domingo, 25 de abril de 2010

Pelo apoio eleitoral explícito da mídia

Reproduzo artigo do professor Venício A. de Lima, publicado no Observatório da Imprensa:

Não é novidade para ninguém que a imprensa – ou o de mais parecido com aquilo que hoje entendemos como tal – nasceu vinculada à política, aos políticos e aos partidos políticos. Historiadores da imprensa periódica nos países onde primeiro floresceu – sobretudo Inglaterra, França e Estados Unidos – concordam que ela começou política e, numa segunda fase, se transformou em imprensa comercial, financiada por seus anunciantes e leitores, chamando-se a si mesma de independente.

Apesar de todas as peculiaridades históricas, não há distinção em relação às origens políticas e partidárias da imprensa no Brasil. Escrevendo especificamente sobre "as reformas dos anos 50 [que] assinalaram a passagem do jornalismo político-literário para o empresarial", Ana Paula Goulart Ribeiro afirma:

"O jornalismo que se desenvolveu, no Rio de Janeiro, a partir de 1821 [com o fim da censura prévia] era profundamente ideológico, militante e panfletário. O objetivo dos jornais, antes mesmo de informar, era tomar posição, tendo em vista a mobilização dos leitores para as diferentes causas. A imprensa, um dos principais instrumentos da luta política, era essencialmente de opinião." (Imprensa e História no Rio de Janeiro dos anos 50; E-Papers; 2007; p. 25).

Posição implícita

Estamos em ano eleitoral e os posicionamentos "implícitos" de apoio político partidário da grande mídia estão cada vez mais difíceis de simular. Os resultados comprometedoramente divergentes de pesquisas eleitorais, divulgados – ou omitidos – por institutos vinculados a diferentes grupos de mídia são apenas uma das muitas expressões públicas da partidarização crescente. Até mesmo a presidente da ANJ declarou que, sim, os "meios de comunicação estão fazendo, de fato, a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada".

Não seria, então, democraticamente salutar que cada um dos veículos de comunicação do país explicitasse seu apoio eleitoral e abandonasse a falsa posição editorial de independência, como inusitada e corajosamente fez a própria presidente da ANJ?

O primeiro passo seria declarar: "Pelas razões x e y, apoiamos o candidato A, e não o candidato B". Ao assumir uma posição que já está implícita, tanto na pauta quanto no enquadramento de suas matérias, o veículo talvez ganhasse até mesmo em credibilidade, de vez que o leitor – que não é tolo – não se sentiria enganado.

Direito à informação e democracia

Há, no entanto, uma observação fundamental a ser feita. Seria salutar que jornais, revistas e concessionários do serviço público de rádio e televisão explicitassem editorialmente sua posição político-partidária. Se essa posição, todavia, contaminar deliberadamente a cobertura política, estará sendo violado o direito constitucional dos cidadãos de serem corretamente informados.

Declarar apoio político-partidário a candidatos em disputas eleitorais é comportamento rotineiro em democracias representativas e ajuda a tornar mais transparente todo o processo de disputa política. Isso não exime a grande mídia, no entanto, de seu compromisso ético e profissional com a verdade e o equilíbrio.

Na doutrina liberal, a informação correta, além de um direito do cidadão, serve de base primária para a formação de uma opinião pública autônoma e esclarecida, construtora das decisões do voto nas democracias.

Não é esse o compromisso fundamental da grande mídia?

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Nelson Motta e os ventríloquos da Globo

Reproduzo artigo de Emir Sader, publicado no “Blog da Reforma Agrária”:

Leia artigo do cientista político Emir Sader em resposta a texto publicado pelo compositor Nelson Motta em O Globo e em O Estado de S.Paulo, nesta sexta-feira.

Motta ataca Sader e o dirigente do MST, João Pedro Stedile, defende o Jornal Nacional (TV Globo) e satiriza o programa de banda larga do governo federal.

“Um ex-diretor de cinema tentou retomar o caminho de Paulo Francis, foi para a sede da Time-Life, mas fracassou estrepitosamente”, escreve Sader. “Um ex-compositor, em fim de carreira, também se tornou assalariado dos Marinhos, que lhe dão espaço para atacar a esquerda, defendendo o ponto de vista da empresa favorita da ditadura, agora querendo posar de democrática. E o que mais agrada os patrões do que atacar o MST, Cuba, Venezuela, Lula, a esquerda?”, pergunta.

Leia abaixo o artigo de Emir Sader, que faz parte da Rede de Comunicadores pela Reforma Agrária:

Os filhotes da ditadura

A TV Globo surgiu no auge da ditadura militar, quando assinou um acordo com a Time-Life para instaurar seu canal de televisão no Brasil, que rapidamente se tornou o órgão oficial da ditadura militar.

Gozando do monopólio de fato e das graças do regime mais brutal que o país conheceu, fundado no terrorismo de Estado, conquistou a audiência que lhe permitiu consolidar-se economicamente.

Terminada a ditadura – contra as resistências da própria Globo -, a empresa foi pega em flagrante no caso da Proconsult, tentando fraudar a vitória de Brizola nas eleições para governador, em 1982, assim como tentou desconhecer a campanha das diretas e aquela pela derrubada do Collor (seu candidato). Revelava como não tinha mudado desde os tempos da ditadura.

Nascida das entranhas da ditadura militar, apoiada em um acordo com uma empresa emblemática do império estadunidense, o jornal principal da empresa, O Globo, não poderia ser outra coisa, senão o que é: um órgão sem nenhuma credibilidade.

“O povo não é bobo. Abaixo a Rede Globo” – persegue a todos os funcionários da empresa da família Marinho. A morte do patriarca – amigo íntimo e sócio de ACM, como herança dos tempos da ditadura – tornou ainda mais grotesca a empresa, porque nenhum dos filhos revela qualquer capacidade para dirigir a empresa do pai, acelerando seu mergulho na decadência, sem nunca ter conseguido superar a falta de credibilidade.

Um jornal que tem em Ali Kamel, Merval Pereira e Miriam Leitao como seus principais expoentes, não poderia mesmo nunca conquistar credibilidade alguma.

O que a empresa conseguiu foi comprar uma série de artistas, que conseguiram espaço para repetir o que os donos da empresa desejam, sem nenhuma credibilidade.

Um ex-diretor de cinema tentou retomar o caminho de Paulo Francis, foi para a sede da Time-Life, mas fracassou estrepitosamente, refugiando-se na amargura de lamentar que o Brasil saiu das mãos dos seus patrões para cair nas de um retirante nordestino.

Outros funcionam como penosos escribas preenchendo lamentavelmente as páginas do jornal e os espaços da televisão, para tentar ser os lacerdistas – os corvos – de hoje.

