Reproduzo artigo enviado pelo amigo Gilson Caroni Filho:
Ao decidir condenar o Estado brasileiro por não ter investigado crimes contra a ditadura militar, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA voltou a tocar na maior ferida da transição pactuada nos anos 1980. Trata-se do “toma lá dá cá” costurado pela Aliança Democrática e as Forças Armadas, no qual a Nova República seria velha o suficiente para não escarafunchar o passado – sobretudo o passado de militares – e seu envolvimento em torturas, mortes e desaparecimento dos oponentes daquele regime. Da política de conciliação que pouco concilia, mas muito compromete, ainda não conseguimos nos desvencilhar a contento, apesar dos incontestáveis avanços nos dois governos de Lula.
Foram inúmeras as ocasiões em que, sempre que se buscou retomar o tema, a balança dos acordos recíprocos não se moveu. Afinal a Lei da Anistia, de agosto de 1979, sempre foi a ponta da meada com que se teceu, posteriormente, o acordo dos antigos com os novos governantes. Até hoje sucessivas gerações tateiam no espaço público à procura de sinais que lhe permitam encontrar respostas para suas múltiplas interrogações. A de maior centralidade seria a que indaga se é possível consolidarmos um regime democrático sem que, em todos os níveis e sob todas as suas formas, seus princípios se realizem para todos.
Os defensores da tese de que governos democráticos podem e devem rever instrumentos legais herdados de um regime de força, muitas vezes, seguem um caminho moral e outro, jurídico. Moralmente, ao entenderem que torturadores devam se sentar no banco dos réus, tentam impedir que novos crimes dessa natureza venham a ser cometidos no futuro. Já do ponto de vista jurídico, a própria lei possibilita uma interpretação que permite satisfazer às exigências do sistema interamericano.
Ao introduzir o princípio da conexidade, que fixa que à anistia concedida a um preso político corresponde o perdão ao seu eventual algoz, o regime militar acabou colocando a si mesmo em uma situação paradoxal. Como explicou em diversas oportunidades o advogado Luiz Eduardo Greenhalg, ”o dispositivo inicialmente não beneficiava os envolvidos em seqüestros, atentados pessoais ou crimes de sangue. Ao não anistiar essas pessoas, a lei, pelo seu fundamento de conexidade, também não pode conceder anistia a quem os tenha torturado". Ou seja, ao contrário do entendimento recente do STF, nem todos os militares envolvidos na repressão estavam anistiados. Mas a questão é mais esdrúxula do que parece.
Um exercício de lógica elementar é o suficiente para pôr abaixo a “criativa” construção jurídica dos porões. Alguém que tenha cometido um crime político de opinião, anistiável pelos preceitos legais da ditadura, e tenha sido torturado precisaria ter, então, do outro lado da linha de conexão, a figura do torturador para que ele também fosse anistiado. Como o regime militar nunca reconheceu a existência de torturadores, a conexão deixaria de existir e a tortura ficaria no campo do crime comum – no qual nunca houve e não há Lei da Anistia.
O novo ciclo que se inicia com a presidente Dilma precisa aprofundar a questão da inviolabilidade dos direitos humanos. O entulho autoritário, no Brasil, apenas cresceu durante a longa noite dos generais. Suas raízes, no entanto, são seculares, fincadas fundas nas estruturas coloniais, escravistas e aristocráticas, herdadas ao longo de uma história em que o único fenômeno permanente foi o uso prepotente, e quase sempre inepto, do poder.
As mudanças estruturais forjadas nos últimos anos já não contemplam uma história fechada na quadratura do círculo que a direita levianamente insinua como realista e sensata. Foi para romper com esse cenário que ganhamos as eleições de Outubro. O paradeiro dos desaparecidos está em fronteiras nítidas. Nelas, independentemente de arranjos internos, crimes como a tortura são imprescritíveis.
