéias neoliberais não foram totalmente derrotadas. O projeto de superação do neoliberalismo e de aproximação do objetivo estratégico socialista exige que os trabalhadores sejam protagonistas das mudanças que alterem as estruturas injustas do sistema capitalista. Neste sentido, a ação internacionalista dos trabalhadores é uma exigência ainda mais atual. Entre outros desafios, é urgente denunciar os planos de dominação e exploração das nações imperialistas, em especial dos EUA. É necessário se solidarizar com todos os povos em luta por soberania e justiça – o que hoje se materializa no apoio ao heróico povo cubano, que resiste há 50 anos de criminoso bloqueio econômico, e na solidariedade ativa às experiências antiimperialistas da Venezuela, Bolívia e Equador. A bandeira da paz, contra as guerras imperialistas, adquire cada vez maior centralidade. É preciso também reforçar todas as iniciativas que marchem no sentido da integração latino-americana, como única forma de se contrapor aos desígnios do “império do mal”.


Janeiro de 2008
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A crise do império e do neoliberalismo

O ano de 2007 confirmou o processo de alteração da correlação de forças no mundo, com uma tendência mais favorável às lutas dos povos. As forças contrárias aos trabalhadores se fragilizaram e a resistência ao neoliberalismo e ao poder imperial dos EUA cresceu. Diferentemente das décadas anteriores, nas quais o capital promoveu uma verdadeira tsunami contra os estados nacionais, a democracia e os direitos sociais, atualmente está em curso um movimento que tenta transitar, com suas limitações e ritmos diferenciados, da resistência à construção de alternativas ao neoliberalismo. A maior expressão deste avanço se dá na América Latina do libertador Simon Bolívar e do revolucionário Ernesto Che Guevara. É neste contexto que os movimentos sociais devem lutar, com maior ousadia, por seus interesses imediatos e futuros.

Fraquezas do “império do mal”

Prova desta alteração da correlação de forças é a crise que atinge o maior inimigo da humanidade, os Estados Unidos. Após décadas de hegemonia esmagadora no planeta, agredindo e saqueando as nações para impor seus interesses, os EUA dão evidentes sinais de fraqueza – o que não significa que estejam à beira do colapso. Na didática síntese do sociólogo Emir Sader, a força de um império se mede por dinheiro, armas e palavras. Nestes três quesitos, os EUA estão em dificuldades.
No tocante à economia, ao dinheiro, o país enfrenta uma grave crise. O recente colapso do seu mercado imobiliário revelou que esta economia é virtual, sem base no real. Os EUA são hoje um país endividado, totalmente parasitário. Seu déficit gêmeo – importa mais do que exporta (déficit comercial) e gasta mais do que arrecada (déficit fiscal) – não pára de crescer e já supera a casa de US$ 1,3 trilhão. O país precisa atrair cerca de US$ 3 bilhões ao dia para sustentar os seus déficits. A dívida das famílias estadunidenses atinge a cifra recorde de US$ 11,5 trilhões e a das empresas já supera os US$ 8,4 trilhões. Segundo o renomado economista Osvaldo Martinez, “a crise econômica dos EUA é estrutural e insolúvel”.
Os trabalhadores são as maiores vítimas deste declínio da economia. O Census Bureau, instituto oficial de estatísticas do governo, divulgou recentemente que o número de pobres nos EUA atingiu 36,5 milhões de pessoas – para a Academia Nacional de Ciências, mais rigorosa nos cálculos, são 41,3 milhões de pobres, um recorde histórico. O desemprego cresceu, atingindo em agosto, antes da explosão da crise imobiliária, 4,9% da População Econômica Ativa (PEA) – quando George Bush venceu as eleições, em 2000, o índice era de 3,9%, já considerado alto para os padrões ianques. O trabalho parcial, temporário e precário é um dos mais elevados do mundo, já que impera no país a total desregulamentação trabalhista, e os salários não têm aumento real, acima da inflação, há anos.

O inferno dos imigrantes

Enquanto isto, o presidente-terrorista George W. Bush investe fartos recursos nas guerras, servindo aos interesses da indústria bélica e do petróleo. O orçamento de 2008 prevê gastos militares de US$ 790 bilhões – quase o dobro do PIB brasileiro. Para bancar o seu belicismo insano, Bush corta gastos sociais, como no recente pacote de redução da assistência à infância, privatiza os serviços públicos e precariza os direitos trabalhistas. Cerca de 47 milhões de estadunidenses não têm qualquer proteção à saúde e 8,7 milhões de crianças estão sem assistência social. O aumento da miséria fica mais patente entre os imigrantes – os milhões de miseráveis da periferia capitalista atraídos pelo “paraíso do consumo”.
Há 12 milhões de latino-americanos – incluindo um milhão de brasileiros – na triste condição de ilegais. O imigrante coloca a vida em risco ao atravessar o “muro da vergonha”, que separa o México dos EUA. Na parte mexicana, ele é espoliado por máfias criminosas que cobram até US$ 12 mil pela travessia ilegal – dormindo em barracas de lona, sem higiene e com péssima alimentação. Já no território ianque, ele é perseguido por 17 mil soldados – só em abril passado, 4.802 brasileiros foram detidos, uma média de 160 ao dia. Ele também é perseguido por sádicos empresários, que participam das caçadas organizadas por grupos racistas, como a Gatekeeper. Em 2006, ocorreram 441 mortes na fronteira. Os que ingressam nos EUA são explorados como mão-de-obra barata, nos trabalhos mais penosos e perigosos e sem direitos à rede pública de hospitais e escolas. O imigrante é o retrato da miséria na pátria do capitalismo.

