terça-feira, 4 de maio de 2010

O mais plebeu dos barões



No dia 14 de maio, às 19 horas, será lançado em São Paulo o Centro de Estudos da Mídia Alternativa “Barão de Itararé”. O nome é uma homenagem a um dos criadores da imprensa alternativa no país e o “pai do humorismo brasileiro”. Reproduzo abaixo a singela biografia redigida pelo jornalista e cartunista Gilberto Maringoni, publicada na Revista de História da Biblioteca Nacional:

- O que o senhor deseja?

- Trabalhar no seu jornal.

- E o que o senhor sabe fazer?

- Tudo, desde varrer o chão até dirigir o jornal, mesmo porque não há muita diferença.

Testemunhas desse diálogo, acontecido em meados de 1925 na redação de O Globo, no Rio de Janeiro, garantem que um dos protagonistas era o diretor da empresa, Irineu Marinho. As mesmas testemunhas dividem-se quanto à identidade de seu interlocutor. Algumas dizem tratar-se de um gaúcho baixo, um tanto rechonchudo, e muito abusado, chamado Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly. Outros juram ser aquele nada mais, nada menos que o ilustre fidalgo Barão de Itararé, o Brando, senhor feudal de Bangu-sur-Mer.

É possível que os primeiros tivessem mais razão, por um pequeno detalhe. O Barão de Itararé só chegaria ao mundo seis anos depois. Já Apparício nascera em 29 de janeiro de 1895, no Rio Grande do Sul, perto da fronteira com o Uruguai. A imprecisão do local tem sua razão de ser. Ele próprio conta: “Minha mãe queria ter o parto na fazenda do meu avô”, em Pueblo Vergara, no país vizinho. Ela e o marido saíram da cidade de Rio Grande de barco, até Artigas. “De lá até a fazenda viajaram de diligência. No meio do caminho, uma das rodas se partiu e houve um tremendo choque. Com todo aquele barulho e movimento, nada mais natural que eu me apressasse a sair, para ver o que se passava”.

O Barão só viria à luz bem mais tarde, no ano seguinte da Revolução de 1930. O nome foi dado em homenagem a um dos episódios mais dramáticos dos conflitos entre as tropas legalistas, de Washington Luís, e as forças leais a Getúlio Vargas, que subiam do Rio Grande do Sul em direção ao Rio de Janeiro. A cidadezinha de Itararé, no sul do estado de São Paulo, se desenhava como o palco da mais sangrenta batalha na disputa pelo poder. Rota natural para a Capital Federal, todas as suas casas foram evacuadas e tomadas pelas tropas da Força Pública paulista, no início de outubro de 1930. Os batalhões rebeldes, liderados pelo ex-comandante da Coluna Prestes, Miguel Costa, com maior efetivo, cercam o lugar por mais de duas semanas, à espera do melhor momento para atacar. No dia marcado para o confronto, chega a notícia de que Washington Luís fora deposto. A batalha de Itararé jamais aconteceu.

Pacifista e acompanhando a situação com humor, Apparício aproveita para se autoconceder o título de duque de Itararé, logo rebaixado para barão, “como prova de modéstia”. Assim, as duas personalidades passaram a conviver numa só pessoa, um dos mais criativos e irreverentes humoristas de que o Brasil tem notícia, um “herói que a Pátria chora em vida e há de sorrir incrédula quando o souber morto”, segundo suas próprias palavras.

Mas voltemos a fita. Quando trava aquele diálogo com Irineu Marinho, o jovem Apparício havia abandonado há pouco seus estudos de medicina na capital gaúcha – onde já se dedicava ao jornalismo – e se aventurava pela então sede da República. Para sua surpresa, é admitido em O Globo, no qual assina uma crônica por alguns meses, sob o pseudônimo de Apporelly.

Depois de passar por A Manhã, de Mario Rodrigues, Apparício junta dinheiro para lançar seu próprio jornal, em 13 de maio de 1926. O nome é uma óbvia gozação com o diário do pai do dramaturgo Nelson Rodrigues: A Manha. Sob o dístico “quem não chora não mama”, o Barão fez uma verdadeira revolução no jornalismo de humor brasileiro, superando as já gastas fórmulas das revistas O Malho, Careta e Fon-fon, lançadas na primeira década do século.

Enquanto as três praticavam um gênero de sátira política e de costumes bastante comportados – apesar de contarem com a colaboração de caricaturistas geniais, como J. Carlos, Raul Pederneiras e K. Lixto Cordeiro – Apporelly voltava-se contra o lado conservador da sociedade. Demolindo falsos mitos, tripudiando sobre a pompa de fraque e casaca do mundo político, Itararé praticou um gênero de humor que buscava laços com quem estava por baixo na sociedade.

A Manha, tablóide que alcançava quase todo o país, torna-se um sucesso editorial, num tempo em que não existiam pesquisas de opinião, estratégias de marketing ou verificação de circulação. Era “o único quinta-feirino que sai às sextas”, alardeava seu editor, fazendo troça das dificuldades de produzir praticamente sozinho o jornal inteiro. Graficamente, além de apresentar desenhos de Nássara, Mendez e Martiniano, A Manha publicava colagens e fotos retocadas de políticos e personalidades, numa molecagem editorial que os expunha ao ridículo a cada edição. A contrapartida era clara: ao contrário da maioria dos órgãos de imprensa, a folha de Apparício não recebia nenhum tipo de verba governamental.

As notícias primavam pelo absurdo. “A Manha propõe a regularização dos horários dos desastres da Central do Brasil”, “Foi admitido nos quadros de redatores desta folha o simpático senador Lauro Müller, general de divisão e profundo conhecedor das outras três operações de guerra – adição, multiplicação e subtração” e “O dia é hoje consagrado a Tiradentes, uma das grandes vítimas da política mineira” são exemplos de que os disparos verbais de seu editor quase não tinham limites.

Na edição de 5 de julho de 1930, ao comentar o manifesto de Luiz Carlos Prestes aderindo ao comunismo, A Manha assegurava que “as teorias explanadas pelo chefe revolucionário estão muito aquém das idéias vigorosas e radicais predicadas e praticadas pelo talentoso homem de letras que está à frente desta empresa”. O jornal classificava de "ridícula, simplesmente ridícula" a parte do manifesto que reivindicava a redução da jornada de trabalho para oito horas, perguntando “por que não pleiteia, como nosso chefe, a abolição completa do trabalho?”