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terça-feira, 21 de dezembro de 2010
segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
Debate dos blogueiros progressistas do RJ
Reproduzo matéria de Miguel do Rosário, publicado no blog Gonzum. Os blogueiros cariocas estão de parabéns, olhando com generosidade e sem sectarismos para frente, para os novos desafios:
Os blogueiros progressistas do Rio de Janeiro continuam botando a mão na massa e trabalhando. No dia 18 de dezembro, um sábado quente e modorrento, a uma semana do Natal, conseguimos reunir mais de sessenta pessoas, inclusive de outros estados, inclusive os guerreiros da Rede Liberdade, para um debate sobre a função política da blogosfera à luz da nova correlação de forças criada pela eleição de Dilma Rousseff.
Organizamos tudo na marra, sem patrocínio. Eu, um reles blogueiro desempregado, botei uma boa grana do próprio bolso; e não só eu, vários outros companheiros o fizeram; como sempre a blogosfera demonstrou generosidade, idealismo e disposição para fazer acontecer. Valeu a pena. É o tipo de investimento que você faz com orgulho. Alugamos o auditório do Sindicato dos Bancários, que possuía um bom sistema de ar-condicionado e bebedouro com água mineral (fatores fundamentais nessa época do ano no Rio…), compramos garrafas térmicas para servir café, chocolate, amendoins, biscoitinhos doces e salgados. Não tem preço ficar de frente, tocar e abraçar aqueles idealistas, de olhos bondosos e puros, que outros chamam de “sujos” e que agora alguns tentam destruir a golpes de pedantismo.
Houve problemas com o som e com a internet. Um companheiro nosso que deveria trazer o som, não o fez, e tivemos que falar sem microfone, o que não foi problema por se tratar de um auditório com excelente acústica. Também não foi possível fazer a transmissão online via internet, igualmente por incompetência nossa, que nos esforçaremos para que não se repita em eventos futuros.
Fabiano Santos, um cientista político de primeira grandeza, do Iupesp-UERJ, abriu o debate com uma brilhante exposição sobre o momento político brasileiro. Relatou, em primeiro lugar, como mergulhou de cabeça na blogosfera, após sentir-se ofendido com matéria publicada num grande jornal do Rio, que atacava o instituto onde ele trabalhava, o Iuperj. Passou a ser um consumidor de blogs, começando pelo do Nassif.
Fabiano Santos elogiou o termo “progressista”, conceito que, segundo ele, contava com sua total simpatia, como aliás deixou claro ao aceitar prontamente o convite que lhe fiz de participar do evento e pela seriedade com que desempenhou sua tarefa. O cientista elogiou muito a contribuição dos blogueiros progressistas no sentido de ampliar o debate democrático no país.
Santos analisou a função da blogosfera política nas eleições e discorreu sobre as perspectivas eleitorais futuras. Uma das funções seria a reiteração ideológica, onde o indivíduo encontraria em alguns blogs uma visão parecida. Este fator, segundo ele, tem relevância política porque fornece argumentos e autoconfiança para um determinado núcleo duro, de pessoas interessadas no assunto, que são procuradas pela maioria, que apenas se interessa por política durante o momento eleitoral.
Outra função, que seria a ideal, seria a de persuadir, e eventualmente mudar o voto de uma pessoa.
Santos disse acreditar, no entanto, que a primeira função seria mais comum na blogosfera de esquerda atual.
Em seguida, ele fez considerações de ordem propriamente política-eleitoral-partidária. Lembrou a tese de seu pai, Wanderley Guilherme dos Santos, de que há uma possiblidade forte de união entre Aécio Neves e lideranças do PSB, e mesmo de outros partidos, sobretudo porque muitos estão se sentindo “órfãos” na divisão de poder entre PT e PMDB. Lembrou que da mesma forma que o PT se aliou ao PL, o PSB pode se aliar ao PSDB. A diferença (e aqui vai minha opinião, embora eu ache que o Fabiano concordaria com ela) é que, no caso da dupla PT X PL, a esquerda vinha na cabeça, enquanto a chapa PSDB X PSB teria um perfil hegemonicamente conservador.
Respondendo a uma pergunta minha, Santos apontou mais um desafio para a esquerda: lidar com o avanço das bandeiras conservadoras gerado pela ascensão social de um número grande de pessoas. A partir do momento em que se amplia o tamanho da classe média, outras demandas se impõem, entre elas, a discussão sobre a carga tributária.
