quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A entrevista de Lula aos blogueiros

Reproduzo a íntegra, sem retoques, da entrevista do presidente Lula aos blogueiros progressistas:

Entrevista concedida pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, aos blogueiros Altamiro Borges, do Blog do Miro, Renato Rovai, do Blog do Rovai, Leandro Fortes, do Blog Brasília, eu vi, José Augusto Duarte, do Blog Os Amigos do Presidente Lula, Túlio Viana, do Blog do Túlio Viana, Pierre Lucena, do Blog Acerto de Contas, William Barros, do Blog Cloaca News, Altino Machado, do Blog Altino Machado, Eduardo Guimarães, do Blog da Cidadania, Rodrigo Vianna, do Blog Escrevinhador e Conceição Oliveira, do Blog Maria Frô

Palácio do Planalto, 24 de novembro de 2010

Presidente: Se você quiser, Nelson, podemos começar até chegar o café.

Secretário de Imprensa, Nelson Breve: Está bom, Presidente. Presidente, vamos dar início, aqui, a…

Presidente: Nelson, porque você não senta aqui na frente?

Secretário de Imprensa, Nelson Breve: Não, Presidente, é porque eu estou com o computador aqui, que tem uns…

Presidente: Porque, Nelson, você não vai…

Secretário de Imprensa, Nelson Breve: Não, tem uns detalhes aqui no computador, aqui, e esse computador está preso aqui, Presidente. Mas está tudo bem.

Presidente: Está bem.

Secretário de Imprensa, Nelson Breve: Presidente, então essa é a primeira entrevista de um presidente da República com blogueiros, que são hoje um segmento importante para a comunicação do país. E eu queria dizer que o senhor está… Essa aqui é uma entrevista que foi solicitada pela organização do Encontro do Primeiro Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, realizado em São Paulo, em agosto, e aqui tem organizadores do evento.

Eu vou apresentar aqui a relação dos blogueiros que foram convidados pela organização do Encontro. Então, nós temos aqui o Altamiro Borges, do Blog do Miro, que também é o presidente do Centro de Estudos de Imprensa Alternativa Barão de Itararé, que é a entidade que congrega, aí, tem congregado esse colegiado. Tem também o Renato Rovai, que foi quem fez toda a articulação do encontro, do Blog do Rovai, da Revista Fórum. Temos também aqui, de Brasília, o Leandro Fortes, do Blog Brasília, eu vi. O José Augusto Duarte, do Blog Os Amigos do Presidente Lula. O Túlio Viana, do Blog do Túlio Viana. O Pierre Lucena, do Blog Acerto de Contas, de Pernambuco. O Túlio Viana é de Minas Gerais. O senhor Cloaca, do Blog Cloaca News, que foi homenageado pelo encontro…

Ministro Franklin Martins: Isso é nome ou é pseudônimo?

Secretário de Imprensa, Nelson Breve: É, também conhecido como W. Barros. O Altino Machado, do Blog do Altino Machado, blogueiro da Amazônia, lá do Acre. O Eduardo Guimarães, do Blog Cidadania, também muito conhecido na blogosfera. E o Rodrigo Viana, do Blog Escrevinhador, também de São Paulo. E alguns deles fazem parte da Comissão.

Nós estávamos aqui tentando também contatos com algumas pessoas que teriam participação externa, mas está com alguma dificuldade aqui, ainda não conseguimos colocar, que são algumas blogueiras, inclusive, que tinham sido convidadas, como a Conceição Oliveira, do Blog da Maria Frô e a Ivana Bentes, que é uma blogueira que não tem um blog próprio, mas é uma blogueira do Rio de Janeiro, que trabalha com muitos blogs. Tínhamos também a própria Helena Sthephanowitz, que é do Blog Os Amigos do Presidente, que mandou o José Augusto. E tinha a Conceição Lemes, do Vi o Mundo, que teve um problema particular de última hora e também não pôde vir.

Então, Presidente, a nossa entrevista, a gente vai tentar fazer da seguinte forma: uma pergunta, podemos fazer pela… acho que o Rovai vai fazer a primeira pergunta, podemos depois seguir essa ordem, não sei se é o caso. Podemos intercalar com algumas perguntas aqui, se a gente conseguir, estamos com um problema técnico dos nossos leitores aqui, que estão enviando perguntas pelo Twitter. E, depois, fazemos uma rodada livre, digamos, aqui, um quebra-queixo sem quebra-queixo, aqui, mais organizado, sentado, e dentro daquele limite que nós já acertamos aqui, de uma hora e meia, que a gente começa a contar a partir de agora. Pode ser? Podemos…

Presidente: Ô Nelson, só um pequeno problema aqui. São dez companheiros, como não tem o nome dos companheiros para a gente ver, ou seja, eu não vou…

Secretário de Imprensa, Nelson Breve: Vou… O senhor quer que a gente identifique eles? Eu chamo, eu chamo… Pode ser?

Presidente: É, está bem, está bem.

Secretário de Imprensa, Nelson Breve: Então vamos fazer assim.

Presidente: Então pronto, Stuckert, o café chegou, vamos tomar um café, 30 segundos aqui para o cafezinho. Aliás, eu faço um programa chamado “Café com o Presidente” que nós nunca fizemos tomando café.

Secretário de Imprensa, Nelson Breve: Só para dar uma (incompreensível), já tem, acompanhando, mais de 1.300 pessoas, que estão acompanhando ao vivo pelo Blog do Planalto aqui, a Twitcam que está sendo…

Presidente: Quando terminar a entrevista, eu vou fazer a bolinha de papel, vou jogar na cabeça de alguém, vou jogar na cabeça de cada um, para ver quem sai mais machucado.

Secretário de Imprensa, Nelson Breve: Então, podemos começar com o Renato Rovai.

Renato Rovai: Bom dia, Presidente. Como o Nelson Breve já disse, no grupo que vai participar dessa entrevista, boa parte ajudou a organizar o Primeiro Encontro Nacional dos Blogueiros Progressistas, que aconteceu em São Paulo, no mês de agosto. Participaram daquele evento 350 pessoas de 19 estados brasileiros. E hoje aqui, nessa mesa, todas as regiões do país estão representadas.

Então, por isso, antes de fazer a primeira pergunta, Presidente, é importante registrar que essa é uma entrevista histórica e carregada de simbolismos, principalmente para esse grupo que está aqui. É a primeira vez que um presidente da República recebe a blogosfera no Palácio do Planalto, e isso sinaliza um outro momento no contexto midiático nacional, na nossa opinião.

Então, até por isso, Presidente, a primeira pergunta é sobre comunicação. A gente gostaria de saber qual a avaliação que o senhor faz do desempenho do seu governo nessa área e por que não se avançou mais na democratização das comunicações no Brasil, nesse período de oito anos.

Presidente: Ô Renato, primeiro dizer para vocês da minha alegria de estar participando dessa primeira entrevista. Segundo, eu acho importante que as pessoas que estão acompanhando percebam claramente que durante todo esse período de governo nós, todas as vezes que falamos com alguém, ou seja, é total liberdade para que as pessoas perguntem o que bem entenderem, do jeito que quiserem. A única censura quem faz é quem está assistindo, que pode gostar ou não gostar.

E possivelmente, Renato, a gente precisa levar em conta duas coisas importantes: os avanços na questão dos meios de comunicação, o avanço da imprensa, ele depende muito de duas coisas, ele depende da correlação de forças que você tem estabelecido na sociedade e dentro do Congresso Nacional. Você sabe o esforço imenso que nós fizemos para fazer uma simples lei, que é o Projeto de Lei… a Emenda 29, que o Jorge Bittar… A PPL 29, que o Jorge Bittar foi o relator, antes da Maria do Carmo, e que isso já está há cinco anos rolando e a gente não consegue fazer avançar porque chega em um determinado lugar ele para e, aí, você precisa ter todo um trabalho de convencer as pessoas a evoluir.

Nós, agora, temos, desde o ano passado, quando nós fizemos a Conferência de Comunicação, que foi também um parto muito difícil, porque era muita gente querendo e muita gente não querendo, muita gente querendo até boicotar. Ou seja, nós conseguimos fazer a Conferência, um bocado de gente não quis participar e nós terminamos agora, com a Conferência Nacional, ou seja, que o Franklin Martins fez, com gente do mundo inteiro para a gente poder discutir uma nova regulação na mídia brasileira, sobretudo na mídia eletrônica, porque a imprensa escrita, cada um faz o que bem entende.

E eu acho que nós temos que ter pela frente o seguinte: nós poderíamos ter feito mais, mas não fizemos porque o debate é mais encruado do que a gente pensa. As reivindicações são sempre muito fortes, o que é bom, mas as recusas também são sempre muito fortes, o que é ruim. E eu acho que nós estamos preparando agora um caminho que vai permitir, e eu espero que a gente tenha capacidade de aprovar pelo menos um texto básico para deixar para a companheira Dilma, no próximo período, conseguir fazer o que precisa fazer, dependendo da costura que a gente fizer no Congresso Nacional, que tudo tem que passar, o que é bom para a democracia, pelo Congresso Nacional. O que é bom. Mas nós precisamos ter uma correlação de forças mais homogênea, uma coisa mais forte. Como o Congresso foi renovado em 48%, se não me falha a memória, nós temos chance de ter mais alguns avanços.

Por outro lado, possivelmente eu não tenha nem dimensão daquilo que nós avançamos ou aquilo que nós não avançamos, porque ontem eu disse para a imprensa que eu, primeiro, quero desencarnar da Presidência. A palavra “desencarnar” é porque você precisa, você precisa deixar, internamente, de ser presidente, não considerar como um ex-presidente querendo autoridade, querendo espaço político. Ou seja, eu aprendi uma coisa que é o seguinte: ex-presidente é que nem vaso chinês que você ganha. Quando você ganha, que você está no Palácio, você coloca ele em um lugar bonito, quando você deixa a Presidência, você não tem lugar para guardá-lo, ou seja, passa a ser um incômodo.

Então, eu quero desencarnar. E até aí eu vou ter uma noção maior do que a gente fez e do que a gente não fez. Eu estou, no dia 15 de dezembro eu vou fazer uma coisa nova, que nós estamos fazendo um balanço de tudo o que foi feito em todas as áreas do governo, vamos registrar em cartório, para que nenhum ministro me conte nenhuma mentira, ou seja, diga que fez o que não fez, para que a gente também não saia falando coisas que a gente não fez. Mas eu quero registrar em cartório cada coisa, para a gente deixar no Arquivo Nacional, deixar nas bibliotecas das universidades, deixar no movimento social aquilo que foi a nossa passagem, em oito anos de governo. E aí vai entrar, certamente, a mídia, o que a gente fez, o que a gente não fez, o que a gente evoluiu, o que a gente não evoluiu. Nós temos muita coisa para votar no Congresso Nacional. Eu espero que esse Congresso seja mais moderno. Vocês estão lembrados do projeto de regulação da internet do senador Azeredo…

_________: AI-5 digital, que é o segundo…

Presidente: E que eu me coloquei contra, porque eu acho qualquer… estupidez, a qualquer pretexto querer censurar a internet. O Senado melhorou. A correlação de forças saída das eleições parece mais favorável, mais democrática, eu acho que a gente pode evoluir, então, por aí.

Secretário de Imprensa Nelson Breve: Ok. Presidente, o áudio, o pessoal da internet está dizendo que está chegando um pouco baixo lá, então, vou falar com o nosso pessoal da EBC que está lá embaixo, para tentar aumentar, porque daqui da sala a gente não está com dificuldade.

Mas, queria ver com vocês aqui, até numa homenagem às mulheres, porque a Conceição Maria Frô já está aqui, na twittcam, Presidente, se o senhor olhar aí no seu terminal, o senhor vai ver a Maria Frô…

Presidente: Eu estou vendo.

Secretário de Imprensa Nelson Breve: E a gente liberar para ela fazer, aqui, uma pergunta… (risos)

_____________: Fumando, ela está fumando.

Secretário de Imprensa Nelson Breve: Então, Conceição, o Presidente está te ouvindo e te vendo. Estamos aqui, pode falar, Conceição.

Conceição Maria Frô: Bom dia, presidente Lula.

Presidente: Bom dia.

Conceição Maria Frô: Bom dia, presidente Lula. Bom dia presidente Lula, bom dia blogueiros. Presidente… Nossa, está tendo um delay aqui complicado, mas eu vou tentar falar. É o seguinte, Presidente: a sua primeira lei promulgada, no seu primeiro mandato, foi a 10.639 e nós, educadores, ficamos extremamente felizes porque, pela primeira vez na história deste país, um presidente olhou para a questão do racismo escolar. (Incompreensível) uma série de políticas que mexeram um pouco na desigualdade social. Mas a Lei 10.639, Presidente, ainda é uma lei “para inglês ver”. A gente vê agora, na polêmica do parecer do Conselho Nacional de Educação, a ideia de censura na obra de Monteiro Lobato, que é uma ideia (incompreensível) equivocada.

Então, minha pergunta é a seguinte: o que falta para essa lei deixar de ser uma lei para inglês ver? O que falta para a gente conseguir dar direitos iguais para as crianças negras estudarem em nossas escolas e não continuarem com um desenvolvimento, uma relação de aproveitamento mais baixo que as crianças brancas, mesmo nas periferias, não é? Eu, como educadora e historiadora, ainda estou muito infeliz com o resultado que a gente teve no MEC em relação à aplicação dessa lei, aos oito anos de aplicação dessa lei. Obrigada.

Presidente: Olha, primeiro – não sei se nós estamos tendo problema, se ela vai ouvir direito ou não –, Conceição, te lembrar o seguinte: no dia 18 de janeiro de 2011 vai fazer um ano que eu parei de fumar. Um ano, sabe? Eu não faço censura a quem fuma, não, eu, quando parei de fumar, eu decidi não ser chato com quem fuma, mas faz um bem para a saúde que você não imagina.

Segundo, veja, o que nós estamos provando é que não basta fazer uma lei para a gente enfrentar o preconceito, para a gente enfrentar o racismo ou qualquer tipo de preconceito, a lei é um instrumento legal. O que vai mudar concretamente é o processo de elevação do nível de consciência das pessoas.

Eu vou dar um exemplo: nós estamos brigando há quantas décadas para a gente aprovar as cotas para os negros na universidade? A nossa companheira Nilcéa, ministra da Secretaria Especial das Mulheres, quando reitora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi a primeira mulher, a primeira reitora a aprovar as cotas, e teve polêmicas exuberantes. Nós matamos esse problema com o ProUni. Ou seja, no ProUni nós temos 45% de estudantes que são negros, meninas e meninos da periferia. Ainda assim, nós, em muitas universidades, tivemos denúncias de pessoas pobres que entraram na universidade e que são olhadas com um certo viés, como se fosse algo estranho naquela universidade. Mas o dado concreto é que eu tive a honra de participar da formatura dos primeiros 440 médicos do ProUni, e tinha mais negros do que eu acho que toda a história do Brasil formou de negro.

Então, eu penso que nós vamos avançando. Não é… A lei já existe, a Constituição já existe, sabe? Nós, agora, para mostrar seriedade, aprovamos a Universidade Afro-Brasileira, vamos lançar a pedra fundamental ainda no mês de dezembro, na cidade de Redenção, no estado do Ceará. Nós queremos ter 5 mil estudantes africanos, 5 mil estudantes brasileiros. E nós sabemos que é um processo, é um processo histórico, que passa pela mudança do currículo nas escolas, como é que nós vamos ensinar que os negros chegaram aqui, como é que nós vamos ensinar a história do negro no Brasil, na América do Sul, na América Latina, na América do Norte e no mundo inteiro. As pessoas têm que aprender que os negros não eram escravos, eles eram livres e foram escravizados para vir para cá, e que foram escravizados mesmo dentro da África, para vender para os navios negreiros. Então, eu acho que é um processo. Eu trabalho com a certeza de que a atual geração, que está fazendo o ensino fundamental, quando tiver com seus 20 anos, com seus 25 anos, quando tiver na universidade, vai estar com uma cabeça mais arejada para tratar essa questão da igualdade racial com mais força.

Uma coisa, Conceição, que é grave, eu, por exemplo, tenho incentivado a Secretaria da Igualdade Racial a apressar a questão dos quilombos, porque o quilombo simboliza a coisa mais pobre desse mundo negro, além das favelas dos grandes centros urbanos. Então, levar escola para lá, é um trabalho imenso para convencer o prefeito de que é possível fazer uma escola lá. Se for no padrão dos projetos normais, não faz. Então eu, agora, só para você ter ideia, quando eu deixar a Presidência, eu pretendo visitar algumas regiões do país, eu quero visitar alguns quilombos, eu quero saber se houve avanço ou se não houve avanço, por que não houve avanço, porque, quem sabe, de fora eu possa dar mais palpite e possa ver as coisas que eu acho que nós precisamos enxergar.

Eu estou otimista. Eu, sinceramente, acho que nós vamos evoluir. Você acompanhou essa campanha, você percebe que o preconceito ainda… O preconceito é uma doença, é uma doença. O preconceito não é uma decisão política, é uma doença que está nas entranhas das pessoas, e uma doença quase que incurável, porque quanto mais sucesso tem o invejado, mais o invejoso vai ficando com ódio. Ou seja, então essa campanha mostrou um pouco isso. O fato de alguém dizer que era preciso afogar o nordestino, você imagina se esse nordestino fosse negro, então, além de afogar eles queriam pisotear.

Então, eu acho que você tem que ter apreensão mesmo, acho que todos nós, porque a nossa apreensão, a nossa inquietação é que pode melhorar isso, mas esteja certa de que nós estamos evoluindo, e evoluindo bem. Agora, estamos longe de atingir a perfeição porque na África do Sul, por exemplo, apesar de a maioria ser negra, apesar de o Mandela ter feito a revolução que fez, o preconceito ainda é visível, mas ruas de Johanesburgo, em qualquer rua. Nos Estados Unidos você, de vez em quando, vê o preconceito naquelas cidades mais ricas. Aqui no Brasil, a gente nem fala. Aqui no Brasil ele é visível, ele é visível nas casas, é visível no olhar das pessoas, e eu acho que nós ainda temos um caminho imenso pela frente, e pode estar certa que nós estaremos juntos nisso.

Secretário de Imprensa Nelson Breve: Muito bem, agora é o Leandro Fortes, do…

Presidente: Eu vou tentar ser mais sucinto, viu?

Secretário de Imprensa Nelson Breve: Está bom, Presidente, mas…

Presidente: Você tem que me alertar, pô, senão eu fico aqui falando.

Secretário de Imprensa Nelson Breve: Brasília, eu vi, Leandro Fortes.

Leandro Fortes: Bom dia, Presidente.

Presidente: Bom dia, Leandro.

Leandro Fortes: A discussão e a elaboração do Plano Nacional de Direitos Humanos, na sua terceira edição, o PNDH 3, ele previu a lei de descriminalização do aborto, a proibição de símbolos religiosos em edifícios públicos e a necessidade de audiências prévias em conflitos agrários. Tudo isso acabou sendo retirado e… retirado do texto e transformado em polêmica, por conta de uma reação dos setores mais conservadores da sociedade brasileira, e mais reacionários, da sociedade brasileira.

Por conta desse tipo de comportamento o Brasil está prestes a ser condenado, na Corte Interamericana de Direitos Humanos, por não ter tratado, por não ter julgado os torturadores, os assassinos da Guerrilha do Araguaia. O senhor não acha que nesses oito anos de governo o senhor negligenciou um pouco dessa discussão e deixou que o Brasil fosse o único país até hoje, da América Latina, que não tratou dessa memória relativa à ditadura militar, dos seus torturadores e dos seus assassinos?

Presidente: Olha, primeiro que nós tratamos de forma, eu diria, como ninguém jamais tratou. O problema é que nós, nós agora, estamos para apresentar o resultado de uma investigação em que participou não apenas o governo, mas a sociedade civil. E o resultado vai ser o de que não encontramos aquilo que nós queríamos encontrar. Abrimos, inclusive, nos meios de comunicação, com publicidade paga pelo governo, um chamamento a quem da sociedade que tivesse conhecimento de alguma coisa, que procurasse o governo, que procurasse de forma a ter todas as garantias do sigilo, para que a gente pudesse encontrar os corpos que nós queríamos encontrar. Ou seja, eu ainda não o resultado das investigações, mas parece que até agora não foi encontrado nada, essas pessoas vão ter que apresentar o relatório para mim para que eu possa passar o relatório para a Dilma.

No primeiro mandato de governo, nós criamos uma comissão em que participava Márcio Thomaz Bastos, em que participava o José Dirceu, em que participavam mais três ou quatro companheiros importantes, inclusive companheiros oriundos da luta armada no Brasil, e que a gente chegou a um texto, ou seja, as Forças Armadas dizem que não têm mais arquivo, nós não encontramos os arquivos, o que nós podíamos mandar para o Arquivo Nacional nós mandamos. A Dilma, inclusive, era a responsável pela Casa Civil. O que nós pudemos mandar e que encontramos de documentos nós mandamos. Tem uma discussão ainda se a gente vai mandar alguns documentos, porque são documentos históricos e que podem trazer problemas com os países que fazem fronteira com o Brasil, essa é uma discussão que ainda está rolando, dentro do governo. Mas eu acho que nós avançamos um pouco.

Na questão do relatório dos direitos humanos: veja, a questão… vamos pegar a questão mais grave que está colocada lá, que foi a questão do aborto, que mais chamou atenção. Veja, nós temos uma posição histórica, enquanto partido político. E eu, como perdi muitas eleições, a gente tem o hábito de consolidar as nossas posições, ou seja, o que nós defendíamos sempre? Enquanto cidadão, eu, eu, sou contra o aborto. Enquanto chefe de Estado, eu tenho que tratar o aborto como uma questão de saúde pública, porque eu tenho que reconhecer que ele existe, que estão aí milhões de pessoas fazendo aborto, meninas, pelo interior deste país, colocando fuligem daqueles de fogão de lenha no útero, meninas furando o útero com agulha de crochê, meninas tomando chá de caroço de abacate, chá de caroço de azeitona, chá de caroço…

Então, o chefe de Estado sabe que isso existe e não vai permitir que uma madame possa ir a Paris fazer um tratamento e uma pobre tenha que morrer na rua. Isso é uma posição que foi a posição última que nós assumimos. Acho que nós nos deixamos levar, porque os setores que nos criticaram com o relatório apresentado pela Comissão de Direitos Humanos, não tinham lido o relatório de [19]96 e o relatório de 2000. Os dois, feitos no governo Fernando Henrique Cardoso, tratavam as coisas quase que do mesmo jeito que tratou… Só que… Um dia eu chamei o Paulinho Vannuchi aqui e falei: “Paulinho Vannuchi, nós não temos que recuar nessas coisas, porque está aqui, ou seja, os mesmos meios de comunicação que estão te triturando não falaram nada quando foi feito o primeiro e o segundo, e estão agora em cima do terceiro”. Por isso, nós flexibilizamos… Até o controle social da mídia está colocado no segundo e no primeiro.

Mas nós achamos, para a questão do aborto, na Conferência Nacional da Mulher, ele não foi trabalhado. E, depois, na Conferência de Direitos Humanos foi, ou seja, eu conversei com a Nilcéa, e eu cometi um erro, eu cometi um erro porque eu disse textualmente que aprovar um texto daquela magnitude, ou seja, a gente deveria ter feito um debate dentro do governo e não foi possível fazer. Então, nós refizemos algumas coisas que era preciso fazer, sem ferir aquilo que era a principalidade do texto. E vão ter outros e, quem sabe, vai ser mais avançado, vai ser mais polêmico, depende da correlação de forças (incompreensível) tiver representada na sociedade brasileira.

O Paulinho apanhou muito. Eu tive que ter muito cuidado político para tratar com as divergências internas dentro do governo, um ministro achando que podia fazer mais, outro achando que devia fazer menos, eu tenho que sempre procurar um equilíbrio muito grande.

Eu, sinceramente, te confesso que eu fiz o que eu sabia e o que eu podia fazer na questão de direitos humanos. Ou seja, eu gostaria de ter encontrado os cadáveres que as pessoas queriam que encontrasse, gostaria, por isso a comissão que foi para o Araguaia foi uma comissão em que participaram companheiros importantes, inclusive da Comissão de Justiça e Paz em São Paulo, inclusive um companheiro como o Ricardo Kotscho, que eu pedi pessoalmente para ele participar como jornalista, para investigar. Ou seja, até agora… Espero que a Dilma tenha mais sorte do que eu e que possa encontrar ou que algum dia alguém tenha sorte, porque de uma coisa eu tenho clareza: é justo que a história seja contada na sua totalidade, não apenas meia história.

