quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Serra visita o chefão da revista Veja

O jornal O Estado de S.Paulo noticiou nesta semana que o governador José Serra, que trava uma guerra fratricida para ser o presidenciável tucano, fez uma visita de cortesia ao amigo Roberto Civita, o chefão da revista Veja. Não há maiores detalhes sobre o encontro, como sempre dos mais sigilosos. Mas dá para se imaginar o que rolou na conversa amistosa... e coisa boa não foi!

Talvez o grão-tucano tenha implorado o apoio na batalha sucessória da Editora Abril, a poderosa corporação midiática que edita a Veja – principal palanque da oposição direitista e hidrófoba ao governo Lula. Conhecido por suas táticas sujas e desleais, talvez José Serra também tenha repassado mais algumas intrigas contra seus adversários, seja Dilma Rosseff ou mesmo o tucano Aécio Neves.

Generosa ajuda financeira

Já Roberto Civita talvez tenha aproveitado a cordial visita para agradecer a generosa ajuda que o governo paulista tem dado à sua editora. Nos últimos anos, José Serra assinou vários contratos de compra de publicações do Grupo Abril, a maioria deles sem licitação pública. Num dos mais recentes, os cofres do Estado foram saqueados na aquisição de 220 mil assinaturas da revista Nova Escola, o que injetou R$ 3,7 bilhões nos cofres da famíglia Civita.

Esta generosa ajuda, feita com dinheiro público, está sendo questionada pelo Ministério Público Estadual. Em setembro, ele acolheu representação do deputado Ivan Valente (PSOL) e abriu o inquérito civil número 249 para apurar as irregularidades nos contratos firmados entre os amigos Serra e Roberto Civita. Segundo levantamento do parlamentar, “cada vez mais, esta editora ocupa espaço nas escolas de São Paulo. Isto totaliza, hoje, cerca de R$ 10 milhões de recursos públicos destinados a esta instituição privada, considerando apenas o segundo semestre de 2008”.

Relações promíscuas com os tucanos

Além da bondade financeira, o presidenciável tucano está cada vez mais afiado com o discurso neoliberal da famíglia Civita. Para espantar os fantasmas do passado, ele assumiu de vez a sua postura autoritária e elitista – bem ao gosto dos editores golpistas da Veja. Talvez, Serra tente conquistar a simpatia que goza outro serviçal tucano, o ex-presidente FHC. No artigo “O jogo do milhão”, publicado na revista Carta Capital de março de 2002, o jornalista Bob Fernandes, revelou a que nível chega essa promiscuidade. Vale a pena reproduzir um trecho da elucidativa matéria:

“Para que se entenda qual é a relação entre poderes constituídos no Brasil, vale uma rápida visita ao gabinete de Civita, no 24º andar do número 7.221, Marginal Pinheiros, São Paulo. O edifício é dos tais inteligentes. Monumental, debruça-se sobre o fétido Rio Pinheiros, uma espécie de divisa entre o primeiro e o quarto mundos: a favela do Jaguaré não muito distante da Abril, a meio caminho da Editora Globo... A mesa de Civita fica diante do aparador. Sobre ele, fotos. A mulher, os filhos, a família. Além dos Civita, mais uma, só mais uma foto. De Fernando Henrique Cardoso.

“Por mais de uma vez, a mais de um amigo, Civita explicou: ‘Pensam que a Abril apóia o programa de governo do Fernando Henrique. A questão está mal colocada. Não é a Abril que apóia o programa do Fernando Henrique. É o Fernando Henrique quem apóia o programa de governo da Abril”.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O filho de FHC e o jornalismo bastardo

A colunista Mônica Bergamo, uma das poucas ainda com alguma isenção na mídia hegemônica, confirmou nesta semana o que todos os jornalistas medianamente bem informados já sabiam: o ex-presidente “Fracassando” Henrique Cardoso teve um filho com a repórter Miriam Dutra, da poderosa TV Globo. Sem especular sobre os motivos desta curiosa revelação, o fato comprova que a imprensa brasileira é mais bastarda do que o filho ocultado há 18 anos por FHC.

Segundo a colunista, o ex-presidente finalmente decidiu assumir a paternidade de Tomas Dutra Schmidt. Ele teria viajado na semana passada para Madri, onde reside Miriam Dutra, para acertar a documentação. Eles tiveram um caso amoroso na década de 90, quando FHC era senador e ela trabalhava na sucursal brasiliense da TV Globo. Deste relacionamento extraconjugal nasceu, em 1991, o menino. Na época, FHC era casado com Ruth Cardoso, com que teve outros três filhos. Em 1992, Miriam Dutra deixou o Brasil, virando “correspondente” da TV Globo em Lisboa. Na sequência, ela se fixou em Madri, permanecendo totalmente “clandestina” na Europa.

As diferenças nos escândalos

Durante anos, o fato foi ocultado pela mídia hipócrita, a mesma que vive esculhambando a vida dos seus adversários políticos. Apenas a revista Caros Amigos desnudou o episódio numa edição de 2001, que teve como manchete: “Por que a imprensa esconde o filho de 8 anos de FHC com a jornalista da Globo?”. Agora, confirmado o caso, a mídia volta a mostrar toda a sua parcialidade. O fato sumiu das manchetes e nem sequer aparece nas telinhas da TV – que atingem milhões de brasileiros. Na prática, a imprensa brasileira continua ocultando o curioso caso extraconjugal.