Santos observou, todavia, que esses dilemas, hoje muito prementes entre a esquerda européia (onde a classe trabalhadora que votava na esquerda hoje vota na direita pelas mesmas razões), ainda demorarão a se tornar tão aguçados no Brasil. Observação minha: não vão demorar tanto, ainda mais porque a mídia já identificou esses possíveis ponto-fracos da esquerda e vem trabalhando com afinco para satanizar a cobrança de impostos (o que não é difícil, visto que ninguém gosta de pagar imposto; de maneira que a pregação tem um quê de irresponsabilidade republicana, bem típica do tipo de direita que temos no Brasil). Outra observação é que isso é processo político normal e inevitável e se a esquerda não souber enfrentar essa luta com sabedoria, merecerá a derrota.
O cientista disse ainda que a imprensa grande é conservadora no mundo inteiro, com raras exceções. Eu lembrei das exceções: França e Itália, onde temos grande imprensa de esquerda, mas em todos os países americanos, mídia grande é ligada aos partidos conservadores.
Bemvindo Sequeira falou em seguida. Lembrou do tempo em que foi diretor do sindicato dos artistas, e sofria na mão de uma ultra-minoria ultra-esquerdista que sabotava sistematicamente as convenções, forçando as melhores cabeças a irem embora para casa, depois do que eles assumiam as votações e aprovavam bandeiras radicais, inconvenientes e contraproducentes.
O ator contou a história do grupo Rede Liberdade, que promove encontros virtuais, entrevistas, festas, e outros eventos.
Sequeira, como era de se esperar, extraiu fortes risadas da plateia com sua irreverência livre e inteligente. Socialista maduro, responsável, positivamente astuto, o ator e comediante também fez uma bela defesa da liberdade de expressão nos debates políticos, ou seja, do não-patrulhamento, e a tolerância para com a opinião divergente. A harmonia carinhosa entre ele, que defende a ação do governo estadual e federal no Complexo do Alemão, e o cartunista Latuff (a seu lado na mesa), que a critica ferinamente, era um exemplo maravilhoso e concreto. É possível discordar sem rancor.
Latuff dedicou grande parte de seu tempo a criticar a ação do Estado no Complexo do Alemão. Apesar d’eu discordar dele, compreendo e até apoio (por mais paradoxal que isso possa parecer) a manifestação de Latuff. De fato, a mídia produziu um consenso assustador nesse caso. O Globo deixou bem claro o que pode fazer quando “gosta” de uma determinada ação governamental: abraça-a com a mesma violência manipuladora e exagerada que usa para atacar ações que não gosta. Mesmo apoiando a ação, eu adverti por aqui a minha profunda discordância do tom salvacionista adotado pela Globo para descrever a ação.
O fato, porém, é que os principais movimentos sociais ligados às favelas apoiaram a invasão do Alemão pelo exército e polícia, mas todos tivemos muito medo de uma carnificina e por isso mesmo houve uma grande mobilização para que fosse tomado extremo cuidado para com os direitos humanos. A bem da verdade, a própria presença maciça dos canais de tv ajudou a evitar um banho de sangue. A mídia, conservadora ou não, é importante neste caso, porque permite à sociedade vigiar de perto o poder público.
Depois do evento, uma parte dos blogueiros progressistas confraternizaram no Bar do Gomes, na Lapa, que eu e meus amigos chamamos ainda pelo nome antigo: o Ceará. Rodrigo Brandão, Arles, Rô, Latuff, o Betinho de BH, e vários outros. Havia um objetivo de confabular sobre o Encontro Regional, mas a bem da verdade, a gente usou o tempo para falar genericamente de política, relembrar anedotas, trocar impressões, ou simplesmente falar besteira.