Secretário de Imprensa, Nelson Breve: Bem, agora o Altino Machado, do Blog do Altino Machado, no Acre.

Altino Machado: Presidente, bom dia. Eu sou do Acre, que é um colégio eleitoral pequeno, o senhor conhece muito bem. E embora tenha pouco mais de 470 mil eleitores, o Acre, grosso modo, é um ícone para o PT, como é São Paulo para o PSDB.

O José Serra venceu nos 21 dos 22 municípios do Acre. Jorge Viana não se tornou o senador mais votado, proporcionalmente, do país, perdeu na capital. Tião Viana foi eleito muito apertado, é…

Presidente: Marina teve (incompreensível) e teve só 3% dos votos.

Altino Machado: É. Então, esse… Por que o senhor não é “o cara” no Acre? Embora, embora tenha sido dito assim, o Tião Viana disse: “O povo do Acre foi injusto com o Lula”. O Aníbal Diniz, que vai assumir a cadeira dele no Senado, disse: “Nós temos que entender a hostilidade do eleitor acreano contra Lula e contra Dilma”, não é? Como é que o senhor interpreta tudo isso? Como é que… esse caso do Acre?

Presidente: Espera aí, eu quero te agradecer por essa pergunta, porque é uma coisa que eu trago desde a minha primeira eleição para Presidente, é uma coisa… Eu perdi para o Alckmin lá.

Altino Machado: Sim, no primeiro turno.

Presidente: No primeiro turno, eu ganhei no segundo. E eu tenho… eu visito o Acre desde 1979, ou seja, por causa do Acre eu fui condenado a três anos e nove meses de cadeia. Não cumpri a pena porque… por causa da morte do assassino no comício.

Altino Machado: Eu estava lá naquele comício que o senhor fez e foi, em seguida, para Brasiléia.

Presidente: Essa semana eu encontrei com o Jorge em um jantar da Câmara Brasil-França, eu falei: “Jorge, eu preciso sentar com você, porque eu preciso entender o que está acontecendo no Acre”. Veja, eu tenho a convicção de que se pegar… O Fernando Henrique Cardoso foi até um bom presidente, na relação com o Acre.

Altino Machado: Sim.

Presidente: Mas eu tenho a convicção de que se pegar tudo o que foi feito no governo Fernando Henrique Cardoso, governo Itamar, governo Collor, governo Sarney, se somar tudo não dá a metade do dinheiro que eu pus no estado do Acre para fazer as coisas. Inclusive, vocês vão ter o prazer de ver, no Acre, os cinco rios do Acre todos com ponte estaiada, que foi uma briga para a gente poder convencer o financiamento daquelas pontes, por causa que um paulista ou um cara de Brasília não tem noção da dificuldade do que é fazer uma obra no estado do Acre, que não tem pedra, é preciso trazer pedra de outros estados, pedra importada de outros estados, às vezes demora 40 dias para chegar, se não chover demora quatro meses, ou seja, é um dilema para fazer as coisas no Acre.

E durante a campanha eu estava preocupado. Eu dizia para o Tião Viana e para o Jorge: “Olhem, eu gostaria de estudar profundamente o Acre, como é que funciona a cabeça do companheiro do Acre”. Sobretudo porque já havia um sinal muito forte de que mesmo o companheiro Jorge Viana sendo a liderança que é, o Binho sendo o quadro que é, tendo a prefeitura da capital e tendo o Tião Viana. Eu nunca vi ninguém trabalhar tanto como o Tião Viana. O Tião Viana saía daqui na quinta-feira, chegava lá, ia para todas as cidades. O PT governa 12 dos 22 municípios, tem mais cinco aliados e perdeu em quase todos, ou seja, é inexplicável. Eu acho que precisa um estudo sociológico sobre o Acre, ou o que os companheiros erraram na política do Acre. Tem erro, tem erro. Eu não ouso dizer aqui o erro antes de fazer… Mas daqui a uns seis meses, quando eu for ao Acre, sem ser presidente, eu me comprometo a te dar uma entrevista dizendo o que eu acho que aconteceu no Acre.

Altino Machado: Obrigado.

Presidente: Eu não quero ser grosseiro e fazer um julgamento precipitado. Mas certamente, certamente nós erramos no Acre por presunção. Não sei se você sabe, na minha opinião uma das razões pelas quais a Marina foi candidata a presidente é porque ela tinha convicção de que não se elegeria senadora pelo Acre, como aconteceu, de fato, uma votação pequena.

Então, eu quero, eu quero aprender o que aconteceu no Acre, não apenas com a campanha majoritária, mas com os companheiros lá. Ou seja, o Jorge Viana quase que não se elege, o Tião Viana foi 50,04%, quando a gente imaginava que ele ia ter 80%, 90%. Então, certamente não é erro do povo. Posso te garantir o seguinte, eu quero começar dizendo o seguinte: se tem uma coisa certa lá é o povo. É preciso que, ao invés de a gente ficar culpando o povo, a gente sente, faça uma reflexão [sobre] onde é que nós pisamos na bola no Acre, porque certamente o erro é nosso. Ninguém apanha tanto se acertou. Então, nós temos erros. É só a gente ter humildade, ter humildade e descobrir o que está acontecendo no Acre, porque eu tenho convicção, Altino, e você também, de que os Viana fizeram um bem para o Acre muito grande. Eu conheço o Acre desde 1979.

Altino Machado: Inegável.

Presidente: Eles transformaram aquilo em um estado. Rio Branco virou uma cidade bonita. Mas você percebe que não basta obra, não basta obra. Eu tenho na minha cabeça há muitos anos, o povo não vota numa pessoa porque ele fez uma ponte, porque ele fez uma rua, não.

O povo vota se o resultado daquilo teve uma explicação política convincente para as pessoas. E eu acho que a política está mal trabalhada no Acre. Você está lembrado? Chico Mendes virou herói mundial, mas foi candidato a prefeito em Xapuri, teve 300 votos. Osmarino saiu na capa do New York Times muitas vezes; foi candidato a prefeito em Brasileia, acho que não teve nem 100 votos. Você percebe? Há uma rejeição a um determinado tipo de discurso, que nós precisamos discutir como enfrentar isso.

Me comprometo daqui a seis meses, Altino, a ter uma conversa contigo…

_____________: Uma entrevista exclusiva. Muito bem!

Secretário de Imprensa, Nelson Breve: Presidente, antes de passar aqui para o Rodrigo Vianna, tem uma pergunta aqui do Twitter, do Alberto Porém Júnior: “A infraestrutura para a Copa de 2014 e Olimpíadas não estão atrasadas, dá tempo?”

Presidente: Olha, eu não vejo nada atrasado. Ô gente, o problema é que a gente não pode fazer um campo quatro anos antes. Ou seja, nós temos um processo que já começou, vários estados já começaram. Eu vou começar dizendo que eu tive o prazer de participar, no Rio Grande do Sul, do começo das obras do estádio do Internacional. Não sei por que o governo de São Paulo não brigou para defender o Morumbi, não sei. É impensável você imaginar que São Paulo não vai ter abertura ou fechamento da Copa do Mundo é impensável. Agora me parece que o Corinthians vai lançar o seu estádio…

____________: Feliz, não é, Presidente?

Presidente: … o que é uma boa coisa. Agora em dezembro, parece que antes. Mas o Morumbi está pronto. Essa bobagem de discutir estacionamento… A Fifa vem lá da Europa com o padrão europeu para nós. Eu participo de jogo no Morumbi desde 1962. Quando foi estreado o Morumbi em [19]62, que o Almir, o pernambucaninho do Corinthians jogou no São Paulo, eu estava lá. Ora, desde aquele tempo eu frequento o Morumbi. Eu fui para o Morumbi com 100 mil pessoas, com 80 mil pessoas, vi o Corinthians ser campeão, vi o Corinthians apanhar de monte do Santos lá, e nunca tive problema de trânsito. Daqui a pouco estão querendo que a gente coloque um teleférico que pare no banco para o cara já cair sentado. Então, eu acho que São Paulo não brigou corretamente. Na verdade é para atender interesses comerciais.

Então, eu acho que as coisas estão andando bem, estão andando bem. No começo tiveram companheiros, governadores, que apresentaram mega projetos. Nós tomamos a decisão que nós temos que tomar. A União não vai colocar dinheiro da União, nós vamos financiar o estado. Portanto, é um dinheiro emprestado para o estado fazer a parte dele. E tudo isso está acontecendo. Eu não vejo nada atrasado nem para a Copa do Mundo e nem para as Olimpíadas. Nós temos vontade, dinheiro, comprometimento e já está tudo engatilhado. Seja no PAC 1, seja no PAC 2, nós vamos ter a melhor Copa do Mundo, a melhor Copa das Confederações, os melhores Jogos Militares e depois as melhores Olimpíadas aqui no Brasil.

Secretário de Imprensa, Nelson Breve: Então vamos ao Escrevinhador, Rodrigo Viana.

____________: Bom dia Presidente! Eu sou Vianna, mas não sou do Acre, nasci bem longe de lá.

Presidente: Mas parece um pouco!

____________: Pareço? Presidente, eu queria voltar ao tema da Comunicação. A gente acompanha aí pelos jornais, é um tema que gera muita paixão, não é, muitas criticas também ao governo. Mas eu queria direcionar a uma questão especifica. A velha mídia brasileira sempre foi a favor do capital estrangeiro. Quando houve privatização no governo Fernando Henrique, todo mundo, jornais eram a favor de dinheiro de capital estrangeiro, inclusive em setores estratégicos. De repente eles ficaram nacionalistas, agora. Então, eu vejo nos editoriais e em artigos uma movimentação querendo barrar a entrada de estrangeiros nessa área. É um assunto sério e eu queira saber a opinião do senhor sobre se o senhor vê algum problema de ter estrangeiros, é… investidores estrangeiros no setor de comunicação do Brasil? Estrangeiro pode ser dono de banco, mas não pode ser dono de TV, de rádio e de jornal? É uma pergunta que muita gente se faz na internet.

Presidente: É… eu acho que é diferente ser dono de banco e ser dono de um meio de comunicação. Nós precisamos ter claro: um trabalha com o bolso e o outro trabalha com a cabeça das pessoas. Então, eu acho que nós temos que ter um certo controle da participação de estrangeiros, sim. A gente não pode abrir mão do controle, essa é a minha tese.

Você sabe, Rodrigo, que eu sou um… eu tenho problemas, são públicos, na minha relação com a chamada, que vocês chamam agora, de mídia antiga. Eu tenho… eu, de vez em quando, digo que vou ter orgulho de terminar meu mandato sem precisar ter almoçado em nenhum jornal, nenhuma revista e nenhum canal de televisão. Não precisei almoçar, não precisei jantar, para poder sobreviver. Sei que, durante muito tempo, eles torceram para me derrotar. Eu dizia sempre o seguinte: olha, para mim, eu sou o resultado da liberdade de imprensa neste país. Com todos os defeitos, eu sou o resultado da liberdade de imprensa neste país. Quem tem que julgá-los não sou eu, que não vou ficar xingando. Nós temos telespectador, temos leitor, temos os ouvintes que vão julgar. O que eles se enganam é que muitas vezes eles pensam que o povo é massa de manobra, como era no passado, que eles podem derrotar um candidato, tirar candidato, pôr candidato, eles se enganam. O povo está mais inteligente, está mais sabido, e eles agora têm que lidar com uma coisa chamada internet que eles não sabiam como lidar. Agora, quando um cidadão conta uma mentira ele é desmentido em tempo real e, muitas vezes, ele tem que se explicar. Então, eu acho isso extraordinário, eu acho isso fantástico… acho que nós vamos trabalhar para democratizar cada vez mais a chamada mídia eletrônica e vamos trabalhar para que o leitor brasileiro fique cada vez mais sabido, cada vez mais inteligente, cada vez mais, eu diria, controlador da sua própria vontade. E isso está acontecendo no Brasil, está acontecendo.

Eu, sinceramente, em vez de ficar reclamando… eu já briguei muito, já apanhei muito. Eu fico até com medo se daqui a cem anos se alguém for fazer a história do meu mandato e pegar algumas revistas, sabe, a impressão que ele vai ter do meu mandato vai ser a pior possível. Ele vai ter que comprar uma revista brasileira e uma revista americana, uma revista inglesa, uma revista alemã, para ele poder fazer uma comparação, ou vai, quem sabe, se informar com as informações de vocês, na internet. Se você pega uma parte do noticiário que a imprensa brasileira publica no Brasil sobre o governo, você não conhece o que acontece no Brasil, você não conhece. Não tem a menor noção do que acontece no Brasil. Quando sai a pesquisa dando 80% de aprovação para o governo, que eles ficam assustados, é porque eles trabalharam o tempo inteiro para não acontecer isso, eles não sabem.

Então, eu acho que essa é uma vitória do povo brasileiro. O povo brasileiro conseguiu conquistar um espaço extraordinário, ou seja, o povo já não se deixa mais levar por um colunista que, muitas vezes, está com menos interesse de colocar o fato em si, mas está com muito mais interesse de passar a sua versão sobre um assunto. Sabe, isso vai diminuindo aos poucos.

Eu acho que vocês têm consciência do papel que vocês jogaram nisso. De repente, (incompreensível) tem que se explicar para você, Rodrigo. Espera ai, eu contei uma coisa e não é o Franklin Martins, do governo, ou o Lula, ou não sei quem que está me questionando. Espera aí, tem um blogueiro lá que ele me questionou e tem muita gente acessando ele, pô, então preciso tomar cuidado. Antes, eles não tinham que se explicar, agora têm que se explicar. Eu acho isso importante para a democracia, e eu acho que nós vamos… De vez em quando aparece algum. Quando surgiu esse negócio da pedofilia, logo aparece alguém; por conta da pedofilia, vão tentar censurar logo a internet, vão tentar limitar. E eu acho que nós precisamos todos lutar para que a única censura possível é se ela for um atentado à moral ou à família. Mas na política, na informação nós temos que ser todos soldados contra isso e brigar para que quanto mais liberdade, melhor.

Secretário de imprensa, Nelson Breve: Antes de passar para o Miro, aqui, queria dizer que a palavra-chave que nós criamos aqui para designar esse encontro aqui, essa entrevista aqui, a “lulablogs”, a “#lulablogs” já é a terceira do twitter mundial. Já é a primeira, está me informando o PR aqui, já estou atrasado. Vai, Miro.

Altamiro Borges: Bom dia, Presidente.

Presidente: Bom dia.

Altamiro Borges: Eu ia tocar também na questão de comunicação, mas eu acho que a resposta que o senhor deu agora foi… me satisfez. Então, eu vou pegar um outro tema que o senhor conhece bem. O senhor, 1º de janeiro, ex-presidente da República. Mas, antes de ex-Presidente, o senhor já foi ex-sindicalista, então conhece bem do tema “trabalho”. A pergunta é: o senhor é a favor da redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais? E por que o governo não se empenhou mais nesse tema? Segunda: nesse ponto, há um tema muito delicado, que é o do fator previdenciário. Esse fator previdenciário é uma invenção do Fernando Henrique Cardoso, do governo Fernando Henrique Cardoso, uma equação perversa que penaliza aposentados e pensionistas. Minha pergunta: por que o governo Lula vetou a revogação do fator previdenciário, por que não investiu mais na superação dessa injustiça, então, redução e fator previdenciário.

Presidente: Olha, aqui, ô Miro, a questão da redução da jornada de trabalho: quando as centrais sindicais me procuraram para que nós mandássemos uma medida provisória, um projeto de lei, eu disse para os dirigentes sindicais que era preciso a gente utilizar determinadas coisas, para fazer um pouco de política, e que eles não poderiam ficar, no sindicato, achando que daqui eu poderia fazer tudo, mandar… Então, eu sugeri a eles que transformassem a redução das 40 horas em um movimento político. Que fossem para porta de fábrica, coletar assinatura, e que a gente desse entrada no Congresso Nacional com 1 milhão, 2 milhões, 3 milhões de assinaturas, para que a conquista fosse resultado de um movimento, e não apenas uma coisa de um presidente da República, como fez o Jospan na França, que terminou não vingando, que terminou não dando certo. Isso, o projeto está lá. Eu acho que é um movimento, é um movimento que vai evoluir. E vai evoluir na medida em que nós estamos percebendo a economia crescendo, o emprego crescendo. Eu acho que isso vai ser uma evolução, sobretudo na medida em que você vai tendo, nos trabalhadores, gente querendo muito mais tempo para estudar, gente querendo muito mais tempo para o lazer. É importante lembrar que nós só tivemos pleno emprego de uns quatro anos para cá. Ou seja, nós tivemos uma situação de desemprego em que… Quando você tem desemprego, as pessoas não brigam. Essa é uma coisa que eu aprendi no movimento sindical. Em época de crise, em vez de a gente brigar, como a gente teoriza, a gente recua, porque a gente sabe que não vai levar nada. Quando é que a gente briga? É quando a gente começa a perceber que tem “café no bule” para a gente tomar. Aí todo mundo começa a brigar.

Agora, veja que interessante: Nesses oito anos de governo… Eu fiz as maiores greves que este país já conheceu no setor privado, e eu voltava a trabalhar sem ganhar nada. Em oito anos de governo, todos os sindicatos fizeram acordo acima da inflação, nesses oito anos. Todos, todos, sem distinção. Mas eu acho que a redução da jornada de trabalho ainda será uma conquista dos trabalhadores, e eu estarei, onde estiver, brigando para que ela aconteça. Eu só achei que não era correto fazer por medida provisória, porque seria uma coisa meio falsa.

O fator previdenciário: Veja, nós fizemos um acordo com o movimento sindical. Eles sabiam que a gente não poderia revogar o fator previdenciário como eles queriam, porque isso poderia quebrar a Previdência, era uma coisa muito forte. Então, nós fizemos um acordo, o governo fez uma proposta, sentado com o deputado Pepe Vargas, com as centrais sindicais, com o ministro Gabas – antes, o ministro Pimentel. Quando essa proposta foi para ser votada, o pessoal recuou. E aí, resolveu votar a totalidade, e eu não podia deixar, porque, quem está nesta cadeira de Presidente tem que ter um pouco mais de dureza, às vezes, nas coisas. Porque não adianta você aprovar uma coisa que você sabe que vai causar um prejuízo maior. Eu vetei, e o movimento sindical sabe que tanto eu quanto a futura Presidente estamos dispostos a negociar para encontrar um denominador comum, que não prejudique os trabalhadores na questão da aposentadoria.

Da mesma forma que nós temos mandado… Veja, nós mandamos, a pedido do ex-presidente da CUT, ministro do Trabalho, uma política de reajuste do salário-mínimo até 2023. Era uma combinação do crescimento do PIB com a inflação. Nós tivemos o azar da crise americana de 2008, em que o PIB decresceu, mas a tendência natural é você ter um crescimento do PIB, daqui para frente, em média de 5%; e, se você tiver uma inflação de 4[%], significa que você vai ter, alguns anos, reajuste de 10% no salário-mínimo. Sinceramente, eu não consigo compreender porque a Câmara não priorizou e não votou essa coisa.

Você sabe, Miro, que eu sinto orgulho da minha relação com o movimento sindical, e eu dizia: O grande legado que eu quero deixar para o país é essa relação com a sociedade. Nós fizemos 73 conferências nacionais; o movimento sindical, todo ano, apresenta pauta de reivindicação, nós discutimos com o governo, apresentamos a resposta; depois, vem os sem-terra; depois, vem a Contag; depois, vem a Margarida; depois, vem os sem-teto. Ou seja, nunca se exercitou a plenitude democrática como nós estamos exercitando.

Certamente, Miro, quando eu me “desencarnar” da Presidência… Sabe quando você toma um… Tem gente que diz que toma um tiro e não sente na hora, vai sentir depois, não é isso? Então, eu devo perceber depois. Quando as pessoas perguntam: “Ô Lula, o que você deixou de fazer?” Eu falo: Deixa eu “desencarnar” primeiro da Presidência, que eu vou ter mais… a cabeça vai estar mais fresca para eu saber: puxa vida, eu poderia ter feito tal coisa, eu poderia ter avançado em tal coisa, eu poderia ter feito diferente. E eu não quero descobrir isso para me queixar porque não fiz. Eu quero descobrir isso para um dia passar um bilhetinho para a Dilma: olha, eu não fiz isso, se você puder fazer, faça. Obviamente, se ela deixar entregar o bilhetinho para ela.

Secretário de Imprensa, Nelson Breve: Bom, muito bem. Agora, o José Augusto, do blog Os Amigos do Presidente Lula.



________: Presidente, bom dia. Blogs ativistas como o nosso nasceram ainda no seu primeiro mandato, inspirados para combater as tentativas de golpear o seu governo. Pelo visto, essa pauta combativa continuará no governo Dilma. Em relação ao senhor, em 2011, o senhor falou que quer esperar “desencarnar”, mas dá para antecipar alguma grande pauta que teremos, assim, para… alguma grande pauta combativa? Deixa eu dar uma ideia: Sobre reforma política, há clima para uma “miniconstituinte” exclusiva? Principalmente, assim, aproveitando a oportunidade, que líderes da oposição sem mandato poderiam ter interesse em ter algum protagonismo também?

Presidente: Olha, deixa eu te dizer uma coisa que eu acho importante dizer agora, já, antecipar isso: Eu pretendo trabalhar muito para a reforma política. E pretendo trabalhar junto com os partidos políticos no Congresso Nacional e junto à sociedade. Quer dizer, é inconcebível este país atravessar mais um período sem fazer a reforma política, é inconcebível. Obviamente que não é papel de quem está na Presidência, é papel dos partidos políticos, é papel do Congresso Nacional. Então, a primeira coisa que a gente tem que fazer, no meu caso, é convencer o meu partido de colocar a reforma política como prioridade; segundo, convencer os partidos de esquerda, que muitos não querem. Eu quero compreender qual é a divergência que existe entre nós, no bloco de esquerda, sobre a questão da reforma política. É porque, a partir daí, se você construir um pensamento homogêneo entre determinados blocos, você pode tentar trabalhar com outros blocos.

E, se for necessário, a gente tem que defender uma constituinte própria para isso, se for necessário. Eu, sinceramente, se você quiser minha opinião, eu acho que a reforma política é uma coisa prioritária no Brasil. É preciso que os partidos sejam fortalecidos, é preciso que os partidos tenham mais responsabilidade, e é preciso que as coisas aconteçam com a seriedade que nós queremos que aconteçam no Brasil, sobretudo na questão de financiamento de campanha. Eu já disse publicamente: Eu prefiro financiamento público, que a gente sabe quanto vai custar uma campanha, cada partido vai ter responsabilidade da quantidade de recursos que vai receber, cada partido vai fiscalizar o seu recurso, e não ficar essa loucura que é uma campanha que a gente não tem nunca noção se é verdade ou não as contas, aquele negócio todo.

Então, eu sou favorável, e você pode contar comigo nessa trincheira. A companheira Dilma sabe disso, o meu partido sabe disso. Eu vou estar muito mais livre para falar e para dizer coisas que eu não posso dizer com o papel institucional de presidente da República. As pessoas pensam que o Presidente pode tudo. Pode relativamente, mas o Presidente tem muita responsabilidade, então ele não pode dizer o que ele pensa, ele não pode… eu, até muitas vezes, exagero, mas não… Eu acho que eu vou ser muito mais defensor da luta pela reforma, e a primeira batalha é dentro do PT, a primeira batalha é dentro do PT. Se vencer dentro do PT, eu tenho certeza de que o movimento social é favorável, e as pessoas precisam apenas compreender a seriedade da reforma política, por que ela é importante para o Brasil.

Bem, depois eu pretendo fazer o quê? Eu tenho vontade de trabalhar com as experiências bem-sucedidas do Brasil, eu tenho vontade de trabalhar na América Central, nos países menores do Caribe, ajudar a Guatemala, El Salvador, Nicarágua… sabe, temos muita experiência bem-sucedida, e sobretudo o continente africano. Eu quero ver se eu dedico um pouco do meu tempo a levar algumas experiências de políticas nossas, para ver se a gente consegue implantar na África. Nós começamos agora em Moçambique três cursos de universidade aberta, com setecentos e poucos alunos. Até o final de 2011, o Brasil vai ter 7,9 mil alunos em Moçambique fazendo curso pela Universidade Aberta, com aula presencial acho que uma vez por mês, e nós queremos fazer isso para todos os países de língua portuguesa.