A irreverência do Barão levou-o inúmeras vezes à cadeia, após a chegada de Getúlio ao poder. A primeira delas se deu em 2 de setembro de 1932 e durou apenas um dia. Mas inauguraria uma série de agressões que se repetiriam pelos anos seguintes. Se ainda não era um homem claramente de esquerda, o Barão, por essa época, já exibia sua forte ojeriza ao integralismo, movimento de extrema-direita que se espelhava no fascismo europeu.

Em outubro de 1934, o editor d’A Manha partia para uma nova empreitada. Juntamente com Aníbal Machado, Pedro Mota Lima e Osvaldo Costa, lança o Jornal do Povo. As tensões políticas se acentuavam. Em São Paulo, no dia 7, integralistas e comunistas haviam se enfrentado numa batalha campal na Praça da Sé. Quatro dias depois, vários militantes aqui radicados há anos são expulsos do país. No meio desse torvelinho, o novo diário sobrevive por dez dias. A publicação de uma série sobre a Revolta da Chibata (1910), dos marinheiros no Rio de Janeiro, foi o que bastou para o Barão ser seqüestrado e espancado por seis oficiais da Marinha. Após cuidar dos ferimentos, ele volta para A Manha. Coloca na porta a tabuleta: “Entre sem bater”.

Cada vez mais simpático ao Partido Comunista do Brasil (PCB), o “talentoso homem de letras” é preso novamente em dezembro de 1935. A acusação é ser fundador e militante da Aliança Nacional Libertadora (ANL), frente política liderada pelos comunistas. Agora a repressão é dura: são encarcerados, também, centenas de militantes e simpatizantes do PCB, como o escritor Graciliano Ramos, a cronista Eneida de Moraes e o jornalista Moacir Werneck de Castro, além de Luiz Carlos Prestes, sua esposa Olga Benario e boa parte da cúpula do partido.

O Barão foi interrogado pelo juiz Castro Nunes, da Vara Federal, na Polícia Central, que lhe perguntou a que atribuía sua prisão.

– Tenho pensado muito, excelência, e só posso atribuí-la ao cafezinho.

– Ao cafezinho?

– Vou explicar, excelência. Eu estava sentado num bar, na avenida Rio Branco, tomando meu oitavo cafezinho e pensando em minha mãe, que sempre me advertia contra o consumo excessivo do café. Nesse momento chegaram os policiais e me deram voz de prisão... Só pode ter sido isso, por eu ter desobedecido aos conselhos de mamãe.

Apesar do humor, a situação era séria. Vários presos foram barbaramente torturados. Olga Benario seria entregue aos nazistas. Graciliano recorda-se do Barão em numerosas passagens de seu Memórias do Cárcere como um companheiro afável e bem humorado. A Manha, por motivos evidentes, deixa de circular. Por um ano seu editor permanece encarcerado, sem culpa formal.

Quando volta às ruas, percebe que os tempos andam difíceis. No plano pessoal, Itararé havia perdido sua esposa, pouco antes da prisão, vítima de câncer. No mundo à sua volta, avançava o nazi-fascismo na Europa e o regime lançava as bases para um endurecimento. Mesmo assim, tentou relançar A Manha, que circula precariamente em 1937. No fim daquele ano, Getúlio dá novo golpe e instaura a ditadura do Estado Novo, com suspensão de direitos constitucionais, banimento dos partidos políticos e censura à imprensa. Para o nosso humorista, esse era apenas “o estado a que chegamos”.

Tentando sobreviver, mantém uma crônica regular no Diário de Notícias por seis anos. Evita provocar a direita enquanto dura a colaboração, voltando suas baterias para temas mais amenos. Algo mudara radicalmente no Barão desde que saíra da cadeia. Era sua aparência. Agora exibia uma vasta barba, precocemente grisalha, o que lhe dava ainda mais aparência de um nobre dos tempos da monarquia. Sua figura fica ainda mais popular.

Em abril de 1945, A Manha é relançada. Aproveitando-se do clima de mobilizações populares pelo fim do regime ditatorial, contando com a sociedade do político Arnon de Mello (pai de Fernando Collor de Mello) e a colaboração de intelectuais como José Lins do Rego, Marques Rebelo, Rubem Braga, Raymundo Magalhães Júnior e outros, o sucesso é ainda maior que na fase anterior. Quem escrevia e editava a maior parte das matérias, além de fazer a direção de arte, era mesmo o ilustre fidalgo, que por seu talento, chegou a ser chamado de o "Bernard Shaw do Brasil", em referência ao dramaturgo inglês. “Seria mais lógico que se considerasse a Shaw como o Itararé da Inglaterra”, respondeu nossa ilustre figura.

Suas posições políticas o aproximam do PCB. Depois de participar ativamente da campanha presidencial do comunista Yedo Fiúza, em dezembro de 1945, o Barão candidata-se a vereador pelo Distrito Federal. Na ocasião, duas denúncias inquietavam a população: a constante falta d´água e as adulterações no leite. O slogan da campanha não poderia ser mais certeiro: “Mais água, mais leite, mas menos água no leite”. Ainda candidato, seu primeiro ato foi promover seus cabos eleitorais a sargentos. É eleito com relativa folga.

Na Câmara Municipal, o Barão caracteriza-se como um parlamentar combativo e espirituoso na defesa dos interesses da população pobre. Divide seu tempo entre o legislativo e a direção d´A Manha, o que significa uma jornada exaustiva. Mas sua carreira parlamentar dura pouco tempo. Influenciado pelos ventos da guerra fria, o Tribunal Superior Eleitoral suspende o registro do PCB, em maio de 1947. Sete meses depois, todos os parlamentares do partido são cassados, incluindo Itararé.

Nesse meio tempo, apesar da grande aceitação popular, seu jornal não ia bem das pernas. Sem capital e estrutura empresarial para garantir a regularidade, A Manha é novamente suspensa, em 1948. Mas o último nobre da República não desiste e logo vem com mais uma novidade. Chama seu antigo colaborador, o artista gráfico paraguaio Andres Guevara, para lançar o primeiro de seus Almanhaques, em 1949. Aproveitando o sucesso que faziam os almanaques populares com dicas, conselhos e curiosidades astrológicas, o Barão acrescenta à fórmula seu humor anárquico. Essa edição traz logo na abertura uma biografia da impoluta personalidade, cuja “vida pública é uma continuidade da privada”. Ali ficamos sabendo que Itararé, “cioso como ninguém da pureza de sua estirpe, é o único nobre do mundo que, pelo menos uma vez por mês, injeta, por via endovenosa, uma certa quantidade de azul de metileno, para manter inalterada a cor da nobreza do sangue”.