Um ex-compositor, em fim de carreira, também se tornou assalariado dos Marinhos, que lhe dão espaço para atacar a esquerda, defendendo o ponto de vista da empresa favorita da ditadura, agora querendo posar de democrática.

E o que mais agrada os patrões do que atacar o MST, Cuba, Venezuela, Lula, a esquerda? E defender a empresa, em situação econômica periclitante, atacando a generalização da banda larga para todo o país?

Ainda mais alguém especialmente desqualificado para falar de um tema tão importante para a democratização da formação da opinião publica. Mal pode disfarçar, com agressões grosseiras, o nervosismo que medidas como essa provocam na empresa da família Marinho.

Triste fim de gente que termina suas carreiras como ventríloquos dos descendentes da família Marinho, como filhotes da ditadura, que ainda não sabem que “o povo não é bobo”, povo que sabe que “Globo e ditadura, tudo a ver”.

É o desespero de continuar sem conseguir eleger seus candidatos, nem na cidade do Rio de Janeiro, nem no Estado do Rio de Janeiro, nem no Brasil, revelando como estão na contramão do povo do Rio e do povo do Brasil.


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Balanço da jornada de lutas do MST



Reproduzo documento enviado pela secretaria nacional do MST:

1. A história

O mês de abril se tornou um símbolo da luta pela democratização da terra no Brasil e em todo mundo. Em 17 de abril de 1996, 19 trabalhadores rurais, que participavam de uma marcha, foram brutalmente assassinados pela Polícia Militar do Pará, em Eldorado dos Carajás. Era governador do Pará o sr. Almir Garbiel (PSDB). Era presidente do Brasil o sr. Fernando Henrique Cardoso. Segundo o advogado de defesa dos policiais, a empresa Vale do Rio Doce financiou a mobilização da tropa. O Massacre de Carajás foi um dos crimes mais covardes e estúpidos de toda história de nosso país.

Passaram-se tantos anos, e até hoje ninguem foi punido ou condenado.

Em 2002, o presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou projeto de lei de iniciativa da senadora Marina Silva, e instituiu o 17 de Abril como Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária. Por isso, no mês de abril, aqui no Brasil e em todo mundo acontecem mobilizações camponesas na luta por melhores condições de vida e para avançar a Reforma Agrária. Neste ano realizamos mais uma jornada de lutas, com mobilizações em todo país, ocupações de terras, protestos e marchas, para seguir pautando as necessidades históricas dos camponeses e camponesas.

Temos na pauta dois temas complementares. O primeiro é a necessidade de retomar o debate sobre a necessidade de mudanças estruturais na propriedade da terra e no modelo agrícola imposto pelo capital internacional em nosso país, o chamado agronegócio. E o segundo são as diversas demandas concretas, compromissos assumidos pelo governo, para melhorar as condições de vida dos trabalhadores de forma imediata.

A eleição do presidente Lula abriu novas perspectivas para os trabalhadores rurais e para a reforma agrária. Depois da posse, acompanhamos a formulação do Plano Nacional de Reforma Agrária, que foi rebaixado por pressão da bancada ruralista e pela falta de prioridade da área econômica.

Em 2005, fizemos uma grande marcha de Goiânia a Brasília, com 12 mil trabalhadores e trabalhadoras rurais, que caminharam mais de 200 km, durante 17 dias. No final da marcha, fomos recebidos pelo presidente Lula e entregamos uma pauta de reivindicações, com sugestões para melhorar a polítia agrária. Naquela ocasião o governo se comprometeu, por escrito, com os seguintes pontos:

1. Priorizar o assentamento de todas as familias acampadas

2. Atualizar os índices de produtividade (ou seja, cumprir a Lei Agrária)

3. Garantir de recursos para a desapropriação de áreas

4. Criar de uma linha de crédito específica para assentados

5. Criar de uma linha especial de crédito no BNDES para agroindústrias e cooperativas nos assentamentos

6. Ampliar os recursos para os programas da educação no campo

2. A conjuntura atual

Foi passando o tempo, e muito pouco foi feito nessa direção. O resultado foi que, nesses anos, aumentou ainda mais a concentração da propriedade da terra. A opção pelo agronegócio por parte de alguns ministérios ficou mais clara.

Jornada a jornada, todos os anos apresentamos praticamente a mesma pauta ao governo. Por isso dizemos que nossa pauta ficou amarela. Nenhuma medida estruturante foi implementada e os poucos assentamentos foram realizados mais como medida de solução de conflitos do que como projeto alternativo para a produção. Milhares de famílias continuam acampadas. E do total de famílias assentadas pelo governo, 65% foram em projetos de regularização fundiária e colonização na Amazônia.

Por outro lado, ao aproximar-se da eleição, a direita se articulou nos espaços onde tem hegemonia, como o Poder Judiciário, a bancada ruralista e setores da mídia burguesa, para atacar a reforma agrária, a luta social e o MST. Nos últimos meses, foi nítida a campanha promovida pelos meios de comunicação da burguesia. Os ataques no Congresso, com a constituição da CPMI da Reforma Agrária, a tentativa de impor mudanças legislativas para pior, como no caso do Código Florestal e outras iniciativas.

No Poder Judiciário, o ministro Gilmar Mendes se transformou em porta-voz do latifúndio, defendendo sempre e apenas o direito absoluto da propriedade, desconhecendo o que diz a Constituição, e abandonando o posto de magistrado para se transformar em advogado dos interesses dos fazendeiros. Ele nunca se preocupou em receber a CNBB e a CPT para explicar porque, dos 1.600 assassinatos de trabalhadores e lideranças no campo de 1985 para cá, apenas 80 têm processos judiciais, 16 foram condenados e apenas oito estão presos. Nem explicou quais medidas o Poder Judiciário está tomando em relação aos flagrantes delitos contra o meio ambiente e as situações de trabalho escravo do latifúndio.

A senadora Kátia Abreu (DEM-TO), que grilou uma terra pública de 2.500 hectares em Tocantins e expulsou os posseiros pobres, levanta-se como baluarte da tradição, da família e propriedade, sonhando em ser vice na chapa do Serra. Pelo papel que ela tem cumprido à frente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), sabemos que ela vai representar os interesses mais reacionários da burguesia brasileira caso consiga disputar as eleições. Os ataques contra os trabalhadores já começaram. Sabemos que podem piorar.

3. Nossa ação

Nos mobilizamos, primeiro, para dizer para a sociedade brasileira que precisamos de mudanças estruturais na propriedade da terra, garantindo a democratização desse bem da natureza que a Constituição garante a todos os brasileiros. Para dizer que o modelo do agronegócio é prejudicial para nossa sociedade, pois produz apenas commodities para exportação, produz em larga escala somente com venenos, transformando o Brasil no maior consumidor mundial de agrotóxicos. Denunciamos ainda que a forma de produzir do agronegócio, além de superexplorar os trabalhadores, degrada o meio ambiente, contribuindo para as mudanças climáticas que afetam a todos.