Bem diferente do comportamento adotado em outros casos – seja quando da separação de Marta Suplicy, ou na podridão contra a filha que Lula teve quando viúvo ou na mais recente campanha midiática contra Renan Calheiros, aliado de Lula, que o retirou da presidência do Senado. Neste último caso, a revista Veja criou a vinheta “Renangate”, estampou a manchete “As revelações de Mônica Veloso” e a chamada “Advogados de Renan apareceram com duas sacolas de dinheiro”. Será que, agora, a revista Veja dará capa para FHC, o amiguinho da famíglia Civita?

“Jornalismo vagabundo” de Josias de Souza

Também já surgem os colunistas de aluguel para abafar o caso. Josias de Souza, o mesmo que usou a estrutura do governo FHC para satanizar o MST, afirmou na Folha que a revelação não tem qualquer relevância. Como contestou o blogueiro Rodrigo Vianna, esta versão é canhestra. “O fato de FHC ter um filho fora do casamento tem relevância porque o filho é com uma repórter da TV Globo, que é concessionária de serviço público e tem influencia nos processos eleitorais”. Para ele, o silêncio da mídia nestes 18 anos revela todo seu poder de manipulação da opinião pública.

“As perguntas que devemos fazer são: por que a TV Globo aceitou ‘esconder’ Miriam Dutra na Europa? O que a Globo ganhou em troca? Como FHC pagava a pensão? Ou não pagava? São questões relevantes, sim, ao contrário do que tentam demonstrar alguns colunistas da (ex) grande imprensa”. No mesmo rumo, o blogueiro Luiz Carlos Azenha postou o artigo intitulado “A cara de pau de Josias de Souza (e o filho de FHC)”. Para ele, o badalado colunista da Folha omite as questões essenciais neste episódio, misturando casos para limpar a imagem do ex-presidente.

Bastardo no Dicionário Aurélio

“Por que a mídia poupou FHC durante 18 anos, se o nascimento do filho era um segredo de Polichinelo? Por que soubemos do filho de Renan Calheiros com uma jornalista quando a criança era bebê, mas do filho de FHC só soubemos ‘oficialmente’ depois de 18 anos? Por que soubemos da suspeita de que uma empreiteira ajudava a sustentar o filho bebê de Renan Calheiros, mas nada soubemos sobre quem pagou as contas do filho de FHC durante 18 anos? Quem pagou para manter o filho e a mãe do filho de FHC exilados na Europa durante 18 anos? FHC comprou o silêncio da mídia? A Globo recebeu vantagens para exilar mãe e filho na Europa? O senador FHC exilou mãe e filho para poder concorrer à Presidência?”, questiona Azenha.

Para ele, o artigo de Josias de Souza sobre o episódio “é um exemplo acabado de jornalismo vagabundo”. Pode-se dizer, também, que é um típico caso de “jornalismo bastardo”. Segundo o Dicionário Aurélio, bastardo, entre outros significados, é o “degenerado da espécie a que pertence”. O termo serve bem para qualificar a imprensa brasileira, que agride todos os padrões éticos do jornalismo, e o próprio FHC, que renegou o seu passado e o seu filho.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Urgência do novo marco regulatório (6)

A efetiva democratização dos meios de comunicação no Brasil passa pela urgência de um novo marco regulatório para o setor. A atual legislação é ultrapassada, datada de 1962, carregada de vícios e não dá respostas aos vertiginosos avanços tecnológicos na área. Além de coibir os monopólios e de regulamentar outros princípios da Constituição de 1988, como o que garante o respeito à pluralidade de opiniões, a nova legislação deve enfrentar os desafios do futuro.

O processo de convergência digital, no qual as multinacionais avançam sobre a mídia, torna este debate ainda mais atual. Hoje é preciso impor regras para evitar a desnacionalização do setor e para garantir a produção e a cultura nacionais. Apesar das restrições do padrão japonês adotado pelo governo, a nova legislação deve regular a implantação da TV e da rádio digital, protegendo o conteúdo nacional e explorando seu potencial na promoção da diversidade e da inclusão social. Não pode depender do resultado da disputa entre as operadoras de telefonia e os barões da mídia.

Disputa entre teles e radiodifusores

“No bojo da convergência tecnológica, o instinto de sobrevivência dos radiodifusores e a ânsia pela entrada no mercado do conteúdo audiovisual das chamadas teles deverão ser a força motriz da mudança na legislação... É preciso garantir que o campo não seja ocupado apenas pela polarização radiodifusores x teles, mas pelo conjunto dos atores que tem propostas para a reformulação legal”, alerta Jonas Valente, integrante do Coletivo Intervozes.

O novo marco regulatório deve fixar políticas públicas que garantam o acesso da população aos avanços tecnológicos. O Brasil ainda está muito atrasado neste campo, seja no acesso à internet, às salas de exibição de cinema ou mesmo à telefonia. “Em 1997, o numero de telefones por 100 habitantes era de 11,7%; em 2004, passou para 29%. Apesar de a telefonia chegar praticamente a todos os 5.484 municípios, nos 5 mil mais pobres ela é a mesma de antes da privatização; 11% ou 7,5 milhões de linhas... Assim, grandes parcelas da população estão excluídas dos avanços tecnológicos. Esse quadro, já amplamente diagnosticado pelo governo Lula, impõe a necessidade de um novo modelo institucional”, que garanta o “adequado equilíbrio entre os sistemas privado, público e estatal” e evite “a concentração da propriedade”, propõe o professor Israel Bayma.

Participação democrática da sociedade

A nova legislação também deveria fixar mecanismos democráticos de controle social dos meios de comunicação. Ignacio Ramonet, diretor do jornal Le Monde Diplomatique, defende a criação de observatórios de mídia nas escolas e espaços públicos para monitorar o que é divulgado. “A informação, como os alimentos, está contaminada. Envenena o espírito, polui nossos cérebros, nos manipula, nos intoxica, tenta instilar em nosso inconsciente idéias que não são nossas”. Daí a urgência de um “quinto poder” fiscalizador. No mesmo rumo, é preciso reativar o Conselho de Comunicação Social, previsto na Constituição, mas que está esvaziado. Há ainda a proposta dos sindicatos de jornalistas da criação dos conselhos de redação, como instrumento de luta da categoria e também como contraponto à manipulação, à censura e à pressão dos donos da mídia.

