domingo, 21 de março de 2010

Sean Penn e as mentiras da mídia nos EUA



Reproduzo matéria publicada no jornal Hora do Povo desta semana:

Durante entrevista com Bill Maher, no programa Real Time, da HBO, o ator e diretor de cinema Sean Penn afirmou que, lamentavelmente, o povo norte-americano não conhece a realidade de América Latina e da Venezuela, em particular.

“Nós, nos Estados Unidos, temos dificuldades para entrar na pele do que tem sido a história da Venezuela, a história da América Latina e de muitos outros lugares. Somos muito monoculturais. Estamos hipnotizados pelos meios de comunicação que só divulgam o que interessa aos grandes interesses econômicos”, afirmou Penn, no dia 10 de março.

“Por exemplo, Hugo Chávez. Quem sabe aqui que ele passou por 14 das eleições mais transparentes do mundo e foi eleito democraticamente em todas elas?”, acrescentou o também produtor de cinema.

Sean Penn assinalou que “dia após dia, este líder eleito pelo seu povo é chamado de ditador aqui, nos principais meios de comunicação. Suas medidas, sua política de inclusão de amplas camadas da população, as melhorias na qualidade de vida dos venezuelanos, a aprovação popular de seu governo não são divulgadas pelos grandes meios de comunicação comerciais”. “Deveria existir um limite para as mentiras dessa mídia”, acrescentou.

Depois de sua primeira visita à Venezuela, em 2007, Penn foi entrevistado no programa The Late Show por David Letterman, onde refutou os argumentos do jornalista sobre o suposto fechamento irregular da RCTV. “Essa rede de televisão incitava constantemente até ao assassinato do presidente, só promovia a desordem na base de mentiras. Se neste país [nos EUA] os dirigentes de qualquer meio de comunicação fizessem a metade do que a RCTV fez, estariam presos”, constatou.

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Sionismo de Israel. Gafe de Lula?

Reproduzo artigo do professor Gilson Caroni Filho, publicado na Agência Carta Maior:


O “incidente diplomático” provocado pela decisão da delegação brasileira de não incluir na agenda do presidente Lula uma visita ao túmulo do criador do movimento sionista precisa ser visto na exata dimensão de seu significado político. E não há dúvidas quanto ao acerto da recusa a um convite feito de última hora. Afinal, o que propõe o sionismo e quais suas implicações para a paz na região conflagrada? Haveria compatibilidade entre a carga simbólica do evento e um posterior encontro com autoridades palestinas?

O jornalismo de programa entrou em ação: censurou os elogios do presidente israelense a Lula, dando destaque a uma suposta gafe, uma recusa inusitada a um ato supostamente protocolar. Comprou a descortesia da extrema-direita de Israel como justa indignação frente a uma diplomacia desastrada. A operação " tempestade no cerrado", denunciada pelo jornalista Mauro Carrara, desconhece fronteiras e senso de medida.

Como já registrei, em artigo escrito com o economista Carlos Eduardo Martins, a incompatibilidade entre sionismo e diálogo democrático não é um dado conjuntural, mas fato de origem. A premissa de Theodor Herzl é que os judeus não podem se fiar na “opinião pública mundial” ou na “comunidade das nações”, que sempre assistiram impassíveis às incontáveis perseguições sofridas pelo seu povo através dos séculos. Os judeus teriam que assegurar sua sobrevivência, como povo e como indivíduos, por seus próprios meios. O que só seria possível com o estabelecimento de seu Estado nacional soberano, para o que Herzl indica a Palestina (então sob domínio turco), local do último Reino de Israel.

É bom lembrar que Herzl foi um ativo militante do movimento sionista na Europa, além de conduzir negociações com a Turquia e o Egito. A ideologia territoralista é excludente. Em momento algum ela advoga pública e explicitamente o extermínio ou a expulsão violenta dos palestinos não-judeus. Mas deixa claro, em seus diários, que eles deveriam ser “persuadidos a se retirarem” por meios econômicos, como o confisco de suas terras e outras propriedades, e a recusa em lhes dar emprego. Ou seja, em instância final, Israel deveria ser o lar exclusivamente dos judeus – e inclusiva e idealmente de todos os judeus do mundo, que só ali teriam assegurada sua sobrevivência.

Herzl tampouco define fronteiras específicas para o Estado judeu, referindo-se genericamente à “Palestina”. Mas, da mesma forma, antevê o caráter necessariamente expansionista de tal Estado, até mesmo para acomodar a desejada imigração em massa. É significativo que, nos documentos oficiais do governo israelense, o território de Israel englobe hoje toda a Palestina, Gaza, Cisjordânia e Golan incluídas.

Embora haja quem afirme que “a origem do Estado de Israel não está na religião”, é óbvio que as propostas de Herzl estão imbuídas da visão toráica de “povo escolhido” (à exclusão de todos os demais) e de “destino manifesto” – de resto não diferentes da professada pelos proponentes do PNAC, Plano para um Novo Século Americano, que norteou o “bushismo” nos Estados Unidos – a começar pela escolha da “Terra Prometida” para lar do Estado de Israel.

Mas o discurso herzliano parece totalmente laico (o que foi desprezado pela “esquerda sionista”, que acedeu em criar Israel como um Estado confessional, vide a Estrela de David em sua bandeira). E seus objetivos, estritamente materiais: terra e poder. Quer seu criador estivesse consciente delas ou não, as implicações da ideologia sionista são inescapáveis. E o jornalista inglês Daniel Finkelstein as explicita: “Assim, quando se pede a Israel que respeite a opinião mundial e confie na comunidade internacional, não se está compreendendo o ponto fundamental. A própria idéia de Israel é uma rejeição dessa opção. Israel só existe porque os judeus não se sentem seguros como tutelados da opinião mundial.”