Nossa mobilização neste abril foi vitoriosa. Milhares de trabalhadores protestaram em quase todos os estados do país. Em todos os lugares a sociedade nos apoiou de diferentes formas. Sem a solidariedade de tantas entidades, sindicatos, igrejas e pessoas de boa vontade seria impossível levar adiante a luta em condiçoes tão adversas. Nos mobilizamos para exigir do governo que honre seus compromissos: que recupere o orçamento do Incra; que viabilize recursos para a desapropriação das fazendas com processos prontos; que publique a portaria que atualiza os índices de produtividade, e que discuta seriamente formas concretas de organizar a produção nos assentamentos. Que cumpra o compromisso de assentar as famílias acampadas há tantos anos.

Fizemos reuniões com diversos ministros: do Planejamento, da Secretaria da Presidência, do MDA. Esperamos que os compromissos sejam, de fato, assumidos e viabilizados. De nossa parte, como movimento social, temos o dever e o direito de seguir organizando os trabalhadores do campo, para que lutemos por nossos direitos. Estaremos atentos.

E conclamamos a todos setores organizados das forças populares a se prepararem e somarem forças na jornada de 18 de maio, para uma mobilização nacional em prol da redução da jornada de 44 para 40 horas semanais, sem redução de salários.

Lutar por Justiça Social é nosso direito.

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O Brasil e a grande recusa argentina

Reproduzo artigo enviado pelo professor e amigo Gilson Caroni:

A condenação de cinco ex-comandantes e do último ditador argentino, general Reinaldo Bignone (1982-1983) por detenção ilegal e tortura de presos políticos, mostra a dimensão poética do regime democrático. Se toda poesia é um ato de assombro, a plenitude dos direitos humanos só existe em sociedades que se reinventam em suas grandes recusas. O espanto diante da beleza da vida só é possível quando conjugado a um inequívoco terror diante do sofrimento humano. Não há liberdade sem negações assertivas, sem um não inaugural. Quando a tensão dialética dá lugar pactos políticos íntraelites, as transições para a democracia costumam não passar de perigosos pastiches.

Os julgamentos dos acusados de crimes durante a ditadura militar foram retomados em 2005, depois da revogação das “leis do perdão" – Ponto Final e Obediência devida – aprovadas na década de 1980. Ao revogá-las, o ex-presidente Néstor Kirchner reafirmou que, em sociedades autenticamente democráticas, não existem Constituições que contemplem tutelas fardadas sobre o Estado e os poderes da República. Se permanecerem frágeis as mediações entre política e sociedade, a possibilidade de recuo para formas nitidamente autoritárias conserva-se como espectro a rondar conquistas recentes. Quando se definiu como “filho" das mães e avós da Praça de Maio, Kirchner voltou no tempo para resgatar o futuro.

Em 1983, a sociedade civil argentina reagiu de forma claramente adversa à lei de anistia que o regime militar acabara de proclamar. Várias organizações de direitos humanos mantiveram milhares de pessoas nas ruas pedindo a aparição com vida dos desaparecidos e a punição dos responsáveis por tudo. Eram estes os dois objetivos que o projeto dos militares pretendia frustrar: sem a grande recusa não se poderia investigar o destino das vítimas da ditadura, e punir os agentes do Estado envolvidos com o desaparecimento de mais de 30 mil pessoas, das quais aproximadamente 400 eram crianças.

A “lei da anistia" beneficiava, fundamentalmente, os autores de "todos os fatos de natureza penal realizados na ocasião ou por motivos de ações dirigidas a prevenir, conjurar, ou acabar com as atividades terroristas, qualquer que seja o bem jurídico lesado", compreendendo "os delitos comuns conexos e os delitos militares conexos"; determinava ainda que ninguém poderia ser " interrogado, investigado, convocado a depor ou inquirido" sobre aqueles fatos. Não fosse a firme resistência da sociedade argentina, este dispositivo legal impossibilitaria às famílias dos desaparecidos de lutar por sua recuperação, saber por que foram presos ou mortos e, neste último caso, recuperar seus restos.

Há 27 anos, a resistência democrática preservou a justiça reclamada e sustentou seus princípios. Rejeitou um diploma que consagrava, perigosamente, o princípio da impunidade para uma repressão ilegal que, pela sua natureza e magnitude, agravou a consciência ética da humanidade. Era o primeiro passo para a reconstrução do tecido social, para a consolidação de uma cultura democrática que faria dos direitos humanos uma política de Estado. O general Bignone talvez não saiba, mas foi aquele o momento em que seu julgamento começou. O dele e o de vários oficiais da ditadura que foram condenados à prisão perpétua.

Seremos efetivamente um país democrático quando aprendermos a lição argentina. Essa luta não é apenas de grupos de direitos humanos e membros do governo, como o ministro Paulo Vannucchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos. Reabrir os casos e promover a revisão da Lei da Anistia é ampliar a democracia. Como afirmou Guillermo O'Donnel, cientista político argentino "todas as transições se fizeram pela coligação de alguns contra outros. No Brasil, a transição parece ser tarefa de todos com todos no qual tudo se admite, com exceção do conflito e da competição".

Precisamos decidir o que queremos: ou transformamos nossas “Escolas Mecânicas da Marinha" em Museus da Memória ou deixamos que a consciência da impunidade permaneça como um cadáver que nos sorri. Os “dossiês especiais da Rede Globo” continuam sancionando o consulado militar e sua versão da história. Quando virá nossa recusa?

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Juca Ferreira critica a qualidade da TV

Reproduzo alguns trechos da entrevista de Juca Ferreira, ministro da Cultura, concedida à jornalista Lúcia Rodrigues da revista Caros Amigos:

Ex-presidente da União Brasileira de Estudantes Secundaristas, ex-militante do MR-8 no tempo da luta armada contra a ditadura militar, o atual ministro da Cultura, João Luiz Silva Ferreira, mais conhecido como Juca Ferreira, baiano de Salvador, chegou ao ministério pelas mãos de seu amigo Gilberto Gil. Assumiu o cargo com a saída do ex-ministro e tem dado continuidade ao trabalho de valorizar as manifestações culturais criadas pela comunidade, respeitando a diversidade dos mais diferentes pontos do território nacional. Os Pontos de Cultura cadastrados pelo ministério animam cerca de quatro mil grupos de produção cultural.