O Emir Sader, que participaria do debate, mas não pode fazê-lo por estar em Foz do Iguaçu, num evento de lideranças da América Latina, mandou-nos uma cartinha:
Caros blogueiros, caros companheiros e amigos
Impossibilitado de participar desse importante debate, mando um abraço a todos. Terminamos um ano e uma década muito importantes para o Brasil e a América Latina. Começamos a construir alternativas ao neoliberalismo – ao reino do dinheiro, do tudo se vende, tudo se compra, e, que tudo tem preço – para começar a entender e a colocar em prática o principio democratico de que o essencial não tem preço. E o essencial são os direitos de todos.
No plano da comunicação, nossa ação guerrilheira surte efeitos e nos anima a seguir adiante. Mas não devemos ter ilusões; lutamos contra Exércitos regulares, com um poder de fogo muito superior ao nosso.
Estamos coseguindo demonstrar a superioridade politica, cultural e moral, do plurarismo, da diversidade, da multiplicação de vozes – princípios em que deve se assentar uma politica democrática de comunicação social.
Com debates como esse, vamos estabelecendo os elos desse nova politica.
Sou apenas mais um da nossa turma.
Um abraço.
Emir Sader
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Os blogueiros progressistas do Rio de Janeiro continuam botando a mão na massa e trabalhando. No dia 18 de dezembro, um sábado quente e modorrento, a uma semana do Natal, conseguimos reunir mais de sessenta pessoas, inclusive de outros estados, inclusive os guerreiros da Rede Liberdade, para um debate sobre a função política da blogosfera à luz da nova correlação de forças criada pela eleição de Dilma Rousseff.
Organizamos tudo na marra, sem patrocínio. Eu, um reles blogueiro desempregado, botei uma boa grana do próprio bolso; e não só eu, vários outros companheiros o fizeram; como sempre a blogosfera demonstrou generosidade, idealismo e disposição para fazer acontecer. Valeu a pena. É o tipo de investimento que você faz com orgulho. Alugamos o auditório do Sindicato dos Bancários, que possuía um bom sistema de ar-condicionado e bebedouro com água mineral (fatores fundamentais nessa época do ano no Rio…), compramos garrafas térmicas para servir café, chocolate, amendoins, biscoitinhos doces e salgados. Não tem preço ficar de frente, tocar e abraçar aqueles idealistas, de olhos bondosos e puros, que outros chamam de “sujos” e que agora alguns tentam destruir a golpes de pedantismo.
Houve problemas com o som e com a internet. Um companheiro nosso que deveria trazer o som, não o fez, e tivemos que falar sem microfone, o que não foi problema por se tratar de um auditório com excelente acústica. Também não foi possível fazer a transmissão online via internet, igualmente por incompetência nossa, que nos esforçaremos para que não se repita em eventos futuros.
Fabiano Santos, um cientista político de primeira grandeza, do Iupesp-UERJ, abriu o debate com uma brilhante exposição sobre o momento político brasileiro. Relatou, em primeiro lugar, como mergulhou de cabeça na blogosfera, após sentir-se ofendido com matéria publicada num grande jornal do Rio, que atacava o instituto onde ele trabalhava, o Iuperj. Passou a ser um consumidor de blogs, começando pelo do Nassif.
Fabiano Santos elogiou o termo “progressista”, conceito que, segundo ele, contava com sua total simpatia, como aliás deixou claro ao aceitar prontamente o convite que lhe fiz de participar do evento e pela seriedade com que desempenhou sua tarefa. O cientista elogiou muito a contribuição dos blogueiros progressistas no sentido de ampliar o debate democrático no país.
Santos analisou a função da blogosfera política nas eleições e discorreu sobre as perspectivas eleitorais futuras. Uma das funções seria a reiteração ideológica, onde o indivíduo encontraria em alguns blogs uma visão parecida. Este fator, segundo ele, tem relevância política porque fornece argumentos e autoconfiança para um determinado núcleo duro, de pessoas interessadas no assunto, que são procuradas pela maioria, que apenas se interessa por política durante o momento eleitoral.
Outra função, que seria a ideal, seria a de persuadir, e eventualmente mudar o voto de uma pessoa.
Santos disse acreditar, no entanto, que a primeira função seria mais comum na blogosfera de esquerda atual.