Daí se depreende inevitavelmente que quaisquer “negociações” ou “acordos” não têm valor para Israel, que os usará, se conveniente, assim como os ignorará se e quando, a seu exclusivo juízo, forem necessários para sua segurança. Finkelstein continua sua explanação sem se dar conta de que explicita o que a propaganda sionista tenta ocultar: “Israel entregará suas armas quando os judeus estiverem em segurança, mas não o fará enquanto não estiverem.” E só a Israel compete dizer se a “segurança” foi alcançada ou não, bem como até onde o Grande Israel terá que se estender até então.

Mas o sionismo não recorreu à comunidade internacional, representada pela ONU, para formalizar a partilha da Palestina e a criação do Estado de Israel? Sim, mas por mero oportunismo, valendo-se da “consciência culpada” dos gentios face ao Holocausto e explorando as tensões geopolíticas entre as antigas potências coloniais européias, Inglaterra (já detentora do “mandato palestino”) e França à frente, Estados Unidos e União Soviética, além da divisão entre os países árabes. E só o fez por constatar que o caminho da violência e do terrorismo não levaria à consecução de seus objetivos.

Portanto, por sua própria origem e seu cerne ideológico, o Estado de Israel se definiu como uma nação que despreza a opinião mundial, não reconhece a comunidade internacional e ignora quaisquer decisões colegiadas que não lhe pareçam convenientes. A "gafe" de Lula demonstra uma inequívoca compreensão do tabuleiro geopolítico do Oriente Médio. Que outras sejam cometidas.

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Omissão do STF favorece radiodifusores

Reproduzo artigo do professor Venício A. de Lima, publicado no Observatório da Imprensa:

Na sexta-feira, 19 de março, completam-se exatos nove meses que a Procuradoria Geral da República (PGR) emitiu parecer sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3944) protocolada pelo PSOL no Supremo Tribunal Federal (STF) em 21 de agosto de 2007. O parecer da PGR é totalmente favorável a ADI e, à época, o relator, ministro Carlos Ayres Brito, informou, por intermédio de sua assessoria, que sua decisão sairia em 30 dias. Até hoje, nem a decisão do relator e, por óbvio, nem o julgamento no plenário do STF aconteceram.

A relevância do tema para o país e a magnitude dos interesses em jogo fizeram com que a escolha do modelo tecnológico para a TV digital brasileira fosse objeto de debate público à época das decisões tomadas pelo governo Lula (2003-2006). No entanto, como costuma acontecer entre nós, quase quatro anos depois, embora não se tenha ainda uma decisão final sobre a legalidade dessas decisões, o assunto praticamente "desapareceu" da agenda pública e se considera "favas contadas" a adoção do modelo japonês.

O que os nossos jornalões estão a noticiar, sem mais, é que o ministro das Comunicações, Hélio Costa, viaja para "vender" a TV digital brasileira (?!) para a América Latina, cujo modelo, aliás, já teria sido adotado por Peru, Argentina, Chile e Venezuela.

De que se trata?

A ADI 3944 sustenta a inconstitucionalidade de quatro artigos (7º, 8º, 9º e 10º) do decreto nº 5.820, de 29 de junho de 2006. O Decreto5.820/2006 é, na verdade, uma continuação do decreto nº 4.901/2003 e, ambos, instituem e definem as regras de implantação do SBTVD, isto é, o sistema brasileiro de televisão digital. Os artigos cuja constitucionalidade se questiona são os seguintes:

Art. 7º Será consignado, às concessionárias e autorizadas de serviço de radiodifusão de sons e imagens, para cada canal outorgado, canal de radiofreqüência com largura de banda de seis megahertz, a fim de permitir a transição para a tecnologia digital sem interrupção da transmissão de sinais analógicos.

§ 1º O canal referido no caput somente será consignado às concessionárias e autorizadas cuja exploração do serviço esteja em regularidade com a outorga, observado o estabelecido no Plano Básico de Distribuição de Canais de Televisão Digital – PBTVD.

§ 2º A consignação de canais para as autorizadas e permissionárias do serviço de retransmissão de televisão obedecerá aos mesmos critérios referidos no § 1o e, ainda, às condições estabelecidas em norma e cronograma específicos.

Art. 8º O Ministério das Comunicações estabelecerá, no prazo máximo de sessenta dias a partir da publicação deste Decreto, cronograma para a consignação dos canais de transmissão digital.

Parágrafo único. O cronograma a que se refere o caput observará o limite de até sete anos e respeitará a seguinte ordem:

I – estações geradoras de televisão nas Capitais dos Estados e no Distrito Federal;

II – estações geradoras nos demais Municípios;

III – serviços de retransmissão de televisão nas Capitais dos Estados e no Distrito Federal; e

IV – serviços de retransmissão de televisão nos demais Municípios.

Art. 9º A consignação de canais de que trata o art. 7o será disciplinada por instrumento contratual celebrado entre o Ministério das Comunicações e as outorgadas, com cláusulas que estabeleçam ao menos:

I – prazo para utilização plena do canal previsto no caput, sob pena da revogação da consignação prevista; e

II – condições técnicas mínimas para a utilização do canal consignado.

§ 1º O Ministério das Comunicações firmará, nos prazos fixados no cronograma referido no art. 8o, os respectivos instrumentos contratuais.

§ 2º Celebrado o instrumento contratual a que se refere o caput, a outorgada deverá apresentar ao Ministério das Comunicações, em prazo não superior a seis meses, projeto de instalação da estação transmissora.

§ 3º A outorgada deverá iniciar a transmissão digital em prazo não superior a dezoito meses, contados a partir da aprovação do projeto, sob pena de revogação da consignação prevista no art. 7o.

Art. 10º O período de transição do sistema de transmissão analógica para o SBTVD-T será de dez anos, contados a partir da publicação deste Decreto.