Mas, sobretudo, eu tenho vontade de ajudar… a experiência do Territórios da Cidadania, a experiência da compra de alimentos, a experiência da obrigatoriedade de 30% do alimento da merenda escolar ser comprada na cidade pelo pequeno produtor, do crédito para o pequeno produtor, a experiência brasileira de microcrédito é excepcional.

Eu participei de um seminário esta semana que eu, Presidente, não tinha noção do sucesso da política de microcrédito. Tem um microcrédito no Ceará, que foi o primeiro que eu vi…

__________: Banco Palmas, não é?

Presidente: … de Palmas, emprestou… as pessoas tomam R$ 15,00 emprestados para ir comprar farinha, para ir comprar… É impensável alguém da Avenida Paulista imaginar que alguém vai a uma cooperativa tomar R$ 15,00 emprestados.

Então, é esse mundo que… De vez em quando, eu vou a debate com o Guido, com o Meirelles, em Frankfurt, no G20, eu falo: A gente discute muito a macroeconomia, mas o que está dando certo ali da macro é a microeconomia, ou seja, é o catador de papel recebendo dinheiro do BNDES, coisa que era impensável, é o pessoal do campo tendo acesso ao Minha Casa, Minha Vida. Isso tem sido… É o crédito consignado, que já tem mais de R$ 120 bilhões no mercado; os aposentados estão com quase R$ 60 bilhões de crédito. Ou seja, é fazer… Precisou chegar à Presidência um torneiro mecânico metido a socialista para este país virar um país capitalista. É verdade. Para ter crédito, para ter financiamento… Coisa que não tinha, não tinha.

Então, eu acho que essa experiência eu quero levar. Porque muitos presidentes falam que não têm dinheiro. Não é só dinheiro. Hoje eu posso dizer para vocês que o problema não é só dinheiro. Dinheiro é importante, mas muitas vezes é a tomada de decisão. Porque, às vezes, você pode decidir dar R$ 10,00 para um lugar em vez de dar 100 para outro. E isso nós superamos aqui no Brasil, acho que a Dilma tem todas as condições de aperfeiçoar isso, aperfeiçoar, e a gente virar uma referência mundial nessa questão de relação com a sociedade, de microcrédito, de financiamento. E aí vocês conhecem um pouco isso.



Secretário de Imprensa, Nelson Breve: Presidente, antes de passar aqui para o Eduardo Guimarães, vou fazer uma pergunta do Twitter aqui, do Demian. De alguma forma a Telebrás reverte a privatização no setor?

Presidente: Um dia, quando eu não for mais Presidente, nós vamos contar toda a briga para a gente chegar onde nós chegamos, não é fácil. Eu, uma vez, aqui, nesta mesa – não era esta mesa – uma vez, aqui, nesta mesa, eu fiquei sabendo que, no processo de privatização, a rede de fibra ótica que o Brasil tinha ido para a mão daquela empresa AS, e que ela tinha quebrado, e essa fibra ótica estava aí. Então, eu falei: Vamos tomar. Se é do governo, nós vamos atrás. Na época, eu fiz uma consulta jurídica: “Ah, em três meses está pronto, em três meses está…” Meus meninos, esses três meses levaram seis anos, seis anos. Sentaram em cima da tal… da Eletronet, e nós demoramos, mas demoramos, demoramos, demoramos, demoramos… Era um síndico que não queria, era um juiz que não dava… Ou seja, aquilo que eram três meses levaram seis anos. Porque nós achamos que… Não, eu não quero que o Brasil, que o governo seja o dono da banda larga, não quero. Mas eu quero que eles saibam o que a gente pode fazer, e que, se eles não fizerem, a gente vai fazer. É apenas um sinal, é apenas um sinal. Nós temos fibra ótica, nós temos condições de fazer. Agora mesmo vocês viram o leilão de computador, o leilão que nós fizemos aí. Porque a gente estava tentando comprar notebook a US$ 200 desde que eu entrei no governo. Agora, saiu um leilão, o notebook a trezentos e poucos reais, ou seja, vai dar duzentos e poucos dólares. Nós fizemos leilão agora para toda prefeitura do Brasil que quiser aproveitar o leilão do governo federal, vai poder colocar computador. E aí nós temos que entrar com a banda larga, e temos que entrar da forma mais barata possível. Não queremos evitar que ninguém ganhe dinheiro, mas também não vamos fingir que não existimos só para as pessoas ganharem dinheiro. E foi briga, eu acho que é um começo. Não foi fácil. Só quero dizer para vocês que foi uma briga maluca. Quando nós decidimos recriar a Telebrás, montar uma direção, é porque nós queremos o seguinte: Nós queremos que as pessoas saibam que nós queremos trabalhar em parceria – o governo, o Estado com a iniciativa privada – mas que nós não queremos nem enrolá-los e nem queremos ser enrolados, ou seja, eles têm que saber que o governo fará se eles não fizerem.

Secretário de Imprensa, Nelson Breve: Eduardo Guimarães, do Blog da Cidadania.



Eduardo Guimarães: Presidente, bom dia. A minha questão tem que ser sobre o PIG. Eu sou um obcecado pela questão, fundei até uma ONG chamada Movimento dos Sem-Mídia. Então, a questão tem que ser essa.



Secretário de Imprensa, Nelson Breve: Presidente, o PIG é o que ele chama do Partido da Imprensa Golpista, viu, Presidente.



Eduardo Guimarães: É, tradicionalmente golpista.

Presidente, em janeiro de 2008, houve um surto de febre amarela no Brasil, daqueles que se repetem a cada sete anos, segundo a literatura. Ocorreu um fenômeno inédito naquele ano. Ao fim daquele mês de janeiro, havia mais gente doente por reação adversa à vacina da febre amarela do que por febre amarela. Nunca havia acontecido isso. Por conta de reação adversa à vacina, naquele mês de janeiro, morreu mais gente… morreu a mesma quantidade de gente que havia morrido em toda a história desde que inventaram a vacina contra a febre amarela. A mídia, naquele momento, dizia que havia uma epidemia e insinuava – em editoriais… – que as pessoas teriam que se vacinar, fossem de onde fossem, e antes que fosse tarde. Algumas pessoas entraram três vezes na fila e se vacinaram três vezes para se garantir, achando que, se sobrevacinando, estariam mais protegidas. E essas pessoas, muitas delas, foram parar no hospital, e algumas acabaram morrendo. O ministro da Saúde foi à TV, pediu calma à população e garantiu que não havia epidemia. A mídia, mais uma vez, afirma que é mentira, insinua que é mentira. Editoriais disseram que é mentira, que o governo jamais reconheceria se houvesse; fizeram até comparações estapafúrdias com a ditadura militar.

No mesmo ano de 2008, explodiu a crise econômica internacional no Brasil. O senhor foi à TV, pediu às pessoas que confiassem na força da economia do país, que não deixassem a roda da economia parar. Mais uma vez, a mídia alarma a sociedade, empresários postergam investimentos, consumidores param de comprar, as demissões chegam a centenas de milhares. No Brasil, existe uma lei que prevê o crime de alarma social. Aliás, o Movimento dos Sem-Mídia – a organização que eu presido – entrou com uma representação, por conta do caso da febre amarela. Nós estamos recorrendo, o Ministério Público quer arquivar. A questão é a seguinte, a questão é a seguinte: Essa lei, quem é que pode – talvez o senhor, quando “desencarnar” da Presidência – possa ajudar para que a gente combata essa situação em que a mídia, na minha opinião e na de milhares dos meus leitores – do meu e de outros blogs – comete crimes. Então, não se trata de censura, não se trata de nada. Liberdade de imprensa é uma coisa, crime é outra. Essa é a minha questão, senhor Presidente.

Presidente: Olha, não existe mais censura do que… Não existe maior censura do que a ideia de que mídia não pode ser criticada. A gente critica até o nosso time de futebol, quanto mais a mídia. Eu vou contar uma experiência para você: Uma vez eu fui à Embrapa e me reuni com a imprensa para fazer um apelo. Eu lembro que estava tendo a febre…



__________: Suína.

Presidente: Não, não era suína. Era febre do fran… galinhas.



__________: Aviária.

Presidente: A febre aviária, a gripe aviária. E eu lembro que um determinado jornal publicou, em horário nobre, umas galinhas mortas em Marília, e disseram que era gripe aviária. Por conta daquilo, caiu o consumo de frango no Brasil; na Itália, já tinha caído 70%, aqui no Brasil começou a cair. Eu me reuni com os produtores. Aí, eu fui à Embrapa, em uma reunião, para dizer aos companheiros da imprensa que nessas coisas era preciso que a gente agisse com mais seriedade. Ou seja, antes de dar o alarme, que procurassem especialistas – mas não aqueles “especialistas de plantão” – que procurassem… É, porque, agora, eu, sinceramente, eu vejo cada especialista ali falando, que… Que procurasse gente que tivesse responsabilidade, da área da Saúde, da área do Ministério da Agricultura, que pudesse dizer claramente o que está acontecendo, para que a sociedade agisse de acordo com o tamanho da gravidade.

O mesmo aconteceu com a febre amarela. Quando saiu a primeira notícia, eu chamei o Temporão aqui – acho que já era o Temporão – o Temporão falou: “Presidente, não tem detectado foco, não vimos o foco. São casos acontecidos um no Centro-Oeste… Nós vamos cuidar disso, pode ficar tranquilo” e tal. Mas, aí, o alarde é tão grande, que você perde o controle, você perde o controle. Daí, ele foi fazer um pronunciamento.



__________: Existe lei (incompreensível).

Presidente: Então, eu vou, agora que você está falando, eu vou atrás dessa lei. Mas eu vou enquanto Presidente ainda, não vou esperar terminar o meu mandato não. Essa aqui… essa aqui, essa aqui eu não vou “desencarnar”…



__________: Está tudo aqui, Presidente.

Presidente: Essa aqui eu não vou “desencarnar”, essa aqui eu vou atrás.

Quando surgiu o negócio da crise econômica americana, eu comecei a ficar assustado, por quê? Porque as manchetes eram o seguinte: “Economia vai parar”; “o consumidor vai deixar de comprar, os trabalhadores não querem fazer dívida porque estão com medo de perder o emprego”. Eu falei: Franklin, eu preciso fazer um pronunciamento. Eu preciso dizer para os trabalhadores que, se eles pararem de comprar, eles vão perder o emprego. Bem, me reuni com o Guido, me reuni com o Meirelles – a gente tinha certeza do que ia acontecer no Brasil. Eu tenho visto em debates com setores industriais que eles se acovardaram na época da crise. Não precisava ter dado a brecada que deram, aqui, no Brasil, não precisava ter dado aquela brecada que a economia fez “assim”, entre outubro de 2008 e fevereiro de 2009. A indústria automobilística exagerou, outros setores exageraram – no medo, apenas no medo.

__________: Oitocentas mil demissões.

Presidente: Nós tomamos todas as medidas possíveis. Nunca – agora eu vou dizer – nunca antes na história do G20 ou do G8, alguém tomou medidas tão rápidas. Tanto é que, quando chegou ao mês de março, a indústria automobilística já estava vendendo mais, produzindo mais, a economia se recuperou, nós desoneramos o que era preciso desonerar, e incentivamos a compra de geladeira, de máquina, de tudo. Ou seja, graças a Deus, a economia brasileira foi a última a entrar e a primeira a sair, e não precisaria ter passado sufoco. Tudo isso, (incompreensível).

Um dia, eu conversei com o presidente de uma associação comercial que ele… o pessoal fazia uma pesquisa no final do ano, e aparece assim: “consumidor está cauteloso”; “consumidor está com medo”. Então, ele publicou o resultado da pesquisa com a manchete: “Consumidor está com medo”. Eu falei: Companheiro, companheiro, eu não sou publicitário, mas você fez a pesquisa para detectar o que está acontecendo no setor. A informação que você tem que dar é para reverter, você não pode causar pânico. Ou seja, faça uma orientação de como é que as pessoas devem comprar. E isso acontece muito, acontece.

Eu vou dizer mais para você uma coisa, uma conversa que eu tive com alguns companheiros. No Brasil, muitas vezes um instituto qualquer de fiscalização paralisa uma obra um ano, paralisa uma obra um ano. Aí, depois de um ano, a suspeita levantada por aquele órgão não se concretizou. E ninguém se responsabiliza por pagar à nação um ano de prejuízo, ninguém. As pessoas só dão a manchete da denúncia: “Suspeita na entrevista do Lula com os blogueiros”. Aí, depois não aconteceu nada, ninguém fala: “Não teve nada”. Então, isso é uma coisa que uma grande personalidade jurídica me disse um dia: “Presidente, é preciso criar um instrumento da [para a] sociedade acionar judicialmente essas falsas denúncias”. Ou seja, o cara denunciou, não provou, quem é que vai pagar? Porque o prejuízo fica com a nação. Se eu contar uma coisa para vocês aqui, se eu contar da perereca do túnel do Rio Grande do Sul, lá de Osório, que, por causa de uma pererequinha, parou uma obra por seis meses. Se eu contar da machadinha indígena no Canal do São Francisco, que o cidadão encontra um pedaço de pedra e um engenheiro fala: “Parece uma machadinha indígena”. Aí, pararam a obra por seis meses, e não era machadinha coisa nenhuma. E eu quero saber o seguinte: Quem paga a conta?

Então, eu acho que… eu vou me interessar agora, meu companheiro, para ir atrás disso, porque eu acho… Essa é uma coisa que eu quero ver se preparo alguma coisa ainda para deixar para Dilma, em mudança de alguns marcos regulatórios, para facilitar a capacidade de ação…



__________: E reação.

Presidente: … do governo, e da própria reação da sociedade, ou seja, às vezes, a sociedade… Por isso que eu acho que a internet é importante. Porque, antigamente, na mídia comum, acontecia uma coisa, você tinha que pedir direito de resposta, você tinha que ter um amigo que desse uma notícia… Agora não. Agora, o cidadão entra na casa dele, aqui e detona o que for possível detonar.



__________: Fumando um cigarrinho…

Presidente: Fumando um cigarrinho. Mas eu vou conversar depois sobre isso aqui.



__________: Qualquer coisa, eu estou à disposição.

Presidente: Está bom.



Secretário de Imprensa, Nelson Breve: Senhor Cloaca, do Cloaca News.



Senhor Cloaca: Bom dia. Bom, eu vou continuar nessa questão da relação com os meios de comunicação e retomar a Conferência Nacional de Comunicação, que foi realizada em 2009, convocada pelo seu governo. São, na verdade, duas questões em uma só. Primeiro, se houve um fator determinante para que ela fosse convocada, já que ela já era esperada há muito tempo, mas não saía. De repente, saiu. Essa é uma pergunta, quer dizer, o que é que precipitou, se é que precipitou, o que é que fez com que a Conferência saísse. E ainda assim, o fato de ela ter saído – e gerou muitas resoluções e tal – se a Confecom pode nos dar a esperança, o fato de ela ter sido convocada e ter saído, se ela pode nos dar uma esperança – além da importância, óbvio, que ela teve – de que esse é o início de uma discussão para valer sobre o comportamento de certa imprensa que, sistematicamente, vem manipulando fatos e dados e desqualificando o seu governo e a sua própria pessoa.

Presidente: Meu caro senhor Cloaca é o seguinte: Eu acho que, depois da Confecom, será inexorável a gente colocar em prática parte das decisões. Você participou, e você percebe que você tem posições extremadas de todos os lados, de todos os segmentos, e vocês conseguiram – eu digo “vocês” porque o resultado da Confecom foi quase que um processo de depuração daquilo que era exagerado para um lado ou para o outro e a construção do caminho do meio, do possível a ser colocado. E isso ficou muito mais visível agora quando o companheiro Franklin Martins convoca a conferência internacional e traz para cá Estados Unidos, traz para cá Inglaterra, traz para cá Alemanha, traz para cá Espanha, traz Portugal, traz França, e todo mundo que é utilizado como exemplo neste país para tudo começa a dizer que lá tem regulação sim, e que não é crime ter regulação. É crime você ter censura, mas você ter regulação das coisas não é crime nenhum.

Então, eu penso, veja, por que aconteceu naquele momento? É porque as coisas só podem acontecer quando atingem um grau de maturidade para acontecer. Você está lembrado que, aqui no governo, quando nós tentamos aprovar a Ancinav, a gente nem tinha feito o projeto, saiu uma guerra, saiu uma guerra contra a Ancinav, mas uma guerra de tal magnitude que eu fui obrigado a convocar uma reunião ministerial para saber o que estava acontecendo. Depois eu descobri que o projeto não estava pronto, era apenas um esboço, um esboço para debate. Você está lembrado quando os jornalistas resolveram propor a criação do conselho nacional, como tem a OAB, a guerra que foi feita. E o que é mais grave é que a própria categoria tem medo de fazer essa briga, acha que é crime ter um conselho. Então, eu acho que aconteceu… Primeiro, é importante a gente valorizar muito a presença do companheiro Franklin no governo, que teve a coragem de organizar, sabendo o que tinha que enfrentar, conversou com todo mundo. Eu mesmo participei de reuniões com gente da grande mídia, com gente tanto das televisões quanto das telefônicas, pedindo para as pessoas participarem, que era importante participar. Disse para eles que não era… Ninguém pode ter medo de debate, a gente vai ouvir coisa que a gente não gosta. A gente só senta com torcedor corintiano, a gente não sabe o que pensa um palmeirense (incompreensível), o que pensa um são-paulino, o que pensa um… Então, precisa sentar, de vez em quando, com quem pensa diferente.

E eu acho que foi um sucesso estupendo aquilo. E eu acho que ali nós criamos um patamar: é dali para frente. Ou seja, nós, agora, temos coisas ditas pela sociedade brasileira que nos dão garantia de que nós não somos um governo maluco que inventou uma discussão porque quis inventar uma discussão. Não. A sociedade brasileira tem tanta sede de discutir esses assuntos quanto um nordestino do semiárido tem de encontrar uma cacimba com água gelada. Está posto o debate. E eu espero que a gente tenha condições de apresentar o texto ainda antes de terminar o meu mandato, pelo menos para apresentar para a companheira Dilma – porque, no final, também não vou fazer nada mais sem passar por ela, porque é ela que vai dar sequência nesse debate. E eu acho que… vocês conhecem a Dilma, e ela vai fazer esse debate, certamente vai mandar para o Congresso Nacional, e aí vocês entrarão em campo, meus filhos. Esse é o dado concreto.

Secretário de Imprensa Nelson Breve: Presidente, o Gilberto já veio aqui dar toque na gente, que nós temos mais 20 minutos só. Vou fazer só a última pergunta dos nossos “twitteiros” aqui, e depois vou passar para os dois últimos aqui, depois para aquela rodada final, dentro do nosso limite aqui combinado. “O presidente que reduziu o desmatamento amazônico em 75% nos últimos cinco anos vai permitir votar o novo código florestal, que destruirá nossa meta de clima?” É uma pergunta da Natali.

Presidente: Então, Natali, olha, tem um problema grave. Nós tínhamos feito praticamente um acordo, ainda quando o Minc estava no Ministério do Meio Ambiente, junto com o Ministério da Agricultura, faltava meia vírgula para a gente acertar, quando teve uma divergência. Bem, acontece que nós ficamos tentando reparar essa divergência, e consertar, e construir um denominador comum, e o Congresso foi avançando com a sua proposta. Quando o Congresso estava em um estágio avançado, eu entendi por bem que a gente deveria fazer o debate no Congresso e não permitir que o governo atropelasse o Congresso fazendo um decreto. Seria muito ruim para o governo, depois das coisas já estarem sendo discutidas no plenário da Câmara, que a gente pudesse fazer um decreto.

Agora, eu sei das críticas que fazem ao projeto, eu sei das críticas que fazem ao projeto. Sinceramente, o que vier fora daquilo que são os padrões que nós tínhamos acordado, se vier no meu governo, se for aprovado, nós vetaremos; se for para o governo da Dilma, eu tenho certeza que ela vai vetar. Agora, o que é importante é que a gente ainda crie condições de negociar o acordo que nós tínhamos feitos entre o Ministério da Agricultura, o Mapa… o Ministério do Meio Ambiente e os outros ministérios, coordenado pela Casa Civil. A proposta está pronta, é apenas a gente chamar a Câmara e chamar os companheiros mais ligados aos ambientalistas para a gente construir e tentar fazer da votação na Câmara a construção de um acordo.

Secretário de Imprensa, Nelson Breve: Agora o Túlio Vianna, o blog do Túlio Vianna, de Minas Gerais.



Túlio Vianna: Bom dia, Presidente.

Presidente: Bom dia (incompreensível).



Túlio Vianna: A minha pergunta é uma pergunta jurídica, porque o meu blog é jurídico, e está relacionada às suas indicações dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Ao longo do seu governo, o senhor indicou seis dos dez ministros hoje em atuação no Supremo, e há um certo sentimento entre alguns juristas de esquerda de que esse Supremo Tribunal, essa parte do Supremo Tribunal indicada pelo senhor não é tão de esquerda assim, talvez até por questões religiosas de muitos desses ministros, que são praticantes religiosos.

A minha pergunta é: O senhor disse que o Presidente não pode tudo. Às vezes, as pessoas acham que o Presidente pode tudo, e ele não pode tudo. Esse Supremo é de fato a cara do… esses indicados para o Supremo são os ministros dos seus sonhos, quer dizer, são a cara do governo Lula, ou no fundo eles são uma composição de fatores políticos, de expressões políticas que levariam a criar esse Supremo? E uma última pergunta seria: O novo ministro a ser indicado, será que ele tem uma cara diferente, mais favorável aí a questões como aborto, direitos dos homossexuais, que estariam menos relacionados aí, menos ligados, digamos assim, às posições da Igreja Católica? Obrigado.

Presidente: Ô Túlio, graças a Deus, o Supremo não é a minha cara. Porque, se fosse a minha cara, nós estaríamos repetindo o rei, estaríamos repetindo os erros do tempo do império, estaríamos repetindo erro do Poder Legislativo da Bahia, quando o Antônio Carlos Magalhães era governador, em que eram os amigos que eram escolhidos para as coisas, em que a imprensa dizia sempre que ele jantava, almoçava com desembargadores.

Veja, eu, só para você ter ideia, das indicações que eu fiz, o primeiro cidadão que eu indiquei foi o companheiro Britto, e foi uma indicação de dois grandes juristas de esquerda deste país, Fábio Comparato e Bandeira de Mello. Foi o primeiro. Depois, eu queria indicar um negro. Quando a gente fala que não tem preconceito, tem; quando não tem discriminação racial no Brasil, tem. Porque não foi fácil encontrar um negro que estivesse à altura de a gente poder indicar para a Suprema Corte, e, quando eu indiquei o Joaquim, tinha denúncias de problemas com o Joaquim, esperei quase seis meses para indicar o Joaquim. Eu não conhecia o Joaquim. Eu conheci o Joaquim quando eu o indiquei. E adotei como hábito… Eles estão todos aí, vocês podem perguntar. Certamente, houve épocas no Brasil em que o Presidente, para indicar o cara, chamava o cara e falava: “Eu vou te indicar, mas você tem que votar contra mim… você tem que votar a meu favor”. Eu não faço política assim. Eu não conhecia a Cármen; eu conhecia o Lewandowski, de São Bernardo do Campo, mas não tinha nenhuma relação com ele; a minha mulher, Marisa, tinha muita relação com a dona Karla [Karolina], que é a mãe dele. Quem me indicou o Lewandowski foram, inclusive, os companheiros do Sindicato, que mostraram o quanto ele era competente. O único deles que eu tinha amizade era o Eros Grau, que tinha trabalhado com o Tarso Genro no Instituto Cidadania, tinha ajudado lá. E todos companheiros com a visão progressista. O Peluso eu não conhecia, que era desembargador em São Paulo. A… o que mais?