Em seguida, ele fez considerações de ordem propriamente política-eleitoral-partidária. Lembrou a tese de seu pai, Wanderley Guilherme dos Santos, de que há uma possiblidade forte de união entre Aécio Neves e lideranças do PSB, e mesmo de outros partidos, sobretudo porque muitos estão se sentindo “órfãos” na divisão de poder entre PT e PMDB. Lembrou que da mesma forma que o PT se aliou ao PL, o PSB pode se aliar ao PSDB. A diferença (e aqui vai minha opinião, embora eu ache que o Fabiano concordaria com ela) é que, no caso da dupla PT X PL, a esquerda vinha na cabeça, enquanto a chapa PSDB X PSB teria um perfil hegemonicamente conservador.
Respondendo a uma pergunta minha, Santos apontou mais um desafio para a esquerda: lidar com o avanço das bandeiras conservadoras gerado pela ascensão social de um número grande de pessoas. A partir do momento em que se amplia o tamanho da classe média, outras demandas se impõem, entre elas, a discussão sobre a carga tributária.
Santos observou, todavia, que esses dilemas, hoje muito prementes entre a esquerda européia (onde a classe trabalhadora que votava na esquerda hoje vota na direita pelas mesmas razões), ainda demorarão a se tornar tão aguçados no Brasil. Observação minha: não vão demorar tanto, ainda mais porque a mídia já identificou esses possíveis ponto-fracos da esquerda e vem trabalhando com afinco para satanizar a cobrança de impostos (o que não é difícil, visto que ninguém gosta de pagar imposto; de maneira que a pregação tem um quê de irresponsabilidade republicana, bem típica do tipo de direita que temos no Brasil). Outra observação é que isso é processo político normal e inevitável e se a esquerda não souber enfrentar essa luta com sabedoria, merecerá a derrota.
O cientista disse ainda que a imprensa grande é conservadora no mundo inteiro, com raras exceções. Eu lembrei das exceções: França e Itália, onde temos grande imprensa de esquerda, mas em todos os países americanos, mídia grande é ligada aos partidos conservadores.
Bemvindo Sequeira falou em seguida. Lembrou do tempo em que foi diretor do sindicato dos artistas, e sofria na mão de uma ultra-minoria ultra-esquerdista que sabotava sistematicamente as convenções, forçando as melhores cabeças a irem embora para casa, depois do que eles assumiam as votações e aprovavam bandeiras radicais, inconvenientes e contraproducentes.
O ator contou a história do grupo Rede Liberdade, que promove encontros virtuais, entrevistas, festas, e outros eventos.
Sequeira, como era de se esperar, extraiu fortes risadas da plateia com sua irreverência livre e inteligente. Socialista maduro, responsável, positivamente astuto, o ator e comediante também fez uma bela defesa da liberdade de expressão nos debates políticos, ou seja, do não-patrulhamento, e a tolerância para com a opinião divergente. A harmonia carinhosa entre ele, que defende a ação do governo estadual e federal no Complexo do Alemão, e o cartunista Latuff (a seu lado na mesa), que a critica ferinamente, era um exemplo maravilhoso e concreto. É possível discordar sem rancor.
Latuff dedicou grande parte de seu tempo a criticar a ação do Estado no Complexo do Alemão. Apesar d’eu discordar dele, compreendo e até apoio (por mais paradoxal que isso possa parecer) a manifestação de Latuff. De fato, a mídia produziu um consenso assustador nesse caso. O Globo deixou bem claro o que pode fazer quando “gosta” de uma determinada ação governamental: abraça-a com a mesma violência manipuladora e exagerada que usa para atacar ações que não gosta. Mesmo apoiando a ação, eu adverti por aqui a minha profunda discordância do tom salvacionista adotado pela Globo para descrever a ação.
O fato, porém, é que os principais movimentos sociais ligados às favelas apoiaram a invasão do Alemão pelo exército e polícia, mas todos tivemos muito medo de uma carnificina e por isso mesmo houve uma grande mobilização para que fosse tomado extremo cuidado para com os direitos humanos. A bem da verdade, a própria presença maciça dos canais de tv ajudou a evitar um banho de sangue. A mídia, conservadora ou não, é importante neste caso, porque permite à sociedade vigiar de perto o poder público.