§ 1º A transmissão digital de sons e imagens incluirá, durante o período de transição, a veiculação simultânea da programação em tecnologia analógica.

§ 2º Os canais utilizados para transmissão analógica serão devolvidos à União após o prazo de transição previsto no caput.


Entre as razões apresentadas pela ADI 3944, acatadas pelo parecer da PGR, vale destacar:

"O artigo 223 da Constituição foi violado de duas formas. A primeira, com a utilização no texto do Decreto, do termo ‘consignação’ para o que é, na verdade, uma concessão. Ou seja, o Decreto, atropelando a competência do Congresso Nacional, concede às emissoras atuais um canal inteiro de 6 megahertz...

A tecnologia digital (...) é uma nova tecnologia. Se ela não acrescentasse uma capacidade maior de produzir informações e programas, tal ‘consignação’, em tese, poderia ser aceita, sob o argumento de que se trataria de uma mera modificação de natureza técnica. Mas trata-se de uma tecnologia que concede, e a palavra é significativa, um espaço ou espectro maior de atuação às emissoras atuais...

Ainda que se considere que a nova tecnologia não implicaria nova concessão, estaríamos, no mínimo, falando em renovação das concessões existentes. Perceba-se que a ‘migração’ estabelece prazos e condições às concessionárias...

Num canal de 6 megahertz, várias programações podem ser transmitidas simultaneamente, no que se convencionou denominar multiprogramação. Ao ‘consignar’ às emissoras um canal com tamanha capacidade, está-se, paralelamente, impedindo a entrada de outros atores na programação. Ao invés de se ampliarem as possibilidades de ingresso de outros canais, incluindo novas emissoras e permitindo acesso a programações variadas (...) tem-se uma verdadeira outorga de espaço maior às concessionárias que já atuam no mercado. O que provavelmente ocorrerá é o que a norma constitucional visa a impedir: o oligopólio, ou, melhor dizendo, um aprofundamento do oligopólio já existente.


Quem ganha e quem perde

Logo depois da assinatura do Decreto nº 5.820 escrevi neste Observatório que “uma das maneiras de se identificar os interesses em jogo em determinada decisão é verificar como se manifestam sobre ela os principais atores envolvidos ou seus representantes. No caso da adoção pelo Brasil do modelo japonês para a TV digital, não poderia haver clareza maior sobre quem ganhou e quem perdeu ou sobre quais, de fato, foram os interesses atendidos”.

Basta consultar agora a lista dos amicus curiae aceitos para apresentar suas razões no julgamento ainda a ser feito pelo STF para se constatar a verdade dessa afirmação.

O que sempre esteve em jogo é a oportunidade ímpar para se democratizar o mercado brasileiro de televisão. A opção feita pelo Decreto nº 5.820 favorece inquestionavelmente aos atuais concessionários deste serviço público e impede a ampliação do número de concessionários. Contraria, portanto, o princípio da “máxima dispersão da propriedade” (maximum dispersal of ownership), vale dizer, da pluralidade e da diversidade.

Mais do que isso: o Decreto 5.820/2006 impede a extensão da liberdade de expressão a um maior número de brasileiros que, a não ser acatada a ADI 3944, continuará sendo exercida prioritariamente por aqueles poucos grupos que controlam a grande mídia e equacionam liberdade de expressão com sua liberdade de imprensa.

Às vésperas da assinatura do Decreto 5.820/2006, a Frente Nacional por um Sistema Democrático de Rádio e TV Digital, que reunia cerca de 40 entidades, divulgou um manifesto que terminava com a afirmação: "O governo estará cometendo um erro histórico, que não poderá ser revertido nas próximas décadas".

Quanto mais tempo demorar a decisão do STF sobre a ADI 3944, mais o Decreto 5820/2006 se tornará "irreversível". É urgente, portanto, que o STF faça o julgamento e, sobretudo, tome uma decisão que evite a confirmação deste "erro histórico".

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A crise da imprensa é ética

Reproduzo artigo do sociólogo Emir Sader, publicado na Agência Carta Maior:

Chovem os artigos na imprensa internacional sobre a crise da imprensa, enquanto crescente numero de jornais fecham, despedem jornalistas, diminuem suas tiragens. Os diagnósticos, ao serem feitos, em grande medida por pessoal ligado a essa imprensa, não conseguem sair do rame rame usual: a difusão da internet grátis, dos jornais grátis, etc., etc., seriam os responsáveis. Será?

Mas um artigo, desta vez da prestigiosa publicação norteamericana The Nation – “How to save jornalism?”, de John Nichols e Robert W. McChesney, de 25 de janeiro deste ano – aponta para um diagnóstico um pouco diferente. Em primeiro lugar, classifica o jornalismo como um “bem público”, considerando que deveria ser considerado da mesma forma que se considera a educação, saúde pública, o transporte, a infra estrutura.

Considerado dessa maneira, o fato de ser financiado por publicidade já desvia ou deforma esse caráter público, porque a publicidade visa interesses privados, venda de mercadorias, prestação de serviços na esfera privada. Essa concepção remeteria ao tema do financiamento público da imprensa.

Quanto ao diagnóstico que aponta para a difusão da internet, os autores recordam que a crise começou muito antes, já nos anos 1970, apontando para a busca de maximização dos lucros pelas grandes corporações, que foram tornando as mídias empresas como outras quaisquer de seu imenso leque de investimentos, tendo como resultado, entre outros, a diminuição da qualidade e a banalização do jornalismo, cada vez mais longe de ser um bem público.

As propostas atuais de tentativa de superação da crise financeira apontam normalmente para o pagamento das páginas de internet, dado que a publicidade nestas representa um ganho de 10% do que se perde nas publicações impressas. No entanto, apenas um ou outro jornal que acredita na sua capacidade de manter audiência sendo pago – como o The Wall Street Journal – se arriscam nessa direção. Ainda assim é duvidoso que possam arrecadar uma proporção minimamente significativa do que perdem com a diminuição da tiragem e, principalmente, com a retração da publicidade, canalizada para outros meios.