Nesta entrevista exclusiva para Caros Amigos, Juca Ferreira fala da atuação do ministério, das atividades culturais e dos meios de comunicação. Ele considera a televisão um “meio incrível”, e admite que “a qualidade da TV brasileira é muito baixa”.

Como o ministério está atuando na sua gestão para preservar a cultura brasileira?

A cultura brasileira não precisa de uma política de preservação nesse sentido. Claro que há uma política de patrimômio, que é uma política de preservação em última instância, mas a estratégia é de desenvolvimento cultural. Eu penso mais em expansão e desenvolvimento do que proteção. A nossa cultura é de boa cepa e tem condições de se desenvolver nesse ambiente de contato e signos e conteúdos vindos de outros países. Acredito que se criarmos igualdade de condições a cultura brasileira se desenvolve.

Como o senhor define a TV brasileira hoje?

A gente incorporou a TV como parte da política cultural. Não só a TV pública como a TV privada também. A convergência digital, dos diversos suportes e mídias tem permitido que a gente pense para além da produção do cinema, que a gente pense a produção do audiovisual. Esses conteúdos migram de uma tela para outra, então é do nosso interesse, é talvez o meio mais popular, um dos mais importantes. Mas a qualidade da televisão brasileira é muito baixa. A nossa tradição é mais da TV de entretenimento, e não satisfaz as necessidades da população. Então é preciso contribuir para a elevação do padrão, seja através da TV pública seja através de estimular que as TVs privadas avancem sua programação, sua grade para coisas mais qualificadas.

Além do entretenimento, que o senhor ressalta, a gente observa o emburrecimento, o Big Brother é um programa que...

É, mas o mundo inteiro gosta. A humanidade tem vínculos com esse tipo de produção. É um voyeurismo. A banalidade exerce um fascínio enorme sobre as pessoas.

O senhor acha que é uma coisa a ficar, ou dá para reverter e entregar para a população um produto de qualidade?

É, mas eu sou a favor da liberdade de escolha por parte da população. Quem quer ver Big Brother que veja. Eu sou uma pessoa que gosta do meio televisão. Às vezes eu assisto coisas absolutamente banais, mas assisto me distanciando, como acredito que a maioria das pessoas faz. Ali é um pretexto para uma série de observações. Eu gosto desses programas de auditório. Se você me perguntar, eu diria que o padrão é baixo, mas tem alguma coisa que me interessa ali. Desde Chacrinha eu gostava.

O senhor assiste Silvio Santos, Faustão?

Eu zapeio muito, mas assisto, sim. Vejo Ratinho, tenho curiosidade. Acho a TV um meio incrível.

Mas o senhor não acha que são programas de baixa qualidade de conteúdo, que contribuem para um conservadorismo, como o caso do programa do Ratinho, que achincalhava as pessoas?

Achicalhando as pessoas, usando as aberrações... É verdade isso. Mas os circos medievais faziam isso. A humanidade tem uma atração.

O senhor considera que a produção regional ainda está muito aquém do que poderia ser? O eixo Rio São Paulo concentra o maior número de emissoras A regionalização do conteúdo da comunicação não é uma saída?

Nenhum país democrático do mundo permite que os radiodifusores transmitam em cadeia nacional o tempo todo. A Suécia é um pouco maior do que Sergipe, tem três regiões culturais, e na época que eu morava lá se não me engano só podia transmitir em rede nacional 25% do total do tempo. O resto tinha que regionalizar para dar emprego, para permitir que a cultura nacional aparecesse. Isso num país de dimensões continentais como o Brasil é um absurdo funcionar o tempo inteiro em rede nacional. Nos Estados Unidos também tem limites, na Europa toda, aqui é que o regime militar achava que tinha que uniformizar culturalmente. Havia uma desconfiança com a diversidade cultural brasileira, que ela pudesse produzir uma dispersão, uma fragmentação do país, por isso que ela incentivou essa homogeneização.

E o que se pode fazer para conseguir avançar nesse sentido, se produzir mais regionalmente?

Acho que a regulação tem que avançar. O PL 29 que está tramitando vai regulamentar a TV a cabo, vai obrigar o percentual de produção brasileira, vai obrigar a produção independente. O Minc tem entrado aos poucos, mas cada vez mais como um fator de estímulo à melhoria tanto na regulamentação, como na área de estímulo à produção.

Tem outro problema que é o conteúdo que vem de fora. Mesmo nas TVs a cabo, acontece um bombardeamento de programas e filmes que vem de fora. Como fazer para reverter essa situação?

Tem que ter percentuais mínimos para conteúdos brasileiros. Isso eu defendo, é necessário. O cinema brasileiro é quase estrangeiro nas salas de exibição e isso tem que mudar, tem que avançar. A gente faz o filme para quem vê, e se nas salas de exibição brasileira o cinema americano é soberano e na televisão também. A gente tem que ter um pouco de soberania no audiovisual brasileiro.

Como daria para fazer incentivo ao cinema nacional?

Uma parte a gente já tratou, que é abrir as salas de exibição para o conteúdo nacional. Temos que ter percentuais garantidos, de que quando um filme brasileiro esteja com um nível de público acima da média, o exibidor não tire para passar um filme estrangeiro, que muitas vezes tem um público menor do que aquele filme. Volta e meia acontece isso. O filme do Daniel Filho “Se eu fosse você” saiu antes de realizar sua missão comercial. O “Besouro” também estava acima da média de público quando foi tirado. Isso é um crime contra o cinema brasileiro. Os filmes que substituem essas produções brasileiras compram pacotes, é dumping, é proibido pela legislação brasileira.

A gente percebe que tem muito enlatado de péssima qualidade que vem para cá e fica aí...

Se fosse de péssima qualidade mas alta aceitação de público é um fato. Mas se é de péssima qualidade, baixo público e menor que o público brasileiro. Isso é o máximo do escândalo.

Mas o senhor não considera, por exemplo, que tem uma aceitação do público porque é aquilo que é oferecido. Se você começa a oferecer um filme de qualidade nacional essa aceitação vem naturalmente?

Historicamente, o público do cinema brasileiro são as classes C, D e E. Com esse encolhimento dessa rede de exibição, o cinema brasileiro ficou sem seu público. Nas salas de shopping center que tem como seu público principal a classe média, a disputa é braba porque há um deslumbramento pelo cinema americano. Há toda uma indústria por detrás que promove esses filmes. Então, pelo nosso lado temos que aumentar o interesse aumentando a qualidade do cinema brasileiro, fazendo filmes que conquistem o público.