__________: (incompreensível)

Presidente: Ah, o Direito, o Direito [Carlos Alberto Menezes Direito], para mim foi uma surpresa extraordinária porque quando eu o indiquei, muita gente da Igreja católica, da ala esquerda tinha medo, porque eu estava indicando um cara de direita, e o comportamento dele foi impecável durante todo o tempo em que ele esteve na Suprema Corte. Foi uma pena que ele tenha morrido tão cedo. Então, o Presidente da República, isso é uma coisa, Túlio, sagrada, porque vale para mim e vale para quem vier para a Presidência. A gente não pode indicar as pessoas pensando na próxima votação na Suprema Corte. A gente não pode indicar uma pessoa pensando nos processos que vai ter contra o presidente da República. Você tem que indicar a pessoa pensando o seguinte: se a pessoa é ou não competente para exercer aquele cargo. E tem gente de direita, gente de esquerda. Você não sabe a quantidade de quadros que tem querendo ser indicados para essa próxima vaga. Por que eu não indiquei? Primeiro, porque a gente tinha o processo eleitoral. Eu falei: bom, eu vou esperar o processo eleitoral. Depois da eleição, eu vou discutir com quem ganhar as eleições a indicação do próximo membro da Suprema Corte. Quis Deus que fosse a Dilma. Então, eu agora tenho que decidir se eu indico ele agora e já conversei com o presidente Sarney, o Congresso vota até o dia 17, e nós só temos que ver se é possível votar até o dia 17. Se não for possível votar até o dia 17, eu prefiro deixar para a companheira Dilma indicar, porque o Legislativo também vai entrar em férias. Você sabe que entra em férias agora em dezembro, e volta em janeiro ou fevereiro. Então, a Dilma já pode indicar. Nós vamos ter um Senado novo… E o companheiro que vai ser indicado agora, ele tem muita responsabilidade, muita, muita! Ele vai ter que discutir a Ficha Limpa, ele é o voto de desempate; ele, possivelmente, será o primeiro voto na questão do mensalão, quando for votar, se não tiver outro novo; e ele terá que votar o caso do Battisti também, a decisão.

Então, tudo isso, eu não tenho pressa porque não tem nada que seja gravíssimo para ser votado. E eu quero acertar com a Dilma, tranquilamente, dizer: Dilma, eu não vou indicar um cara, agora, da minha vontade. Você vai ser a presidente, você vai conviver por quatro anos aí, é o seguinte, você tem alguém que você queira indicar, me peça que eu indicarei exatamente… ou vamos construir juntos o nome, em uma alternativa a dois, com 50% de responsabilidade de cada um. E, sinceramente, eu faria isso se o Serra tivesse ganhado, eu ia chamá-lo também para discutir o próximo nome, porque é o jeito de você ser republicano e você poder andar de cabeça erguida, mesmo diante dos teus adversários. Então, a gente não escolhe, viu, Túlio, essa é uma coisa importante. Peço a Deus que seja assim sempre. A gente não escolhe, por interesses menores alguém para a Suprema Corte. O jogo de interesses… a pressão para indicar gente lá para a Suprema Corte é maior do que a para indicar ministro. Mas a gente não toma aqui… eu tomo a decisão tranquilo, eu sento com o meu ministro da Justiça, eu sento com o advogado-geral da União, eu sento com a Casa Civil, eu consulto alguns amigos, eu tenho amigos que eu consulto, eu tenho amigos para quem eu telefono: olha, está aqui, estão o Cloaca e o Franklin aqui, quem você quer que eu indique; está o Túlio e não sei quem, quem você quer que eu indique, quem você acha que é melhor, quem é que tem mais competência, quem é… Assim, você veja, o Ministério Público. Eu tomei decisão, aí é uma coisa da minha consciência, eu indiquei o Ministério Público, em todo o meu mandato, o primeiro da lista. Eu nem conhecia, meu filho, nem conhecia, e não queria conhecer, não queria conhecer. Indicava o primeiro da lista. O Antônio Fernando, eu poderia ter trocado ele, eu reindiquei ele na semana em que ele apresentou a denúncia contra gente do governo. Vai manter. Por quê? Porque eu faço consulta e as pessoas entendem: “Não, olha, mantém”. Nunca pedi nada a eles, não peço, não pedi antes. A única coisa que eu peço, no meu discurso de posse, é o seguinte: gente, quanto mais força vocês tiverem, mais responsabilidade vocês têm que ter. A coisa que mais me magoa é alguém ser acusado de ladrão não sendo ladrão, é a coisa que mais me magoa. Eu acho que quando você acusa uma pessoa você tem que ter provas. E se der errado, você peça desculpas. Porque no Brasil parece que é feio pedir desculpas. Eu me lembro da Escola Base, de São Paulo, que é um marco. Então, eu… olhe, gente, eu sofri, não me queixo, mas apenas constatando, quando eu deixar a Presidência eu vou reler, porque vocês sabem que eu parei de ver revista, parei de ver jornal. A raiva deles é que eu não os leio. Então, pelo fato de não os ler, eu não fico nervoso. Senão, você… mas podem ficar certos de que eu trabalho com muita informação, mas não preciso ler muitas coisas que eles escrevem.

_________: Dá azia…

Presidente: Mas eu vou reler muita coisa porque eu quero saber a quantidade de leviandades, de inverdades que foram ditas a meu respeito, quantas coisas que não foram ditas, apenas para conhecimento, e gravar na história do Brasil, porque não foi fácil o jogo, não. Não é fácil, sobretudo quando você não quer se curvar, sobretudo quando você quer ter independência no teu comportamento. Agora, para mim… eu estou tranquilo porque todos eles ganharam muito dinheiro no meu governo, nunca ganharam tanto dinheiro [como] no meu governo, nem bancos, nem empresários, nem construtoras. Os trabalhadores melhoraram um pouco, os pobres ficaram menos pobres, mas ninguém pode se queixar, neste país, ninguém pode, muito menos a mídia. Algumas delas estavam quase quebradas quando eu cheguei ao governo. Eu acho que é importante, estão aí, vamos continuar trabalhando. A única coisa que eu peço é a seguinte: seriedade, seriedade, seriedade, que é o que pode fazer a gente andar de cabeça erguida neste país e no mundo. Você veja uma coisa: de vez em quando… uma das coisas mais importantes que eu tenho no meu governo é a nossa política externa. A política externa do Brasil é uma coisa muito forte e respeitada. Eu falo para todo mundo: o companheiro Celso Amorim é, inegavelmente, o ministro das Relações Exteriores mais respeitado de todos os que eu conheço no mundo. E eu conheço muita gente, hoje, muita gente. Mas de vez em quando, parece que há um profissionalismo para fazer crítica. Quando eu fui ao Irã, por que eu fui ao Irã? Porque eu tinha conhecido o Ahmadinejad em Nova Iorque e, de duas horas de conversa, eu me convenci de que eu poderia convencê-lo a se sentar à mesa, na questão nuclear, o que era o grande desafio, ninguém queria conversar com ele. Eu saí do hotel, eu saí do hotel, da conversa com o Ahmadinejad, e a primeira coisa que eu falei para o Ahmadinejad foi a seguinte: Presidente, me diga uma coisa, é verdade que Vossa Excelência – porque eu trato assim: Vossa Excelência – não acredita no Holocausto? Porque se for verdade, só o senhor não acredita. Ele falou: “Não, eu não quis dizer isso”. Aí ele explicou o quê? Ele explicou que o que ele queria dizer, na verdade, era que “morreram 70 milhões de pessoas na Segunda Guerra, e parece que só morreram judeus”. Eu falei: mas se é isso que você quer falar, então você diga! Diga agora, como você me contou, mas não negue o Holocausto! Bem, eu saí dali convencido de que… porque eu tenho uma tese: nem todo ser humano é 100% bom, nem todo ser humano é 100% ruim. Tem sempre dentro de cem quilos um pedaço de coisa ali que a gente pode aproveitar e trabalhar. Aí eu fui para a reunião do G-20. Cheguei lá, tinha dado uma entrevista coletiva o Obama, o primeiro-ministro inglês Gordon Brown, e o Sarkozy falando mal do Ahmadinejad. Aí eu cheguei lá: presidente Obama, o senhor já conversou com o presidente Ahmadinejad? “Não”. Porque o presidente dos Estados Unidos é tão importante, que poderia pegar o telefone, ligar para ele e convidar para vir aqui. Mas nunca tinha feito! Fui conversar com o Sarkozy, também nunca tinha feito; fui conversar com a Angela Merkel, nunca tinha feito; fui conversar com o Gordon Brow, nunca eles tinham conversado com o Ahmadinejad! Bem, eu falei para eles: eu vou lá, eu vou lá. Eu vou a Israel, vou à Palestina, e depois eu vou ao Irã. Aí, fui à Palestina. Eu me convenci, eu me convenci de que não haverá paz no Oriente Médio enquanto você não colocar todos os interlocutores envolvidos, ali, em uma mesa de negociação. Se achar que a paz ali é uma coisa dos Estados Unidos, de Israel e do presidente Abbas, não vai ter paz ali. É preciso colocar mais gente. Quem é que vai conversar com quem? Quem vai conversar com o Irã, que tem influência; quem vai conversar com a Síria, que tem influência; quem vai conversar com o Hamas, que tem influência. Quem vai conversar com as pessoas? Quem vai se sentar ali e construir essa aliança? Então, tem que colocar todo mundo. Tentamos fazer a reunião de Annapolis, fizemos uma reunião de Annapolis mais ampla do que Estados Unidos. Ficamos de fazer a segunda, já faz quatro anos e não foi feita a segunda, ainda. A impressão que eu tenho… o que eu pergunto é o seguinte: quem quer paz no Oriente Médio? Na minha opinião, o povo, o povo quer paz, o povo. Mas será que alguns representantes querem paz? Ou será que essa discórdia favorece politicamente a alguém? Então, essa é uma inquietação. Aí eu fui conversar com o Ahmadinejad. Cheguei lá, conversei, dois dias que eu cheguei lá ele cumpriu a primeira promessa, porque quando eu cheguei lá, eu cheguei à meia-noite e às 6h da manhã ele libertou a francesa que precisava libertar e que a França tinha nos pedido. Bem, eu disse para o companheiro Ahmadinejad: olhe, você sabe que eu estou aqui, estou apanhando, sei que você não conhece a imprensa brasileira, mas eu estou apanhando, estou apanhando. Alguns amigos meus no mundo político, do G-20, do G-8, estão irritados, estão profundamente chateados. Eu fui para lá, e quando eu cheguei à Rússia para falar com o Medvedev, o Obama tinha ligado para ele; eu fui ao Catar, e quando eu estava conversando com o Emir do Catar, o governo americano tinha ligado para ele. Tanto é que eu cheguei à Rússia, e a imprensa perguntou assim para mim [para o presidente da Rússia]: “Presidente Medvedev, o presidente Lula está indo ao Irã conversar com o presidente Ahmadinejad. O senhor está otimista, qual é o seu grau de otimismo, de zero a 100?” Ele falou: “Trinta”. Eu falei: pô, Medvedev, isso não é otimismo, pô! Trinta por cento é otimismo? Isso… Otimismo é 99,9%, que é o que eu penso! Aí fomos lá. Chegamos lá, chegamos lá, a Agência e a imprensa já publicaram e agora, portanto, eu posso falar, eu tinha recebido uma carta do Obama dez dias antes, falando da viagem ao Irã e colocando alguns pontos que ele entendia que poderiam ser a base para o entrosamento na mesa de negociação. Aí, com base naquela carta, nós conversamos, conversamos, conversamos. Eu me lembro que eram nove horas da noite, eu desci do elevador com o Ahmadinejad, vi o ministro das Relações Exteriores dele e não vi o Celso Amorim, e eu falei: ih, já vi que…! O Franklin é testemunha: o Franklin e o Marco Aurélio estavam pessimistas. Nós saímos do hotel e eles falaram: “Olha, quebrou. Não tem acordo, agora prepare as costas para a imprensa brasileira, presidente Lula”. Eu falei: vocês são pessimistas, rapazes. Vamos ali, que vai dar certo! Aí eu cheguei lá e falei: Olha, Presidente, eu – eram nove horas da noite – eu falei: amanhã eu vou embora. Agora, eu não vou sair daqui sem um acordo. Eu vim aqui para fazer um acordo e você precisa ajudar os seus amigos a te ajudarem. Brasil e Turquia estão querendo te ajudar…

_________: Aí o sindicalista entra em jogo, Presidente?

Presidente: … aí conversamos, e eu falei: olha, você sabe que eu estou aqui dando as minhas costas para tomar chicotadas junto com você. Agora, nós precisamos fazer o acordo, nós precisamos… Bem, lá para as tantas, estava quase pronto… tem muito assessor; assessor ajuda, mas de vez em quando atrapalha, porque… tinha um cidadão lá que a toda hora dizia uma coisa no ouvido dele e ele voltava atrás. Aí nós queríamos colocar uma data, e ele não queria data. Eu falei: companheiro, nós temos que ter data, porque sabe o que dizem lá no G-8? Que você não cumpre as coisas que você faz. Então, data; a data é que vai dar garantia. Ele colocou a data. Qual foi a minha surpresa? Surpresa, não, frustração como ser humano, uma frustração assim… é que nós conseguimos o que o Conselho de Segurança da ONU queria! E quando nós conseguimos, eles se sentiram derrotados porque não foram eles que conseguiram. Estava visível, estava visível, sobretudo a partir de declarações de gente, pela imprensa – que eu não vou repetir aqui nomes -, uma frustração imensa. Agora, me parece que eles vão retomar. Eu dizia para o Irã assim: Olha, eu só quero para você o que eu quero para mim. No meu país é proibido, pela Constituição, construir bomba atômica. Eu quero que você desenvolva a tecnologia do urânio, da questão nuclear, para fins pacíficos. É isso o que eu quero para você, é o que eu quero para mim. Bem, eu acho que foi um avanço extraordinário o que nós conseguimos. Eu acho que eles vão retomar, e vão retomar a partir daí. Acontece que eles já estavam com a decisão de fazer o.. como é que se chama lá o …

__________: Bloqueio.

Presidente: Hein?

__________: As sanções.

Presidente: As sanções. Já estavam. E, de repente, chega um cara de Garanhuns e… tanto é que a imprensa brasileira… outro dia eu ouvi, em um debate, o cara falar: “no que o Lula tem que se meter? O Brasil não é de lá!” Sabe aquela gente que acha que o Brasil é vira-lata? Que o Brasil é pequeno, que a gente não pode dar palpite em nada? Olha, quantos países têm mais importância que o Brasil? Então, eu acho que nós atingimos um patamar de respeito aos outros, mas também de respeito a nós.

Eu vou só terminar dizendo para vocês o seguinte: a minha primeira participação no G-8, em Evian. Eu tinha cinco meses de governo, não sabia falar uma palavra em inglês e muito menos em japonês. De repente, eu estou em uma sala, sem assessor, porque não podia ter assessor, estão lá Bush, Tony Blair, Koizumi, Angela…, não, era o Schroeder primeiro, era o … e estava convidado o Fox, aí já falavam “buenos dias”, “buenas noches”, já estava bem… estava lá o rei da Arábia Saudita. Aí, eu coloquei o fone no ouvido, e com o fone você conversa tudo, porque tem muito profissionalismo. Eu comecei a pensar: espera aí, o que eu estou fazendo aqui? Aí eu falei: sabe de uma coisa? Eu acho que nenhum deles, aqui, tem a vinculação com o povo, que eu tenho. Então, eu aqui vou falar em nome de uma parcela do povo que, normalmente, não está representada nessa reunião. E aquilo me deu uma coragem extraordinária de poder falar “eu sou igual, não sou melhor, mas sou igual a eles”. Mas antes, eu tinha chegado lá com o Celso, estava todo mundo lá, eu fui para uma mesinha com o Celso, sentei, eu, o Celso e o Kofi Annan. Daqui a pouco entra o Bush. Meninos, quando entrou o Bush, todo mundo se levantou da cadeira e ficou em pé. Eu peguei na mão do Celso e falei: vamos ficar sentados. Ninguém se levantou quando eu entrei! Vamos ficar sentados. O Bush foi à minha mesa e nos cumprimentou igual cumprimentou a todo mundo. Não tem porque esse gesto de reverência que você faz desnecessariamente, que parece só puxa-saquismo. Então, eu acho, companheiros, que isso, isso… esse para mim, foi um fato… até nem sei por que eu contei para vocês, é porque eu queria contar. Esse foi um fato muito marcante na política internacional brasileira. Acho que o Brasil tem um jogo… nós estamos brigando há quinze anos para fazer a reforma do Conselho de Segurança da ONU, nós sabemos que aquele é um clube fechado. Os cinco donos do Conselho são os cinco maiores produtores de armas do mundo, os maiores vendedores de armas do mundo, e então não querem abrir aquele clube seleto. Agora, como é que se explica o Conselho de Segurança da ONU, hoje, representar o mundo geopolítico de 2010 com a mesma política de [19]48? Não é possível. Não é possível não estar a América Latina representada, não estar a África representada, não estar a Índia lá dentro, não estar a Alemanha, não estar o Japão. Então, é questão de tempo, e o Brasil vai continuar brigando para que eles possam abrir.



Secretário de Imprensa Nelson Breve: Presidente, essa última pergunta o senhor levou 15 minutos para responder. O Pierre Lucena…

Presidente: Essa não foi uma resposta a uma pergunta, foi para contar um fato histórico, em homenagem aos blogueiros.



Secretário de Imprensa Nelson Breve: Só dizer que o Gilberto Carvalho está aqui com a sua agenda, já atrasada, aqui nas minhas costas. Eu tenho Pierre Lucena, com a última pergunta. Aquela nossa combinação, eu queria ver o seguinte… vamos…



Ministro Franklin Martins: (incompreensível)



Secretário de Imprensa Nelson Breve: Certo. Está bom. Pierre Lucena, do blog Acerto de Contas, de Pernambuco.



_________: Bom dia, Presidente. No seu primeiro mandato, uma das áreas que foi muito elogiada foi a Polícia Federal. Pela primeira vez, nós tivemos gente importante, gente rica indo parar na cadeia. Já no segundo governo, em 2008 estourou a Operação Satiagraha. Foi preso um deles… entre alguns deles, o banqueiro Daniel Dantas. Uma série de fatos se sucederam à operação Satiagraha, inclusive um grampo da revista Veja, que nunca apareceu o áudio. Logo depois desse grampo, o Paulo Lacerda foi… não voltou, ou foi afastado e não voltou ao governo, e ficou a impressão de que ele tinha feito algo errado. Eu queria que o senhor explicasse, um balanço sobre a Polícia Federal nos seus dois governos, e por que o Paulo Lacerda não voltou ao governo.

Presidente: Primeiro, eu acho que eu sou agradecido a todos que passaram pelo governo e que prestaram serviço, dentre eles o Paulo Lacerda. A operação que cuidava de investigar as atividades do banco do Daniel Dantas, ela começou no nosso governo, com a Polícia Federal, e vai terminar no nosso governo, porque ainda não terminou. Tanto o Paulo Lacerda quanto o Luiz Fernando receberam orientação da Presidência da República que era preciso a gente investigar até o fim, até o fim. Acontece que quando você está investigando… Eu tenho coisas, eu agora vou apenas dizer para você uma coisa, eu tenho coisas que eu não posso dizer como presidente da República, não posso, até porque o processo está andando, tem um processo em andamento, tá? Mas eu acho que a primeira coisa que nós precisamos ter clara é a seguinte, gente: o problema de corrupção… qual é o problema da corrupção? É que quanto mais você combate a corrupção, mais ela aparece, quanto mais! Seria mais fácil jogar embaixo do tapete! Sabe aquele negócio: “vamos empurrando, vamos empurrando!” Veja, a Polícia Federal nunca trabalhou 20% do que ela trabalhou nos meus dois mandatos. Nós nunca contratamos tanta gente, nunca investimos tanto em tecnologia de investigação, porque nós achamos que é preciso… nunca foram presos tantos policiais federais, tantos servidores públicos, de quadrilhas montadas historicamente, neste país. Acontece que você não pode fazer uma investigação e todos os dias você ficar passando coisas para a imprensa, ficar vendo coisas para a imprensa todos os dias. Se você tem gente séria investigando, faça a investigação. Quando você tiver o final do inquérito, pode divulgar: “está aqui o inquérito, divulga ele inteiro.” Você pode ficar certo de que não haverá meio milímetro de vacilação nessa investigação e em qualquer outra investigação.

O Paulo Lacerda saiu porque eu acho que tinha que sair, ele já estava há muito tempo na Polícia Federal. A Polícia Federal teve uma ascensão importante, eu acho que a Polícia Federal hoje tem mais quadros, mais quadros, mais plano de carreira, mais salário, mais motivação. Eu acho que, não sei se a Dilma vai manter ou não, mas esse companheiro Luiz Fernando é um grande diretor-geral da Polícia Federal, acho que está fazendo um trabalho extraordinário. E a Polícia Federal como um todo, ela só merece elogios. E veja, e veja uma coisa, meu filho: no meu governo, no meu mandato a minha família foi investigada. Entraram na casa do meu irmão, eu poderia ter evitado e eu não… esse moço estava comigo, eu estava na Índia. Eu falei: bom, quem está sendo investigado, quem recebeu o comunicado é o presidente da República, não é o irmão do Vavá; então, que vá investigar. Sei de abusos que houve, sei de abusos que houve. Tomei cuidado para que não houvesse outros abusos. Você não entra na casa das pessoas sem mais, sem menos, achando que a pessoa é ladrão. Tem que entrar com cuidado, tem que entrar com cuidado, sem levar a imprensa, porque você precisa cuidar da

integridade das pessoas. Então, o que eu quero? Que faça tudo o que tiver que fazer, que investigue tudo. Na hora que tiver provas, escancare. Você pode colocar um inocente em situação muito complicada, porque esses processos, quando dá certo é ótimo. Agora mesmo, a Receita Federal, lá em São Paulo. Quando dá certo, que você pega… mesmo assim, quando você pega, você tem que fazer esse processo de investigação cauteloso, profissional, sério, para você não banalizar a vida das pessoas. Eu te digo isso, Túlio, porque… para você, um dia… porque pode acontecer com qualquer um de nós, pode acontecer. Qualquer dia, pode vir uma denúncia anônima e falar: “olha, vai investigar.” Então, o que eu quero, o respeito que eu quero para os meus adversários, eu quero para mim; e o que eu quero para a minha família, eu quero para os 190 milhões de brasileiros, apenas seriedade nisso. E a Polícia Federal é uma instituição que merece respeito. Eu sou grato tanto ao Márcio Thomaz Bastos, ao companheiro Lacerda. Agora, na hora em que você muda o ministro da Justiça, é normal que o novo ministro da Justiça queira mudar a direção da Polícia, a inteligência da Polícia, os – como se chama… – os superintendentes da Polícia, é normal. Todo mundo fala que é continuidade, mas as pessoas querem mudar e querem ter gente com quem elas possam dialogar mais abertamente. Então, de uma coisa você pode ficar tranquilo, olhe: eu sairei do governo do Brasil com a tranquilidade de que nunca ninguém investigou 20% do que eu investiguei, neste país. Eu não, eu não sou investigador, mas a Polícia Federal. Nunca o Ministério Público teve tanta autonomia, nunca a Polícia Federal teve tanta autonomia. A única coisa que eu disse ao Tarso Genro e dizia ao Márcio Thomaz Bastos é a seguinte: eu quero seriedade; eu não quero policial federal, antes de ter provas, ficar aparecendo com a cara na televisão, acusando pessoas. Primeiro, prove; depois, denuncie; e depois, então, pode colocar a cara de todo mundo na imprensa. E isso aconteceu, você pode ficar certo. Eu, durante a campanha, andava com umas coisinhas: quantos policiais foram presos, quantas “coisas” foram presos, porque se tem uma coisa de que nós temos que ter orgulho é que a nossa Controladoria-Geral da União é exemplo, no mundo, de transparência. Não tem, não tem. Escolha um país democrático do mundo e você vai ver que ninguém tem a transparência que tem o Brasil, colocado… você pode entrar na Transparência [Portal da Transparência], que você vai ver cada centavo gasto neste governo, cada coisa feita neste governo qualquer cidadão brasileiro pode ter acesso. Porque eu acho que somente assim a gente vai acabar, um dia – se é que é possível, um dia, a gente acabar com a corrupção -, mas a gente vai levá-la a números compreensivos, em nível internacional. Depois, é o seguinte: tem muito país rico que deve ter muito mais do que nós. Só que eles já atingiram um padrão que eles podem errar sem prestar contas. Nós é que temos que ficar prestando contas para eles. Mas eu duvido que tenha um país e um governo que tenha feito o que nós fizemos neste país. Você sabe que a maioria das denúncias, somos nós mesmos que fazemos. Alguns poderiam chamar de “tiro no pé”, nós chamamos de transparência. Você pode ver que a grande maioria das investigações que o Tribunal de Contas da União faz é a CGU que pede para ele fazer. Ou seja, é o governo pedindo para o governo ser investigado. Se a gente continuar nesse ritmo, todo… você é muito novo ainda, você vai ver o país muito mais transparente do que ele está hoje.