Na realidade a crise da imprensa é a da perda de credibilidade, é uma crise ética, de sua transformação em um instrumento da publicidade, do ponto de vista econômico, e da sua constituição em mentor político e ideológico da direita.

Os dados, publicados recentemente, demonstram como todos os grandes jornais brasileiros perdem leitores, mas, sobretudo, perdem influência. Embora todos os maiores jornais e quase todas as revistas semanais – à exceção da Carta Capital – sejam de férrea oposição ao governo, este mantêm 83% de apoio e eles conseguem apenas 5% de rejeição do governo. Temos aí uma idéia da baixíssima produtividade desses órgãos de oposição.

Jornais progressistas como La Jornada, do México, Página 12, da Argentina, Público, da Espanha, que gozam de alta credibilidade, se consolidam e se expandem, tendo páginas abertas amplamente visitadas. Seu patrimônio é sua ética social, suas posições políticas democráticas, o espírito pluralista dos seus comentaristas, a originalidade da suas coberturas jornalísticas.

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sábado, 20 de março de 2010

O futuro da mídia progressista nos EUA

Reproduzo artigo de Don Hazen, da AlterNet (com tradução de Katarina Peixoto), analisando o crescimento e os desafios da mídia alternativa nos Estados Unidos:


Enquanto o establishment jornalístico, e mesmo progressista, como Bob McChesney e John Nichols, lutam pelo que resta do declínio dos anúncios dirigidos ao jornalismo corporativo, os ativistas e jornalistas Tracy Van Slike e Jessica Clark escolheram contar uma história diferente, mais positiva, sobre o futuro da mídia nos EUA.

No seu livro “Além da câmara de eco: reformulando a política através das redes de mídia progressista” [Beyond the Echo Chamber: Reshaping Politics Throug Networked Progressive Media] (New Press), os autores nos levam a uma jornada pela relativamente recente (dos últimos oito anos para cá) surgimento da mídia progressista e independente. A conclusão a que chegam é inegável: sob qualquer ponto de vista, o que conhecemos por mídia progressista e netroots alcança um público muito maior – milhões de pessoas todos os dias - e está decididamente mais influente do que nunca.

Antigamente seria considerado um grande sucesso se uma revista progressista obtivesse mais de 200 mil assinantes por mês. Mas hoje há dúzias ou mais de blogs, revistas e sites de notícias online que têm mais de 1 milhão de leitores únicos por mês. A recém formada rede AdProgress, fundada por AlterNet, The Nation e Mother Jones, a qual se juntaram American Prospect , The New Republic e outros têm mais de um milhão de leitores. E, a propósito, a mídia progressista não está em crise, principalmente porque não depende de uma única fonte de receita – os anúncios -, como acontece à mídia corporativa; em vez disso, é frequentemente financiada por uma mistura de subvenções, doações de leitores, vendas de anúncios e lista de parceiros do vasto setor do ativismo não lucrativo.

Lideradas por fazedores de mídia criativa agressiva, como Robert Greenwald, da Brave New Films, Markos Moulitsas do The Daily Kos, Jane Hamsher do FireDogLake, John Byrne da Raw Story e Mark Karlin da BuzzFlash, a nova mídia progressista usa uma série de estratégias e táticas muitíssimo mais agressivas e orientadas para o ativismo do que o pequeno universo das revistas impressas que dominaram a mídia progressista por longo período (Heck, a Revista da The Nation, tem 145 anos).

Mas, antes que o establishment da mídia progressista se tornasse tão convencido do seu papel, há ainda fraquezas maiores e nuvens negras no horizonte. Clark e Van Slyke não se esquivam dos obstáculos, dedicando a melhor metade do livro a analisar os desafios do futuro com histórias de sucesso e promovendo modelos de redes sociais e colaboração que eles acham que podem fortalecer a influência recém desoberta da mídia progressista.

O que é mídia progressista?

A mídia progressista é feita por um vasto conjunto de entidades de todos os tamanhos e formatos. Mas, com larga vantagem, sua maior audiência é online.

A mídia progressista é ideologicamente diversa, indo do liberal ao radical. Grosso modo, as milhares de pessoas que fazem mídia progressista acreditam em tornar o mundo um lugar melhor através dos seus esforços midiáticos. Elas estão lutando por uma sociedade mais igualitária e justa, pela democratização da informação, pela transparência no exercício do poder público e pela defesa de questões sociais, cobrando responsabilidades e prestações de contas aos responsáveis (para falar de alguns dos valores que os progressistas cultivam). Muitas das entidades de mídia progressista praticam o jornalismo de opinião e a reportagem investigativa, enquanto outras estão muito mais voltadas para a agitação e propaganda altamente bem sucedidas, organizando táticas para chamar a atenção para questões e causas.

E o termo progressista é um balaio de gatos. Há muitas diferenças entre esses grupos, na filosofia, no tipo de jornalismo praticado, na orientação ideológica e na estrutura de negócios. Algumas dessas diferenças podem não ser tão significantes para um não-iniciado, mas dentre os praticantes dessas mídias há alguns que merecem ser anotados. Por exemplo, há um abismo entre o imensamente visitado Huffington Post e entidades menores, com foco mais restrito, como o Grit TV de Laura Flander, ou o ColorLines Magazine, ou ainda a reunião de alguns em portais de mídia progressista, como Mother Jones Magazine, The Nation e o influente programa de rádio e tevê de Amy Goodman, Democracy Now!. O Huffington Post, que tem dez vezes mais visitação que os restantes (com exceção do Salon.com) está na liderança das mídias com visão progressista, desfrutando de uma equipe de qualidade escrevendo, e da voz influente de sua fundadora, Arianna Huffington.