O que era para ser uma publicação semestral só voltou a circular por duas vezes, em 1955. Aos 60 anos, cansado, o Barão colabora por algum tempo na Última Hora, de Samuel Wainer. Quando vem o golpe de 1964, com a volta da repressão, cassações e prisões, Apparício vê repetir-se um filme já conhecido. “Esse mundo é redondo”, dizia ele, “mas está ficando chato”.

Nos últimos anos, Itararé torna-se um recluso em seu apartamento no bairro de Laranjeiras. Lê vorazmente e estuda matemática, biologia e eletrônica, paixões desde a juventude. Cercado de livros, vivia também rodeado de baratas, tratadas por ele como “companheiras”, por terem exercido tarefas importantes nos tempos de cadeia, levando amarrados nas costas papeizinhos com mensagens para seus colegas de cárcere. Com a saúde abalada e só – sua quarta mulher se suicidara anos antes e seus filhos não moravam com ele – Apparício Torelly morre em casa, aos 76 anos, em 27 de novembro de 1971. Era o fim do herói de dois séculos”, como se autodenominava, parodiando o revolucionário italiano Giuseppe Garibaldi (1807-1882), que lutara em seu país, no Brasil e Uruguai, conhecido como “o herói de dois mundos”.

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Por que Serra não foi ao 1º de Maio?

Nas comemorações do Dia Internacional dos Trabalhadores, o presidente Lula e a pré-candidata Dilma Rousseff participaram dos três principais atos em São Paulo. Ambos foram recebidos com entusiasmo por mais de 1,5 milhão de pessoas nestas festividades, que tiveram como bandeira central a luta pela redução da jornada de 44 para 40 horas semanais. Já o presidenciável demotucano José Serra preferiu não participar das manifestações do 1º de Maio.

Rechaçado pelas seis centrais sindicais legalizadas no país, o candidato da oposição neoliberal-conservadora aproveitou a data para participar de um culto religioso organizado pela Assembléia de Deus em Santa Catarina. O evento foi bancado pela prefeitura de Camboriú e pelo governo do estado, ambos administrados por tucanos. Eles destinaram R$ 540 mil para o evento, nos quais alguns pastores fizeram orações em apoio explícito a José Serra. A mídia demotucana, que critica tanto as centrais sindicais por receberem recursos públicos, preferiu ocultar a doação “sagrada”.

Teste de múltipla escolha

Mas por que José Serra não foi aos atos do 1º de Maio? Afinal, como ex-governador, ele até foi convidado oficialmente pela Força Sindical. Para o presidente da central, deputado Paulo Pereira da Silva (PDT), o Paulinho, a resposta é simples: “Ele tem medo dos trabalhadores”. Há outras hipóteses e o leitor pode votar numa das cinco elencadas abaixo neste teste de múltipla escolha:

1) Como ex-deputado na Assembléia Nacional Constituinte, em 1987/88, ele votou contra vários direitos dos trabalhadores, segundo levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), e temia ser lembrado por seu nefasto passado e vaiado pelos manifestantes;

2) Como ex-ministro de FHC, ele foi cúmplice da regressão trabalhista promovida nos oito anos de reinado tucano, que gerou recordes de desemprego, arrocho salarial, informalidade da mão-de-obra e precarizaçao do trabalho. Serra, cupincha de FHC, seria lembrando por esta tragédia;

3) Como ex-governador de São Paulo, Serra reprimiu violentamente todas as mobilizações dos trabalhadores, como a recente greve dos professores. Intransigente, ele nunca aceitou negociar com os sindicatos ou com o MST. A vingança poderia ser maligna nos atos do 1º de Maio;

4) Como candidato à presidente, o tucano representa o que há de mais reacionário no patronato e expressa suas idéias de flexibilização selvagem das leis trabalhistas. Será que ele teria coragem de defender a redução da jornada de trabalho? Do contrário, tome mais vaias;

5) Todas as alternativas anteriores – e muitas outras.

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segunda-feira, 3 de maio de 2010

1 de Maio em Cuba que a mídia oculta






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My Lai, o massacre que marcou a guerra

Reproduzo a segunda reportagem de Breno Altman sobre o Vietnã, publicada no Opera Mundi:

O vilarejo de Son Ly, na província de Quang Ngai, na região central do Vietnã, é de difícil acesso. Poucos turistas incluem esse povoado em seus planos de viagem. Quem vem para essa zona do país prefere os belos resorts de Da Nang, com seus campos de golfe, ou a bela cidade de Hoi An, declarada patrimônio histórico pela Unesco.

A estrada estreita e pedregosa que parte de Da Nang é percorrida por poucos estrangeiros. Possivelmente apenas por aqueles que resolveram prestar uma homenagem ou simplesmente conhecer o cenário de um dos mais bárbaros crimes de guerra.

A cidade de Son Ly é dividida em diversas aldeias. Uma delas atende pelo nome de My Lai. Ali, no dia 16 de março de 1968, tropas norte-americanas mataram entre 347 (versão do agressor) e 504 civis desarmados (segundo o cálculo vietnamita). A maioria era de velhos, mulheres e crianças. Não foram bombas ou mísseis sem rumo. A chacina foi realizada com fuzis e metralhadoras. A sangue frio. Olho no olho.

Atualmente, no lugar do massacre, fica o Memorial a My Lai. Além de um museu com fotos e imagens, os escombros da aldeia foram reconstruidos para que o visitante saiba onde está pisando. Pode-se ver as choupanas queimadas. As pisadas dos soldados norte-americanos e dos pequenos vietnamitas no cimento. Os animais mortos. As habitações simples em que os camponeses viviam.

Uma estátua de concreto homenageia os caídos. Um mural semelhante ao quadro Guernica, de Pablo Picasso, faz pensar como My Lai foi uma atrocidade parecida com a do bombardeio nazi-fascista sobre a cidade espanhola, durante a Guerra Civil entre 1936-1939.

A operação, conduzida pela Companhia Charlie, célula da 23ª Divisão de Infantaria dos EUA, foi planejada para responder aos ataques e baixas sofridos pelos norte-americanos dois meses antes, durante a chamada Ofensiva do Tet (o ano novo vietnamita). Seu serviço de inteligência tinha identicado que o 48º Batalhão da Frente Nacional de Libertação, atuante na província, teria encontrado refúgio nas aldeias de Son Ly.