Tem um problema de produção também. A gente saiu de pouco mais de 20 filmes ao ano, quando entramos no ministério, e estamos com quase cem filmes ano. Mas muitos desses filmes nem contribuem para o desenvolvimento da linguagem e nem para o aumento de público, que seriam os dois grandes critérios. O que o Ministério da Cultura pode fazer? Aumentar o padrão dos roteiristas, desenvolver linguagens cativantes e atraentes para um número cada vez maior de público. O papel do ministério é estimular isso, criar critérios na disponibilização dos recursos que levem à melhoria do padrão da linguagem e para a conquista de parcelas do público.

E a Embrafilme não seria uma saída para isso?

A gente está disponibilizando mais dinheiro que a Embrafilme. É mais complexo do que a Embrafilme. Precisamos recuperar o cinema popular no Brasil. Está começando aí. Tem vários filmes que tem bombado. Temos que aumentar a cota de filmes que tem capacidade de bombar e por outro lado financiar os filmes que mesmo com pouco público contribuam para o desenvolvimento da linguagem cinematográfica. Existe o problema da distribuição. Precisamos estimular a distribuição brasileira para que possa atuar também no exterior. O ministério tem investido nisso, em apoiar a venda do cinema brasileiro e dos conteúdos audiovisuais brasileiros no exterior. É um processo mais global. Uma distribuidora estatal poderia contribuir assim como o crescimento das distribuidoras privadas. Eu não me fixaria como única alternativa uma distribuidora pública.

Quanto que o ministério investe de recursos em cinema nacional?

Eu não lembro, mas é mais do que da época da Embrafilme. Quando chegamos ao ministério, os recursos orçamentários eram em média 280 e poucos milhões, correspondiam a 0,2 do total do orçamento do governo federal. Passamos esse ano de 2010 de 1% que é o mínimo recomendado pelas Nações Unidas, que corresponde a 2,5 bilhões. Além disso, quando chegamos, a renúncia fiscal era menos de 300 milhões, e agora está em 1 bilhão e meio. E estamos avançando nas regras de disponibilização de recursos. Criamos o fundo setorial do audiovisual, estamos lançando linhas de financiamento junto com o BNDES para financiar a ampliação das salas de exibição, estamos lançando o Vale Cultura, que vai injetar 7 bilhões da economia da cultura. São várias ações convergindo no Estado apoiar e incentivar o crescimento da arte e da cultura no país.

Como funciona o Vale Cultura?

É muito parecido com o Vale Refeição, mas um é para alimentar o estômago e outro para alimentar o espírito. É um cartão magnético que é disponibilizado para o trabalhador com um valor nominal de 50 reais para ele comprar livro, comprar CD, assistir espetáculo de dança, de música, para consumo cultural. Percebemos que não adiantava estimular a produção se o índice de acesso é muito pequeno. O Vale Cultura vai produzir efeitos colaterais muito positivos. Como o controle do uso vai ser muito grande. Vai estimular o consumo do CD legal. Vai estimular abertura de negócios culturais perto de onde os trabalhadores moram. É uma novidade que está sendo estudada até por outros países. Vai incluir 14 milhões de pessoas no consumo cultural.

Em que pé estão as discussões em torno da Lei Rouanet?

Eu rodei o Brasil defendendo a mudança da Lei Rouanet. As estatísticas provam que a lei esgotou o que podia dar de positivo e houve muitas distorções. 80% do dinheiro da lei vai para os Estados de Rio e São Paulo e 60% do dinheiro fica em duas cidades, Rio e São Paulo. 3% dos proponentes ficam com mais da metade desse dinheiro. São sempre os mesmos. Tem estados que não recebem nem 0,0%, então a gente vai democratizar o acesso, disponibilizar o benefício da renúncia fiscal para todas as áreas da cultura, demandar de que os empresários entendam que essa é uma parceria público privada e que não pode ser 100% de renúncias. Se fosse assim, não precisaria de empresas. Nesses 19 anos de Lei Rouanet, foi só 5% de dinheiro privado, então a gente está exigindo um mínimo de 20% de dinheiro privado.

A crítica dos opositores da Lei é de que haverá muita centralização, como o senhor vê isso?

Isso é uma bobagem. Hoje, o ministério avalia as propostas, emite um parecer favorável ou contrário demandando o aperfeiçoamento, vai para a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, que é bipartite. Eles sacralizam ou não o parecer. E vai continuar a mesma coisa. E mais, a gente vai fortalecer o Fundo Nacional de Cultura, Fundo Setorial da Música, da Dança, do Patrimônio.

Os recursos vão todos para esses fundos?

80% vão para os Fundos. Hoje 80% vai para renúncia sem critério o que dificulta muito o desenvolvimento cultural e reduz muito o papel do Estado no apoio à produção cultural brasileira. Permite essas distorções de concentração. Os ingleses estão visitando o Brasil são responsáveis pela política cultural do Reino Unido, disseram que Lei Rouanet jamais poderia acontecer na Inglaterra.

Por que?

Porque segundo eles, e eu concordo, cada centavo que é renunciado, é um centavo a menos a ser disponibilizado para a produção cultural. A visão deles é que mecenato é quando mecenas coloca a mão no próprio bolso para fazer uma benesse cultural. Não é meter a mão no bolso do Estado. O Estado tem a sua responsabilidade muitas vezes de estimular, financiar uma atividade que não é lucrativa e portanto não é atraente para a iniciativa privada. Nem retorno de imagem dá.

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Karl Marx e a questão judaica

A Boitempo acaba de publicar o oitava livro da coletânea de Karl Marx e Friedrich Engels – “Sobre a questão judaica”. A série teve início com a edição comemorativa dos 150 anos do “Manifesto Comunista”. Em seguida foram lançados: “A sagrada família”, “Os manuscritos econômico-filosóficos”, “Crítica da filosofia do direito de Hegel”, “Sobre o suicídio”, “A ideologia alemã” e “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra”. O novo lançamento traz a apresentaçao de Daniel Bensaïd, num dos últimos textos escritos pelo filósofo e militante político francês falecido em janeiro último. Reproduzo abaixo a resenha de Arlene Clemesha:

“Sobre a questão judaica”, ensaio de Karl Marx redigido em 1843 e publicado em 1844 no único número dos Anais Franco-Alemães, é considerado um marco na passagem do democratismo liberal-radical de sua primeira juventude em direção ao comunismo. Foi também seu único texto dedicado exclusivamente ao tema. Com seu modo caracteristicamente antitético de escrever, “Sobre a questão judaica” provocou as reações mais diversas. Marx viria a ser acusado de antijudeu, não obstante sua conhecida origem judaica; e seu ensaio, de constituir um chamado precoce à aniquilação física dos judeus da Europa, cem anos antes do nazismo. Acusações estas que seriam, no mínimo, decorrência de leituras superficiais e fora de contexto. Na realidade, Marx transforma a análise da religião e da questão judaica em uma profunda crítica social. O verdadeiro problema colocado aos judeus, diria Marx, seria ultrapassar o estágio da conquista da igualdade civil – resultado da emancipação política – rumo à verdadeira igualdade, como fruto da emancipação social.