A genialidade do Huffington Post é que, virtualmente, todo comentarista liberal progressista com algo a dizer ou uma idéia a comunicar sente que precisa “blogar” no “Huff Po”, embora muita gente termine levando seus textos para o site, fazendo com que muito conteúdo fique disperso e seja perdido. Ainda, o Huffington Post é a carteira de uma grande quantidade notícias sobre celebridades, fofocas e coberturas desse tipo, como as infames votações em que leitores podem escolher o “mais engraçado de Hollywood” ou o melhor decote na entrega do prêmio Globo de Ouro. Não surpreendentemente, essas coisas são sempre muito populares.

Embora a influência da mídia progressista seja crescente e a sua audiência, maior do que nunca (eles chegam até a terem representação na TV corporativa, como é o caso de Rachel Maddow, Keith Olbermann e Ed Schulz), a defesa justificável em Beyond the Echo Chambers não é toda a história. O fechamento recente da rádio Air America nos lembra que nem tudo vai bem no universo da mídia progressista. De fato, há vários problemas fundamentais muito similares [nos veículos dessa mídia], em termos de um futuro de longo prazo.

A primeira questão é a demografia. Embora haja algumas pequenas organizações de mídia tocadas por pessoas negras, a imensa maioria das organizações midiáticas com recursos tem audiência predominante de pessoas brancas, bem-educadas, quase sempre com mais de 60% de homens, com idades que abarcam a geração baby boomer [nascidos entre 1945-63]. Isso reflete a maioria da audiência que segue mais de perto as notícias da mídia corporativa, e a mídia de direita conservadora. Esse fato demográfico é o que se expressa na visitação de blogs, revistas
de opinião e em sites de notícias. As consequências são duplas.

Primeiro, a mídia progressista, a despeito de seus valores, reflete o universo masculino branco. (Há exceções óbvias de lideranças de audiência, como Katrina vanden Heuvel, na The Nation, e o time editorial feminino de Monika Bauerlein e Clara Jeffries no Mother Jones, enquanto o Women's Media Center – Centro de Mídia da Mulher -, sob a nova direção de Jehmu Greene trabalha para melhorar a situação de um longo período de desequilíbrio quando se trata de articulistas mulheres.

A esmagadora brancura não é um valor progressista; uma falta de diversidade embaraça a mídia progressista há décadas, como nas questões de classe, dado que a mídia progressista tem sido sempre o lar de elites, em sua maioria altamente educadas. Clark e Van Slyke enfrentam esse desafio no capítulo inteligentemente intitulado “Pale, Male and Stale” (Pálido, Masculino e Batido). Focando sempre o lado positivo das coisas, os autores citam o crescimento da vida online da comunidade afro-americana, com alguns blogs populares. Então, há campanhas altamente bem sucedidas da Color of Change [Organização cujo slogan é mudando a cor da democracia, em inglês]. No ano passado, a organização lançou uma campanha contra a cobertura racista da Fox News, pressionando dezenas de anunciantes a abandonarem o programa de Glenn Beck e o ranço diabolicamente racista do demagogo favorito de Rupert Murdoch. E,liderados por Roberto Lovato, um veterano da mídia progressista, a www.presente.org instrumentalizou a pressão para que o programa do anti-imigrante Lou Dobbs saísse do ar.

Essas conquistas dão uma dimensão da influência do setor progressista e da sua estratégia sofisticada nas questões de raça. Mas elas também sugerem que há uma mistura fundamental entre várias organizações e táticas de mídia online, que borram as fronteiras entre o jornalismo e o puro ativismo. Se essa mudança é o melhor para a evolução da mídia progressista é um debate que eu deixo para depois, mas é claramente verdade que os nossos maiores sucessos foram alcançados via esforços que muitos não chamariam de jornalismo, ou mesmo mídia, mas uma nova forma de organização que usa os dispositivos da mídia na internet.

Um segundo desafio é o financiamento. Embora a mídia progressista vá melhor das pernas do que a mídia corporativa, porque não é dependente de anúncios, ela nunca foi bem financiada por fundações ou indivíduos ricos (embora a sobrevivência de veículos mais antigos da mídia progressista dependam da lealdade e da estada no poder de alguns doadores individuais-chave). E isso que a grande recessão só está encolhendo as doações das fundações.

Um caso de grande sucesso em financiamento é a história do Media Matters, que acompanha as transgressões da mídia corporativa e de direita. Empreendimento importante na mídia ecológica em geral, Media Matters beneficiou-se muito de doações de parte da Democracy Alliance, um grupo de doadores progressistas com muito dinheiro.

Mas, no maior financiamento pessoal recente de mídia independente, as bilionárias Herb e Marion Sandler escolheram criar o ProPublica, com 10 milhões de dólares por ano, pondo um ex-editor do Wall Street Journal ao custo de 550 mil dólares por ano. Propublica tende a ser fóbico quanto a todas as coisas progressistas.

Propublica emprega alguns bons jornalistas e produz um trabalho de qualidade. Mas a organização é constituída no antigo modelo de: “produzir trabalho investigativo e, de alguma maneira, magicamente, o problema descoberto será resolvido”. Falta-lhes investimento substancial em marketing, promoção e organização na internet. Todos esses elementos são essenciais para que se consiga uma mudança política numa era dominada por milhares de lobistas e de relações públicas propagandistas e centenas de milhões de dólares protegendo o interesse de todo e qualquer interesse imaginável.

O terceiro desafio é provavelmente o mais fundamental. A despeito desses sucessos recentes, a mídia progressista ainda não está pronta para chegar aonde pode travar uma batalha real com a mídia de direita. Muitos estão familiarizados com o poder da Fox e de Rupert Murdoch, com a imensa audiência de Rush Limbaugh e dezenas de outros jogadores de direita. E há muito mais direitosos online e nas revistas.