Secretário de Imprensa Nelson Breve: Presidente, eu não posso deixar de encerrar essa nossa entrevista agradecendo a todo mundo que colaborou para que ela se realizasse: o Blog do Planalto, eu não vou relacionar o nome das pessoas todas, para não esquecer ninguém: o Blog do Planalto, a EBC, o Dataprev que hospeda o nosso Blog, eu vou agradecer a todos eles na pessoa do Emerson Luís, aqui do Dataprev, que tem nos ajudado muito desde a criação do Blog. Presidente, só para dizer o seguinte, só para encerrar aqui, com a pergunta do Twitter, da Renata Leal, lembrando que todos os portais da internet estão transmitindo esta entrevista, transmitiram ela online. “Qual o momento mais inesquecível nesses oito anos de governo?” Aí o senhor pode encerrar, Presidente.

Presidente: Vou pedir para você dar uma palavrinha de encerramento, não é?

Secretário de Imprensa Nelson Breve: A palavrinha é para o senhor encerrar.

Presidente: Primeiro, eu quero (incompreensível), o Gilberto Carvalho que tenha paciência com a agenda, o Gilberto.

—————: Ah, isso… está ótimo.

Presidente: Precisa aprender a saber o que é mais importante, meu!

É o seguinte, é o seguinte, olhem: o dia, o dia em que eu sofri mais aqui na Presidência foi o dia do acidente da TAM no Aeroporto de Congonhas. Eu nunca vi, nunca vi tanta leviandade. Eu estava na minha sala, era… acho que entre seis e pouco, eu recebi uma informação de que tinha pegado fogo no Aeroporto de Santos Dumont, numa sala em que estavam os móveis, porque tinha sido reformado e a gente ia colocar móveis novos; na sala que tinha móveis tinha pegado fogo e tinha muito material plástico, cadeiras, e fez uma fumaça negra e suspendeu os voos no Santos Dumont. Eu estava recebendo essa informação, quando entra um companheiro e fala para mim: “Presidente, acho que pegou fogo em um hangar da TAM em São Paulo. Deve estar passando na televisão.” Aí, eu liguei o canal de televisão, fiquei vendo lá, só vi o fogo, a gente não via avião, não via nada. Daqui a pouco, começa dizendo: “…porque o avião da TAM tem 200 passageiros; a culpa é do governo; porque a pista não sei das quantas; porque…” Aí, olha, eu fiquei na minha sala das sete da noite… – eu não sei bem o horário – até quase onze e meia da noite, meia-noite, assim. A cada dia, a cada hora a notícia era pior, e o governo carregava 200 mortos nas costas, e o governador de São Paulo correu lá para ver o incêndio, e eu não sei mais quem correu para lá. Eu acho que eles pensaram: “Puxa vida, agora sim, agora nós pegamos o Lula e trucidamos ele. Ele agora (incompreensível).”Passa um dia, um dia, um dia e meio, mais ou menos, eu recebo um telefonema: “Presidente, nós temos uma fita aqui, que é uma fita feita pela Infraero – que não é uma fita de segurança, é uma fita para filmar o aeroporto, se tem animal, se não tem, na pista – que tem uma coisa, que é o seguinte… quem me ligou foi um cara da Infraero, dizendo: “O delegado da Polícia Federal está com a fita e não quer dar”. Aí eu liguei para o Tarso Genro e falei: Tarso Genro, manda o delegado mandar a fita. Aí o delegado falou: “Não, eu não estava mandando porque… eu não queria entregar para a Infraero porque eu achei que o cara queria pegar a fita para jogar contra o governo”. Aí, quando eu vi a fita, a sensação de alívio por ter descoberto a verdade, por ter descoberto a verdade. Depois que ficou patente, visível que não era problema de pista, que não era problema de (incompreensível), que tinha sido um erro… Só para vocês terem ideia, os meus pilotos foram no simulador, descer o mesmo avião, com a mesma carga, com a mesma chuva, tudo simulado e caiu sempre no mesmo lugar. Teve editoriais acusando o governo de carregar duzentos mortos nas costas. Então, aquilo para mim foi o dia mais, mais, mais triste de oito anos de mandato. Porque estava lidando com vidas humanas e que… eu trouxe pilotos para conversar, eu trouxe gente especialista. Ninguém falava de erro humano, somente depois que vê a fita é que todo mundo começou a descobrir… esse foi o dia mais nervoso, mais triste da minha vida. Eu não quero nunca mais que isso se repita.

Bem, esse é o lado triste. Agora, companheiros, tem o lado alegre, tem o lado alegre. Eu penso que todos nós que somos militantes de alguma coisa na vida, nós sabemos que falta muita coisa para acontecer no Brasil para a gente construir o Brasil dos nossos sonhos em várias áreas. Uma coisa que vocês vão perceber é que esse governo fez tanta coisa que nem nós sabemos o que fizemos. Pode parecer um paradoxo, mas eu estava vendo a campanha na televisão e eu ficava nervoso porque a televisão não mostrava 1% das coisas que aconteciam neste país.

Veja uma coisa. Eu sou presidente da República, ontem eu fui homenageado no aeroporto. Uma escola de Palmas, de ensino integral veio com uma orquestra – eles deram o nome da escola da minha mãe – veio com uma orquestra e com uma fanfarra para me homenagear. Então, somente ontem é que eu tive dimensão de que nós já temos no Brasil dez mil escolas de horário integral, com 2,2 milhões de alunos.

___________: Pública, não é?

Presidente: Pública. Todos aprendendo música, todos. Então eu fico imaginando o que será o Brasil, a Dilma continuando nesse ritmo mais dez e mais dez. O que será do Brasil daqui a dez ou quinze anos. Será uma coisa estupenda. Menininha de oito anos tocando violino, tocando flauta. As pessoas ficam nove horas e meia na escola e às vezes ficam mais duas estudando música. É possível, a gente daqui a alguns anos ter o Brasil inteiro assim, é possível.

Então, eu acho que essas coisas que aconteceram no Brasil apenas mostram o seguinte: nós estamos longe de fazermos tudo que precisa ser feito, mas nós mostramos que é possível fazer, é possível fazer. Eu acho que a eleição da Dilma é uma possibilidade extraordinária dela aperfeiçoar. Porque agora ela conhece a máquina, ela conhece as decisões, ela conhece as prioridades, ela ajudou a construir. Então ela agora… é só afinar um pouco mais a orquestra, ela tem que montar o governo a cara dela, o jeito dela, pessoas que ela comanda, pessoas que vão ser leais a ela. Obviamente, que ela tem que costurar com os partidos políticos. E eu estarei na arquibancada. De um lado vendo o jogo do Coringão (incompreensível) e do outro lado torcendo para que a Dilma seja o exemplo extraordinário. Porque para mim, a alegria maior é o seguinte: depois de um operário metalúrgico provar que pode governar, um país eleger uma mulher é a consagração extraordinária. Porque o preconceito contra a mulher é mais grave do que contra o homem, mesmo o homem sendo pobre e sem ter diploma universitário. Contra a mulher eu vi que o preconceito é muito maior. Aliás, eu não pensei que existia mais tanto preconceito.

Então, é uma chance fantástica a gente ter o privilégio de viver numa geração, numa década em que a primeira mulher vai governar o Brasil. Eu acho isso excepcional e eu espero que vocês possam estar todos atuantes, cobrando, exigindo, questionando e defendendo, quando for para defender. Eu acho que esse é o lema da imprensa livre.

___________: O senhor já pensou em abrir um blog, Presidente, depois da Presidência…

Presidente: Não. Isso eu vou conversar com o Franklin porque…

___________: … porque a gente quer lhe convidar para o próximo…

___________: e o twitter.

Presidente: … falar… eu vou… pode ficar certo que eu vou cuidar bem da internet…

_________: Um twitter também, Presidente? Um twitter?

Presidente: …preparar depois de quatro meses. Eu tenho quarentena, eu quero ficar quatro meses sem fazer nada para depois… eu quero…

Ministro Franklin Martins: Deixa desencarnar.

Presidente: Quero desencarnar, desencarnar primeiro para a gente começar a conversar. Agora, pode ficar certo que eu serei twitteiro, que eu serei blogueiro, que eu serei… eu vou ser um monte de coisas que eu não fui até agora.

__________: Contamos com o senhor no segundo encontro da blogosfera.

Presidente: …ainda vamos conversar, nós vamos conversar muito. Vamos conversar porque eu acho que nós temos um espaço extraordinário. Parabéns a vocês.

________: Obrigado, Presidente.

Presidente: Eu espero que vocês continuem prestando esse serviço extraordinário à sociedade brasileira.

Gilberto Carvalho, só para você não me chamar, aquele dia do papel eu não ia dar entrevista, eu não ia dar entrevista.

_________: Da bolinha de papel, não é?

Presidente: Eu tinha saído do mato, lá em Rio Grande, lá em Rio Grande, no Rio Grande do Sul, lá do estaleiro. Eu não ia dar entrevista. Mas aí quando eu vi uma reportagem, sabe, que eu vi a cena patética que estavam montando, eu falei: a Dilma, mulher, ela não deve lembrar do jogo do Brasil, de 1990 com o Chile. Ela não deve saber, ela não deve saber nada do tal do Rojas, eu vou falar. Porque, realmente, foi uma desfaçatez. Ô gente, eu perdi três eleições, eu poderia perder a quarta e a quinta. Eu jamais teria coragem de fazer uma mentira daquela.

_________: O senhor não ficou decepcionado com a TV Globo naquela cobertura?

Presidente: Sabe, eu fiquei decepcionado porque tentaram inventar uma outra história. Tentaram inventar um objeto invisível que até agora não mostraram. Não precisa disso, gente. O que é importante é que vocês que trabalham na internet, sabe, o seguinte: acho que nunca no mundo saiu tanta matéria tão rápido e tanta gente acessou como naquele episódio. Porque foi uma coisa que o povo não merece aquilo. Aquilo era para culpar o PT, aquilo era para culpar a violência, aquilo era para culpar um monte de coisas… quando na verdade, a violência foi o desrespeito ao ser humano. Por isso é que eu disse: o Serra tem que pedir desculpas ao povo brasileiro, porque ninguém pode brincar com o povo desse jeito. E aí depois inventaram um objeto que não apareceu na televisão.

É isso companheiros, olhe, que Deus continue dando saúde a vocês para continuarem denunciando e nos encontraremos por aí, em algum momento, em algum lugar e vamos trabalhar para o Brasil não voltar atrás.

_________: Presidente, só uma informação, sobre a lei, isso é (incompreensível) de tudo que o movimento do (incompreensível) fez. Uma das ações é uma representação do Ministério Público Federal, baseada na lei de crime de (incompreensível) social. Isso pode ser encontrado aí (incompreensível)

Presidente: Eu vou dar uma olhadinha direito e depois nós voltamos a conversar.

_________: Presidente, podemos fazer uma foto histórica?

Presidente: Podemos fazer uma foto histórica.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Coletiva com Lula: vitória dos blogs sujos

Por Altamiro Borges

Está confirmada para amanhã, 24, a primeira entrevista de um presidente da República do Brasil para a blogosfera. Lula falará com dez blogueiros de várias partes do país. A coletiva, que terá início às 9 horas, será transmitida ao vivo pelo Blog do Planalto e os internautas poderão participar, fazendo perguntas, através do chat.

A força da blogosfera

A entrevista se reveste de importante significado. Comprova a força que adquiriu a blogosfera progressista na fase recente. Durante a campanha eleitoral, o candidato demotucano, José Serra, com amplo respaldo da mídia oligárquica, ficou irritado com a cobertura jornalística independente, e muitas vezes irrevente, da blogosfera. Em várias ocasiões, como no discurso golpista que fez aos generais de pijama do Clube Militar, ele acusou os "blogs sujos" pelas dificuldades da sua campanha.

No extremo oposto, o presidente Lula, alvo de violento e desonesto cerco midiático, chegou a produzir um vídeo destacando o papel da blogosfera na luta de idéias na sociedade. Em vários momentos da campanha, ele criticou os jornalões, que "viraram partido político", a revista Óia (a famigerada Veja) e algumas emissoras de TV pela postura de cabos eleitorais do candidato da direita. Lula conclamou os internautas a produzirem conteúdo para se contrapor às manipulações da mídia.

Papel revelevante na eleição

Em recente debate, os coordenadores da campanha nas rede sociais dos três principais candidatos - Marcelo Branco (Dilma), Soninha Francine (Serra) e Caio Túlio (Marina) - afirmaram que a internet teve um papel decisivo nas eleições de 2010. A exemplo do que já ocorre nos EUA e na Europa, ela permitiu maior participação da sociedade e garantiu maior diversidade de opiniões. Alguns chegam a afirmar que a internet só foi superada pela cobertura mais massiva da televisão, superando jornais e revistas.

Ao convocar uma coletiva com a blogosfera, o presidente Lula reconhece a força da internet e sinaliza uma preocupação mais efetiva dos atuais ocupantes do Planalto com a democratização dos meios de comunicação. Entrevistas com "autoridades" deixam de ser uma exclusividade dos monopólios midiáticos. Os "blogs sujos", que não se omitiram no embate de idéias, ganham pontos e passam a um novo patamar na disputa de hegemonia no país.

Organizar o segundo encontro

No final de agosto, cerca de 330 internautas de 19 estados realizaram o I Encontro Nacional dos Blogueiros Progressistas, em São Paulo. Eles são os responsáveis pela vitória da entrevista com Lula. Agora, é preciso fortalecer ainda mais o movimento da blogosfera progressista no Brasil. Não dá mais para ninguém negar o seu papel na sociedade. O segundo encontro nacional está previsto para maio e deve ser precedido pelos encontros estaduais. É preciso investir todas as energias na sua organização, garantindo o caráter amplo e plural deste movimento democratizador.

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Show de McCartney e a "bolinha de papel"

Por Altamiro Borges

Com o título "público grita 'bolinha de papel' para Serra durante show de Paul McCartney", o jornal O Estado de S.Paulo, o mesmo que assumiu em editorial o seu apoio escancarado ao demotucano, noticiou ontem sem maior estardalhaço:

"O ex-governador de São Paulo José Serra, candidato derrotado à presidência da República, esteve ontem na área VIP do show de Paul McCartney. Assim que foi reconhecido pelo público, ouviu o coro “bolinha de papel! bolinha de papel!”, referência ao episódio do dia 21 de outubro quando, durante a campanha, foi atingido por um rolo de fita adesiva e também por uma bolinha de papel durante uma caminhada no Rio de Janeiro. Serra retirou-se da frente do público, embora não corresse risco já que os organizadores proíbem a entrada, entre outras coisas, de “papel em rolo de qualquer espécie, jornais e revistas”.

Um ator ridículo e deprimente

A cômica notícia confirma o que já disse o presidente Lula: Serra saiu bem menor da disputa sucessória deste ano. O episódio da "bolinha de papel" foi apenas o mais grotesco da campanha eleitoral. O ator de quinta categoria encenou que foi vítima de um ataque "terrorista", fez até tomografia num hospital e virou manchete da Globo. A mídia golpista até tentou maquiar a farsa e o farsante. Mas não deu certo. A história bizarra caiu na boca do povo e, agora, a "bolinha de papel" persegue Serra.

Durante a campanha, o demotucano apelou para todo tipo de baixaria. No início, disse que seria um "continuador do presidente Lula". Como a mentira não colou, ele passou a atacar duramente o governo e sua candidata. Como também não pegou, ele se juntou ao que há de mais reacionário na política brasileira, como as seitas TFP e Opus Dei, os milicos de pijama e os obscurantistas da igreja. Jogou sua rala história no lixo e virou o candidato da extrema-direita, estimulando preconceitos e explorando temas religiosos e morais. Expôs até sua esposa no debate sobre o aborto. No final, levou uma "bolinha de papel" na careca. Triste fim!

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Lula e a primeira entrevista à blogosfera

Reproduzo matéria de Renato Rovai, publicada em seu blog no sítio da Revista Fórum:

Amanhã (quarta-feira) o presidente Lula concederá a primeira entrevista “da história deste país” à blogosfera. Solicitada por um grupo de blogueiros progressistas, ela já tem as presenças confirmadas de: Altamiro Borges (Blog do Miro), Altino Machado (Blog do Altino), Cloaca (Cloaca News), Conceição Lemes (Viomundo), Eduardo Guimarães (Cidadania), Leandro Fortes (Brasilia Eu Vi), Pierre Lucena (Acerto de Contas), Renato Rovai (Blog do Rovai), Rodrigo Vianna (Escrevinhador) e Túlio Vianna (Blog do Túlio Vianna). Outros dois blogueiros buscam desmarcar compromissos para se integrar ao grupo.

O evento acontecerá às 9h da manhã, no Palácio do Planalto, e será transmitido ao vivo pelo Blog do Planalto, pelos blogs que participarão do encontro e por todos que tiverem interesse de fazê-lo. Ainda hoje vamos explicar como isso será possível.

Será uma entrevista coletiva, mas também é um momento de celebração da diversidade informativa. Ao abrir sua agenda à blogosfera o presidente demonstra estar atento às transformações que acontecem no espaço midiático e ao mesmo tempo atesta a importância dessa nova esfera pública da comunicação.

Como as coisas na blogosfera são diferentes e mais colaborativas, não serão só os presentes ao encontro que participarão. A coletiva será aberta ao público que poderá participar enviando perguntas pelo chat. O objetivo é garantir o maior grau possível de interatividade.

Por conta dos senões da agenda presidencial, só agora nos foi confirmado o evento e liberada a divulgação. Por isso temos pouco tempo para nos organizar e produzir a repercussão que a entrevista merece.

Contamos com vocês nessa tarefa: divulgando, transmitindo em seus blogs e fazendo perguntas pelo chat.

A blogosfera dá mais um passo importante.

Um passo “nunca dado na história deste país”.

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segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Sintaema repudia preconceito fascista

Reproduzo moção de repúdio aprovada no Congresso do Sintaema (Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente de São Paulo), realizado neste final de semana:

A eleição deste ano destampou os piores preconceitos em setores das elites brasileiras. A campanha de baixarias do demotucano José Serra estimulou todos os tipos de ódios - de classe contra os trabalhadores; de gênero contra as mulheres; étnicos contra os negros; homofóbicos contra os homossexuais; e regionais contra os migrantes que trabalham em São Paulo. A mídia oligárquica amplificou esta onda de ressentimentos e ignorância.

Como resultado, panfletos e cartazes difamatórios foram distribuidos durante a campanha. Passada a eleição, jovens de famílias ricas passaram a estimular a violência na internet, ressentidos com a derrota de Serra. Mayara Petruso foi a primeira a propor, no Twitter, "a morte dos nordestinos por afogamento". Centenas de mensagens racistas acusaram os migrantes e os negros, que trabalham e engradecem São Paulo, de "vagabundos". Essa onda de preconceito chegou até as telinhas da televisão. O comentarista do telejornal da RBS/TV Globo de Santa Catarina, Luiz Carlos Prates, culpou o "governo espúrio do presidente Lula" de dar crédito barato aos pobres. "Hoje qualquer miserável tem carro", rosnou o elitista na TV.

Essa campanha de ódio é um perigo para a democracia. Ela lembra a ascensão dos nazistas e fascistas, com seus campos de concentração e sua violência racista. Os congressistas do Sintaema repudiam essa onda de preconceito. Exigem que as autoridades punam rápida e exemplarmente os que cometem crimes tipificados em nossas leis de racismo - que sao inafiançáveis. Não para dá alisar esses criminosos só porque são filhinhos de papai, oriundos de famílias abastadas. Além disso, os congressistas reivindicam que se apure a responsabilidade dos veículos de comunicação no estímulo à divisão do país e ao ódio racista. Lutamos pela democracia em nosso país e não aceitaremos qualquer retrocesso à ditadura das elites.

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Altercom critica tortura da mídia

Reproduzo nota oficial da diretoria da Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores Individuais de Comunicação (Altercom):

Passados 19 dias desde a vitória de Dilma Rousseff sobre Serra, por uma vantagem de 12 milhões de votos, a oposição e seu dispositivo midiático não recolheram as garras um só minuto.

Cinco dias após o revés nas urnas, o candidato derrotado estava em Biarritz levando um 'por que no te callas', em resposta a tentativa de armar o palanque da oposição em território francês.

O jornalismo que lhe dá apoio irrestrito não deixa por menos e cumpre escancaradamente uma agenda de terceiro turno. Dia sim, dia não, uma crise produzida e maquiada ganha as manchetes da mídia conservadora numa escalada ao mesmo tempo sôfrega e frívola.

Não escapa ao observador mais criterioso que os temas são apenas um ornamento do estandarte antecipadamente empunhado. A intenção, clara, é minar a autoridade da Presidente eleita antes mesmo de sua posse.

Agora, o dispositivo midiático da oposição reedita o "pau-de-arara" e empenha-se em dar legitimidade 'jornalística' a um relatório produzido pela ditadura militar sobre a militância revolucionária de Dilma Rousseff nos anos 70.

O que se promove nessa espiral é a reprodução simbólica das sessões de tortura perpetradas durante 22 dias seguidos contra uma jovem de 19 anos pelo regime de fato.

É aberrante do ponto de vista do fazer jornalístico emprestar credibilidade ao que foi transcrito por um Estado terrorista, concedendo força de prova ao que uma mulher declarou sob tortura.

Ademais, é um agravo à ética jornalística que uma mídia comercial ainda atue como aliada do extinto regime ditatorial, ao tomar seus documentos como válidos e legais.

Finalmente, constitui um escárnio em relação à história o fato de que a mesma mídia -os mesmos veículos - que se esponjou em benefícios econômicos e políticos concedidos pela ditadura nunca ter demonstrado maior interesse em apurar e divulgar os crimes cometidos pelo regime. Todavia, empenha-se acintosamente em se associar novamente à matéria pútrida urdida sob o regime do pau-de-arara para atacar a honra uma combatente da liberdade.

O enredo dessa trama está para o bom jornalismo, assim como o rio Tietê para a preservação do meio ambiente. A aposta em curso é a de que, uma vez Lula fora da cena política, não haverá força capaz de deter o trator oposicionista, cujas rodas em poucos meses pretendem transitar por cima do cadáver político do novo governo.

A mídia progressista repudia firmemente essa campanha ardilosa e coloca-se em prontidão para denunciá-la em respeito à vontade soberana do povo brasileiro.

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Guerra entre o preconceito e a informação

Reproduzo entrevista publicada pelo sítio Carta Maior:

Em entrevista à Carta Maior, Marilena Chauí avalia a guerra eleitoral travada na disputa presidencial e chama a atenção para a dificuldade que a oposição teve em manter um alvo único na criação da imagem de Dilma Rousseff: "O preconceito começou com a guerrilheira, não deu certo; passou, então, para a administradora sem experiência política, não deu certo; passou para a afilhada de Lula, não deu certo; desembestou na fúria anti-aborto, e não deu certo. E não deu certo porque a população dispõe dos fatos concretos resultantes das políticas do governo Lula".

Para a professora de Filosofia da USP, essa foi a novidade mais instigante da eleição: a guerra se deu entre o preconceito e a verdadeira informação. E esta última venceu.

Qual sua avaliação sobre a cobertura da chamada grande mídia brasileira nas eleições deste ano? Na sua opinião, houve alguma surpresa ou novidade em relação à eleição anterior?

Eu diria que, desta vez, o cerco foi mais intenso, assumindo tons de guerra, mais do que mera polarização de opiniões políticas. Mas não foi surpresa: se considerarmos que 92% da população aprovam o governo Lula como ótimo e bom, 4% o consideram regular, restam 4% de desaprovação a qual está concentrada nos meios de comunicação. São as empresas e seus empregados que representam esses 4% e são eles quem têm o poder de fogo para a guerra.

O interessante foi a dificuldade para manter um alvo único na criação da imagem de Dilma Rousseff: o preconceito começou com a guerrilheira, não deu certo; passou, então, para a administradora sem experiência política, não deu certo; passou, então, para a afilhada de Lula, não deu certo; desembestou na fúria anti-aborto, e não deu certo. E não deu certo porque a população dispõe dos fatos concretos resultantes das políticas do governo Lula.

Isso me parece a novidade mais instigante, isto é, uma sociedade diretamente informada pelas ações governamentais que mudaram seu modo de vida e suas perspectivas, de maneira que a guerra se deu entre o preconceito e a verdadeira informação.

Passada a eleição, um dos debates que deve marcar o próximo período diz respeito à regulamentação do setor de comunicação. Como se sabe, a resistência das grandes empresas de mídia é muito forte. Como superar essa resistência?