Depois do evento, uma parte dos blogueiros progressistas confraternizaram no Bar do Gomes, na Lapa, que eu e meus amigos chamamos ainda pelo nome antigo: o Ceará. Rodrigo Brandão, Arles, Rô, Latuff, o Betinho de BH, e vários outros. Havia um objetivo de confabular sobre o Encontro Regional, mas a bem da verdade, a gente usou o tempo para falar genericamente de política, relembrar anedotas, trocar impressões, ou simplesmente falar besteira.
O Emir Sader, que participaria do debate, mas não pode fazê-lo por estar em Foz do Iguaçu, num evento de lideranças da América Latina, mandou-nos uma cartinha:
Caros blogueiros, caros companheiros e amigos
Impossibilitado de participar desse importante debate, mando um abraço a todos. Terminamos um ano e uma década muito importantes para o Brasil e a América Latina. Começamos a construir alternativas ao neoliberalismo – ao reino do dinheiro, do tudo se vende, tudo se compra, e, que tudo tem preço – para começar a entender e a colocar em prática o principio democratico de que o essencial não tem preço. E o essencial são os direitos de todos.
No plano da comunicação, nossa ação guerrilheira surte efeitos e nos anima a seguir adiante. Mas não devemos ter ilusões; lutamos contra Exércitos regulares, com um poder de fogo muito superior ao nosso.
Estamos coseguindo demonstrar a superioridade politica, cultural e moral, do plurarismo, da diversidade, da multiplicação de vozes – princípios em que deve se assentar uma politica democrática de comunicação social.
Com debates como esse, vamos estabelecendo os elos desse nova politica.
Sou apenas mais um da nossa turma.
Um abraço.
Emir Sader
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sábado, 18 de dezembro de 2010
EUA tentam minar influência de Chávez
Reproduzo artigo de Stanley Burburinho, publicado no sítio Pátria Latina:
No dia 9 de dezembro de 2010, em artigo escrito por Maria Luisa Rivera, traduzido por Natalia Viana, do WikiLeaks (a íntegra está após minhas observações), o embaixador americano no Chile, Craig Kelly, escreveu uma lista secreta de estratégias para minar o poder político do presidente venezuelano Hugo Chavez no continente:
“Conheça o inimigo: nós temos que entender melhor como Chavez pensa e o que ele pretende; — Engajamento direto: temos que reforçar nossa presença na região e nos aproximar fortemente, em especial com as “não-elites”;
“— Aumentar as relações militares: Nós devemos continuar a fortalecer os laços com esses líderes militares na região que compartilham as nossas preocupações sobre Chavez”;
“Para ele, os militares latinoamericanos ainda são vistos como aliados, por causa da sua admiração ao poderio militar dos EUA”;
“Os militares do cone sul continuam sendo instituições-chave nos seus respectivos países, e aliados importantes para os EUA. Esses militares geralmente são organizados e tecnicamente competentes. O seu desejo de manter a interoperabilidade e o acesso à tecnologia e treinamento americanos são algo que podemos usar em nosso favor”, diz o documento.
Curiosamente, na continuação, os americanos têm o mesmo discurso dos partidos políticos da oposição. Confiram:
“… e pressionar os vizinhos a se voltarem contra ele, por exemplo, excluindo a Venezuela de acordos de livre comércio.”
“Também sugere que os EUA ameacem reduzir o comércio como os países sulamericanos se a Venezuela conseguir ingressar no Mercosul.”
******
WikiLeaks – Os esforços dos EUA para minar a influência de Chavez
Por Maria Luisa Rivera
Traduzido por Natalia Viana, do WikiLeaks
No dia 15 de junho de 2007, o embaixador americano no Chile, Craig Kelly, escreveu uma lista secreta de estratégias para minar o poder político do presidente venezuelano Hugo Chavez no continente.