Como conclui Marcos Dantas, a comunicação passa por aceleradas mudanças. Em curto espaço de tempo, nada será como antes neste setor. A televisão, por exemplo, “não será apenas esta que temos: aberta, unidirecional, oferecida por grandes grupos empresariais e sustentadas pela grande publicidade. A TV poderá ser também local ou comunitária, via internet”. O rumo das mudanças dependerá da correlação de forças na sociedade e da construção de um novo marco regulatório e legal. “Na verdade, o capitalismo desenvolveu essas tecnologias e vai moldando os seus usos, ao seu gosto. Nada impede, porém, que o povo trabalhador possa disputá-las, delas se apropriar e a elas dar novos e mais democráticos rumos”, adverte o professor Marcos Dantas.

Propostas concretas

Para responder aos entraves do passado e aos desafios do futuro, o novo marco regulatório deve fixar, entre outras medidas, as seguintes balizas:

- Deflagrar o debate no Executivo e Legislativo com vistas a regulamentar o setor, tendo como ponto de partida os princípios da Constituição de 1988 e como perspectiva a nova conformação da comunicação decorrente do processo de convergência digital;

- Criação do Conselho Nacional de Comunicação Social, vinculado diretamente à Presidência da República e composto por representantes eleitos dos movimentos sociais, com o papel de órgão regulador do setor; criar congêneres em todos os estados e nos principais municípios brasileiros;

- No processo de convergência digital, garantir espaço no espectro para emissoras de televisão dos movimentos sociais.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Investir na inclusão digital (5)

Criada nos EUA para fins militares e impulsionada pelos circuitos financeiros do capitalismo, a internet tem transformado o mundo das comunicações. Os mais otimistas chegam a falar numa “revolução”, que permitiria a democratização da produção de conteúdos e da sua difusão. Outros, mais cautelosos, apontam que a tendência monopolista do capital já se faz sentir na centralização dos portais da internet, além do que o capital imporá formas de controle. O projeto do senador tucano Eduardo Azeredo, já batizado de AI-5 digital, confirma este perigo, a exemplo do ataques desferidos pelo presidente-terrorista George Bush e pelo fascistóide Nicolas Sarkozy na França.

Independentemente das tendências futuras, a internet já provoca enormes abalos no setor. Vários jornais e revistas perderam tiragens, faliram ou viraram online. A própria linguagem da televisão é afetada por esta nova forma de comunicação, mais ágil e interativa. Muitos protestos políticos, a partir da manifestação contra a globalização neoliberal que paralisou Seattle em 1999, já são convocados por sítios e blogs progressistas. Manipulações da mídia hegemônica são desnudadas na internet. De 1999 a 2006, mais de 47 milhões de blogs entraram no ar. Neles circulam 1,2 milhão de novos artigos por dia, ou 50 mil por hora, escritos por cerca de 35 milhões de pessoas.

Potencialidades e limites da internet

Entusiasta da internet, Bernardo Kucinski afirma que ela “é a maior revolução nas comunicações desde a invenção de Gutenberg. Não admira que tenha reaberto uma nova era de encantamento do ser humano com a comunicação e com a arte de escrever... Na articulação das ONGs e dos movimentos sociais, a internet tem tido papel decisivo, recuperando com grande vantagem o antigo papel atribuído por Lênin à imprensa como ‘organizadora do movimento operário’. Na era da globalização, ela se tornou uma organizadora da cidadania, como expressa o Fórum Social Mundial. Este certamente não teria existido sem a internet. Ela também deu viabilidade técnica ao exercício da democracia direta e acesso direto do cidadão aos serviços do Estado”.

Esta “essência libertária”, porém, pode ser castrada pela exclusão digital, alerta Sérgio Amadeu, outro entusiasta da internet. “Quanto custa se conectar à sociedade da informação? Para acessar a internet, a rede mundial de computadores, é preciso pagar mensalmente um provedor de acesso e o gasto com a conta telefônica. Além disso, é preciso ter um computador que custa mais de mil reais. Em um país com quase um terço da sociedade abaixo da linha da pobreza, gastar algo em torno de 40 reais por mês pelo uso mínimo de conexão e conta telefônica é impossível para a maioria da população. Essa é a nova face da exclusão social”, explica didaticamente.

Banda larga para todos

Para superar este gargalo, ambos concordam que o Estado deve ter papel pró-ativo. Não dá para deixar esta tecnologia nas mãos “invisíveis” do deus-mercado. A inclusão digital deve ser tratada como prioridade pelo Estado, com políticas públicas de universalização deste direito. É urgente regular o setor para universalizar o acesso à internet. O preço da banda larga no Brasil é dos mais elevados no mundo devido à desregulamentação das telecomunicações. Somente 10 milhões de brasileiros têm acesso à banda larga. É preciso também uma política mais ofensiva para baratear os aparelhos, inclusive superando a “ditadura de Bill Gates” através do software livre.