Numa democracia, o direito à informação é essencial. Tanto o direito de produzir e difundir informação como o direito de receber e ter acesso à informação. Isso se chama isegoria, palavra criada pelos inventores da democracia, os gregos, significando o direito emitir em público uma opinião para ser discutida e votada, assim como o direito de receber uma opinião para avaliá-la, aceitá-la ou rejeitá-la.

Justamente por isso, em todos os países democráticos, existe regulamentação do setor de comunicação. Essa regulamentação visa assegurar a isegoria, a liberdade de expressão e o direito ao contraditório, além de diminuir, tanto quanto possível, o monopólio da informação.

Evidentemente, hoje essa regulamentação encontra dificuldades postas pela estrutura oligopólica dos meios, controlados globalmente por um pequeno número de empresas transnacionais. Mas não é por ser difícil, que a regulamentação não deve ser estabelecida e defendida. Trata-se da batalha moderna entre o público e o privado.

Você concorda com a seguinte afirmação: "A mídia brasileira é uma das mais autoritárias do mundo".

Se deixarmos de lado o caso óbvio das ditaduras e considerarmos apenas as repúblicas democráticas, concordo.

Na sua opinião, é possível fazer alguma distinção entre os grandes veículos midiáticos, do ponto de vista de sua orientação editorial? Ou o que predomina é um pensamento único mesmo.

As variações se dão no interior do pensamento único, isto é, da hegemonia pós-moderna e neoliberal. Ou seja, há setores reacionários de extrema direita, setores claramente conservadores e setores que usam “a folha de parreira”. A folha de parreira, segundo a lenda, serviu para Adão e Eva se cobrirem quando descobriram que estavam nus.

Na mídia, a “folha de parreira” consiste em dar um pequeno e controlado espaço à opinião divergente ou contrária à linha da empresa. Às vezes, não dá certo. O caso do Estadão contra Maria Rita Kehl mostra que uma vigorosa voz destoante no coral do “sim senhor” não pode ser suportada.

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Liberdade na internet corre sério risco

Por Altamiro Borges

O jornal O Globo noticia hoje (22) que tramita nos EUA um projeto de lei de censura à internet. Batizado de Combating Online Infringement and Counterfeits Act, ele dá poder ao governo para mandar bloquear sítios e domínios. “E não é só essa a ameaça à privacidade na rede mundial. Segundo o The New York Times, diretores do FBI já se reuniram com executivos da Google e Facebook, entre outras empresas, para discutir uma proposta que torne mais fácil grampear internautas”.

O projeto em tramitação visa reforçar uma lei de 1994, chamada de Communications Assistance for Law Enforcement Act. Ela define que as operadoras de telecomunicações e os provedores de internet e banda larga devem cumprir as ordens judiciais que exijam escutas telefônicas. Agora, o FBI quer estender o controle também às gigantes do setor, como Google e Facebook. A desculpa usada é o da defesa do direito autoral, mas o intento evidente é censurar o conteúdo na internet.

Censura prévia na rede

De autoria do senador democrata Patrick Leahy, o projeto de lei está recebendo duras críticas das entidades defensoras da liberdade de expressão. A Electronic Frontier Foundation (EFF) chegou a compilar uma lista dos sítios e blogs que terão de sair da rede se ele for aprovado. Segundo a EFF, apesar da repressão já existente nos EUA, hoje ainda há um equilíbrio entre “as punições devido ao copyright violado e à liberdade dos sites de inovar”. Com a nova lei, os grupos de defesa da liberdade na internet avaliam que será instaurada de vez a censura prévia na rede.

Brian Contos, diretor de Estratégia de Segurança Global e Gestão de Risco da McAfee, afirmou ao jornal O Globo que o projeto gera fortes temores. “Há sempre uma preocupação com o que é censurado agora e o que será censurado depois”. Já para David Post, professor da Universidade de Temple, “se virar lei, o projeto criará um perigoso precedente com sérias conseqüências em potencial para a liberdade de expressão e a liberdade da internet global”. Isto porque o projeto prevê também o bloqueio unilateral de sítios e domínios produzidos fora dos EUA.

AI-5 digital do senador tucano

O projeto de lei em tramitação nos EUA evidencia que a liberdade na internet corre sérios riscos. As poderosas empresas do setor querem restringir seu uso por motivos econômicos, para coibir a livre circulação de conteúdo na rede; já os governos e legisladores autoritários tentam controlar a internet por motivos políticos, para impedir a pluralidade e diversidade informativas. Não é para menos que também no Brasil tramita, de forma sorrateira, um projeto para censurar a internet.

De autoria do senador Eduardo Azeredo, do PSDB de Minas Gerais, o projeto de lei (PL) 84/99 representa duro golpe na liberdade de expressão. Tanto é que ele já foi batizado de AI-5 digital, numa referência ao ato institucional que os generais baixaram em 1968 endurecendo ainda mais a ditadura. Em outubro, em pleno embate eleitoral, o PL foi aprovado às pressas, numa manobra legislativa na calada da noite, em duas comissões da Câmara Federal.

Como aponta Luiz Carvalho, num artigo ao sítio da CUT, o projeto do senador tucano viola os direitos civis, transfere à sociedade a responsabilidade sobre a segurança na internet que deveria ser das empresas, dificulta a inclusão digital e trata como crime sujeito à prisão de até três anos a transferência ou fornecimento não autorizado de dados – o que pode incluir desde baixar músicas até a mera citação de trechos de uma matéria num blog. Entre as aberrações do PL, ele pontua:

Quebra de sigilo

Ironicamente, o PL do parlamentar ligado ao partido que se diz vítima de uma suposta quebra de sigilo nas eleições, determina que os dados dos internautas possam ser divulgados ao Ministério Público ou à polícia sem a necessidade de uma ordem judicial. Na prática, será possível quebrar o sigilo de qualquer pessoa sem autorização da Justiça, ao contrário do que diz a Constituição.

Internet para ricos

Azeredo quer ainda que os provedores de acesso à Internet e de conteúdo (serviços de e-mail , publicadores de blog e o Google) guardem o registro de toda a navegação de cada usuário por três anos, com a origem, a hora e a data da conexão. Além de exemplo de violação à privacidade, o projeto deixa claro: para os tucanos, internet é para quem pode pagar, já que nas redes sem fio que algumas cidades já estão implementando para aumentar a inclusão digital, várias pessoas navegam com o mesmo número de IP (o endereço na internet).

Ajudinha aos banqueiros

Um dos argumentos do deputado ficha suja reeleito em 2010 – responde a ação penal por peculato e lavagem ou ocultação de bem – é que o rastreamento das pessoas que utilizam a internet ajudará a acabar com as fraudes bancárias. Seria mais eficaz que os bancos fossem obrigados a adotar uma assinatura digital nas transações para todos os clientes. Mas isso geraria mais custos aos bancos e o parlamentar não quer se indispor com eles.

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Meirelles ainda quer mais autonomia

Por Altamiro Borges

Ávida por interferir na montagem do ministério do governo Dilma Rousseff, a mídia oligárquica parece preocupada com o futuro do atual presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Há boatos de que a presidenta eleita não o manterá no cargo. Os tais “agentes do mercado”, que têm espaço privilegiado nos veículos de comunicação, dizem temer pela “estabilidade da economia” – na verdade, eles temem por seus lucros exorbitantes e criminosos na especulação financeira.

Diante a boataria, Henrique Meirelles tentou um golpe de mestre, mas parece que se deu mal. Ele teria dito à imprensa que foi convidado a permanecer na função, mas que “impôs condições”. A principal seria maior autonomia do Banco Central. É muita petulância. Hoje, a instituição já goza de uma baita autonomia. Nos últimos oito anos, o BC manteve o tripé neoliberal da política macroeconômica – com juros elevados, superávit primário e libertinagem cambial.

O rentismo do BC

Essa autonomia já beira a irresponsabilidade. Em plena crise capitalista mundial, contrariando o próprio presidente, o BC elevou os juros, arrochando o crédito. Diante da atual guerra comercial, deflagrada pelos EUA, ele mantém os câmbio flutuante, o que penaliza a produção interna e gera déficits comerciais. Meirelles, que não nega seu passado de banqueiro, de ex-presidente do Bank of Boston, insiste na tese da autonomia operacional do BC, quando na maior parte das economias do mundo o movimento é exatamente o contrário – disciplinando o tal “mercado”.

A entrevista do presidente do BC – que agora diz que nunca deu – causou mal-estar na equipe de transição. “A presidente eleita se irritou com Henrique Meirelles por ele ter divulgado que impõe condições para ficar no Banco Central, mas que não descarta negociar a sua permanência por um período tampão. De acordo com auxiliares de Dilma, Meirelles perdeu ‘muitos pontos’ e deve ‘baixar o tom’ para que os dois possam negociar sua posição no futuro governo”, relata a Folha.

Desenvolvimentistas X neoliberais

Até agora, Dilma confirmou apenas a manutenção de Guido Mantega no Ministério da Fazenda. As discordâncias entre Mantega, mais ligado às teses desenvolvimentistas, e Meirelles, vinculado à ortodoxia neoliberal, podem agora resultar na exclusão do atual presidente do BC – o que seria uma excelente sinalização da presidenta Dilma. Os especuladores ficarão ouriçados; a mídia oligárquica fará escarcéu; mas o país só tem a ganhar em desenvolvimento e maior justiça.

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Conferência do Ipea debate desenvolvimento

Reproduzo artigo de Marco Aurélio Weissheimer, publicado no sítio Carta Maior:

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) promove, entre os dias 24 e 26 de novembro, em Brasília, a 1ª Conferência do Desenvolvimento (Code), um encontro destinado a discutir planejamento e estratégias de desenvolvimento para o Brasil. Será uma conferência diferente das tradicionais lembrando um pouco o formato do Fórum Social Mundial. Um espaço de 10 mil metros quadrados foi construído no canteiro central da Esplanada dos Ministérios (em frente à Catedral de Brasília) para a Code.

Durante os três dias, serão nove painéis temáticos sobre o desenvolvimento, 88 oficinas, 50 lançamentos de livros, vídeos, exposições e shows artísticos e culturais. São esperados mais de 200 palestrantes e debatedores, entre conselheiros, diretores e técnicos de planejamento e pesquisa do instituto e acadêmicos de autoridades de todas as regiões do país. Até sexta-feira, já havia cerca de 4 mil inscritos para o encontro.

Possivelmente, será um dos maiores eventos sobre o tema já realizados no Brasil, diz Marcio Pochmann, presidente do Ipea. A Code se assemelha às grandes conferências temáticas realizadas no governo Lula, explica Pochmann, com a diferença de que não tratará de apenas um tema. Ao tratar da questão do desenvolvimento, estaremos discutindo estratégias e políticas sobre saúde, educação, ciência e tecnologia, entre outras áreas.

O objetivo do encontro é criar um espaço nacional de debates no coração do Brasil, no momento em que o país volta a discutir planejamento e estratégias de desenvolvimento. Esses debates estarão organizados em torno de sete grandes eixos temáticos do desenvolvimento definidos pelo Ipea: inserção internacional soberana; macroeconomia para o desenvolvimento; fortalecimento do Estado, das instituições e da democracia; estrutura tecnoprodutiva integrada e regionalmente articulada; infraestrutura econômica, social e urbana; proteção social, garantia de direitos e geração de oportunidades; e sustentabilidade ambiental.

“Para nós do Ipea”, diz Pochmann, “é uma mudança institucional de grande porte”. “Até aqui, historicamente, os nossos debates sempre foram mais internos. Agora, estamos nos abrindo ao público e convidando representantes da sociedade a debater o presente e o futuro do país”. Essa novidade apareceu já na organização do evento, que conta com o apoio de 45 instituições da sociedade civil, entre sindicatos de trabalhadores e de empresários, entidades de classe, instituições de pesquisa e outras organizações.

O debate de fundo sobre o desenvolvimento do Brasil, observa o presidente do Ipea, ficou congelado durante cerca de 25 anos, a partir das crises que o país enfrentou nas décadas de 80 e de 90. Entre 1930 e 1980, assinala, o Brasil teve um grande salto de crescimento que não foi capaz, contudo, de enfrentar o problema da desigualdade social. A crise da dívida, a partir da década de 80, acabou por desfazer uma maioria política que até então governava o país. Nesse período, a economia brasileira que chegou a ser a oitava do mundo caiu para o 14° lugar. “A desigualdade, que já era grande, ficou congelada”, assinala Pochmann. E acrescenta:

“Agora, na primeira década do século 21, tivemos uma reorganização de uma maioria política em torno dos dois mandatos do presidente Lula. Com ela, abriu-se a possibilidade de um novo padrão de desenvolvimento capaz de combinar crescimento econômico, redução da desigualdade social e sustentabilidade ambiental”.

Os desafios e oportunidades colocados por esse novo padrão de desenvolvimento serão o tema central do encontro de três dias em Brasília. “Estaremos discutindo temas que representam gargalos e entraves ao nosso desenvolvimento. Alguns carregamos do passado, outros são temas do futuro”, resume Pochmann. Entre os temas do passado, destaca-se, por exemplo, o perfil da economia brasileira, ainda preso à produção e exportação de bens primários. “Já sabemos que esse modelo não é capaz de gerar empregos de qualidade, educação de qualidade e melhores salários. O Brasil precisa mudar sua relação com o mundo e isso passa, entre outras coisas, pela integração regional, por investimentos pesados em educação, epelo aprimoramento da nossa estrutura de Defesa que hoje não tem condições de defender todas as nossas fronteiras e recursos naturais”.

Em relação aos temas do futuro, Pochmann destaca a necessidade da refundação do Estado brasileiro, especialmente no que diz respeito ao seu funcionamento. Neste debate, a Reforma Tributária ocupa um lugar central. O Brasil precisa mudar o atual padrão regressivo de tributação, onde quem tem menos acaba pagando mais. Essa mudança é condição básica também para a implementação de investimentos massivos em educação, sem os quais o país não desatará os nós que ainda o amarram a um passado de desigualdades econômicas, sociais e regionais.

O presidente do Ipea também chama a atenção para a mudança do perfil demográfico brasileiro, registrada na última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e que deve ser confirmada no Censo que está sendo realizado este ano. A partir de 2030, o Brasil deve ter regressão populacional, ou seja, o número de pessoas que vão nascer deve ser menor do que o número de pessoas que vão morrer. Essa tendência, destaca Pochmann, é diferente das previsões que eram feitas para o Brasil. “O cenário que temos pela frente é de redução da população jovem e de alteração radical da estrutura familiar. Em pouco tempo, teremos que discutir políticas de estímulo à natalidade”.

Outro ponto fundamental neste debate, destaca ainda Pochmann, é o da transição do trabalho material para o trabalho imaterial. “O conhecimento passa a ser cada vez mais estratégico, exigindo uma educação continuada, uma educação para toda a vida. As grandes empresas já perceberam isso e passaram a investir pesadamente em universidades corporativas”. O debate sobre a melhoria do sistema educacional brasileiro deverá enfrentar esse tema que hoje não está elaborado. Pochmann resume assim um dos principais problemas relacionados a esse tema:

Hoje, no Brasil, os filhos dos pobres estão condenados ao ingresso no mercado de trabalho muito cedo, o que implica, muitas vezes, o abandono da escola, quando não a combinação de brutais jornadas de atividades de 16 horas por dia (8 horas de trabalho, 2 a 4 horas de deslocamentos e 4 horas de freqüência escolar). A aprendizagem de qualidade torna-se muito distante nessas condições. Os filhos dos ricos, por sua vez, permanecem mais tempo na escola, ingressam mais tardiamente no mercado de trabalho e acabam ocupando os principais postos, com maior remuneração e status social, enquanto os filhos dos pobres seguem disputando a base da pirâmide do mercado de trabalho, transformado num mecanismo de reprodução das desigualdades no país.

Esse é um dos principais entraves para que o novo modelo de desenvolvimento que se quer implementar no Brasil alie crescimento econômico com justiça social. E esse será também um dos pontos centrais da conferência que ocorrerá esta semana em Brasília.

Maiores informações sobre a conferência, como a programação completa do encontro, podem ser acessadas no site do evento. As principais conferências serão transmitidas ao vivo pela internet.

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Mídia é a pauta da vez na América Latina

Reproduzo artigo de Marcelo Salles, publicado no sítio Opera Mundi:

Nossa América dá sinais, cada vez mais constantes, da necessidade de rever o modelo de comunicação a que estamos submetidos. Primeiro foi a Venezuela, que impulsionou a criação de uma televisão multi-estatal, a Telesur, em parceria com Cuba, Argentina e Uruguai. A medida foi tomada logo após a tentativa de golpe de Estado contra o presidente Chávez, em 2002 – golpe esse que contou com apoio decisivo das corporações da mídia privada venezuelana.

Em 2007, o Brasil cria a EBC (Empresa Brasileira de Comunicação), que une a Radiobrás e a TV Educativa do Rio de Janeiro num projeto de comunicação pública – ainda imperfeito, mas com capacidade suficiente incomodar, a ponto de jornais neoliberais dedicarem editoriais exigindo o fim da iniciativa.

No ano seguinte foi a vez da Bolívia criar um jornal estatal, El Cambio, de formato tablóide e preço popular. Inicialmente com 5 mil exemplares, dois anos depois o jornal boliviano já alcançou o primeiro lugar em vendas e desbancou os tradicionais La Prensa e El Razón.

A Argentina enfrenta o monopólio dos grupos privados e o governo Kirchner leva adiante a Ley de Medios, que atinge duramente as corporações privadas.

Ainda no Cone Sul, no último dia 14 de outubro o ministro da Informação e Comunicação do Paraguai, Augusto dos Santos, anunciou a circulação de um jornal semanal público para informar a população sobre as políticas do Estado. O nome da publicação será Infogob, terá alcance nacional e distribuição gratuita.

Santos disse que o objetivo do semanário é divulgar informações das secretarias, ministérios, entes públicos e demais poderes do Estado a serviço da cidadania. Segundo o ministro paraguaio, o Infogob apresentará opiniões e pontos de vista externos ao olhar governamental para que exista um contraste permanente dos demais, com interesse cidadão.

A mudança necessária no paradigma das comunicações não pode ter apenas caráter técnico. As novas ferramentas, as mídias sociais, sites e blogs da Internet são importantes, mas não são suficientes. As grandes transformações que precisam acontecer em Nuestra América necessitam de uma revolução na forma de comunicar. Não estou falando do momento eleitoral, em que essas ferramentas podem jogar um papel decisivo. Em termos de mudança de consciência, por exemplo, ou de erradicação de preconceitos, ou de respeito aos direitos humanos, nada vai mudar se as corporações privadas de mídia continuarem donas de oligopólios a serviço da exploração dos povos.

Em outras palavras: enquanto vigorar a propriedade cruzada – mesmo grupo controlando jornal, rádio e televisão na mesma praça; enquanto meia dúzia de empresas capitalistas forem donas de mais de 90% da audiência e da maior parte das verbas públicas publicitárias; e enquanto esses grupos continuarem, como no Brasil, a ter mais influência junto aos parlamentares do que os cidadãos que os elegeram.

Democratizar televisão, rádio e jornais é importante porque a mídia é, hoje, a instituição com maior poder de produção e reprodução de subjetividades. Ou seja, a mídia determina formas de sentir, de pensar e de agir dos indivíduos e, conseqüentemente, influencia posicionamentos da sociedade como um todo. Se divulga mensagens de ódio, se divulga informações distorcidas, então teremos um povo irracional e desinformado, caldo de cultura perfeito para a violência. Por outro lado, se a mídia divulga informações corretas e mensagens de respeito ao outro, então será mais provável criarmos uma sociedade mais harmônica.

Comparação

O governo do presidente Lula seguramente avançou mais que o anterior, pois além da TV Brasil está em curso o Plano Nacional de Banda Larga, que pretende universalizar o acesso à Internet de alta velocidade. Entretanto, em comparação com nossos vizinhos, estamos atrasados. O Brasil perdeu sua grande chance com o decreto da TV Digital, quando era possível ter investido na multi-programação e fomentado a participação de novos atores no cenário da radiodifusão.

Estamos atrasados não apenas por conta das dificuldades do governo atual. Toda a esquerda brasileira tem enorme dificuldade de compreender a importância dos meios de comunicação de massa para a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática. Partidos políticos, estudantes, sindicalistas, integrantes de movimentos sociais organizados, acadêmicos, artistas. A tendência ainda é acreditar que se pode negociar com as corporações privadas, em vez de modificar a atual estrutura – o que, diga-se de passagem, seria apenas cumprir a Constituição de 1988.

A história recente do Brasil nos oferece incansáveis provas de que essa crença não passa de uma ilusão, incluindo o fato de as últimas duas eleições terem sido levadas para o segundo turno, sem falar da famosa manipulação do debate em 1989. Vamos ver se a nossa esquerda acorda, e se acorda a tempo.

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Retomada da indústria naval e a soberania

Reproduzo artigo de Beto Almeida, integrante da junta diretiva da Telesur:

Marinheiro, marinheiro,

Quero ver você no mar

Eu também sou marinheiro

Eu também sei navegar


Geraldo Vandré

Muitas lições podem ser tiradas da retomada da indústria naval no Brasil que nesta sexta-feira lançou, no Estaleiro Mauá, em Niterói, mais uma grande embarcação ao mar, o navio Sérgio Buarque de Hollanda. Mas, certamente, deve-se discutir com prioridade que não é possível pensar um Brasil soberano sem uma indústria naval desenvolvida.

Para aqueles que, até mesmo nas fileiras da esquerda, chegaram a dizer que os candidatos presidenciais eram todos iguais, eis aqui uma estupenda diferença: enquanto os neoliberais conseguiram demolir e paralisar uma das mais expandidas indústrias navais do mundo, a brasileira - fazendo com que desde 2000 não se produzissem mais navios aqui - o governo Lula acaba por transformar o setor em fonte geradora de emprego, desenvolvimento tecnológico, promoção de justiça social e, especialmente, alavanca indispensável para se alcançar a soberania.

O que pensar de um país com costa superior a 8 mil e 500 quilômetros sem uma indústria naval desenvolvida? Eis aí a tarefa dos neoliberais que se ocuparam de destruir o que havia sido levantado na Era Vargas em particular. O Brasil chegou a ter a sua empresa estatal no setor, a Loyd Brasileiro, e a ocupar uma posição de destaque no cenário mundial da construção naval. A própria navegação de cabotagem teve expressivo desenvolvimento e nem podia ser diferente. Vargas chegou a criar a frota do álcool e do petróleo.

Com o neoliberalismo dos anos 90 tem início a demolição devastadora. Ela alcançou todos os pilares estruturais do transporte, seja ferroviário (privatização da Rede Ferroviária), aéreo (privatização da Embraer) e o naval, com a privatização do Loyd Brasileiro seguida de uma programada desindustrialização. O desemprego foi dramático, generalizado.

Organizadores de derrotas

Demolir a indústria naval é organizar a dependência, é organizar a derrota de uma nação. Mais que isto, é programar sua incapacitação para a defesa, pois sem indústria naval não há como ter também uma Marinha equipada à altura dos potenciais de riqueza que devem ser defendidos. As autoridades de defesa já indicaram, em numerosas oportunidades, a situação de desarmamento em que se encontra e ainda se encontra a Marina Brasileira, agora em fase de recuperação. É certo que ainda falta muito, porém, recuperar a indústria naval é condição indispensável para organizar uma capacidade de defesa do porte das magníficas riquezas que o petróleo pré-sal representa. Aí está o desafio. Nesta linha de raciocínio podemos concluir que uma indústria naval recuperada é fator que se junta à Nova Estratégia de Defesa Nacional.

Há alguns anos, antes da divulgação da existência do petróleo pré-sal, a imprensa noticiou a existência de um estranho relatório da CIA indicando que as plataformas da Petrobrás em alto-mar eram muito vulneráveis a atentados terroristas. Seria um relatório ou seria uma espécie torta de ameaça, ainda que velada? Agora, vemos a Quarta Frota dos EUA ser retomada e se insinuar pelos mares do sull depois de décadas paralisada. Junte-se a isto, a discussão recente na OTAN sobre a mudança de sua doutrina militar, cujo raio de operação deverá incluir o Atlântico Sul.

De fato, na situação atual a Marinha não tem ainda as condições para realizar uma defesa efetiva de todo o potencial de riquezas contido na plataforma continental brasileira. Esta área, agora ampliada para 350 milhas, também chamada Amazônia Azul, possui, além de petróleo, gigantescas reservas de biodiversidade sempre desafiando nossas universidades e os centros de tecnologia da Marinha para o desenvolvimento das tecnologias apropriadas ao seu adequado aproveitamento em favor do nosso povo.