“Conheça o inimigo: nós temos que entender melhor como Chavez pensa e o que ele pretende; —Engajamento direto: temos que reforçar nossa presença na região e nos aproximar fortemente, em especial com as “não-elites”; —Mudar o cenário político: Devemos oferecer uma mensagem de esperança e apoiá-la com projetos financiados adequadamente; —Aumentar as relações militares: Nós devemos continuar a fortalecer os laços com esses líderes militares na região que compartilham as nossas preocupações sobre Chavez”, resumiu.
Kelly propõe ainda reforçar as operações de inteligência na America Latina para entender melhor os objetivos de Chavez a longo prazo, e pressionar os vizinhos a se voltarem contra ele, por exemplo, excluindo a Venezuela de acordos de livre comércio.
Kelly, que acabou de se aposentar como o número dois para temas do hemisfério ocidental no Departamento do Estado, reconheceu no seu telegrama que “Chavez conseguiu muitos avanços, em especial para as populações locais, ao fornecer programas para os desprivilegiados”.
Mas também disse que o venezuelano tem uma visão “distorcida” e que “a boca de Chavez frequentemente se abre antes que o seu cérebro esteja funcionando”. Kelly recommenda a Washington simplesmente dizer “ a verdade” sobre Chavez e “a sua visão estreita, suas promessas vazias, suas relações internacionais perigosas, começando pelo Irã”.
Mesmo assim, o documento alerta que Chavez tem que ser levado a sério. “Seria um erro considerar Chavez apenas um palhaço ou um caudilho. Ele tem uma visão, mesmo que deturpada, e está tomando medidas calculadas para conseguir”.
Para ele, países pobres como o Uruguai não conseguem resistir às ofertas de ajuda do Venezuelano. A Argentina, depois da crise, também teria sido vítima dos “petrobolívares” de Chavez.
Passo a passo
Para reduzir a sua influência nos temas regionais, Kelly propõe que o Brasil e o Chile sejam estudados como “países que têm governos esquerdistas mas são democráticos e responsáveis na política fiscal”. Também sugere que os EUA ameacem reduzir o comércio como os países sulamericanos se a Venezuela conseguir ingressar no Mercosul.
O telegrama mostra como a diplomacia americana propõe desestabilizar o poder de Chavez internamente. Kelly recomenda usar “a diplomacia pública” para vencer o que seria uma “batalha de idéias e visões”. Além disso, diz ele, vale explorar o medo de lideres anti-chavistas e formadores de opinião que “apreciam a importância da relação com os EUA”
Visitas do alto escalão americano, como a de Bush em março de 2007, também podem ajudar o país a se aproximar das populações dos países hostis aos EUA. ”Mostrar nossa bandeira e explicar diretamente para as populações nossa visão de democracia e progresso pode mudar a visão sobre os EUA”.
Usando os militares
Outro dado interessante é que Kelly recomenda aumentar o financiamento para programas de parceria militar como o Military Education and Training (IMET) e Commander Activities (TCA).
Para ele, os militares latinoamericanos ainda são vistos como aliados, por causa da sua admiração ao poderio militar dos EUA.
“Os militares do cone sul continuam sendo instituições-chave nos seus respectivos países, e aliados importantes para os EUA. Esses militares geralmente são organizados e tecnicamente competentes. O seu desejo de manter a interoperabilidade e o acesso à tecnologia e treinamento americanos são algo que podemos usar em nosso favor”, diz o documento.
Ele também recomenda o corte de financiamento de outros programas, o que estaria sendo usaodo como uma retaliação à recusa dos países de assinar o Artigo 98, um contrato que impede cidadãos americanos de serem extraditado à Corte Penal Internacional se estiverem nesses países.