A ordem do coronel Oran K. Henderson, comandante do 11º Brigada de Infantaria, foi expressa: “Entrem agressivamente. Encontrem o inimigo e o destruam.” O tenente-coronel Frank A. Barker repassou a ordem ao 1º Batalhão, ao qual se subordinava a Companhia Charlie, determinando que as casas dos moradores fossem queimadas, seus estoques de comida e poços d’água destruídos, seu rebanho aniquilado.

Coube ao capitão Ernest Medina, chefe da Companhia, dar o comando final, atendendo seus superiores. Seu raciocínio foi de uma terrível simplicidade: “Todos os habitantes das aldeias saem para o mercado às 7h. Quem não tiver saído é vietcong escondido e deve ser liquidado.” Um de seus subordinados perguntou se sua ordem incluía idosos, mulheres e crianças. Medina repetiu sua ordem anterior.

Essas declarações constam do procresso que investigou o que ocorreu em My Lai. A Companhia Charlie entrou em Son Ly apoiada por uma pequena artilheria e alguns helicópteros. O primeiro pelotão, liderado pelo segundo-tenente William Calley, determinou a seus homens que atirassem contra tudo que se mexesse. Começava a chacina de My Lai.

Outros dois pelotões se juntaram ao massacre. Além de My Lai, também a aldeia vizinha de My Khe foi atacada. Um piloto de helicóptero, Hugh Thompson, viu parte da chacina quando sobrevoava o local. Corpos de mulheres e crianças estavam no solo, alguns ainda com vida. Nenhum combatente inimigo.

Pousou sua aeronave e pediu a um dos soldados, David Mitchell, sargento do primeiro pelotão, que o ajudasse a retirar os feridos da fossa na qual estavam jogadas. A resposta foi que ele o ajudaria a “mandá-los para o inferno”. Chocado, Thompson procurou Calley. Foi rechaçado pelo tenente, que dizia aos gritos estar cumprindo ordens.

O piloto resolveu levantar vôo, não sabia o que fazer. Foi a principal testemunha contra os responsáveis diretos pela chacina.

Um fotógrafo do próprio exército dos Estados Unidos, Ronald L. Haeberle, tirou as fotos que chocariam o mundo. Depois de passar para a reserva, vendeu os negativos para um pequeno jornal de Cleveland, Estado de Ohio, chamado The Plain Dealer, que as publicou em novembro de 1969. No mês seguinte a revista Life reproduziria as fotos.

O primeiro relatório sobre My Lai noticiava a morte de 128 guerrilheiros vietnamitas e 22 civis durante ”combate feroz”. Os oficiais encarregados da ação foram cumprimentados pelo general William C. Westermoreland.

O massacre só não foi varrido para debaixo do tapete porque um soldado da Companhia Charlie, Ron Ridenhour, que não participou da operação, escreveu uma carta ao presidente da República e membros do Parlamento norte-americano.

Um ano depois do genocídio, uma investigação foi aberta. O exército tentou esconder o quanto pode os acontecimentos de My Lai. Mas o escândalo veio a público e foi determinante para a escalada da mobilização contra a guerra. Além das crescentes perdas humanas, que abalavam a sociedade norte-americana, tinha ido para o fundo do poça a credibilidade dos senhores das armas.

Vários oficiais foram processados. Mas apenas William Calley foi condenado. Saiu da corte marcial com uma sentença de prisão perpétua. No dia seguinte à condeção, o presidente Richard Nixon determinou que cumprisse sua pena em prisão domiciliar, dentro do Forte Benning, enquanto corresse sua apelação. A sentença original foi comutada para 20 anos, depois para dez.

Mas Calley cumpriria pouco mais de três por sua participação em My Lai.

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Os 35 anos da vitória contra os EUA



Reproduzo a excelente série de reportagens de Breno Altman sobre o heróico Vietnã, publicada no sítio Opera Mundi:

Ainda amanhecia quando milhares de vietnamitas, organizados em colunas, começaram a se aproximar do Parque 30 de Abril, diante do antigo palácio presidencial, na cidade de Ho Chi Minh. Sindicatos, universidades, fábricas e organizações camponesas enviaram suas delegações, além das forças armadas. Respondiam à convocação para a manifestação que celebraria o triunfo do Vietnã socialista contra o governo de Saigón (velho nome da cidade) e seus aliados norte-americanos.

Não foi um comício de tipo ocidental. O horário já era extravagante. Todos estavam avisados que as atividades começariam pontualmente às 6h30 e estariam encerradas três horas depois, antes que o calor alucinante de Ho Chi Minh vencesse o dia. Quem ocupava as arquibancadas armadas no caminho central do parque eram as autoridades e os convidados. Os cidadãos, com seus agrupamentos, foram os responsáveis pelo espetáculo.

Poucos discursos, apenas quatro – e religiosamente cronometrados. O primeiro secretário do Partido Comunista do município falou por 20 minutos. Depois vieram o presidente da Associação dos Veteranos de Guerra, o secretário-geral da federação sindical local e o presidente da Juventude Comunista de Ho Chi Minh – cada qual com direito a 10 minutos de discurso. O presidente da República, Nguyen Minh Triet, 68, um sulista que teve participação discreta na guerra e está no cargo desde 2006, apenas assistiu, junto com outros dirigentes.

Aproximadamente 50 mil pessoas desfilaram diante das tribunas. Grupos teatrais representaram momentos da guerra de 21 anos contra os norte-americanos e o então Vietnã do Sul. Muita música, até com um pouco de ritmo pop, além dos acordes previsíveis da Internacional (o histórico hino socialista) e de canções revolucionárias. Depois, uma longa marcha, com militares, trabalhadores, mulheres, intelectuais, estudantes, camponesesm com suas faixas e bandeiras, além de modestas coreografias.

Mas a maior emoção estava no rosto dos veteranos de guerra. Um deles era o coronel Nguyen Van Bach, de 74 anos, cabelos inteiramente brancos. Nascido na província de Binh Duong, no sul do país, integrou-se à luta armada em 1947, aos 11 anos. Ainda era a época da guerra contra os franceses, que não aceitavam a independência conquistada em 1945, sob a liderança do líder comunista Ho Chi Minh.

Van Bach ainda combatia no final de abril de 1975. Fazia parte das tropas guerrilheiras. Estava em um destacamento que já controlava a cidade de Tan An, na província de Long An, localizada no delta do rio Mekong. Foi lá que soube da queda de Saigon nas mãos de seus camaradas. “Tive uma alegria tão grande que provocava lágrimas”, lembra-se. Ainda se emociona, como vários de seus amigos, quando se recorda dessa data.