Em resposta à proposta de intervencionismo ampliado da OTAN, o governo brasileiro, pela voz do Ministro da Defesa, Nelson Jobim, já afirmou que as nações desta região sul deverão capacitar-se para ter a condição de dizer não quando chegar a situação de ter que dizê-lo concretamente, ou seja, tendo capacidade de defesa para fazê-lo. Sem indústria naval, sem tecnologia própria, sem indústria de defesa, não há como falar de soberania efetiva.

A retomada da indústria naval, o projeto do submarino nuclear, o reequipamento da Marinha, e, sobretudo, sua modernização, são medidas que sintonizam-se plenamente com a renacionalização da Petrobrás, sua consolidação e com medidas que recuperam o papel do estado na formulação das diretrizes econômicas. Ou seja, exatamente ao contrário dos governos neoliberais, para quem o estado deve ser mínimo. Afinal, ricos não precisam de estado.

A informação de que há centenas de navios e embarcações encomendadas pela Petrobrás, gerando milhares e milhares de empregos qualificados e com carteira assinada, reforçam o movimento sindical, a previdência, o mercado interno. Até mesmo a Escola Técnica do Arsenal de Marinha, que há 10 anos estava paralisada, voltou a ativa e está formando técnicos imediatamente contratados pela construção naval. Até a estatal venezuelana, a PDVSA, tem encomendados no Brasil a construção de 17 embarcações petroleiras. Integração produtiva latino-americana é o outro ingrediente neste episódio.

Soberania em vários quadrantes

Mas, para além desta conclusão que liga recuperação naval e soberania, o lançamento do novo navio, cuja madrinha é a cantora Miúcha, estimula a reflexão sobre outras medidas necessárias. Se era absurdo um país do porte do Brasil não tivesse uma indústria naval, também o é não ter sob controle público a indústria aeronáutica, sobretudo porque a Embraer foi produto de um esforço da poupança nacional, irresponsavelmente entregue aos interesses internacionais, quando há todo um potencial de aproveitamento da aviação regional por desenvolver aqui no Brasil.

O resultado da privatização da Embraer e sua dependência do mercado internacional foi a demissão de mais de 4 mil trabalhadores da ex-estatal quando a crise estourou no capitalismo do primeiro mundo. Certamente, a estratégia deve voltar-se para o mercado interno. Como disse Lula no lançamento do “Sérgio Buarque de Hollanda” enquanto os EUA estão perdendo 70 mil empregos, o Brasil está gerando este ano mais de 2 milhões e meio de novos postos de trabalho. Aqui nasce uma nova classe médica, nos EUA há uma erosão na classe média, que está sendo despejada, dormindo nas praças públicas... Com a imensidão do Brasil e sem sistema de transporte ferroviário eficiente - também foi demolido - a aviação regional poderia receber um grande impulso no Brasil, mas não sem antes recuperar o controle sobre a Embraer, como está fazendo na área naval e de petróleo.

Cultura e soberania

Assim sucessivamente. Todas as medidas neoliberais resultaram em enormes prejuízos para a poupança popular, ou para a tecnologia nacional, ou para a soberania. Ou tudo junto. Se fôssemos analisar o cinema, por exemplo, quando existia a Embrafilme, cerca de 40 por cento do mercado cinematográfico era ocupado por produção nacional. Bons filmes e maus filmes, como em todo lado. Mas, havia uma indústria viva, gerando empregos, absorvendo talentos, renovando-se e superando em linguagem e em capacidade produtiva. O fim da Embrafilme jogou o cinema brasileiro no chão. Sob aplausos do cinema norte-americano que passou a ocupar 95 por cento do mercado brasileiro. E cinema também é soberania, como parte da construção da identidade nacional.

A retomada da indústria naval, do papel protagonista do estado, são medidas inequivocamente necessárias. E respondem concretamente aos sinais de aprofundamento da crise nos centros do capitalismo. E bem sabemos, pela história, que as crises mais agudas do capitalismo tendem a buscar superação na economia de guerra. Por isto o intervencionismo crescente, sem que Obama possa mudar quase nada. Por isso o reforço orçamentário da indústria bélica dos EUA, a principal rubrica do orçamento, o que equivale a uma ameaça contra os países que possuem grandes reservas de riqueza, como é o nosso caso. E ainda não nos recuperamos plenamente da devastadora demolição organizada pelos neoliberais, um desarmamento unilateral, em favor dos que pretendem tomar conta dos mares, ignorando soberanias e o direito dos povos.

Há um conjunto de sinais sombrios indicando que o mundo cobrará de nós brasileiros a coragem e a rebeldia de João Cândido, da Revolta da Chibata, o almirante negro da música de Aldir Branco e João Bosco. Mas, a embarcação do Brasil Nação está encontrando o rumo certo.

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Encontro de blogueiros de Juiz de Fora

Reproduzo matéria enviada pela comissão organizadora:

O Iº Encontro Regional de Blogueiros Progressistas, desdobramento do Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, realizado em agosto, em São Paulo, acontece nos próximos dias 26, 26 e 27 de novembro, em Juiz de Fora, com eventos que vão desde a exibição do filme Utopia e Barbárie do cineasta Sílvio Tendler a palestras e debates, além de do show Sertão da Palavra.

O Iº Encontro Regional de Blogueiros Progressistas deve reunir blogueiros de
várias cidades da região e acontece num momento em que a Internet vê confirmada sua importância no processo de comunicação. Pesquisa realizada logo após as eleições presidenciais de outubro mostraram que a rede mundial de computadores foi o segundo veículo de comunicação mais usado entre partidos, candidatos e eleitores. Um dos pontos mais importantes do encontro será, a exemplo que vem acontecendo em todo o país, manifestar repúdio ao projeto de lei do senador Eduardo Azeredo (PSDB/MG) que tenta criar mecanismos de censura na rede. O encontro está sendo organizado pela Casa da América Latina.

Utopia e Barbárie

Um dos mais renomados cineastas brasileiros, com vários prêmios no país e no exterior, o cineasta Sílvio Tendler estará em Juiz de Fora no dia 25 para a um
debate com os participantes do Iº Encontro Regional de Blogueiros Progressistas,
logo após a exibição de seu filme Utopia e Barbárie. O evento acontecerá no anfiteatro João Carriço (FUNALFA), na sede da antiga Prefeitura (Parque Halfeld), a partir das 19 horas.

Tendler entre outros filmes dirigiu Os anos JK, O governo João Goulart, Marighella, e é considerado um humanista dentre os cineastas brasileiros. Já produziu mais de 40 filmes entre curtas, médias e longas metragens.Seus filmes são um resgate da memória brasileira e buscam levar o espectador a refletir sobre a realidade do País e da América Latina, essencialmente. É detentor da maior bilheteria de documentários do cinema nacional. Um milhão e oitocentos mil espectadores em O mundo mágico dos trapalhões.

Entre os prêmios recebidos está o Prêmio Salvador Allende do Festival de Trieste, Itália, em 2005, pelo documentário Encontro com Milton Santos, o célebre geógrafo brasileiro, eleito também melhor filme do Júri Popular na última edição do Festival de Brasília.

O Sertão da Palavra

Na sexta-feira, dia 26, a partir das 21 horas, no MESCLA, acontece o show o Sertão da Palavra, com Aliciane Rodrigues, Marcos Marinho e banda. Música popular brasileira, latino-americana, onde a palavra e a poesia têm grande destaque. Os ingressos poderão comprados antecipadamente no próprio Mescla.

Um dos objetivos do espetáculo é demonstrar a importância da integração latino-americana, a riqueza cultural dessa parte do mundo e o papel da comunicação, sobretudo a internet aliando teatro, música, poesia e literatura e buscar a confraternização solidária entre os participantes e presentes.

Palestras e debates

No sábado, último dia do encontro, acontecerão as palestras e debates na Universidade Universo, a partir das oito horas da manhã. O primeiro tema será As novas formas de comunicação – seus impactos na aldeia global e as transformações sociais e a integração latino-americana. Os temas serão expostos pelo historiador Alex Lombelo, o professor de filosofia Tiago Adão Lara e o jornalista Laerte Braga.

Às 12 horas, após um breve intervalo para o almoço, o tema será Internet, o futuro da comunicação, relações humanas e direitos, e os expositores serão Edmilson Costa, pós doutor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, o ex-prefeito e ex-deputado Tarcísio Delgado e a professora Maria Helena Falcão.

Todas as palestras serão seguidas de debates entre os participantes e ás 15 horas serão formados os grupos de trabalho para a elaboração da Carta de princípios do Iº Encontro Regional de Blogueiros Progressistas. O término do encontro está previsto para as 18 horas e será conferido certificado de participação aos presentes. Não há taxa de inscrição.

O I Encontro Regional de Blogueiros Progressistas está sendo organizado pela Casa da América Latina e seu principal objetivo, além dos debates e da confraternização entre blogueiros, é integrar o movimento nacional que dá novas formas ao jornalismo e já desponta como o principal veículo de comunicação do futuro. Neste momento a rede mundial de computadores só é superada, no Brasil, pela televisão. Mesmo em regiões mais afastadas e longínquas do País a internet já consegue espaço semelhante ao do rádio.

As conclusões serão incorporadas aos documentos do I Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, através do blog Barão de Itararé (São Paulo) e servirão de temas preparatórios para o IV Fórum Social Mineiro a realizar-se no próximo ano em Belo Horizonte.

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domingo, 21 de novembro de 2010

O Globo e Folha “torturam” Dilma

Por Altamiro Borges

Ainda lambendo as feridas da derrota do seu candidato, a mídia demotucana já afia as suas armas para “torturar” a presidenta Dilma Rousseff. No seu arsenal, ela não vacila em utilizar os arquivos da ditadura, dando voz aos torturadores e carrascos. Com base num processo movido pela Folha, o Superior Tribunal Militar liberou nesta semana alguns documentos deste sombrio período. O STM bem poderia liberar também os relatórios sobre a cumplicidade da mídia com os golpistas.

Jogo sujo e combinado

Na sexta-feira, 19, o jornal O Globo – pertencente à famíglia Marinho, que ergueu o seu império com o apoio dos golpistas – foi o primeiro a explorar o arquivo. Pareceu até jogo combinado. A ávida Folha conseguiu os papéis e O Globo deu a largada com o título “Documentos da ditadura dizem que Dilma 'assessorou' assaltos a bancos”. O jornal informa que os dezesseis volumes de anotações liberados pelo STM “descrevem a ex-militante como figura de expressão nos grupos em que atuou, que chefiou greves e ‘assessorou assaltos a bancos’, e nunca se arrependeu”.

Com base nas opiniões dos carrascos, O Globo diz que Dilma era chamada de “Joana D’Arc da subversão” e que seria “uma figura feminina de expressão tristemente notável”. Ele ainda destaca o relatório sobre os militantes da VAR-Palmares escrito pelo delegado Newton Fernandes. Em 12 linhas, ele traça o “perfil” de Dilma: “Uma das molas mestras e um dos cérebros dos esquemas revolucionários postos em prática pelas esquerdas radicais... É antiga militante de esquemas subversivo-terroristas... Trata-se de uma pessoa de dotação intelectual bastante apreciável”.

O rótulo de “terrorista”

No sábado, 20, foi a vez de a Folha fazer escarcéu com os documentos. Sem contextualizar a luta de resistência à ditadura – inclusive reconhecendo que a famíglia Frias apoiou o golpe e até ajudou a transportar presos políticos para a tortura –, o jornal estampou na capa: “Dilma tinha o código de acesso a arsenal usado por guerrilha”. A matéria informa que a “revelação foi feita em 1970 sob tortura por ex-colega da petista na luta armada”. Nas entrelinhas, fica implícito o seu objetivo de carimbar em Dilma Rousseff o rótulo de “terrorista”.

“A presidente eleita zelava, junto com outros dois militantes, pelo arsenal da VAR-Palmares... Entre os armamentos, havia 58 fuzis Mauser, 4 metralhadoras Ina, 2 revólveres, 3 carabinas, 3 latas de pólvora, 10 bombas de efeito moral, 100 gramas de clorofórmio, 1 rojão de fabricação caseira, 4 latas de ‘dinamite granulada’ e 30 frascos com substâncias para ‘confecção de matérias explosivas’, como ácido nítrico. Além de caixas com centenas de munições”. Noutro trecho, diz que este arsenal foi usado em assaltos a bancos e mercados e que Dilma Rousseff era informada destas “operações armadas” com três dias de antecedência.

Enfrentar os saudosos da ditadura

As duas primeiras “reporcagens” com base nos arquivos da ditadura liberados pelo STM comprovam que a mídia demotucana não dará trégua à presidenta eleita. O objetivo é enquadrá-la, ameaçando com seu arsenal de baixarias, e desgastá-la. Neste esforço, a mídia oligárquica, que clamou pelo golpe militar de 1964 e que apoiou ativamente os generais-carrascos, tentará omitir os seus próprios crimes. É preciso firmeza para enfrentar os saudosos da ditadura militar. Dilma Rousseff foi uma heroína da luta pela democracia; já a mídia golpista foi cúmplice das torturas e assassinatos.

É preciso manter a mesma coragem que a ex-ministra demonstrou quando foi “interrogada” pelo senador Agripino Maia, em 2008. Na ocasião, diante do demo, ela relatou as bárbaras torturas que sofreu e reafirmou a sua luta contra a ditadura. “Qualquer comparação entre a ditadura militar e a democracia brasileira só pode partir de quem não dá valor à democracia brasileira... Eu tinha 19 anos. Fiquei três anos na cadeia. E fui barbaramente torturada, senador... E isso, senador, faz parte e integra a minha biografia, de que tenho imenso orgulho”.

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sábado, 20 de novembro de 2010

Kátia Abreu fala em encontro de juízes

Reproduzo artigo de Conceição Lemes, publicado no blog Viomundo:

De 11 a 13 de novembro, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) realizou, em Aracaju (SE), o IV Encontro Nacional de Juízes Estaduais, cujo tema foi “Justiça e Desenvolvimento Sustentável”.

O IV Enaje arrecadou R$ 1,05 milhão em patrocínios. Um, em particular, chamou-nos a atenção. Os R$ 100 mil pagos pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA), comandada pela senadora Kátia Abreu (DEM-TO).

Kátia Abreu, segundo reportagem de Leandro Fortes em CartaCapital, é a rainha do latifúndio improdutivo:

"Com a espada da lei nas mãos, e com a aquiescência de eminências do Poder Judiciário, ela tem se dedicado a investir sobre os trabalhadores sem-terra. Acusa-os de serem financiados ilegalmente para invadir terras Brasil afora. Foram ações do poder público que lhe garantiram praticamente de graça extensas e férteis terras do Cerrado de Tocantins. E mais: Kátia Abreu, beneficiária de um esquema investigado pelo Ministério Público Federal, conseguiu transformar terras produtivas em áreas onde nada se planta ou se cria. Tradução: na prática, a musa do agronegócio age com os acumuladores tradicionais de terras que atentam contra a modernização capitalista do setor rural brasileiro".

Kátia Abreu é processada também por ter desmatado ilegalmente 776 hectares sem autorização Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama). Por isso, recebeu multa de R$ 77 mil, até hoje não aplicada porque recorreu à Justiça. Embora já tenha vendido as terras, continua respondendo ao processo, pois a multa é intransferível.

Curiosamente, foi uma das palestrantes do IV Enaje, que reuniu 600 juízes do Brasil inteiro. Falou no painel “Código Florestal e Desenvolvimento Sustentável”.

Considerando 1) as denúncias de desmatadora e grileira que pesam sobre Kátia, 2) a criminalização que faz dos movimentos sociais do campo, 3) o lobby do latifúndio e 4) o fato de o poder judiciário ser atualmente um dos gargalos da reforma agrária no Brasil, a parceria CNA/AMB levanta dúvidas.

A avaliação de que o Judiciário é um dos entraves à reforma agrária é do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST. Explica-se. O governo desapropria áreas consideradas improdutivas. Seus proprietários entram com recurso. A Justiça normalmente aceita. Cria-se um impasse. O governo já expropriou a terra, mas o caso fica parado na Justiça e as famílias acampadas, à espera da decisão final.

Reportagem de Phydia de Athayde e Rodrigo Martins, também publicada em CartaCapital, reforça a avaliação do MST:

"A região do oeste paulista é simbólica por potencializar alguns entraves à reforma agrária no País. No caso, o conservadorismo do Judiciário somado ao excesso de recursos ajuizados pelos proprietários. Valdez Farias, procurador-geral do Incra, diz que o estado de São Paulo é especialmente problemático nesse ponto porque, diferentemente de outras áreas, todos os recursos possíveis são aplicados".

AMB: “Juízes não são influenciados assim como repórteres não são pela publicidade"

O Viomundo questionou então a Associação dos Magistrados Brasileiros:

1) O tema do IV Enaje foi desenvolvimento sustentável. Não configuraria conflito de interesses o patrocínio da CNA?

2) Desenvolvimento sustentável envolve propriedade da terra. O patrocínio da CNA não poderia gerar na cabeça dos juízes uma boa vontade em relação aos latifundiários em detrimento de movimentos dos trabalhadores rurais sem terra?

3) A senadora Kátia Abreu, presidente da CNA, tem ações na Justiça nas áreas agrária e ambiental. É compatível, ético, uma ré fazer palestra para juízes que podem um dia julgá-la?

4) Os recursos arrecadados com o patrocínio foram destinados a quê? Pagou despesas de juízes?

A AMB, por intermédio da assessoria de imprensa, respondeu-nos por email:

1) O convite à senadora Kátia Abreu para o painel Código Florestal e Desenvolvimento Sustentável deveu-se à representação da entidade junto ao tema. Destacamos que o painel não foi unilateral. Havia outro palestrante Raul do Valle, advogado especializado em meio ambiente e assessor jurídico da ONG Instituto Socioambiental (ISA) com ponto de vista oposto.

2) Os patrocínios são dados à entidade e não aos juízes individualmente. Da mesma forma que repórteres não são influenciados pela publicidade veiculada nos jornais em que trabalham, os juízes não são influenciados por patrocinadores de eventos. Além disso, durante o encontro eles ouviram pontos de vista divergentes.

3) A senadora estava representando um setor produtivo da sociedade, da qual é presidente, e o assunto se ateve ao tema proposto. Naquele auditório ela não estava participando de um julgamento, e sim de um debate cujo o tema foi Código Florestal e Desenvolvimento Sustentável. Se verdadeira, a premissa da pergunta proibiria os juízes de ter contato com qualquer pessoa em qualquer local, visto que todos estão sujeitos a sofrer processos. É como achar que o juiz deve viver isolado.

4) Os recursos foram aplicados na organização e infra-estrutura do evento. Cada juiz pagou sua própria despesa, como passagem, hospedagem e, inclusive, inscrição. Além da CNA, várias outras entidades patrocinaram o evento.


Juíza Dora Martins: “Insustentável a defesa do IV Enaje”

Diz a velha máxima: À mulher não basta ser só honesta; tem de parecer honesta. Por isso, ouvimos também a Associação de Juízes pela Democracia (ADJ).

“A questão dos patrocínios é bastante passível de crítica. Afinal, juízes têm de ser éticos e independentes, sem se influenciar pelo peso de suas ideologias”, afirma a juíza Dora Martins, da AJD. “Além de éticos, têm ainda a obrigação funcional de mostrar e não expor a imagem da Justiça a interpretações dúbias.”

“Não creio que os juízes fiquem de mãos e consciência amarradas só por conta do patrocínio. Porém, publicamente, isso depõe contra a imagem do Poder Judiciário”, diz Dora Martins.” A partir do momento em que no nosso sistema, capitalista, impera o poder do ‘poder’ e do dinheiro, fica insustentável a defesa de um evento como IV Enaje, do jeito que foi elaborado.”

“De modo algum, os juízes que porventura estiveram no tal evento são passíveis de crítica ou qualquer forma de acusação no seu desempenho funcional”, salienta Dora Martins. “Porém, parece-me desnecessário a exposição da magistratura nacional a esse tipo de situação, evitável, e que, trazida ao conhecimento público, permite ser interpretada de todos (e qualquer) os modos.”

“A independência judicial é o bem mais caro que todo juiz deve ter, zelar e lutar”, arremata. “Tudo o que possa colocar isso em risco deve ser afastado, evitado e rejeitado.A transparência é outra virtude a ser buscada no exercício dos poderes do Estado, inclusive no poder Judiciário.”

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Política externa e desenvolvimento

Reproduzo entrevista concedida a Silvio Caccia Bava e Dario Pignotti, publicada no jornal Le Monde Diplomatique Brasil:

Marco Aurélio Garcia, assessor da presidência da República para assuntos internacionais, recebeu com exclusividade o Le Monde Diplomatique Brasil no Palácio do Planalto. Entre os temas tratados na entrevista, o Mercosul, a integração regional, a crise econômica e o modelo de desenvolvimento.

Qual é o balanço desses quase oito anos de política externa?

O êxito que nós tivemos em matéria de política externa se expressa hoje numa forte projeção do Brasil no mundo, que foi dado essencialmente pelas grandes transformações que nós tivemos internamente porque não só elas foram inéditas no caso brasileiro, mas, de certa maneira, foram também inéditas, ou quase inéditas, no mundo. Crescer com distribuição de renda, com estabilidade macroeconômica, com redução da vulnerabilidade externa e com democracia, não é pouca coisa. Por outro lado, incorporamos o contexto mundial como um elemento essencial para o país.

A política externa do Brasil não pode ser simplesmente entendida como um mecanismo de projeção do Brasil no mundo, ela é um elemento substancial do próprio projeto nacional brasileiro. Nós não podemos nos pensar fora do mundo, fora da região. Vivemos num mundo em transição, uma transição longa, e o desfecho não é totalmente previsível a julgar pelas transformações que o mundo passou desde os anos 1990. Fortalece-se a perspectiva de que devemos construir um mundo dominado por valores multilaterais. E nós acreditamos que este multilateralismo, ele se traduzirá também na constituição de um mundo multipolar.

Fizemos a aposta de desenvolver um processo de integração regional. Hoje, a América do Sul ocupa um lugar privilegiado no mundo e talvez ela própria não tenha consciência perfeita disso. Temos as maiores reservas de energia do mundo: petróleo, gás, carvão, potencial hidroelétrico, biocombustíveis, energia nuclear, eólica, solar etc. E o mundo demandará cada vez mais energia. Temos grandes recursos de alimentação, e recursos que não são mais resultantes daquele tipo de produção primária, exportadora, do passado. Nossa agricultura tem alta produtividade, que não existiria sem pesquisa científica, tecnológica etc. Temos grandes reservas de minério, que obviamente serão importantes para qualquer etapa da humanidade, mas particularmente para essa onde está havendo certas zonas de crescimento industrial muito forte. E nós já temos polos industriais significativos, alguns de ponta. É claro que vamos ter qu e enfatizar muito mais políticas industriais locais, nacionais e regionais.

Mas temos também outros trunfos, mudanças sociais que estão ocorrendo praticamente em todos os países, que propiciaram a inclusão de dezenas de milhões de pessoas à condição de produtores e consumidores. A região se transformou num grande mercado e num grande polo produtor. São quase 400 milhões de sul-americanos, uma população com traços de homogeneidade muito maiores do que em outras regiões do mundo.

Quais são os problemas? Temos baixo nível de integração. A integração que tínhamos anteriormente era uma integração centralmente comercial. Mercosul, Comunidade Andina etc. E essa integração essencialmente comercial, ainda que ela seja importante – os dados de comércio exterior brasileiro e da região atestam isso – ela tem dificuldades, tendo em vista que o confronto de uma economia como a brasileira com outras economias de menor escala pode aprofundar assimetrias entre o Brasil e outros países. Nós temos que pensar num tipo de integração que transcenda o aspecto puramente comercial e que vá em outra direção.

Nós temos um baixíssimo nível de integração física. Por incrível que pareça, agora, nesse fim dos oito anos do governo Lula, passamos a ter as primeiras conexões Atlântico-Pacífico. Vamos inaugurar a Transoceânica lá com o Peru. Agora em outubro devemos inaugurar essa estrada Iquique-Santos, passando pela Bolívia. Há também projetos muito consistentes, como a ligação Porto Alegre e Coquimbo, que vai implicar em um grande túnel na Argentina. Serão caminhos de integração muito importantes, que vão diminuir consideravelmente o custo das nossas exportações e vão provocar também uma maior inter-relação dos nossos países.