Segundo a PNAD de 2004, apenas 16,6% das residências nacionais tinham computadores. Dados do Ibope de 2007 revelaram que somente 14,1 milhões das residências tinham acesso à internet. “Devemos elevar a questão da inclusão digital e da alfabetização tecnológica à condição de política pública”, defende Sérgio Amadeu. O jornalista Renato Rovai, editor da Revista Fórum, tem levado a bandeira da “banda larga para todos”. Entre outras exigências, a Confecom poderia incluir três pontos essenciais na atualidade:

- Contra o AI-5 digital do senador Eduardo Azeredo (PSDB/MG) e por direitos civis na internet, garantindo um ambiente legal e regulatório que respeito o caráter aberto da rede, o direito à privacidade e às liberdades;

- Universalização do acesso à banda larga como serviço, público, com o uso dos R$ 7,3 bilhões do Fundo de Universalização do Sistema de Telecomunicações (Fust); estímulo aos programas federal, estaduais e municipais de internet gratuita; criação de novos telecentros;

- Garantir a infra-estrutura pública para a banda larga a partir dos parques de fibras óticas da Petrobras, Furnas, Chesf e Eletronet, com a gestão centralizada da Telebrás.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Incentivar as rádios comunitárias (4)

A radiodifusão comunitária é recente no país e já demonstrou o seu enorme potencial na luta pela democratização das comunicações. Ela dá voz a quem não tem voz. Permite que as comunidades “excluídas” expressem seus anseios e reivindicações, divulguem suas criações culturais, prestem serviços à população. Essa experiência no Brasil surgiu no início dos anos 1980, ainda na fase sombria da ditadura militar, e só foi reconhecida legalmente em 1998. Na Bolívia, as rádios comunitárias nasceram na década de 1950 no bojo das greves dos mineiros; já no Chile, elas contribuíram para as vitórias da Unidade Popular, a coalizão socialista de Salvador Allende.

Temendo a sua concorrência, a radiodifusão comunitária é alvo da fúria da mídia hegemônica. Já os governos, sob pressão dos empresários, investem para criminalizá-la. O governo Lula foi até mais realista do que o rei, batendo recordes de perseguição. Segundo a Associação Brasileira das Rádios Comunitárias (Abraço), de 2002 a 2007, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Polícia Federal fecharam mais de 15 mil rádios comunitárias.

No mesmo período, “também foram abertos mais de 20 mil processos e cerca de 5 mil militantes foram condenados judicialmente por tentar exercer o direito de livre expressão”, alerta a Abraço. O atual ministro das Comunicações, Hélio Costa, dono da rádio Sucesso FM, de Barbacena (MG), vetou todos os projetos de avanço neste setor e recrudesceu o fechamento das emissoras.

Burocracia e fisiologismo

Além da repressão, tudo é feito para inviabilizar a legalização da radiodifusão comunitária. A burocracia é infernal, com inúmeros obstáculos administrativos. Estudo feito pelo Sistema de Controle de Radiodifusão, em novembro de 2006, apontou a existência de 13.595 pedidos de rádios comunitárias acumulados no Ministério das Comunicações – três vezes mais do que os 4.400 verificados no início de 2003. José Sóter, dirigente da Abraço, critica os burocratas do ministério, “subservientes à Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e aos interesses dos monopólios da comunicação, e a falta de gente que esteja comprometida com a efetivação do serviço de radiodifusão comunitária como política pública de comunicação”.

Estudo recente, no qual foram pesquisadas 2.205 rádios comunitárias autorizadas pelo Ministério das Comunicações (80,44% do total das legalizadas), ainda aponta para outro grave perigo: o de que estas concessões sejam utilizadas como moeda de barganha, servindo a políticos fisiológicos e credos religiosos. A pesquisa indica que “a maioria das rádios comunitárias funciona no país de forma ‘irregular’ porque não se logrou ser devidamente autorizada; e, entre a minoria autorizada, mais da metade opera de forma ilegal. Entre as 2.205 rádios pesquisadas, foi possível identificar vínculos políticos em 1.106 – ou 50,2% delas... Há, também, um número considerável de rádios com vínculos religiosos: 120 delas, ou 5,4% do total”. Este deformação revelaria a existência de um “coronelismo eletrônico de novo tipo, envolvendo as outorgas de rádios comunitárias”.

Os riscos do padrão digital

Para complicar ainda mais o quadro, o setor passa por um processo de mutação tecnológica para sua digitalização. O Ministério das Comunicações, dominado pelos barões da mídia, já anunciou que prefere o padrão digital dos EUA, o IBOC. Várias rádios foram autorizadas a realizar testes com o novo padrão, criando um fato consumado – sem qualquer consulta à sociedade. Além de ser propriedade de uma única empresa, que cobrará elevados royalties, essa tecnologia ocupa o espectro de forma predatória, fechando espaços para as transmissões. Ele inclusive avança sobre fatias de freqüências ocupadas pelo sistema analógico. Ao encarecer os equipamentos e restringir as transmissões, esse padrão de digitalização poderá asfixiar a radiodifusão comunitária no país.

Ao invés de ser criminalizada, a radiodifusão comunitária deveria ser incentivada pelos poderes públicos. Diante do golpismo da ditadura midiática, ela é uma arma contra-hegemônica decisiva na defesa da democracia. O Estado deveria baratear seus equipamentos e promover oficinas para capacitar os radiodifusores. Mudanças na legislação deveriam garantir o aumento do número de freqüências das emissoras e ampliar o limite da área e o potencial de seu alcance – hoje restrito a um quilometro. A urgente criação de um sistema brasileiro de rádio digital serviria para evitar a monopolização do setor. Além disso, o poder público deveria garantir os meios de sustentação financeira destes veículos, investindo na construção de conteúdos de qualidade e plurais, e criar barreiras para coibir sua apropriação por setores fisiológicos e para garantir o seu caráter laico.