Afinal, no dia 30 de abril de 1975, encerravam-se mais de 30 anos de guerra regular ininterrupta. Desde que fora formado o primeiro pelotão da guerrilha comunista, em dezembro de 1944, sob o comando de Vo Nguyen Giap, braço direito de Ho Chi Minh, os vietnamitas enfrentaram sucessivamente invasores japoneses, franceses e norte-americanos.

Colonia francesa desde 1856, o Vietnã foi ocupado pelas tropas nipônicas durante a Segunda Guerra Mundial. Os comunistas assumiram a linha de frente na luta contra os soldados de Hiroito, aproveitando o colapso de Paris às voltas com a ocupação nazista. Lideraram uma frente de várias correntes políticas, denominada Vietminh, e declararam a independência do país depois da capitulação japonesa, em agosto de 1945. No dia 2 de setembro do mesmo ano nascia a República Democrática do Vietnã.

Guerra da Indochina

O general De Gaulle, presidente da França, assim que viu derrotado o nazismo, ordenou que suas tropas sufocassem os rebeldes vietnamitas. Foram oito anos de sangrentos combates. Os homens de Ho Chi Minh e Giap organizaram uma poderosa resistência guerrilheira, que progressivamente aterrorizou e desgastou os franceses. Mais de 90 mil gauleses perderam a vida nos campos de batalha.

A estocada final contra os colonizadores foi em 1954. Ficou conhecida como a batalha de Dien Bien Phu, uma região no noroeste do Vietnã, perto da fronteira com o Laos. Os franceses imaginavam-se invulneráveis nessa posição estratégica, da qual planejavam sua contra-ofensiva a partir de uma grande concentração de recursos humanos e materiais. Mas o Vietminh, através de trilhas na selva e túneis, foi cercando o local sem ser percebido.

Depois de oito semanas, entre 13 de março e 7 de maio, as tropas do general Christian De Castries estavam destruídas e desmoralizadas. Foi o derradeiro capítulo da chamada Guerra da Indochina. Os franceses, derrotados, aceitaram as negociações que levariam aos acordos de Genebra, em 1954. Pelos termos desse tratado, o Vietnã ficaria provisoriamente dividido em dois, ao norte e ao sul do paralelo 17. Mas eleições gerais teriam lugar em 1956 para reunificar o país.

Quando se consolidaram as perspectivas de vitória eleitoral comunista, os grupos conservadores chefiados pelo católico Ngo Dinh Diem deram um golpe de Estado no sul e cancelaram as eleições. Os Estados Unidos, que já tinham sido os principais financiadores das operações francesas, assumiram a defesa do regime de Saigon. Forneceram, a princípio, recursos, armas e assessores militares.

Guerra do Vietnã

Os comunistas reagiram e lideraram, a partir de 1960, um levante popular e guerrilheiro contra Diem, articulado pela Frente de Libertação Nacional com o apoio do norte. Os norte-americanos, diante da fragilidade de seus aliados, enviaram tropas para defendê-los. Era o início da Guerra do Vietnã.

A participação direta dos Estados Unidos durou até 1973. Acabaram asfixiados e quebrados como os franceses. “A supremacia deles era tecnológica”, recorda outro veterano, o general Do Xuan Cong, 72. “Mas o armamento deles era para guerra à distância, com aviões, foguetes e bombas. Nós reduzimos o espaço, forçamos o combate no quintal de suas tropas. As armas modernas não tiveram serventia nem substituíram sua falta de moral para a luta”.

A casa começou a cair depois da chamada Ofensiva do Tet (o ano novo vietnamita), em 1968, quando as forças guerrilheiras atacaram dezenas de objetivos ao mesmo tempo, incluindo a própria embaixada norte-americana em Saigon. A Casa Branca já tinha mais de 500 mil homens em combate. A sociedade estrilava com as mortes, derrotas e mentiras.

Os EUA, durante os quatro anos seguintes, despejaram uma quantidade de bombas superior a que foi empregada em todas as batalhas da Segunda Guerra Mundial. No final de 1972 submeteram Hanói a 12 dias e noites de terror. Utilizaram armas químicas para destruir a capacidade alimentar dos vietnamitas e anular as forças guerrilheiras. Mas suas tropas estavam cada vez mais tomadas pelo medo e incapazes de defender suas posições territoriais.

Derrota norte-americana

Washington se viu forçado às negociações de Paris, que levariam à retirada de seus soldados em 1973. O regime de Saigon ficou por sua própria conta. Não permaneceu de pé por muito tempo. Em 1975, o Vietnã reconquistava sua unidade nacional e os comunistas venciam a mais duradoura guerra do século 20.

Os mortos vietnamitas, civis e militares, chegaram a três milhões, contra apenas 50 mil “sobrinhos” do tio Sam. Dois milhões de cidadãos, incluindo filhos e netos da geração do conflito, padecem de alguma deformação genética provocada pela dioxina, subproduto cancerígeno presente no agente laranja, fartamente empregado pelos norte-americanos. Além das perdas humanas, a economia do país foi quase levada à idade de pedra, como preconizava o general norte-americano Curtis LeMay.

Mas quem desfila a vitória, ainda assim, é o Vietnã. Os norte-americanos foram ocupar o mesmo lugar na galeria de fotos que japoneses e franceses, para não falar dos chineses: o de agressores colocados para correr. “Nossa estratégia se baseou em uma ideia simples: a da guerra de todo o povo”, enfatiza o general Cong. “Não havia um centímetro de nosso território no qual os norte-americanos podiam ficar tranquilos. Eles perderam para o medo.”

Essas são águas passadas, porém. Das quais ficam lições, estímulos e valores, é certo, além de grandes livros, fotos e filmes. Mas não resolvem os desafios da paz. Os vietnamitas, nesses 35 anos, tiveram que cuidar de outro problema, para o qual a guerrilha e seus inventos não eram solução. Como alimentar e desenvolver uma nação tão pobre e destruída? Essa é a outra história do Vietnã indomável.

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Vitória dos torturadores: STF na contramão

Reproduzo o editorial do Vermelho sobre a lamentável decisão do Supremo na questão das torturas:

O fim da tarde desta quinta-feira (29) foi de festa e alívio para ex-agentes da repressão que atuaram à margem da lei durante a ditadura militar (1964-1985). Por sete votos a dois, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou improcedente a ação que pedia a inconstitucionalidade da Lei nº 6.638/79, conhecida como Lei da Anistia.