Os conservadores sempre investiram muito dinheiro na mídia e nas comunicações, enquanto muito do dinheiro progressista se destina a uma miríade de questões da preferência de doadores individuais. É como se eles de alguma maneira contassem com a mídia establishment para fustigar a mídia de direita. Bem, nós sabemos como isso tem funcionado. Muitas questões liberais são recepcionadas por conservadores, e negligenciadas por uma aparentemente super tímida administração Obama.

Uma série de números ilustra o problema. Enquanto progressistas vibram felizes com o sucesso da MSNBC e de Rachel Maddow, e cada vez mais estejam grudados na tevê todas as noites, o domínio continuado da Fox News, na tv a cabo é acachapante. Eis os números da audiência comparados no dia 27 de janeiro, quando Obama falou à nação, de acordo com o site TV by the Numbers: Bill O'Reilly marcou 4.067 000 espectadores, Glenn Beck alcançou 3.140 000 espectadores, e Sean Hannity obteve 3. 636 000 espectadores – audiências gigantescas, aproximadamente três vezes o tamanho de Keith Olbermann (1. 159 000 espectadores) e Rachel Maddow (883 000 espectadores). Clark e Van Slyke tratam do problema no capítulo “Luta contra a Direita”, destacando o sucesso da Brave New Films perturbando a Fox News. Mas, como sabemos muito bem, a avassaladora mídia Murdoch continua a bradar, chafurdando na lama.

O capítulo 8 do livro "Além da câmara de eco", intitulado “Assembléia do coro progressista”, analisa as características do trabalho do FireDogLake e inclui elementos de uma entrevista comigo, na qual tento descrever o pensamento por trás da AlterNet.org. Se você quiser uma visão compreensiva de muitas mídias progressistas bem sucedidas ao longo dos últimos oito anos, por favor compre uma cópia de Beyond the Echo Camber. Há desafios imensos pela frente, os quais
Van Slyke e Clark conhecem muito bem. Porém, os autores insistem que há muito mais resultado em construir alternativas e, usando as novas ferramentas online – Facebook, Twitter e muitas outras – os progressistas podem se mover para um estágio de luta de longo prazo por uma sociedade melhor.

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Cuba, Israel e a dupla moral da mídia

Reproduzo artigo de Breno Altman, jornalista e diretor do sítio Opera Mundi:


Tem sido educativo acompanhar, nos últimos dias, a cobertura internacional dos meios de comunicação, além da atitude de determinadas lideranças e intelectuais. Quem quiser conhecer o caráter e os interesses a que servem alguns atores da vida política e cultural, vale a pena prestar atenção ao noticiário recente sobre Cuba e Israel.

Na semana passada, em função de declarações do presidente Lula defendendo a autodeterminação da Justiça cubana, orquestrou-se vasta campanha de denúncias contra suposto desrespeito aos direitos humanos na ilha caribenha. Mas não há uma só matéria ou discurso relevante, nos veículos mais destacados, sobre como Israel, novo destino do presidente brasileiro, trata seus presos, suas minorias nacionais e seus vizinhos.

Vamos aos fatos. No caso cubano, Orlando Zapata, um pretenso “dissidente” em greve de fome po r melhores condições carcerárias, preso e condenado por delitos comuns, foi atendido em um hospital público por ordem do governo, mas não resistiu e veio a falecer. Não há acusação de tortura ou execução extralegal. No máximo, insinuações oposicionistas de que o atendimento teria sido tardio – ainda que se possa imaginar o escândalo que seria fabricado caso o prisioneiro tivesse sido alimentado à força.

Mesmo não havendo qualquer evidência de que a morte do dissidente, lamentada pelo próprio presidente Raúl Castro, tenha sido provocada por ação do Estado, os principais meios e agências noticiosas lançaram-se contra Cuba com a faca na boca. Logo a seguir o Parlamento Europeu e o governo norte-americano ameaçaram o país com novas sanções econômicas.

Indústria do martírio

Outro oposicionista, Guilherme Fariñas, com biografia na qual se combinam muitos atos criminosos e alguma militância anticomunista, aproveitou o momento de comoção para também declarar-se em jejum. Apareceu esquálido em fotos que rodaram o mundo, protestando contra a situação nos presídios cubanos e reivindicando a libertação de eventuais presos políticos. Rapidamente se transformou em figura de proa da indústria do martírio mobilizada pelos inimigos da revolução cubana a cada tanto.

O governo ofereceu-lhe licença para emigrar a Espanha e lá se recuperar, mas Fariñas, que não está preso e faz sua greve de fome em casa, recusou a oferta. Seus apoiadores, cientes de que a constituição cubana determina plena liberdade individual para se fazer ou não determinado tratamento médico, o incentivam para avançar em sacrifício, pois não será atendido pela força até que seu colapso torne imperativa a internação hospitalar. Aliás, para os propósitos oposicionistas, de que grande coisa lhes valeria Fariñas vivo?

O presidente Lula tornou público, a seu m odo, desacordo com a chantagem movida contra o governo cubano. Talvez fosse outra sua atitude, mesmo que discreta, se houvesse evidência de que a situação de Zapata ou Fariñas tivesse sido provocada por ato desumano ou arbitrário de autoridades governamentais. Para ir ao mérito do problema, comparou a atitude dos dissidentes com rebelião hipotética de bandidos comuns brasileiros. Afinal, ninguém pode ser considerado inocente ou injustiçado porque assim se declara ou resolva se afirmar vítima através de gestos dramáticos.

O silêncio da mídia

Sem provas bastante concretas que um governo constitucional feriu leis internacionais, é razoável que o presidente de outro país oriente seus movimentos pela autodeterminação das nações na gestão de seus assuntos internos. O presidente brasileiro agiu com essa mesma cautela em relação a Israel, país ao qual chegou no último dia 14, apesar da abundância de provas que compro metem os sionistas com violação de direitos humanos.