Propostas concretas para o setor

Para agilizar a legalização das rádios, a Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) propõe medidas simples, como a descentralização dos processos de concessão, redução dos prazos de tramitação e zoneamento da radiofreqüência para definir o canal e a potência para cada localidade. Já a Associação Mundial das Rádios Comunitárias (Amarc) propõe mudanças urgentes no marco regulatório.

Entre outros pontos, propõe que “as comunidades organizadas e entidades sem fins lucrativos tenham direito a usar a tecnologia de radiodifusão disponível, tanto analógica como digital”; que “os meios comunitários tenham assegurada sua sustentabilidade econômica, independência e desenvolvimento”, por meio de patrocínios e publicidade oficial; e a criação “de fundos públicos para assegurar o seu desenvolvimento” e de “políticas públicas que desonerem ou reduzam o pagamento de taxas e impostos, incluindo o uso de espectros”.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Redistribuir a publicidade oficial (3)

A publicidade é a principal fonte de recursos da mídia hegemônica. O faturamento com anúncios publicitários, que superou R$ 21,4 bilhões em 2008, garante os investimentos neste setor de alta tecnologia e os lucros dos empresários, reforçando os impérios midiáticos. Nada é dado de graça, como costuma tergiversar a Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert) para se contrapor ao controle público. A exibição “gratuita” do conteúdo é paga pela publicidade e os altos custos de produção e veiculação são repassados ao preço da mercadoria. Além de seduzir o consumidor, o anúncio cumpre o papel ideológico de “vender” um estilo de vida, individualista e consumista.

Para o sociólogo Pedro Hurtado, “a publicidade, à margem da sua finalidade comercial, é pura e dura propaganda do modo de vida e de pensamento inerente à ideologia social predominante na atualidade: o consumismo-capitalismo. A publicidade não apenas vende produtos, mas também impõe um modo de vida, valores morais e culturais, códigos simbólicos e, em definitivo, uma ideologia... O consumismo é uma forma de pensar segundo a qual o sentido da vida consiste em comprar objetos e serviços. Esta forma de pensar se converte na principal ideologia que sustenta o sistema capitalista”.

Tímidos avanços do governo Lula

Se a correlação de forças na sociedade não possibilita, ainda, adotar medidas mais rigorosas de controle da publicidade comercial, o atual estágio das lutas sociais no país já permite, ao menos, rediscutir os critérios de distribuição das verbas publicitárias dos governos. Afinal, este dinheiro é oriundo dos tributos da sociedade. O montante de recursos é expressivo e serve para “alimentar cobras”. Os barões da mídia que abocanham estes recursos públicos são os mesmos que pregam golpes, desestabilizam governos, criminalizam as lutas dos trabalhadores e idolatram o “deus-mercado”. A publicidade oficial reforça a monopolização do setor, quando poderia servir para estimular a diversidade e pluralidade informativas numa sociedade mais democrática.

De forma discreta, o governo Lula promoveu algumas mudanças nesta área. Ele descentralizou a distribuição das verbas oficiais. “Os comerciais do Palácio do Planalto atingiram no ano passado 5.297 veículos de comunicação. O número representa uma alta de 961% sobre os 499 meios que recebiam dinheiro para divulgar propaganda do governo Lula em 2003, quando o petista tomou posse”, resmungou a Folha. A descentralização da publicidade oficial diminuiu o montante abocanhado por poucos barões da mídia. Irritados, eles agora criticam a rotulada “bolsa-mídia de Lula”, afirmando que ela serve para “alimentar a rede chapa-branca do governo”.

Estimular a diversidade informativa

Apesar da gritaria, a administração direta e indireta é uma das maiores anunciantes do país. Os gastos publicitários dos governos FHC e Lula oscilaram entre R$ 900 milhões e R$ 1,2 bilhão. O pico de FHC foi em 2001, com R$ 1,114 bilhão em anúncios; em 2008, o governo Lula investiu R$ 1,027 bilhão. Isto sem contabilizar os custos da produção dos comerciais e os gastos com os patrocínios nas áreas de esporte, cultura e outras – que atingiu R$ 918 milhões em 2008. A soma de publicidade e patrocínio injetou quase R$ 2 bilhões na mídia. Na comparação com a iniciativa privada, o maior anunciante em 2008 foi a Casas Bahia, com R$ 3,2 bilhões; o segundo lugar ficou com a Unilever, dona das marcas Kibon, Omo, Dove e Rexona, que gastou R$ 1,75 bilhão.

Quase a totalidade da publicidade oficial engorda os bolsos dos barões da mídia. O governo Lula nunca teve a coragem para investir em veículos alternativos e estes estão à míngua. Até a revista Carta Capital, que adota uma linha jornalística mais independente, sofre com esta tibieza, como já criticou Mino Carta. A desculpa usada pelo governo é que ele adota critérios mercadológicos, medidos pela audiência e tiragens. Com esta postura aparentemente “neutra”, o governo reforça a monopolização do setor. É urgente redefinir os critérios para a publicidade oficial. Países como a Itália e a França adotam normas legais para incentivar a diversidade e pluralidade informativas, barateando os custos de impressão e garantindo cotas de publicidade para veículos alternativos.

Propostas concretas

O Fórum de Mídia Livre (FML) defende o estabelecimento de critérios democráticos e transparentes de distribuição dos recursos oficiais, e não apenas a partir da reprodução da lógica mercadológica. “O Estado não vende mercadoria, presta serviço publico. O critério de veiculação não deve ser o da circulação, pois este está ligado à lógica da audiência como mercadoria. A mídia comercial vende audiência, isto é, circulação ou pontos de Ibope, remunerando seus fatores de produção em função da receita que o anunciante lhe proporciona devido ao público que pode atingir. Ora, o Estado não precisa se subordinar a tais critérios. O Estado não vende nada, apenas presta contas, logo pode e deve chegar ao cidadão através de muitos canais pelos quais o cidadão se informa”, explica Marcos Dantas, professor da UFRJ e integrante da coordenação executiva do FML.