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) — que moveu a ação — questionava o 1º parágrafo do artigo 1º da lei. Por meio dele, os militares resolveram “autoanistiar-se” ainda em 1979. Tornaram impunes todos os agentes públicos que “cometeram crimes políticos” ou “crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”.

Não se pode afirmar que a deliberação do STF surpreende. Desde quarta-feira, quando se iniciou o histórico julgamento, a sessão apontava para deixar tudo como está. Ouvidos na tribuna do Supremo, representantes da Advocacia Geral da União (AGU) e da Procuradoria Geral da República (PGR) defenderam a validade da anistia como “instrumento necessário para permitir a transição segura para regimes democráticos”.

O ministro Eros Grau, relator do processo, afirmou que o Estado precisa reconhecer seus erros, sobretudo os crimes que cometeu em períodos de arbítrio. Mas, para justificar seu voto contrário à ação, ponderou que é de competência do Legislativo — e não do Judiciário — uma eventual revisão da Lei da Anistia. Seu voto, lido durante cinco horas, foi seguido por mais seis ministros e considerado “brilhante” pelo polêmico Gilmar Mendes.

Não há nada de “brilhante” numa interpretação da História que nega punição a autores de crimes hediondos. A Lei da Anistia concedeu perdão aos responsáveis por escabrosas práticas de tortura nos porões da ditadura. “É lícito e honesto que governantes e seus comandados que tenham cometido crimes de profunda violência sejam perdoados por uma lei votada por um Congresso submisso?”, perguntou o jurista Fábio Konder Comparato, no Supremo, quando falava em nome da OAB.

Com a Lei nº 9.140, de 1995, o Brasil reconheceu a responsabilidade do Estado pelos mortos e desaparecidos políticos do regime. Foi um avanço para fazer valer o “direito à memória e à verdade” — mas é pouco se comparado à reação de outros países do Cone Sul que enfrentaram governos autoritários na segunda metade do século 20. Mais de 25 anos após o fim de regime militar, os brasileiros sequer podem conhecer a justa dimensão do que era o aparato repressor.

Uruguai, Argentina, Paraguai e Chile, ao contrário, lutaram para responsabilizar e punir as altas autoridades políticas que cometeram crimes contra a humanidade. Por sinal, o julgamento da Lei da Anistia no STF começou uma semana depois de a Justiça argentina condenar Reynaldo Bignone, último presidente da ditadura militar do país (1976-1983), a 25 anos de prisão, por envolvimento em sequestro, roubo agravado, privação ilegítima de liberdade e imposição de torturas.

Decisões do gênero são quase impossíveis no Brasil, onde todos os generais-presidentes já estão mortos, de Castello Branco a João Baptista Figueiredo. Mas há centenas de brasileiros e até estrangeiros que patrocinaram, ordenaram ou efetivamente praticaram a tortura — e seus nomes são desconhecidos. Não temer o passado é um pré-requisito para a consolidação da democracia.

Mesmo depois de terem implantado um portentoso e clandestino aparato de repressão, os torturadores fracassaram ao tentar privar o Brasil de aspirações progressistas, democráticas e socialistas. Esses ideais continuam vivos e se expandem na sociedade brasileira — nos movimentos organizados, nos partidos políticos de esquerda, nos meios acadêmicos, culturais e artísticos, até mesmo nos grotões do país. Apesar dos torturadores. Apesar do Supremo.

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A mídia alternativa e o Barão de Itararé



No dia 14 de maio, às 19 horas, no auditório do Sindicato dos Engenheiros de São Paulo (Rua Genebra, 25, próximo à Câmara Municipal de São Paulo), ocorrerá o lançamento do Centro de Estudos da Mídia Alternativa “Barão de Itararé”. A nova entidade, que reúne em seu conselho jornalistas progressistas e lutadores sociais, tem como objetivos principais contribuir na luta pela democratização da comunicação, fortalecer a mídia alternativa e comunitária, promover estudos sobre a estratégica frente midiática e investir na formação dos novos comunicadores.

Uma justa homenagem

O nome “Barão de Itararé” é uma justa homenagem ao jornalista Aparício Torelli (1895-1971), considerado um dos criadores da imprensa alternativa no país e o “pai do humorismo brasileiro”, segundo a biografia elaborada pelo filósofo Leandro Konder. Criador dos jornais “A Manha” e “Almanhaque”, ele ironizou as elites, criticou a exploração e enfrentou os governos autoritários. Preso várias vezes, nunca perdeu o seu humor. Itararé é o nome da batalha que não houve entre a oligarquia cafeeira e as forças vitoriosas da Revolução de 1930.

Frasista genial, ele cunhou várias pérolas. Cansado de apanhar da polícia secreta do Estado Novo, colocou na porta do seu escritório uma placa com a hoje famosa frase “entre sem bater”. Político sagaz, ele percebeu a guinada nacionalista de Getúlio Vargas e respondeu aos críticos udenistas: “Não é triste mudar de idéias; triste é não ter idéias para mudar”. Militante do Partido Comunista do Brasil (PCB), Apparício foi eleito vereador pelo Rio de Janeiro em 1946 com o lema “mais leite, mais água e menos água no leite” – denunciando fraudes da indústria leiteira.

Crítico ácido dos jornais golpistas

Seu mandato foi combativo e irreverente. Segundo o então senador Luiz Carlos Prestes, “o Barão não só fez a Câmara rir, como as lavadeiras e os trabalhadores. As favelas suspendiam as novelas para ouvir as sessões que eram transmitidas pela rádio”. Teve o seu mandato cassado juntamente com a cassação do registro do PCB, em 1947, e declarou solenemente: “Saio da vida pública para entrar na privada”. Seu jornal, A Manha, foi novamente empastelado e, com dificuldades financeiras, ele escreveu: “Devo tanto que, se eu chamar alguém de ‘meu bem’, o banco toma”. Passou a colaborar com o jornal getulista A Última Hora e lançou ainda mais dois Almanhaque.

Diante da grave crise política que resultou no suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, afirmou: “Há qualquer coisa no ar, além dos aviões de carreira”. Barão de Itararé denunciou as manipulações da imprensa, foi um crítico ácido dos jornais golpistas de Assis Chateaubriand e Carlos Lacerda e um entusiasta do jornalismo alternativo. Após o golpe militar de 1964, ele passou por inúmeras privações. Faleceu em 27 de novembro de 1971. Em sua lápide poderia estar inscrita uma de suas frases prediletas. “Nunca desista de seu sonho. Se acabou numa padaria, procure em outra”.