Mas as palavras de Lula em relação a Cuba e seu silêncio sobre o governo israelense foram tratados de forma bastante diversa. No primeiro caso, os apóstolos da democracia ocidental não perdoaram recusa do mandatário brasileiro em se juntar à ofensiva contra Havana e em legitimar o uso dos direitos humanos como arma contra um país soberano. No segundo, aceitaram obsequiosamente o silêncio presidencial.

A bem da verdade, não foram apenas articulistas e políticos de direita que tiveram esse comportamento dúplice. Do mesmo modo agiram alguns parlamentares e blogueiros tidos como progressistas, porém temerosos de enfrentar o poderoso monopólio da mídia e ávidos por pagar o pedágio da demagogia no caminho para o sucesso, ainda que ao custo de abandonar qualquer pensamento crítico sobre os fatos em questão.

Um observador isento facilmente se daria conta que, ao contrário dos eventos em Cuba, nos quais o desfecho fatal foi produto de decisões individuais das próprias vítimas, os pertinentes a Israel correspondem a uma política deliberada por suas instituições dirigentes.

Sionismo e direitos humanos

A nação sionista é um dos países com maior número de presos políticos no mundo, cerca de onze mil detentos, incluindo crianças, a maioria sem julgamento. Mais de 800 mil palestinos foram aprisionados desde 1948. Aproximadamente 25% dos palestinos que permaneceram em territórios ocupados pelo exército israelense foram aprisionados em algum momento. As detenções atingiram também autoridades palestinas: 39 deputados e nove ministros foram seqüestrados desde junho de 2006.

Naquele país a tortura foi legitimada por uma decisão da Corte Suprema, que autorizou a utilização de “táticas dolorosas para interrogatório de presos sob custódia do governo”. Nada parecido é sequer insinua do contra Cuba, mesmo por organizações que não guardam a mínima simpatia por seu regime político.

Mas o desrespeito aos direitos humanos não se limita ao tema carcerário, que é apenas parte da política de agressão contra o povo palestino. A resolução 181 das Nações Unidas, que criou o Estado de Israel em 1947, previa que a nova nação deteria 56% dos territórios da colonização inglesa na margem ocidental do rio Jordão, enquanto os demais 44% ficariam para a construção de um Estado do povo palestino, que antes da decisão ocupava 98% da área partilhada. O regime sionista, violador contumaz das leis e acordos internacionais, hoje controla mais de 78% do antigo mandato britânico, excluída a porção ocupada pela Jordânia.

Mais de 750 mil palestinos foram expulsos de seu país desde então. Israel demoliu número superior a 20 mil casas de cidadãos não-judeus apenas entre 1967 e 2009. Construiu, a partir de 2004, um muro com 700 q uilômetros de extensão, que isolou 160 mil famílias palestinas, colocando as mãos em 85% dos recursos hídricos das áreas que compõem a atual Autoridade Palestina.

Pelo menos seiscentos postos de verificação foram impostos pelo exército israelense dentro das cidades palestinas. Leis aprovadas pelo parlamento sionista impedem a reunificação de famílias que habitem diferentes municípios, além de estimular a criação de colônias judaicas além das fronteiras internacionalmente reconhecidas.

Dupla moral

São, essas, algumas das características que conformam o sistema sionista de apartheid, no qual os direitos de soberania do povo palestino estão circunscritos a verdadeiros bantustões, como na velha e racista África do Sul. O corolário desse cenário é uma escalada repressiva cada vez mais brutal, patrocinada como política de Estado.

Mas os principais meios de comunicação, sobre esses fatos, se calam. Também mudos ficam os líderes políticos conservadores. Nada se ouve tampouco de alguns personagens presumidamente progressistas, sempre tão céleres quando se trata de apontar o dedo acusador contra a revolução cubana.

Talvez porque direitos humanos, a essa gente de dupla moral, só provoquem indignação quando seu suposto desrespeito se volta contra vozes da civilização judaico-cristã, da democracia liberal, do livre mercado, do anticomunismo. Não foi sem razão que o presidente Lula reagiu vigorosamente contra o cinismo dos ataques ao governo de Havana.

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Palhares aponta os objetivos da Altercom

Reproduzo abaixo entrevista com Joaquim Palhares, diretor da Agência Carta Maior, publicada no sítio do Observatório do Direito à Comunicação:


Em conjunto com vários empreendedores da comunicação, o diretor da Agência Carta Maior (publicação eletrônica multimídia que nasceu por ocasião da primeira edição do Fórum Social Mundial, em 2001), Joaquim Ernesto Palhares, contribuiu com a fundação recente da Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da Comunicação (Altercom), realizada em 27 de fevevereiro, durante seminário em São Paulo.

O grupo que criou a Altercom vem se organizando mais concretamente desde o ano passado, a partir da 1ª Conferência Nacional de Comunicação. Insatisfeitos com as associações que representam os empresários da mídia, como a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ), o coletivo resolveu se articular para criar uma entidade que defenda os interesses do campo da mídia progressista.

Além da participação de empresas, a Altercom conta também com a presença de empreendedores individuais, como os blogueiros Luiz Carlos Azenha (Viomundo), Rodrigo Vianna (Escrevinhador), Marcelo Salles (Fazendo Media), Eduardo Guimarães (Cidadania.com) e Marco Aurélio Weissheimer (RS Urgente).

O que motivou a criação da Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores de Comunicação?

A necessidade de contar com uma entidade que defenda os interesses politicos e econômicos das empresas e empreendedores do campo da mídia progressista. As entidades que representam as grandes empresas de comunicação (como ABERT e ANJ) defendem fundamentalmente os próprios interesses.

Quais são os objetivos centrais da associação?