Duas propostas concretas teriam forte impacto no estratégico quesito publicidade:

- Reserva de no mínimo 20% das verbas da publicidade oficial para os veículos alternativos e comunitários, visando estimular a pluralidade e diversidade informativas e inibir os monopólios;

- Instituição de um comitê de ético, no interior do Conselho Nacional de Comunicação Social, para fiscalizar a publicidade e coibir abusos, em especial contra o público infanto-juvenil;

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Regulamentar as concessões públicas (2)

Desde o início das transmissões de rádio, em 1922, e de televisão, nos anos 1950, o processo de concessão de outorgas às emissoras sempre foi influenciado pelo poder econômico dos donos da mídia e por suas relações promíscuas com o Estado. Concedidas sem qualquer critério objetivo, as outorgas beneficiaram os mesmos grupos empresariais, o que reforçou a propriedade cruzada e a concentração no setor. Nesta longa trajetória monopolista, as redes privadas desrespeitaram as tímidas legislações existentes. Na prática, os barões da mídia exercem uma autêntica ditadura midiática, ficando acima das leis, das normas constitucionais e do próprio Estado de Direito.

A rica experiência internacional

A Constituição de 1988, por exemplo, proíbe a formação dos monopólios, exige a produção de conteúdos regionais, obriga que as emissoras tenham finalidades educativas, culturais e artísticas e determina que elas expressem a diversidade de pensamento na sociedade. Como nunca foram regulamentados, estes princípios progressistas viraram letra morta. O atual processo de outorga e de renovação das concessões, com prazo de 15 anos para as TVs e de dez anos para as rádios, é uma verdadeira caixa-preta. A sociedade não exerce qualquer controle sobre este bem público. O Congresso Nacional, que a partir da Constituição de 1988 virou co-responsável pelas concessões e renovações, não cumpre seu papel, submetendo-se à pressão e chantagem dos barões da mídia.

Qualquer questionamento a estas distorções é tachado como “atentado à liberdade de imprensa” pela mídia hegemônica. Ela omite que vários países exercem o direito democrático, inclusive, de não renovar concessões que ferem sua legislação. Até os EUA, nação badalada pela mídia servil, controlam os seus meios de comunicação de massas. A Administração Federal de Comunicações (FCC) cancelou 141 concessões de rádio e TV entre 1934 e 1987. Em 40 desses casos, ela nem esperou que expirasse o prazo da concessão. Já o governo britânico revogou a licença da OneTV, em agosto de 2006; da StarDate, em novembro de 2006; e do canal de televendas Auctionword, em dezembro de 2006. A Espanha revogou, em julho de 2005, a concessão da TV Católica. E a França cancelou a licença da TF1, em dezembro de 2005, por ela ter negado o Holocausto.

Desrespeito à Constituição e às leis

Na defesa da democracia e da autêntica liberdade de expressão, o país necessita ser mais rigoroso na análise das concessões e renovações das outorgas. É preciso exigir o cumprimento das normas constitucionais e das leis vigentes. Várias redes privadas desrespeitam o limite mínimo de tempo de 5% para o jornalismo e máximo de 25% para a publicidade. Ainda veiculam merchandising, o comercial disfarçado, o que vetado pelo Código de Defesa do Consumidor. A maioria não exibe o conteúdo educativo exigido pelo Constituição; quando exibe é em horários de baixa audiência. O lobby da mídia também procurou sabotar a classificação indicativa, medida essencial para o resguardo do Estatuto da Criança e dos Adolescentes. Num desrespeito à legislação, várias emissoras de rádio e televisão são dirigidas por “laranjas” de políticos com mandato.

Diante destes e outros abusos, é inadmissível que as outorgas e renovações sejam dadas de forma automática, sem consulta à sociedade. Em vários países existem ouvidorias públicas para receber críticas e analisar as concessões; muitos promovem audiências sobre o tema. Em casos extremos, diante do desrespeito às leis, vários governos simplesmente revogam as concessões. A não renovação é um ato democrático, como admite a União Internacional das Telecomunicações (UIT), que “reconhece em toda sua amplitude o direito soberano de cada Estado de regulamentar o setor, devido à importância crescente das telecomunicações na salvaguarda da paz e do desenvolvimento econômico e social”.

Propostas concretas

- Garantir transparência e participação da sociedade no processo de concessão de outorgar e nas renovações das concessões para emissoras de rádio e televisão; instituir audiências púbicas e dar publicidade ao mapeamento do atual estágio de concentração e monopolização do setor;

- Exigir que as empresas de radiodifusão cumpram o fixado no artigo 221 da Constituição, que determina a difusão de conteúdos regionais e de produções independentes. Fixar patamares mínimos de 30% para o cumprimento desta norma constitucional e fixar normas para que a programação tenha finalidades informativas, educativas, culturais e artísticas;

- Instituir novos critérios de outorgas e renovação de concessões para inibir a concentração e a propriedade cruzada; para fomentar a criação de novas empresas de radiodifusão; e para garantir o respeito à diversidade e pluralidade informativas;

- Garantir a vigência do artigo 54 da Constituição, que veda que os eleitos para cargos públicos detenham concessões de radiodifusão; regulamentar a exibição de conteúdos religiosos;

- Garantir o direito de antena, com espaços nas concessionárias públicas de horário gratuito para os movimentos sociais. Aprovação dos projetos de lei dos deputados Vicente de Paula (PT-SP) e Manuela D’Ávila (PCdoB-RS) de criação do horário sindical gratuito.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Fortalecer a rede pública de comunicação

Desde a sua origem, a radiodifusão brasileira adotou o modelo privado made in EUA, diferentemente de várias nações nas quais a rede pública tem forte influência. O caso mais famoso é o da BBC de Londres, que se projetou na II Guerra Mundial, é gerida por um conselho autônomo e produz programas de qualidade. Na França, quatro redes integram o sistema público. Na Alemanha, ARD e ZDF têm 14 emissoras locais e o seu conselho, com 77 membros, reúne partidos e movimentos sociais. Mesmo nos EUA, a PBS possui um conselho independente com 27 membros e congrega 354 retransmissoras. Já a APT, segunda maior rede pública do país, tem um orçamento de US$ 2 bilhões e retransmite a sua programação para 356 emissoras locais.