Entidade ampla e plural

A criação da nova entidade, que atuará em parceria com várias outras que já priorizam a luta pela democratização da comunicação, empolgou jornalistas e lutadores sociais. Entre outros, integram seu conselho os jornalistas Luis Nassif, Leandro Fortes, Luiz Carlos Azenha, Maria Inês Nassif, Rodrigo Vianna, Beto Almeida, Gilberto Maringoni; os professores Venício A. de Lima, Marcos Dantas, Dênis de Moraes, Laurindo Lalo Leal Filho, Gilson Caroni, Igor Fuser, Sérgio Amadeu.

Visando fortalecer a mídia alternativa já existente, também participam os responsáveis de vários veículos progressistas – Breno Altman (Opera Mundi), Carlos Lopes (Hora do Povo), Ermanno Allegri (Adital), Wagner Nabuco (Caros Amigos), Joaquim Palhares (Carta Maior), Eduardo Guimarães (Cidadania), Renato Rovai (Fórum), Nilton Viana (Brasil de Fato), Paulo Salvador (Revista do Brasil), Oswaldo Colibri (Rádio Brasil Atual), José Reinaldo Carvalho (Vermelho).

O conselho reúne ainda lideranças dos movimentos sociais, dirigentes de entidades vinculadas à comunicação pública e comunitária – Edivaldo Farias (Abccom), Regina Lima (Abepec), José Sóter (Abraço), Orlando Guilhon (Arpub) – e integrantes de instituições engajadas na luta pela democratização da mídia – João Brant (Intervozes), João Franzin (Agência Sindical), Sérgio Gomes (Oboré), Vito Giannotti (NPC), Rita Freire (Ciranda).

Seminário "A mídia e as eleições de 2010"

O lançamento do Centro de Estudos da Mídia Alternativa “Barão de Itararé” se dará durante a realização do seminário nacional “A mídia e as eleições de 2010”. As inscrições para o evento se encerram em 12 de maio e custam R$ 20,00. As vagas são limitadas. Os interessados devem entrar em contato com Danielli Penha pelo telefone (11) 3054-1829 ou pelo endereço eletrônico britarare@gmail.com. Abaixo a programação:

Dia 14 de maio, sexta-feira, às 18h30

A cobertura jornalística da sucessão presidencial

- Maria Inês Nassif – Jornal Valor Econômico;
- Leandro Fortes – Revista CartaCapital;
- Paulo Henrique Amorim – Sítio Conserva Afiada;
- Altamiro Borges – Portal Vermelho;

Dia 14 de maio, sexta-feira, às 21 horas.

Coquetel de lançamento do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé.

Local: Auditório do Sindicato dos Engenheiros de São Paulo (Rua Genebra, 25)

Dia 15 de maio, sábado, 9 horas:

Plataforma democrática para a comunicação.

- Marcos Dantas – professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro;
- Luiza Erundina – deputada federal do PSB-SP;
- Manuela D’Ávila – deputada federal do PCdoB-RS;
- Igor Felippe – assessoria de imprensa do MST;

Dia 15 de maio, 14 horas:

Políticas públicas para democratização da comunicação.

- Ottoni Fernandes – secretário executivo da Secom;
- Regina Lima (Abepec) – presidente da Abepec;
- Jandira Feghali – ex-secretária de Cultura do Rio de Janeiro;
- José Soter (Abraço) – coordenador nacional da Abraço.

Dia 15 de maio, 17 horas:

Lançamento do livro “Vozes em cena – Análise das estratégias discursivas da mídia sobre os escândalos políticos”, de Regina Lima.

- Local: Salão nobre da Câmara Municipal de São Paulo (Viaduto Maria Paula).

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domingo, 2 de maio de 2010

Conferências de Domenico Losurdo no Brasil



Reproduzo release enviado por Ivana Jinkings, da Boitempo Editorial:

Marcando o lançamento de “A linguagem do Império - léxico da ideologia estadunidense”, a Boitempo traz ao Brasil o filósofo Domenico Losurdo para uma série de conferências em universidades. Losurdo debaterá com intelectuais de peso como Antonio Carlos Mazzeo, Marcos Del Roio, João Quartim de Morais, Ruy Braga, Giovanni Semeraro e Gaudêncio Frigotto, entre outros, passando, a partir de 3 de maio, por São Paulo (USP e PUC), Marília (Unesp), Campinas (Unicamp), Belo Horizonte (UFMG), Fortaleza (parceria com a Prefeitura) e Rio de Janeiro (UFF e Uerj). Confira a programação completa abaixo.

Estudioso de Nietszche e Heidegger, mas também crítico do pensamento liberal suposta e pretensamente universalista, o autor busca neste livro definir raízes, bases e fronteiras do discurso ideológico estadunidense, que atualmente dirige suas armas para o chamado Oriente. Segundo Losurdo, os Estados Unidos utilizam-se de categorias como "terrorismo", "fundamentalismo", "ódio ao Ocidente" e "antiamericanismo" como "armas de guerra" para rotular não só seus inimigos como também os que não mostram disposição em cerrar fileiras neste combate aos que ameaçam seu modelo de sociedade. "Quem não estiver com a América é automaticamente inimigo da paz e da civilização", aponta Losurdo, que busca nesta importante obra refletir sobre os perigos desta política, a partir da qual "a lista dos possíveis alvos pode ser continuamente atualizada e aumentada".