O Estado moderno, outra preocupação central de Marx nesse momento, seria a própria expressão de uma sociedade fundada sobre a desigualdade entre os homens. Ao realizar a igualdade no plano político – mediante a concessão de direitos iguais a todos os cidadãos independentemente de posse, religião ou etnia –, o Estado moderno preservava a desigualdade real entre os homens. Daí a passagem mais polêmica, na qual Marx explica que para se libertar verdadeiramente, os judeus devem se emancipar do elemento social que ao longo da história moderna possibilitou, ao mesmo tempo, a preservação do judaísmo e a perseguição aos judeus, qual seja, o próprio capitalismo (“a emancipação social do judeu equivale à emancipação da sociedade em relação ao judaísmo”, diria Marx, empregando “judaísmo”, isto é, Judentum, no sentido derivativo de “comércio” que o termo possuía na época, sob influência de seus contemporâneos Moses Hess e Feuerbach). Hoje, pode-se dizer que o texto de Marx é tão atual quanto a constatação de que sequer a criação de um Estado judeu foi capaz de resolver a questão judaica. Pelo contrário, o Estado exclusivista judeu, fundado sobre a base da segregação racial dos árabes palestinos, apenas acrescentou ao problema judeu o problema palestino.

Longe de constituir um lapso na trajetória intelectual de Marx, como quiseram alguns, o ensaio aqui apresentado marca o assentamento das bases do materialismo histórico, mediante a total integração, pela primeira vez na obra de Marx, do homem na sociedade e da atividade humana na atividade social. Ou seja, a união interativa entre sujeito e objeto, entre o homem e o seu meio. Sem ter chegado ainda à visão do proletariado como a única classe portadora do universal, o profundo humanismo expresso por Marx nos Anais Franco-Alemães é inseparável da defesa da transformação social.

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PSDB, FMI e a turma dos 30%

Reproduzo exclente análise enviada pelo amigo Artur Araújo:

O espectro de uma pergunta deveria estar rondando as redações e, se formulada, desnudaria o que realmente separa as duas principais candidaturas à presidência. Bastaria indagar de José Serra: “o senhor propõe parar o Brasil?”

Explico-me, a partir de três exemplos muito recentes: um artigo de Luis Carlos Mendonça de Barros, as manchetes sobre a orientação do FMI para que o Brasil reduza sua taxa de crescimento e os 50 anos de Brasília.

Em artigo publicado na FSP de 16/04, Mendonça de Barros, o ex-ministro de FHC de volta a sua vida de financista, desnuda o que é o coração da "economia política" do PSDB. Tido e havido como desenvolvimentista, anti-Malan, da escola de Sérgio Guerra e José Serra, Mendonça tem uma tese: "a euforia pelo crescimento nos levará a bater no muro das restrições econômicas; esse filme tem final triste". E para quem esperava as clássicas formulações – sobre os gargalos de infraestrutura, a baixa taxa de expansão da capacidade instalada, a "gastança” em custeio que impede o investimento público – ele abre seu coração e surpreende:

“A maior parte da oferta na economia brasileira é constituída por bens e serviços que não podem ser importados. O mais importante deles é o mercado de trabalho e nele é que está a componente mais ameaçadora que vejo para a frente... Poderemos chegar ao fim deste ano com uma taxa de desemprego da ordem de 6%, mantido o crescimento atual da geração de postos de trabalho. Em março, o número de empregos formais aumentou em 266 mil, número muito forte para o mês.

“A pressão sobre os salários desse segmento dos trabalhadores já está ocorrendo e deve se acelerar... São evidências de instabilidade grave. Dou um exemplo: a produção de caminhões da Mercedes-Benz brasileira em março foi o dobro da matriz na Alemanha. Mesmo com a crise na Alemanha esse número é um aleijão para mim”.

Trocando em miúdos: crescer rápido é um "problema", porque pode gerar aumentos salariais para os trabalhadores e reduzir a taxa corrente de lucros. A ótica do imediatismo salta aos olhos; nem mesmo de relance, o articulista se refere a um ciclo virtuoso, em que o crescimento real da massa salarial implica ampliação da demanda efetiva, cria as condições para expansão da capacidade produtiva (e da formação de mão-de-obra) e para a expansão da própria acumulação de capital, pelo crescimento do volume produzido e realizado.

O seu negócio é o aqui e agora, é o lucro já e o futuro, provavelmente, nem a Deus pertence. O espantalho que agita é o da inflação de demanda, que se recusa a atacar pela via do choque de oferta, do mercado interno de massas e da expansão das exportações de maior valor agregado. Sua panacéia é o aumento dos juros.

Já na cobertura dos jornais paulistas sobre os 50 anos de Brasília, um velho espectro ressurgiu, explicitamente referido, por exemplo, em editorial de “O Estado de São Paulo”: Brasília, entre outras mil de suas supostas mazelas, estaria na origem da espiral inflacionária do início dos anos 1960. Sem, até hoje, compreender o que de fato Brasília realizou, como meta-síntese do programa de desenvolvimento nacional de Juscelino, as vozes do passado ressurgem, opondo-se às obras públicas, à ação do Estado na criação de infraestrutura, na indução econômica e na integração democrática de todos os brasileiros e de todo o território nacional.

A rádio CBN tem apresentado uma ótima série de reportagens sobre a história da criação de Brasília. Em um dos programas, o tema era o debate na imprensa daquela época. A matéria narrava a campanha cerrada que o engenheiro da UDN Gustavo Corção, guru de Carlos Lacerda, movia contra a construção da cidade. Um de seus temas preferidos era o Lago Paranoá que, do alto de sua sapiência, o Dr. Corção garantia que nunca ficaria cheio, dados o regime de chuvas e as características do solo do cerrado.

No dia em que o lago ficou completo, JK, pleno de mineirice e bom humor, telegrafou para a redação do jornal em que Corção escrevia. Usou uma só palavra: “Encheu”.

O que Juscelino enfrentava era uma herança maldita, um Brasil litorâneo que só via a si mesmo, que desprezava mais de dois terços de seu território. A Marcha para o Oeste significou, muito além de Brasília, a experiência pioneira de Ceres, cidade-modelo agrícola implantada em Goiás, em que se desenvolveram as técnicas de correção de solo que permitiriam a expansão agrícola e que hoje fazem do Brasil um ator mundial em alimentos e biomassa para geração de energia. Significou, também, a abertura da rodovia Belém-Brasília (aquela que a UDN chamava de estrada para onça), articulando os eixos Norte e Oeste do desenvolvimento nacional.