No Brasil, o modelo público nunca vingou. A única iniciativa mais ousada neste campo ocorreu no governo de Getúlio Vargas com a criação da Rádio Nacional, que teve expressiva audiência. O espectro eletromagnético, um bem público e finito, tornou-se um bem privado dos barões da mídia, autênticos “latifundiários do ar”. No caso da TV, o setor privado detém cerca de 80% das emissoras, 90% da audiência e 95% das receitas publicitárias. Principal veículo de comunicação de massas, sua influência na sociedade é arrasadora. Censo do Ibope de 2005 revelou que 93,1% dos domicílios no país tinham aparelhos de televisão, número superior aos lares com geladeiras. Apontou ainda que 81% dos brasileiros assistem TV diariamente, passando 3,9 horas diárias, em média, presos às telinhas.

Fruto do ascenso democrático, o artigo 223 da Constituição de 1988 fixou a complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. Na prática, porém, nunca houve investimento nos setores não comerciais. Nos anos do neoliberalismo, ainda houve o desmanche do pouco que existia. Em 1995, com a aprovação da Lei da TV a Cabo, as redes privadas foram obrigadas a reservar cinco canais estaduais para o uso do Executivo, Legislativo, Judiciário, um canal comunitário e outro universitário. Mesmo assim, eles padecem da falta de recursos e foram excluídos da TV aberta.

Mudanças no governo Lula

Só após sofrer brutal bombardeio midiático na eleição de 2006, o presidente Lula decidiu investir na construção de uma rede pública nacional de televisão e rádio. A criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que gerencia a TV Brasil, oito emissoras de rádio e uma agência noticiosa, sinalizou uma mudança de postura do governo. Inaugurada em dezembro de 2007, a TV Brasil dá os primeiros passos na construção de uma emissora sem fins lucrativos. Seu conselho curador é presidido pelo economista Luiz Gonzaga Belluzzo; já sua ouvidoria, dirigida pelo jornalista Laurindo Lalo Leal Filho, é um mecanismo de fiscalização da sociedade. Ela também constrói a sua própria rede nacional, fortalecendo as estruturas de 95 emissoras estaduais.

Exatamente por seu papel democratizante, a EBC sofre o cerco dos donos da mídia e ainda corre riscos. Tudo é feito para limitar o seu alcance e asfixiar seu financiamento. Antes mesmo de ser lançada, ela foi alvo de intensa oposição. A Folha de S.Paulo, por exemplo, publicou uma série de artigos para desqualificá-la e seu editorial arrematou: “Lula e o PT querem deixar sua marca particular no telecoronelismo criando um canal do Executivo; a proposta é descabida”. Os ataques visaram confundir os conceitos entre rede estatal e pública, e contaram com a descarada ajuda do ministro Hélio Costa, ex-funcionário da TV Globo e porta-voz dos radiodifusores.

A conquista da TV Brasil

A EBC é uma conquista das forças progressistas na luta contra a ditadura midiática. Ela deve ser fortalecida e aperfeiçoada. Isto não a exime dos problemas, que decorrem da sua própria origem conflituosa no interior do governo e de impasses no seu projeto editorial, entre outras lacunas. Os seus recursos são escassos, menos de 5% na comparação com a receita da Rede Globo, e a TV Brasil sequer é transmitida em canal aberto. Seu conselho curador, indicado pelo presidente Lula, não contempla a diversidade dos movimentos sociais. Estes e outros problemas comprometem a sua autonomia de gestão e de financiamento, marcas que distinguem a rede pública da estatal, e dificultam que ela tenha maior visibilidade na sociedade. Mudanças são necessários e urgentes.

As propostas unitárias apresentadas pelos movimentos sociais no 1º Fórum de TVs Públicas, em maio de 2007, continuam atuais: instalação de um “conselho representativo, plural e autônomo, com maioria da sociedade civil, como instância decisória”; “igualdade de participação e respeito à diversidade (regional, mulheres, negros) no seu conselho”; “fomento à produção independente, ampliando a presença desses conteúdos na sua grade de programação”; maior disponibilidade de “verbas do orçamento público no seu financiamento e proibição da publicidade comercial, mas garantido as produções compartilhadas, o apoio cultural e a publicidade institucional”; “que os canais públicos, que hoje são garantidos pela Lei do Cabo, estejam em sinal aberto”.