A entidade terá como objetivo defender interesses políticos e econômicos das empresas e empreendedores de comunicação comprometidos com os princípios da democratização do acesso à comunicação, da pluralidade e da liberdade de expressão. Entendemos que, quanto mais proprietários e empreendimentos de comunicação houver no país, maior será a liberdade de expressão: essa é uma das idéias centrais que anima a criação da Altercom, que defenderá também critérios mais claros e justos na aplicação de verbas públicas em publicidade.

A associação já tem pautas de trabalho prioritárias?

As prioridades agora são organizativas: elaborar a Carta de Princípios, o estatuto da entidade e conseguir novas adesões pelo país.

Quem está participando da iniciativa e quem poderá participar?

O seminário de fundação da entidade, realizado dia 27 de fevereiro, em São Paulo, contou com a presença de cerca de sessenta empresários e uma dezena de convidados especiais. A Altercom deverá reunir editoras, sites, produtoras de vídeo, de rádio, revistas, jornais, blogueiros, agências de comunicação e tantos outros que não se sentem representados pelas entidades que defendem os interesses da Abril, Globo, Folha, Estadão, entre outros grandes grupos.

A ideia é organizar os gestores dos veículos de comunicação ou também seus trabalhadores?

Ambos. A idéia é estimular a participação e o compartilhamento tanto na produção de conteúdos quanto na discussão sobre os problemas que são comuns.

O grupo que está fundando a associação participou da Confecom. Consideram que tiveram vitórias no processo?

A própria criação da Altercom representa uma grande vitória. As primeiras reuniões que discutiram a necessidade de uma entidade como essa iniciaram ainda nas conferências estaduais preparatórias e ao longo da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), no final de 2009. A partir daí, conseguimos construir um entendimento comum em torno da criação de uma entidade alternativa cujos objetivos e compromissos não são coincidentes com aqueles da grande mídia.

Qual a principal diferença da iniciativa do Fórum de Mídia Livre?

Não há grandes diferenças do ponto de vista dos princípios que as duas iniciativas defendem. O Fórum representa um ator importante na luta pela democratização dos meios de comunicação e pelo fortalecimento da mídia livre. Ele propôs um debate que não se limita à reivindicação por critérios democráticos na distribuição de verbas públicas para o setor de comunicação. Há uma dimensão política nesta disputa que envolve um enfrentamento com fortes estruturas de poder político e econômico ligadas ao grande capital financeiro. A Altercom representa uma iniciativa operacional nesta direção.

O que se pretende propor em relação ao financiamento dos veículos alternativos, que se configura como um dos principais desafios para eles?

No terreno econômico, a associação defenderá, entre outras coisas, uma regulamentação mais justa e clara das verbas públicas de publicidade, de modo a estimular a diversidade de opiniões existente na sociedade brasileira. Além disso, procurará articular pequenos e médios empresários e empreendedores do setor para disputar também parte da verba dos anunciantes privados. A Altercom pretende ainda abrir espaço para centenas de empreendedores individuais, grande parte deles blogueiros, espalhados por todo o país.

Existe alguma intenção de se criar algum novo veículo de comunicação ou algum agregador de conteúdos dos que se juntarem à Associação?

No momento não há nenhuma proposta neste sentido. Talvez no futuro.

Na sua avaliação, existe uma comunicação alternativa forte no Brasil hoje? Se não, quais os motivos principais que contribuem para o atual quadro?

Comparando com a grande mídia tradicional, a rede de comunicação alternative ainda é fraca, mas seu poder vem crescendo enormemente e já não pode ser ignorado. Há fortes indícios que apontam para a perda de influência da mídia tradicional, especialmente no caso dos jornais impressos. Por outro lado, vem crescendo a capacidade de sites, portais e blogueiros independentes influírem no debate público do país. E tudo indica que esse poder cresce a cada dia. O circuito tradicional da grande mídia ainda é forte, em resumo, mas vem perdendo força e espaço para essa rede de comunicação alternativa.

Quais as dificuldades para se fazer bom jornalismo na internet?

São basicamente as mesmas que existem para se fazer jornalismo em outros espaços: cultivar boas fontes, compromisso com a verdade e com o interesse público, ao invés de fazer um jornalismo subordinado aos interesses privados deste ou daquele grupo. Quem seguir estes princípios, estará fazendo bom jornalismo em qualquer tipo de mídia. Quem não seguir, bem, estará fazendo outra coisa.

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sexta-feira, 19 de março de 2010

Mais um presente no aniversário de Serra



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Kassab, a Fórmula Indy e as enchentes



Bastante badalada pela mídia, a Fórmula Indy, no último final de semana, poderia causar uma justificada revolta dos moradores das áreas alagadas de São Paulo. O prefeito demo Gilberto Kassab, cria do governador tucano José Serra, virou manchete de jornais e concedeu centenas de entrevistas às televisões. Virou herói das telinhas e pode respirar após a sua queda nas pesquisas. Ele só não disse quanto custaram aos cofres públicos as obras e promoções da milionária corrida.

Num único final de semana para os amantes do automobilismo, a prefeitura torrou R$ 8 milhões em obras. Isto equivale a sete vezes o valor investido em todo o ano de 2009 para construir piscinões e reservatórios anti-enchentes (R$ 1,2 milhão); a quase três vezes o que a prefeitura gastou para tirar o lixo de córregos entupidos (R$ 3 milhões); e ao valor total aplicado no ano passado na limpeza e manutenção de córregos e galerias (R$ 8,2 milhões).

Como se nota, as prioridades das gestões demo-tucanas não têm qualquer preocupação com as comunidades carentes. Além do investimento em obras de R$ 8 milhões, o prefeito torrou outros R$ 12 milhões na promoção publicitária da Fórmula Indy. Na civilização do automóvel, obras são feitas às pressas e com altos custos para alegrar a classe média; já a periferia fica abandonada na lama. Imagine o estrago que esta turma causará se retornar ao Palácio do Planalto!

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