A simples ponte que nós fizemos no Peru mudou o perfil da relação Peru-Brasil e fez com que nós fossemos obrigados, inclusive, a aprofundar certas concessões importantes no que diz respeito ao domínio comercial propriamente dito. Por que os habitantes de Manaus têm que importar verduras de São Paulo quando eles podem importar do Peru por um preço muito mais barato? Essa integração vai favorecer também uma maior internalização dos nossos países, que são muito concentrados na faixa litorânea.

A região está crescendo e vai precisar de um planejamento estratégico em matéria de energia. Nós constatamos um grande paradoxo, a região tem as maiores reservas energéticas do mundo, mas tem apagão na Argentina, no Uruguai, no Chile, no Paraguai, na Venezuela. Em toda parte tem apagão. Então, o que é que precisamos? Nós precisamos estabelecer uma grande rede energética para podermos potencializar essa capacidade num período em que as taxas de crescimento devem ser muito elevadas. Aqui no Brasil está se falando de 7,5% ou 8%, na Argentina as cifras não são muito diferentes, no Uruguai também. E não tem sentido que os países promovam este crescimento de forma isolada.

Para enfrentarmos o tema das assimetrias precisamos ter políticas produtivas comuns, de integração. Políticas agrícolas e políticas industriais. Isso, nós estamos fazendo como uma experiência piloto - e os argentinos também estão participando - no caso da Venezuela.

A Venezuela é um país extraordinário, é um país com grandes riquezas minerais, petróleo, no entanto, há muitas décadas ela exporta petróleo e importa alface, tomate, ovos, frango. O que era muito funcional, tendo em vista o tipo de classe dominante que tinha lá. E criou, inclusive, uma burguesia importadora, também elitista, feliz da vida com isso. A conversão dessa economia petroleira em uma economia mais complexa, ela pode ser feita porque a Venezuela tem um mercado interno de 28 milhões de pessoas.

A Venezuela ocupa um lugar importante na área andina, ela pode se ligar a todos os mercados adjacentes, e pode suprir uma série de demandas da região. Então, nós começamos a fazer um trabalho de integração com os venezuelanos, abrimos um escritório da Embrapa lá e um escritório da Agência Brasileira do Desenvolvimento Industrial, ABDI, para desenvolver projetos agrícolas, produzir. O que eles querem? Garan tir a sua segurança alimentar e também produzir uma série de insumos, de manufaturas, que não tem sentido que eles importem, além de itens ligados à própria produção petrolífera etc.

Nós demos uma importância muito grande à construção da linha de transmissão entre Itaipu e Assunción porque achamos que, concluída essa linha, Assunción pode se transformar num grande polo industrial que vai atrair o investimento brasileiro. Já tem uma fábrica de cimento que se estabeleceu lá e tem uma série de investidores que já estão de olho para investir lá. Isso muda o perfil.

Outro item é a integração financeira. Eu tinha um entusiasmo muito grande com a possibilidade de que nós pudéssemos acelerar uma integração financeira. Hoje eu acho que é uma coisa mais complexa. Partes dessa integração financeira já estão se realizando e podem se realizar no curto prazo. Outras, não. Por exemplo, moeda comum, eu acho muito difícil. O Banco Central comum, acho muito difícil e a experiência europeia agora está nos mostrando isso. Mas pudemos avançar em várias coisas e temos que implementar mais fortemente o Banco do Sul.

Ainda que hoje o problema não seja tanto um problema de recursos. Há recursos. O problema é muito mais um problema de garantias. O BNDES pode perfeitamente alavancar muito mais as empresas brasileiras e até outras empresas não brasileiras, mas sul-americanas, na região, sobretudo agora quando criarmos o nosso Eximbank (banco que financia exportações e importações). O próprio BID teve que se adaptar a essa nova realidade. Mas o Banco do Sul, sem dúvida nenhuma, vai ser um instrumento importante.

Outra coisa, que começamos a fazer com a Argentina, são trocas em moeda local. Com a Argentina já começou e nós estamos negociando com muitos países da região. Se conseguirmos introduzir isso, estamos dando uma resposta regional ao problema da crise desse modelo do dólar no mundo. Isso baixa os custos do comércio exterior, viabiliza mais a participação de pequenas e médias empresas, que muitas vezes não têm capacidade de comercializar em dólar.

Eu acho que temos um baixo nível de institucionalização dos nossos mecanismos de integração do Mercosul. Se você observar o que é a estrutura do Mercosul em Montevidéu é ridícula, não porque seja má, ridícula porque é pequena. Na Unasul, levamos muito tempo para avançar na eleição da secretaria-geral, o Kirchner está sendo um excelente secretário-geral. Mas uma série de coisas, seja no âmbito do Mercosul, seja no âmbito da Unasul, está muito lenta ainda, está muito devagar.
Os países têm muita resistência em combinar, nos processos de integração, questões de supranacionalidade.

Evidentemente, se você começa a integrar, você perde certas cotas de soberania e isso é muito, muito difícil. No caso da América do Sul, eu acho que as dificuldades talvez venham a ser menores do que as europeias porque o nacionalismo na América do Sul sempre foi um nacionalismo muito em favor da integração. Todas as grandes potências nacionalistas da região sempre foram entusiastas da integração sul-americana ou latino-americana. Peronismo e chavismo, que são dois exemplos muito gritantes de nacionalismo, sempre foram muito favoráveis à ideia da pátria grande etc. Então, por aí nós não vamos ter grandes dificuldades. Eu acho que não haverá as resistências ideológicas porque o nosso nacionalismo é diferente do nacionalismo europeu que é um nacionalismo ensimesmado, rancoroso, conservador, exc ludente.

Quando você fala que estamos em momento de transição, transição para onde? O planeta está se dando conta que não tem recursos suficientes para tanta gente, que os recursos estratégicos vão se exaurir. E nós temos aqui a vantagem de ter o Pré-sal, de ter os minérios e tudo o mais. Um projeto de desenvolvimento brasileiro baseado na exploração das commodities, na exportação da soja, na grande concentração da terra, é um modelo de desenvolvimento que está posto em causa no mundo inteiro. Se nós potencializarmos nossas capacidades, não estaríamos entrando na contramão no sentido de que temos de cuidar mais dos recursos naturais, preservar o planeta? O que a estratégia brasileira está projetando não é a continuidade do modelo anterior? Por outro lado, o Brasil é a metade da América Latina. O PIB é a metade, a população é a metade, a terra é a metade. E existe um discurso dos nossos vizinhos que fala do imperialismo brasileiro e de que as assimetrias estão se acentuando. Se você for ver, o capital brasileiro na Bolívia, na Argentina, Uruguai, Paraguai, ele está muito presente. E a estratégia brasileira de expansão apoia empresas que se transformam em global players brasileiros, como a Odebrecht, a OAS, a Queiroz Galvão, quer dizer, elas vão junto no pacote das relações diplomáticas. Como é que você vê essa contradição?

Em primeiro lugar, nós não estamos fazendo uma revolução socialista no Brasil, certo? Então, isso significa, concretamente, que vamos continuar convivendo com empresas grandes, médias, pequenas. Oxalá, nós possamos, inclusive, estabelecer um equilíbrio entre essas empresas médias e pequenas. Na questão da terra tem havido uma tentativa de estabelecer quase que uma divisão de trabalho que tem até expressão institucional. Nós temos dois ministérios de agricultura, o ministério da reforma agrária e o ministério do agrobusiness. E acho que eles têm convivido razoavelmente.
A ideia do imperialismo brasileiro é, a meu juízo, minoritária na cabeça de alguns setores na América Latina, e ela sempre existirá. De uma maneira geral, a visão que os sul-americanos e que os latino-americanos têm do Brasil é muito boa. Nós temos, inclusive, pesquisas sobre isso.

É óbvio que nós somos colocados, em determinados momentos, diante de dilemas insolúveis. Você não tem formas de equilibrar o comércio com todos os países da região. Não tem. A menos que você deixe de exportar coisas que eles demandam e que se eles não comprarem de nós, eles vão comprar dos Estados Unidos, da Europa. E isso por uma razão muito simples, nós temos uma economia extremamente diversificada, com um nível de produtividade crescente, enquanto que outros países, como o Chile, tem seis produtos de exportação. Ele exporta o quê? Coisas do mar, vinho, frutas, cobre, madeira e celulose. Nós importamos essas coisas, mas nós podemos exportar "trocentas" coisas para lá.

A única maneira de resolver isso é impulsionar o desenvolvimento industrial e agrícola desses países para que eles possam realizar um certo tipo de substituição de importações; e criar mecanismos para estimular a importação desses produtos. O Itamaraty tem um programa que se chama Programa de Substituição Competitiva de Importações, que nos leva, por exemplo, a mandar técnicos para a Bolívia para ensinar as empresas bolivianas a exportar para o Brasil. Mas isso tem os seus limites. Todos os países melhoraram os níveis de exportação para o Brasil nesses dois últimos anos, o problema é que o Brasil também melhorou muito. Então, a única maneira que nós temos é ajudar a industrialização desses países, criar um complexo produtivo.

O fato de que hoje em dia uma parte crescente da economia argentina - que é um grande país - esteja controlada por capitais brasileiros é visto de forma contraditória. Têm pessoas que dizem: olha o imperialismo brasileiro, precisamos nacionalizar. No entanto, há uma demanda de investimentos lá, brasileiros. Como é que você fica então?

E temos um tipo de política que nos tem criado problemas aqui, não nos países lá. Quando nós negociamos o preço do gás com a Bolívia, quando aceitamos sem conflito o processo de nacionalização da Petrobras, que foi indenizada, ou quando fizemos esse acordo com o Paraguai sobre o preço da energia de Itaipu, que está trancado aqui no Congresso, o que a direita brasileira está nos dizendo? Nos acusa de generosidades, dizem que somos muito molengas com o Evo Morales, que os paraguaios fazem o que bem entendem, os argentinos todo dia estão fazendo desfeita etc. O que não é absolutamente verdade. Os conflitos que existem na esfera comercial afetam 5%, 6% do comércio, e afetam transitoriamente e são resolvidos. Como se na União Europeia não houvesse nenhum problema, tudo funcionasse de uma forma melhor.

Assim como não nos interessa São Paulo próspero e o Nordeste destroçado, também não nos interessa um Brasil próspero e uma Bolívia, um Paraguai, e outros países, afetados gravemente por problemas econômicos e sociais. O grande dinamismo que a economia brasileira tem precisa ser pensado como um fator dinamizador para essas economias.

O Pré-sal vai significar a construção de 200 navios. Não se produz 200 navios no mundo, hoje. Vai significar plataformas, gasodutos, encanamento. Ele vai produzir um impacto industrial sobre o país que será absolutamente devastador, que transcende o domínio do petróleo e do gás. Vai afetar todo o setor de máquinas e equipamentos e está estimulando até a produção dos outros países. A Venezuela, e a Colômbia estão começando a criar estaleiros. E o Uruguai está produzindo partes. Por outro lado, temos que nacionalizar mais ou regionalizar mais o processo da produção da indústria automotiva. Por isso a questão institucional da Unasul e do Mercosul é fundamental.
Sobre a questão do modelo, o grande problema que enfrentamos num país como o Brasil, e em outros países da região, é que nós vivemos problemas do presente, mas também vivemos problemas do passado e do futuro. Ora, falar em consumismo num país que tinha 40 milhões vivendo abaixo da linha da pobreza? Nós vamos ter que passar por um período mais ou menos parecido àquele que os Estados Unidos viveram do fim do século XIX, até a crise de 1929.

Eu acho que nós temos pela frente um conjunto de desafios materiais e imateriais absolutamente fenomenal. Nós temos podido compatibilizar, na área rural, grande propriedade e agricultura familiar. Tem que melhorar isso? Tem que melhorar. Mas a grande verdade é que o consumo interno do país é garantido hoje pela agricultura familiar. Isso não é pouca coisa. E estamos com um tipo de agricultura empresarial que é uma agricultura sofisticada, que vai sendo estimulada pela demanda internacional. A China não tem condições de alimentar a sua população. É óbvio. Eles têm 20% das terras agricultáveis no país e 1,2 bilhão de pessoas. E a Índia também está nesta situação. Quer dizer, haverá uma demanda.

Agora, todo progresso, com todas as conotações ideológicas que essa expressão tem, traz contrapartidas negativas, evidentemente. O Programa Luz para Todos, sem dúvida nenhuma, deve trazer ao Brasil algumas perturbações do ponto de vista ambiental. Mas eu posso defender que 10 milhões de pessoas continuem a viver com candeeiro e vela?
A transição a que eu me referia é a seguinte: antes da queda do Muro de Berlim, da dissolução da União Soviética, nós tínhamos um mundo bipolar, um mundo que vivia a ameaça da guerra nuclear. A União Soviética, os países do leste europeu, desaparecem enquanto modelo socioeconômico, enquanto projeto político. A China transita na direção da economia de mercado.

E o que você tem como resíduo político-ideológico daquele modelo, outrora tão poderoso, do século XX, são pequenos núcleos irrelevantes para se pensar um projeto de mundo. Cuba, Vietnã, e mesmo o Vietnã mudou, Coréia do Norte etc. Como modelo, do ponto de vista do projeto social, eles estão fragilizados. Isso se junta com a crise da concepção da democracia. O que coincide com uma grande hipertrofia dos Estados Unidos enquanto potência econômica, política e militar, guerra do Iraque e aquelas coisas todas.

Nós passamos então a transitar em outra direção. Eu estive recentemente na França, conversando com alguns amigos que não via há algum tempo, e eles têm uma enorme simpatia e atração por conhecer melhor o que eles chamam a Social-democracia do Sul. O que é a Social-democracia do Sul? Somos nós! Sem aquele contexto, porque a socialdemocracia num certo momento foi um projeto que não deu certo, mas cujas premissas são expectativas de um governo capaz de compatibilizar democracia econômico-social com a democracia política. O que é que eu quero mais do que isso?

Alguns teóricos estão falando que a América do Sul é uma usina de pensamento político. No caso do Brasil, por ser a grande potência econômica, geográfica, será que esse modelo da Social-democracia do Sul pode ser um modelo exportável como ideia?

Eu acho que esse é um dos grandes problemas que estamos enfrentando na região, é que as mudanças que houve, elas são muito mais importantes do que a reflexão sobre essas mudanças. E eu acho que nós temos uma esquerda - e eu estou aqui nos incluindo - em crise. Eu gosto muito de uma frase, que não é minha: antes nós tínhamos ideias e não tínhamos votos, agora nós temos votos e não temos ideias.

Essa já é uma experiência duradoura. No Brasil nós estamos com a expectativa de que isso dure mais tempo. Na Venezuela já dura 10 anos. Na Bolívia está durando. No Uruguai está durando. Na Argentina durará, não tenho a menor dúvida, ainda que o perfil da esquerda lá seja diferente, porque lá você tem esquerda no governo e na oposição. Mesmo num país como o Chile, onde a esquerda sofreu uma escovada forte, ela hoje está obrigada a se repensar. Tem mais o Equador, tem mais o Paraguai, enfim, hoje em dia você não tem nenhum país da região onde essas questões não se colocam.

Eu considero que a relação com a Argentina é absolutamente essencial para o Brasil, sem a liga, uma boa relação Brasil – Argentina, não haverá integração regional. Há outros países também que podem ter um papel importante, como a Colômbia. Tão logo ela resolva o seu contencioso interno, e acho que vai resolvê-lo, será um país que vai ter também um papel fundamental na região.

Não se esqueçam que na cúpula de Mar del Plata nós tivemos uma seleção Brasil – Argentina com Kirchner e Lula no ataque e marcando gol. Quem derrubou a Alca não foi nosso amigo Chávez, quem derrubou a Alca naquele momento foi o Kirchner, o Lula, com o apoio dos uruguaios e dos paraguaios, sofrendo uma pressão dos demônios.

Você está falando em um projeto multipolar, mas parece que a aposta é no G20. Por que não o G192, que são as nações associadas à ONU?

O G20 é uma expressão renovada da crise de governança mundial. Como o multilateralismo foi relegado a uma posição secundária, o que nós tivemos num determinado momento foi a criação de um diretório ad hoc, que foi o G7, depois G8.
Já no começo do governo Lula, começou a haver a percepção de que esse era um diretório obsoleto. Em Aviens, o Chirac convidou 12 países mais, Brasil, Egito, México, a Nigéria, Argélia, África do Sul, a China, a Índia etc. Depois, com exceção da reunião do G8 que se fez nos Estados Unidos, quando Bush não convidou ninguém, todas as reuniões subsequentes contaram sempre com a presença destes países, até que isso afunilou para um G5, e na reunião da Escócia o Lula disse: "se for só para o cafezinho, eu não vou".

Quando houve a crise de setembro de 2008, os primeiros dias da crise coincidiram com a Assembleia Geral da ONU, aí o Lula, no seu discurso, fez alusão à crise. Umas semanas depois, no meio de outubro, o Bush telefonou para o Lula e disse, olha, eu estou com você e quero convocar uma reunião de países para discutir a crise no dia 15 de novembro, quem é que você acha que deve ir? E o Lula, de batepronto, disse: eu acho que deve ser o G20, G20 financeiro. Ora, o G20 financeiro era uma instituição de segunda, terceira linha, porque ele era integrado pelos ministros da fazenda, mas na prática eram os chefes de gabinete, os secretários internacionais dos ministérios que iam. Isso não quer dizer que ela não fosse importante. Discutimos várias coisas importantes, e com isso, o G20 ganhou importância.

Tivemos uma reunião em São Paulo, quando o Brasil estava presidindo, nessa ocasião o G20 foi até ampliado porque tinha o problema da Espanha, que queria participar. O Sarkozy usou um artifício enquanto presidente da União Europeia. Ele cedeu o lugar para a Espanha ir no lugar da França. Eu acho que essa situação é expressão dessa crise mundial de governança e o G20 também é um diretório ad hoc. A diferença é que é um diretório ad hoc mais representativo porque inclui México, Argentina, Brasil, Indonésia, África do Sul, Nigéria, Egito. Já tem uma composição, eu diria, um pouco mais significativa. Essa crise de governança mundial provoca outros movimentos, o Ibas, os Bric, agora surge o SEVIT, com Colômbia, Egito, Vietnã, Indonésia, Turquia e África do Sul.

Isso nos traz para a relação com os Estados Unidos. Ela apresenta sinais contraditórios. Havia toda uma expectativa de que o Obama fosse um mediador, um negociador para a América Latina, e o que a gente está vendo é o contrário, os EUA fizeram novos acordos para bases militares em vários lugares, Costa Rica, Colômbia, reativaram a IV Frota, ou seja, a América Latina entrou no radar dos Estados Unidos, que consideram que há uma certa instabilidade política no seu quintal. Isso coloca em oposição a Unasul e os Estados Unidos? Porque há um plano regional de defesa, inclusive com a perspectiva de uma integração da indústria bélica, na América do Sul? Esses movimentos indicam que nós vamos passar períodos difíceis na relação com os Estados Unidos?

Não. Não. Primeiro, eu não acho que a América Latina seja uma zona de preocupação imediata dos Estados Unidos. São uma preocupação dos Estados Unidos, o Paquistão, o Afeganistão, o Oriente Médio, talvez alguns setores na África. Pelo contrário, eu acho que os Estados Unidos, por enquanto, consideram que essa é uma região tranquila. Eles têm algumas preocupações que estão ligadas a movimentos de desestabilização, movimentos políticos. Evidentemente eles devem ter uma enorme preocupação com a situação mexicana. Mesmo se forem resolvidos os problemas no México, os esquemas da criminalidade podem se estender pelo conjunto da América Central. O que é real. O problema desses grupos delinquentes, ligados ou não ao narcotráfico, ao tráfico de armas, tem uma incidência muito forte em países como a Guatemala, Honduras, Salvador.

A questão das bases militares, eu acho que elas correm um pouco autonomamente. Quando se falou na IV Frota, altos funcionários do governo americano disseram que não tinham informações sobre isso. Eu tenho a impressão que isso corresponde muito mais a um cacoete estratégico de um país que mantém ainda essa aspiração de ser, digamos, o grande responsável pela segurança coletiva no mundo.

Isso explica porque é que há reações negativas sempre que algum país quer influir sobre questões de segurança coletiva, sobre alguns pontos nevrálgicos, como é o diferendo que nós tivemos com os Estados Unidos sobre o Irã. É isso. Quem são esses caras que vão se meter numa briga que não é deles? Essa briga é nossa, dizem eles. Só que eles estão resolvendo mal essa briga e durante um bom período estiveram resolvendo mal a briga do Oriente Médio.

No caso dos temas de segurança coletiva da região, um dos acertos que a Unasul teve, e nisso funcionou muito a intuição do Lula, porque foi o Lula que fez essa proposta, foi a criação de um Conselho de Defesa Sul-americano. O processo de integração não pode prescindir de tratar o tema de segurança coletiva.

Uma das dificuldades que a integração europeia enfrenta é o fato de que ela não tem um quadro de segurança coletiva próprio, ela tem o guarda-chuva da OTAN, então isso significa concretamente que ela terá que estar sempre em sintonia com os Estados Unidos porque, entre outras coisas, os Estados Unidos comandam a OTAN.

Eu acho que é óbvio que o complexo militar e industrial dos EUA, como chamava o Eisenhower, não gostará de ver surgir uma indústria de defesa regional. As pessoas têm que saber que pagam um preço por certas limitações que elas impõem nesse modelo. Quando nós fomos vender os Super Tucanos para a Venezuela, não foram as empresas que fornecem partes para o Super Tucano que protestaram, elas estavam dispostas, foi o governo americano que impediu. É o Congresso, que tem comitês rígidos. Então, as pessoas têm que saber que assim não dá.

Mas eu não acho que nós estejamos vivendo um momento de tensão com os Estados Unidos. Muito pelo contrário. E acho, inclusive, que deveríamos procurar baixar essa tensão ao máximo. Eu sei que isso não é fácil, que existe uma retórica antiamericana muito forte na região, porém, estamos condenados - a América Latina e os Estados Unidos - ao convívio, vivemos na mesma região e acho que ganharíamos muito se tivéssemos uma boa convivência. O Brasil conseguiu manter nesse período uma relação muito boa com os Estados Unidos. Nos últimos meses tem esse problema do Irã que criou uma certa gruma aí, mas não me parece que seja uma coisa consistente. Quando você assume uma função como a de presidente dos Estados Unidos, você não faz só o que quer. Você sofre uma série de constrangimentos naturais, normais.

A própria relação dos Estados Unidos com a Colômbia, num certo momento, estava complicada por uma série de razões. E estamos muito satisfeitos com a ideia de que se possa lançar rapidamente uma solução pacífica da guerrilha.

Como é que você vê isso?

Eu acho que o presidente dos Santos tem uma percepção muito clara de que é preciso mudar a agenda da Colômbia. A Colômbia tem que deixar de ser o país das Farcs, da guerrilha, tem que ser vista como um país de todas as possibilidades. Eu estou convencido de que ele vai se empenhar muito em chegar a uma solução de paz. Eu não vejo nenhum futuro para as Farcs, nenhum futuro. E acho que se houver futuro, será um futuro amargo porque esses movimentos, quando eles entram em declínio, eles não entram em declínio de uma hora para a outra, é um declínio longo, sangrento, sacrificando milhares de pessoas que podem perfeitamente ter um outro papel na vida política colombiana.

E como poderá Dilma, se eleita, contribuir nesse processo de reconciliação da Colômbia? É claro que [o presidente Juan Manuel] Santos fala que esse é um problema deles e todo mundo sabe disso, mas a própria Dilma falou que ela também estaria muito interessada.

Nós não nos imiscuímos na situação interna da Colômbia, e essa posição vai persistir. E sempre nos colocamos dispostos a ajudar. Bom, a Dilma tem a seu favor duas coisas. Em primeiro lugar, ela tem uma boa percepção da política internacional. Ela não é uma neófita. E terá o Itamaraty para ajudá-la na implementação da política internacional. Em segundo lugar, ela é uma pessoa com grande determinação pessoal, assertiva. Ela terá uma agenda muito ampla, felizmente o Brasil hoje tem um leque de questões internacionais. Eu tenho a impressão de que, em primeiro lugar, eleita presidente, ela acompanhará o Lula na reunião do G20. Ela estará presente na reunião do Mercosul, quando o Brasil deixa a presidência. Pode ser até que ela venha a presidir a reunião do Mercosul, se a reunião fosse jogada para janeiro, como aconteceu com a da Argentina, que atrasou um pouquinho. Enfim, ela vai te r os seus dossiês aí rapidamente para tratá-los.

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