Propostas concretas para o setor

Mas o fortalecimento da rede pública não se limita ao papel estruturante da EBC. Outras medidas urgentes são necessárias para reforçar as emissoras educativas e comunitárias, compondo um sistema público de maior envergadura, que dispute a hegemonia com a ditadura do setor privado. Entre elas:

- Regulamentar o artigo 233 da Constituição Federal, que fixa a complementaridade dos sistemas privado, estatal e público de radiodifusão, garantindo um terço do espectro das emissoras para cada setor – a exemplo da “Lei dos Medios” recentemente aprovada na Argentina;

- Criação de um Fundo Nacional de Fomento à Rede Pública e Comunitária, formado a partir dos recursos do Fistel, das verbas carimbadas do Orçamento da União e da taxação da receita em publicidade veiculada nas redes privadas;

- Viabilizar que as TVs públicas e comunitárias sem transmitidas em canal aberto;

- Garantir autonomia de gestão e financiamento para as emissoras públicas, instituindo conselhos formados por representantes eleitos da sociedade para orientar sua programação e conteúdo;

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Propostas democráticas para a Confecom

Na reta final da preparação da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), marcada para os dias 14, 15 e 16 de dezembro, os milhares de participantes das suas etapas municipais e estaduais avançam na construção de propostas concretas para democratizar este setor estratégico. Além do diagnóstico dos danos causados pela ditadura midiática, os envolvidos neste processo pedagógico de discussão formulam idéias de políticas públicas e de regulamentação dos meios de comunicação. Nos próximos dias, apresentarei sete modestas contribuições a este debate.

Elas partem de duas premissas básicas. A primeira é de que a comunicação deve ser encarada como um direito humano essencial na atualidade. Deixada à selvageria do “deus-mercado”, a mídia privada manipula informações e deforma comportamentos, causando inevitáveis danos à sociedade. A segunda é de que a comunicação é um requisito da democracia. Não há como avançar na democracia no país sem democratizar os meios de comunicação. Neste sentido, as propostas procuram unificar o campo popular e democrático em torno de sete exigências:

1- Fortalecer a rede pública de comunicação;

2- Regulamentar as concessões públicas ao setor privado;

3- Adotar políticas públicas de incentivo à radiodifusão comunitária;

4- Instituir um programa nacional de inclusão digital – banda larga para todos;

5- Revisar os critérios da publicidade oficial;

6- Instituir mecanismos de participação democrática da sociedade;

7- Elaborar um novo marco regulatório para o setor.

Batalha de caráter estratégico

A luta por estas e outras demandas é decisiva na atualidade. A batalha pela democratização dos meios de comunicação não comporta ilusões e, muito menos, omissões. Diante do enorme poder da mídia hegemônica, a luta por mudanças profundas neste setor adquire um caráter estratégico. Não haverá avanços na democracia, na mobilização dos trabalhadores por seus direitos e na própria luta pela superação da barbárie capitalista, sem enfrentar e derrotar a ditadura midiática. Hoje, esta batalha comporta três desafios, que se inter-relacionam e se complementam.

O primeiro é o da denúncia da “imprensa burguesa”. Não há como democratizar os veículos sob o comando ditatorial dos Marinhos, Civitas, Frias e demais barões da mídia. Eles serão sempre aparelhos privados de hegemonia do capital. Qualquer ilusão neste campo seria desastrosa para as forças políticas e sociais de esquerda. O segundo desafio é o da construção e fortalecimento de veículos próprios das forças engajadas na luta pela superação de todas as formas de exploração e opressão. Sem construir instrumentos contra-hegemônicos de qualidade não será possível vencer a disputa de idéias, de projetos e de valores numa sociedade tão complexa como a brasileira.

Na contracorrente da lógica capitalista

Estes dois desafios não negam, porém, a urgência de um terceiro: o da luta pela democratização dos meios de comunicação. Na contracorrente da lógica capitalista, é possível erguer barreiras ao poder da mídia burguesa e construir políticas públicas que incentivem a diversidade e pluralidade informativas e culturais, conforme apontam os recentes avanços na América Latina. Neste rumo, a 1ª Confecom, antiga demanda dos movimentos sociais, pode ser uma importante alavanca. Além de envolver amplos setores da sociedade neste debate, num processo pedagógico sem precedente na história, ela pode propor medidas concretas que coíbam a ditadura midiática.

Várias entidades progressistas estão inseridas nesta luta. O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), criado em 1991, nasceu das mobilizações por avanços na Constituição de 1988 e agrega várias entidades. O Coletivo Intervozes, fundado em 2003, reúne militantes com reconhecida capacidade de elaboração. Já o Fórum de Mídia Livre, lançado em março de 2008, articula jornalistas, acadêmicos e veículos progressistas. A Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) e a Federação de Trabalhadores em Empresas de Rádio e Televisão (Fitert) não limitam sua atuação à defesa dos interesses corporativos. Destacam-se, ainda, a Associação Brasileira das Rádios Comunitárias (Abraço) e a Associação Brasileira de Canais Comunitários (Abccom).

Unificar o campo progressista

Os partidos de esquerda também estão se dando conta da importância desta frente de atuação. O PT, que sempre contou com renomados intelectuais da área, realizou em 2008 sua 1ª Conferência Nacional de Comunicação e apontou os caminhos para uma mídia mais democrática. Já o PCdoB aprovou, em novembro de 2007, resolução específica com propostas concretas para o setor. No caso do PSB, vale registrar a corajosa ação da deputada Luiza Erundina; já no PSOL, o deputado Ivan Valente se destaca por suas denúncias das manipulações midiáticas.

Há consenso entre estas forças políticas e sociais de que não basta somente o diagnóstico sobre os efeitos nocivos da mídia hegemônica. Que ela não serve aos anseios dos trabalhadores, a história comprova de maneira cabal. Que ela é altamente concentrada e manipuladora, os fatos também evidenciam. Mais do que diagnosticar, é urgente avançar na formulação de propostas concretas que visem superar esta deformação na sociedade. Neste esforço, algumas proposições adquirem força catalisadora, capaz de unir amplos setores. Nos próximos artigos, apresento sete propostas concretas, não como pacote fechado, mas como uma modesta contribuição ao debate em curso.