E significou, mais do que tudo, para todos os brasileiros, trabalhadores ou empresários, uma mudança de postura e ângulo; Brasíla permitiu que olhássemos mais e melhor para os nossos próprios potenciais e capacidades.

O FMI, que não é daqui, ecoa a mesma lógica. Seu mais recente relatório, diz a FSP em manchete, “vê economia brasileira ‘no limite’”. Forçado pelos fatos a revisar – para cima – sua estimativa de crescimento da economia do Brasil, “aponta demanda ‘em estágio avançado’ e espera medidas para desacelerar crescimento de 5,5% neste ano para 4,1% em 2011”. Tanta coincidência, até de terminologia, é sintoma de um alinhamento automático, de um modo de pensar e conduzir o país.

O PSDB de hoje, por vezes até mais que os “demos”, olha a economia e o Brasil com esse viés. O que os orienta é o mundo internacional das finanças e a propensão a pensar em pedaços, em satisfazer-se com políticas que miram só um terço dos brasileiros – os mais ricos – e só uma parte de nosso território – o sul-sudeste. É a turma dos 30%.

Expansão de consumo, crescimento de salários, ampliação da produção, desenvolvimento da infraestrutura, inclusão e capacitação das pessoas, todos esses são temas ausentes de suas formulações – ou vistos como “aleijões”. Aumento continuado e real do salário mínimo, instituição de pisos salariais nacionais, redução de jornada de trabalho, pleno emprego, PAC, PROUNI, são pautas que os levam à beira do pânico. Tudo que seja para todos é risco, não oportunidade.

Ainda que se dê a José Serra o benefício da dúvida, do quanto ele ainda preserva de seu suposto desenvolvimentismo, não é despropositado indagar o quanto ele “resistiria” à pressão combinada do tucanato econômico, do udenismo paralisante e elitista e da banca mundial, falando pela boca do FMI. A experiência FHC não traz muitas esperanças quanto a isso. Um jornalista arguto qualificaria a pergunta que abre este texto e questionaria o que o candidato faria com a turma dos 30%, aqueles que, há décadas, sempre estiveram do seu lado e sempre quiseram que o Brasil pudesse menos.

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sábado, 24 de abril de 2010

As pesquisas e a “vacina” democrática

Reproduzo artigo de Eduardo Guimarães, do blog Cidadania.com:

Nesta quinta-feira, 22 de abril de 2010, o Movimento dos Sem Mídia encaminhou ao procurador-geral eleitoral, que é também o procurador-geral da República, o doutor Roberto Gurgel, representação pedindo investigação de todos os quatro grandes institutos de pesquisa de opinião, o Datafolha, o Ibope, o Sensus e o Vox Populi, os quais, tradicionalmente, dedicam-se a captar as diversas intenções de voto do eleitorado brasileiro.

Além de um ato da mais pura, desinteressada e autêntica cidadania, a peça jurídica dessa legítima organização da sociedade civil que é o MSM se materializa em um momento doloroso para os cidadãos brasileiros, no qual, uma vez mais, paira sobre a nação uma sombra de dúvidas quanto às condições em que se dará o processo eleitoral que, acima de tudo, elegerá o presidente da República Federativa do Brasil, aquele que dará o norte à nação pelos quatro próximos anos.

Digo isto, sobre o momento ser doloroso, por várias razões. E, para explicá-las, devo aludir um pouco àquele que tomou esta iniciativa de, mais uma vez, recusar-se a aceitar que o poder econômico se imponha sobre o Brasil de forma injusta, em uma sua tentativa torpe de escolher aquele que terá substantivo poder de tomar decisões sobre as vidas de todos os brasileiros durante o próximo quadriênio.

Quero dizer por que decidi tomar tal iniciativa. Ela não me renderá cargos ou pagamentos subsidiados por dinheiro público; não receberei benesses de governo nenhum; não serei convidado para almoços, jantares nem festas; não auferirei absolutamente nada caso deste ato vier a decorrer qualquer notoriedade, pois continuarei fazendo o que faço para pagar minhas contas, ou seja, atuando como representante comercial autônomo e consultor de comércio exterior.

Não sou jornalista, não vivo de jornalismo, não tenho pretensões no jornalismo, de forma que nem renome profissional posso almejar ao fazer este blog ou ao tomar atitudes como as que tomei no passado e como a que tomo no presente.

Não espero que entendam minhas razões porque nem a minha família (mulher, filhas e filho) ou amigos entendem ou concordam com o que gasto de meu tempo neste blog e na ONG que presido e administro sem qualquer recurso, sendo muitas vezes obrigado a subsidiar financeiramente ações importantes como as representações, os atos públicos, as palestras e debates aos quais me disponho a ir sem cobrar nem um único centavo.

Mas eu e muitos dos meus leitores entendemos muito bem o que faço. Porque o prazer que nos dá exercermos a nossa cidadania, ao chegarmos mesmo a pagar por isso, ao investirmos tempo que poderíamos usar em proveito próprio despendendo-o em benefício da coletividade, esses atos constituem recompensa que faz com que nos sintamos gigantes morais diante de nós mesmos, sobretudo naqueles momentos solitários em que nos miramos no espelho da alma.

Agora, depois deste longo e necessário preâmbulo, discorrerei sobre aquele momento doloroso que vive o país ao qual aludi no início do texto, mas aludirei também a uma vacina democrática que foi aplicada no momento em que o Movimento dos Sem Mídia despachou a Brasília a representação à Justiça Eleitoral para que investigue, do início deste ano ao fim do processo eleitoral, cada pesquisa de intenção de voto apurada por cada instituto para o cargo de presidente da República.

É doloroso porque, mais uma vez, uma eleição no Brasil transcorrerá sob o signo da trapaça, da esperteza, da malandragem, da injustiça, da prepotência, da opressão do poder econômico.

Hoje, por exemplo, soube-se que a representação que o PSDB tentou encaminhar à Justiça Eleitoral antes da que ora faz o Movimento dos Sem Mídia, e que o partido faz meramente contra o instituto de pesquisas que apresentou resultado que desfavoreceu seu candidato à Presidência da República, bateu e voltou.

Isso ocorreu simplesmente por conta de erro tão ou mais grave do que aquele que o mesmo partido, bem como seus jornais, tevês, rádios e portais de internet alardearam para desqualificar o instituto Sensus, que errou ao registrar uma pesquisa no TSE e foi acusado de má fé, o que autoriza que cidadãos que pensam como os que integram o PSDB acusem o partido do mesmo que ele acusou o instituto de pesquisa.