Um novo Vietnã

Além dos graves problemas econômicos, os EUA enfrentam duros revezes no campo militar, nas armas. O Iraque se transformou num grande pesadelo. Segundo pesquisas de Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia, os gastos com esta guerra atingiram em dezembro passado o valor de US$ 2.267 trilhões. O governo do carrasco George W. Bush achava que a ocupação seria um passeio. Mas já são quase 4 mil soldados ianques mortos e outros 27 mil feridos pela insurgência iraquiana, que preferiu adotar técnicas de guerrilha a combater de frente o poderoso exército invasor. Como afirma o teólogo Frei Betto, o Iraque é o novo Vietnã, que apavora os estadunidenses. “Se ficar o bicho come, se correr o bicho pega”, afirma.
Mesmo no Afeganistão, pouco tratado na mídia, os EUA perdem terreno, com os guerrilheiros do Taleban retomando o controle de importantes fatias do território nacional. O governo fantoche de Hamid Karzai só se mantém no poder devido ao apoio dos soldados ianques e à aliança feita com as máfias do ópio – o que revela o falso discurso de Bush na sua cruzada contra o narcotráfico. O poderio militar, as armas, não tem garantido o plano hegemonista nesta região rica em petróleo e estratégica na geopolítica internacional. A Palestina continua conflagrada na luta pelo estado nacional; Líbano e Síria se insurgem contra a ambição imperialista; e o Irã parte para a ofensiva, inclusive no terreno nuclear. Como fera acuada, o “império do mal” dá sinais de desespero. Bush até ameaçou recentemente com uma terceira guerra mundial.

Desgaste do “diablo” Bush

Em decorrência da crise econômica e do pesadelo militar, já é tida como certa a derrota do presidente-terrorista George W. Bush nas eleições do próximo ano. Forte indicio desta tendência foi a surra do Partido Republicano no pleito para as duas casas legislativas no final de 2006, um fato inédito na história recente deste país. As idéias belicistas de Bush no front externo e sua política interna neoliberal sofrem rápido desgaste. Vários assessores neocons e teocons já abandonaram o navio do desgastado presidente como ratos no naufrágio. Manifestações de rua se sucedem nos EUA para rechaçar o governante que afundou o país na crise, elevou os índices de miséria, retirou direitos dos trabalhadores e mandou para guerra mais de 300 mil soldados – 150 mil integrantes das Forças Armadas e outros 150 mil mercenários.
Cresce também a pressão por democracia, já que Bush transformou o país num estado policial, através da Patriot Act e de outras medidas ditatoriais, vigiando o acesso à internet e até a compra de livros, escutas telefônicas ilegais e prisões de milhares de pessoas sem prova ou direito à defesa. Pelo mundo afora, o tirano é rechaçado em protestos massivos e cada vez mais radicalizados. O “Fora Bush” ecoa em todos continentes e o presidente dos EUA é considerado o “homem mais detestado do planeta”.

A fadiga do neoliberalismo

As idéias destrutivas e regressivas que emanaram dos EUA no final dos anos 80, reunidas no famigerado “Consenso de Washington”, atualmente não seduzem sequer alguns governos de direita. Além de agravar os problemas da humanidade, elas não conseguiram dar novo fôlego à economia capitalista, que continua patinando em baixos índices de crescimento – os menores desde os anos 70. As privatizações criminosas, a diminuição dos investimentos sociais e o desmonte dos direitos trabalhistas e previdenciários hoje são questionados no mundo inteiro. Até na Europa, onde a direita neoliberal retorna ao poder numa nova onda conservadora, os governantes procuram outras formas, mais mitigadas, de exploração para fugirem da ira popular – como ocorreu recentemente na França, com as explosivas revoltas de imigrantes e jovens.
O desgaste das idéias neoliberais confirma as dificuldades do próprio capitalismo. Este modo de produção está cada vez mais hipertrofiado, sob controle da ditadura financeira. O aumento da produtividade, fruto dos avanços tecnológicos, não serve ao bem-estar social, mas é apropriado por uma minoria de rentistas, que especula com as riquezas produzidas. Diariamente, on-line, circulam pelo mundo mais de US$ 3,5 trilhões na especulação financeira. Confirma-se também a tendência da concentração de riquezas no sistema capitalista, com as megafusões de empresas e a privatização das estatais. Na ambição do lucro, esta minoria coloca em perigo a própria existência do planeta, devastando o meio ambiente.

Avanço das potencias rivais

Neste processo de perda crescente de hegemonia dos EUA, novas potências surgem no cenário mundial e tentam romper o poder unipolar do imperialismo ianque. A China, com todas as contradições do seu “socialismo de mercado”, desponta como uma rival poderosa, ocupando o terceiro lugar na economia. Hoje já é a maior credora da divida pública dos EUA, o que dificulta suas ações agressivas, e a principal locomotiva da economia. Já a Índia, com toda a sua miséria, passa a ocupar papel de relevo no planeta. A Rússia, arrasada pela restauração capitalista, também tenta se firmar no contexto mundial.Junto com o Brasil, Rússia, Índia e China constituem hoje o temido BRIC, que resiste às investidas expansionistas do imperialismo ianque e europeu. Graças a sua ação conjunta, a Rodada de Doha, que visa definir as regras do comércio internacional, está empacada há quase dois anos. As potências capitalistas forçam a criminosa abertura das economias periféricas, em especial nas áreas da indústria e dos serviços, mas não aceitam mudar as suas regras protecionistas nas atividades agrícolas. Defendem, cinicamente, o “façam o que eu falo, não o que faço”, mas já não conseguem impor os seus ditames.
11∕janeiro∕2008 www.adital.org.br