Programação

São Paulo (USP) - 03/05, 18h
Com a participação de Ruy Braga (USP) e Antonio Carlos Mazzeo (Unesp)
Local: Casa de Cultura Japonesa (USP). Av. Prof. Lineu Prestes, 159 - Cidade Universitária.
Organização: Boitempo e Cenedic-USP

Marília - 04/05, 20h
Apresentação e coordenação de Marcos Del Roio (Unesp)
Local: Anfiteatro I da FFC- UNESP / Marília. Av. Hygino Muzzi Filho, 737
Organização: Boitempo; GP Cultura e Política do Mundo do Trabalho; Programa de PG em Ciências Sociais; Departamento de Ciências Políticas e Econômicas da UNESP

Campinas - 05/05, 14h
Debatedor: João Quartim de Morais (Unicamp)
Local: Auditório do IFCH. Rua Cora Coralina S/N. Cidade Universitária Zeferino Vaz”
Organização: Boitempo e Cemarx/IFCH-Unicamp

Belo Horizonte - 06/05, 15h
Debate: Nietzsche e o marxismo, com: Antonio Julio Menezes, Rosemary Dore, Rogério Antonio Lopes
Local: Sala de Teleconferência da Faculdade de Educação da UFMG. Av. Antônio Carlos, 6627
Organização: Linhas de pesquisa Política, Trabalho e Formação Humana e Políticas Públicas de Educação: Concepção, Implementação e Avaliação do Programa de Pós- Graduação em Educação da Faculdade de Educação da UFMG

São Paulo (PUC) - 10/05, 19h30
Apresentação de Maria Margarida Cavalcanti Limena (PUC)
Local: Auditório 239 - Prédio Novo. Entrada Rua Ministro Godoi, 969, Perdizes.
Organização: Boitempo e Núcleo de Estudos de História: trabalho, ideologia e poder, da graduação e pós da História, das Faculdades de Ciências Sociais e Serviço Social da PUC-SP

Fortaleza - 12/05, 17h30
Conferência de Domenico Losurdo
Local: Mercado dos Pinhões - Pça. Visconde de Pelotas
Promoção: Prefeitura Municipal de Fortaleza (Comissão de Participação Popular e Secretaria de Cultura Municipal) e Boitempo Editorial

Rio de Janeiro (UFF) - 13/05, 18h30
Coordenação e apresentação de Giovanni Semeraro (UFF)
Local: Auditório Florestan Fernandes, Bloco D, Campus do Gragoatá. Av. Visconde de Rio Branco, s/n
Organização: Boitempo e Programa de PG em Educação e Núcleo de Estudos e Pesquisas em Filosofia Política e Educação (NUFIPE/UFF)

Rio de Janeiro (UERJ) - 14/05, 18h
Com a participação de Gaudêncio Frigotto (UERJ e UFF)
Local: Capela Ecumênica. Rua São Francisco Xavier, 524.
Organização: Boitempo, PPFH e LPP-UERG

Os Bric e a globalização da pobreza

Reproduzo artigo de Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), publicado no jornal Valor Econômico:

Os mais recentes indicadores a respeito da evolução da pobreza global revelam uma crescente desconexão entre o que o mundo poderia ser e o que realmente é. Em grande medida, a maior fragilidade da governança global conduzida pelas nações ricas durante as duas últimas décadas tem apontado para maior polarização social entre riqueza e pobreza.

Em parte, essa polarização se deve ao agravamento da questão social em quase dois terços da população do planeta. Não fosse o desempenho de alguns poucos países como Brasil e China, por exemplo, na redução da quantidade de miseráveis e pobres, o retrocesso poderia ser ainda mais grave. Na comparação de 2005 com 1981, percebe-se, por exemplo, que o universo de miseráveis do mundo com renda mensal per capita atual de até R$ 61,20, passou de 1,9 bilhão (52,2% da população em 1981) para 1,4 bilhão de pessoas (25,7% da população em 2005). A diminuição de 26,8% na quantidade de miseráveis globais (meio milhão de indivíduos) ocorreu fundamentalmente pelo fator China, com a saída de 627,4 milhões de pessoas da condição de miseráveis entre 1981 (835,1 milhões) e 2005 (207,7 milhões).

Essa fantástica queda de 75,1% no número de miseráveis chineses foi acompanhada pelo aumento da quantidade de pessoas na condição de miseráveis no resto do mundo. Ou seja, sem a China, o mundo apresenta uma adição de 114 milhões de pessoas miseráveis, tendo em vista o aumento de 1,1 bilhão de pessoas nessa condição em 1981 para 1,2 bilhão em 2005. Mesmo com o aumento médio anual de quase 5 milhões de miseráveis no mundo sem a China, a taxa de miseráveis caiu 29%. Entre os anos de 1981 e 2005, a taxa de miseráveis do mundo baixou de 40,4% para 28,7% da população, sem a China, em virtude do crescimento demográfico para o segmento fora da condição de miserabilidade.

Se avançar no conceito de miserável para o de pobreza mundial, o que significa ter como parâmetro a insuficiência de renda per capita para viver com até R$ 122 mensais atuais, a quantidade de pobres pulou de 2,7 bilhões (74,8% da população em 1981) para 3,1 bilhões (57,6% da população em 2005). Embora a taxa de pobreza no mundo tenha caído 23%, a quantidade de pobres aumentou em cerca de 402 milhões. A China registrou a queda de 342 milhões de pobres entre 1981 e 2005. Isso não foi suficiente para compensar a elevação do número de pobres na parte restante do mundo em 743 milhões de indivíduos.

Em 24 anos, o mundo, sem a China, teria mantido seis a cada grupo de dez pessoas na condição de pobreza. Em 2005, a taxa de pobreza foi de 60,1%, enquanto em 1981 era de 65,6%, com medíocre redução acumulada de 8,4%.

Esse conjunto de dados sintetizados na evolução dos miseráveis e pobres globais merece ser analisado à luz dos principais acontecimentos políticos, econômicos e sociais a partir do final da década de 1970. O esgotamento do padrão de desenvolvimento do segundo pós-guerra foi acompanhado pela desgovernança mundial. O fim da bipolaridade (EUA e URSS), a queda do muro de Berlim e a decadência mais recente dos Estados Unidos foram acompanhados simultaneamente pela expansão inédita do poder econômico da grande corporação transnacional e pela perda de eficiência do sistema das Nações Unidas (ONU, Bird, FMI, OMC) na administração dos conflitos e construção de grandes e efetivas convergências globais.

Por consequência, há maior polarização entre ricos e pobres. O ciclo de expansão econômica, comercial e tecnológica parece ter sido muito bem aproveitado por grandes corporações transnacionais e pela superelite global. Enquanto as 500 maiores corporações já respondem por mais de 40% do PIB mundial, com força econômica superior à de países, 1,2 milhão de clãs de famílias apropriam-se de 55% da riqueza do planeta.

Reorganizar a governança global tornou-se tarefa inequívoca do esforço de construção de uma nova realidade que permita aproximar o mundo superior que se pode ter do que atualmente existe. A medida de miseráveis e pobres não deixa de ser um indicador que poderia ser perfeitamente revertido, dados os ganhos fantásticos de riqueza, conforme a experiência de países como a China e, mais recentemente, o Brasil. Uma nova globalização precisa ser reinventada, com espaço crescente da liderança das nações que constituem os Bric (Brasil, Rússia, Índia e China).

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