Matéria da Folha de São Paulo, ironicamente do jornal que desencadeou essa guerra de pesquisas que fere tanto o exercício de um processo eleitoral limpo, dá conta de que o PSDB informou dados flagrantemente errados ao acusar o Sensus. E nem me darei ao trabalho de reproduzir essa matéria porque, com a velocidade com que hoje corre a informação, todos já sabem ao que me refiro.

Pouco antes, uma concessão pública, a concessão de tevê das poderosas Organizações Globo, esbofeteou a sociedade ao usar sua prerrogativa de concessionária para fazer uma descarada campanha eleitoral em prol de seu candidato, o ex-governador tucano José Serra, do PSDB. Tão descarada que a emissora a tirou do ar cerca de 24 horas depois de lançada, até porque seu objetivo já havia sido alcançado.

A concessão pública em questão, o jornal que iniciou essa guerra estúpida e imoral de pesquisas e o próprio PSDB tentam manipular as eleições deste ano tanto quanto fizeram nas de anos anteriores, novamente materializando essa praga de eleições no país serem marcadas por malandragens, golpes, dossiês, denúncias etc., com a grande imprensa sempre tomando partido e beneficiando alguns em detrimento de outros, muitas vezes valendo-se até de meios que pertencem a todos como é o caso do espectro radioelétrico.

A representação do Movimento dos Sem Mídia, pois, constituir-se-á em uma vacina democrática que fará todos os quatro institutos de pesquisa supra mencionados pensarem duas vezes antes de tentarem alguma gracinha, pois supomos que a Justiça Eleitoral acatará nosso pleito flagrantemente desinteressado para que tanto os institutos tidos como “petistas” quanto os considerados “tucanos” fiquem na berlinda.

A partir da madrugada desta sexta-feira 23 de abril, portanto, este blog publicará a íntegra da representação.

No mesmo post, o Movimento dos Sem Mídia pede que cada internauta que tiver acesso à sua peça jurídica em qualquer página da internet, e que concordar com o que lhe será apresentado, que deixe comentário neste blog manifestando seu apoio, pois cada um desses comentários será posteriormente anexado à representação de forma a lhe conceder maior representatividade.

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Quem “controla” a mídia?

Reproduzo artigo do professor Venício A. de Lima, publicado no sítio Carta Maior:

Você já ouviu falar em Alexander Lebedev, Alexander Pugachev, Rupert Murdoch, Carlos Slim ou Nuno Rocha dos Santos Vasconcelos? Talvez não, mas eles já “controlam” boa parte da informação e do entretenimento que circulam no planeta e, muito provavelmente, chegam diariamente até você, leitor (a).

Enquanto na América Latina, inclusive no Brasil, a grande mídia continua a “fazer de conta” que as ameaças à liberdade de expressão partem exclusivamente do Estado, em nível global, confirma-se a tendência de concentração da propriedade e controle da mídia por uns poucos mega empresários.

Na verdade, uma das conseqüências da crise internacional que atinge, sobretudo, a mídia impressa, tem sido a compra de títulos tradicionais por investidores – russos, árabes, australianos, latino-americanos, portugueses – cujo compromisso maior é exclusivamente o sucesso de seus negócios. Aparentemente, não há espaço para o interesse público.

Na Europa e nos Estados Unidos

Já aconteceu com os britânicos The Independent e The Evening Standard e com o France-Soir na França. Na Itália, rola uma briga de gigantes no mercado de televisão envolvendo o primeiro ministro e proprietário de mídia Silvio Berlusconi (Mediaset) e o australiano naturalizado americano Ropert Murdoch (Sky Itália). O mesmo acontece no leste europeu. Na Polônia, tanto o Fakt (o diário de maior tiragem), quanto o Polska (300 mil exemplares/dia) são controlados por grupos alemães.

Nos Estados Unidos, a News Corporation de Murdoch avança a passos largos: depois do New York Post, o principal tablóide do país, veio a Fox News, canal de notícias 24h na TV a cabo; o tradicionalíssimo The Wall Street Journal; o estúdio Fox Films e a editora Harper Collins. E o mexicano Carlos Slim é um dos novos acionistas do The New York Times.

E no Brasil?

Entre nós, anunciou-se recentemente que o Ongoing Media Group – apesar do nome, um grupo português – que edita o “Brasil Econômico” desde outubro, comprou o grupo “O Dia”, incluindo o “Meia Hora” e o jornal esportivo “Campeão”. O Ongoing detem 20% do grupo Impressa (português), é acionista da Portugal Telecom e controla o maior operador de TV a cabo de Portugal, o Zon Multimídia.

Aqui sempre tivemos concentração no controle da mídia, até porque , ao contrário do que acontece no resto do mundo, nunca houve preocupação do nosso legislador com a propriedade cruzada dos meios. Historicamente são poucos os grupos que controlam os principais veículos de comunicação, sejam eles impressos ou concessões do serviço público de radio e televisão. Além disso, ainda padecemos do mal histórico do coronelismo eletrônico que vincula a mídia às oligarquias políticas regionais e locais desde pelo menos a metade do século passado.

Desde que a Emenda Constitucional n. 36, de 2002, permitiu a participação de capital estrangeiro nas empresas brasileiras de mídia, investidores globais no campo da informação e do entretenimento, atuam aqui. Considerada a convergência tecnológica, pode-se afirmar que eles, na verdade, chegaram antes, isto é, desde a privatização das telecomunicações.

Apesar da dificuldade de se obter informações confiáveis nesse setor, são conhecidas as ligações do Grupo Abril com a sul-africana Naspers; da NET/Globo com a Telmex (do grupo controlado por Carlos Slim) e da Globo com a News Corporation/Sky.

Tudo indica, portanto, que, aos nossos problemas históricos, se acrescenta mais um, este contemporâneo.

Quem ameaça a liberdade de expressão?

Diante dessa tendência, aparentemente mundial, de onde partiria a verdadeira ameaça à liberdade de expressão?

Em matéria sobre o assunto publicada na revista Carta Capital n. 591 o conhecido professor da New York University, Crispin Miller, afirma em relação ao que vem ocorrendo nos Estados Unidos:

“O grande perigo para a democracia norte-americana não é a virtual morte dos jornais diários. É a concentração de donos da mídia no país. Ironicamente, há 15 anos, se dizia que era prematuro falar em uma crise cívica, com os conglomerados exercendo poder de censura sobre a imensidão de notícias disponíveis no mundo pós-internet (...)”.

Todas estas questões deveriam servir de contrapeso para equilibrar a pauta imposta pela grande mídia brasileira em torno das “ameaças” a liberdade de expressão. Afinal, diante das tendências mundiais, quem, de fato, “controla” a mídia e representa perigo para as liberdades democráticas?

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