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No dia 9 de dezembro de 2010, em artigo escrito por Maria Luisa Rivera, traduzido por Natalia Viana, do WikiLeaks (a íntegra está após minhas observações), o embaixador americano no Chile, Craig Kelly, escreveu uma lista secreta de estratégias para minar o poder político do presidente venezuelano Hugo Chavez no continente:
“Conheça o inimigo: nós temos que entender melhor como Chavez pensa e o que ele pretende; — Engajamento direto: temos que reforçar nossa presença na região e nos aproximar fortemente, em especial com as “não-elites”;
“— Aumentar as relações militares: Nós devemos continuar a fortalecer os laços com esses líderes militares na região que compartilham as nossas preocupações sobre Chavez”;
“Para ele, os militares latinoamericanos ainda são vistos como aliados, por causa da sua admiração ao poderio militar dos EUA”;
“Os militares do cone sul continuam sendo instituições-chave nos seus respectivos países, e aliados importantes para os EUA. Esses militares geralmente são organizados e tecnicamente competentes. O seu desejo de manter a interoperabilidade e o acesso à tecnologia e treinamento americanos são algo que podemos usar em nosso favor”, diz o documento.
Curiosamente, na continuação, os americanos têm o mesmo discurso dos partidos políticos da oposição. Confiram:
“… e pressionar os vizinhos a se voltarem contra ele, por exemplo, excluindo a Venezuela de acordos de livre comércio.”
“Também sugere que os EUA ameacem reduzir o comércio como os países sulamericanos se a Venezuela conseguir ingressar no Mercosul.”
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WikiLeaks – Os esforços dos EUA para minar a influência de Chavez
Por Maria Luisa Rivera
Traduzido por Natalia Viana, do WikiLeaks
No dia 15 de junho de 2007, o embaixador americano no Chile, Craig Kelly, escreveu uma lista secreta de estratégias para minar o poder político do presidente venezuelano Hugo Chavez no continente.
“Conheça o inimigo: nós temos que entender melhor como Chavez pensa e o que ele pretende; —Engajamento direto: temos que reforçar nossa presença na região e nos aproximar fortemente, em especial com as “não-elites”; —Mudar o cenário político: Devemos oferecer uma mensagem de esperança e apoiá-la com projetos financiados adequadamente; —Aumentar as relações militares: Nós devemos continuar a fortalecer os laços com esses líderes militares na região que compartilham as nossas preocupações sobre Chavez”, resumiu.
Kelly propõe ainda reforçar as operações de inteligência na America Latina para entender melhor os objetivos de Chavez a longo prazo, e pressionar os vizinhos a se voltarem contra ele, por exemplo, excluindo a Venezuela de acordos de livre comércio.
Kelly, que acabou de se aposentar como o número dois para temas do hemisfério ocidental no Departamento do Estado, reconheceu no seu telegrama que “Chavez conseguiu muitos avanços, em especial para as populações locais, ao fornecer programas para os desprivilegiados”.
Mas também disse que o venezuelano tem uma visão “distorcida” e que “a boca de Chavez frequentemente se abre antes que o seu cérebro esteja funcionando”. Kelly recommenda a Washington simplesmente dizer “ a verdade” sobre Chavez e “a sua visão estreita, suas promessas vazias, suas relações internacionais perigosas, começando pelo Irã”.
Mesmo assim, o documento alerta que Chavez tem que ser levado a sério. “Seria um erro considerar Chavez apenas um palhaço ou um caudilho. Ele tem uma visão, mesmo que deturpada, e está tomando medidas calculadas para conseguir”.
Para ele, países pobres como o Uruguai não conseguem resistir às ofertas de ajuda do Venezuelano. A Argentina, depois da crise, também teria sido vítima dos “petrobolívares” de Chavez.
Passo a passo
Para reduzir a sua influência nos temas regionais, Kelly propõe que o Brasil e o Chile sejam estudados como “países que têm governos esquerdistas mas são democráticos e responsáveis na política fiscal”. Também sugere que os EUA ameacem reduzir o comércio como os países sulamericanos se a Venezuela conseguir ingressar no Mercosul.
O telegrama mostra como a diplomacia americana propõe desestabilizar o poder de Chavez internamente. Kelly recomenda usar “a diplomacia pública” para vencer o que seria uma “batalha de idéias e visões”. Além disso, diz ele, vale explorar o medo de lideres anti-chavistas e formadores de opinião que “apreciam a importância da relação com os EUA”
Visitas do alto escalão americano, como a de Bush em março de 2007, também podem ajudar o país a se aproximar das populações dos países hostis aos EUA. ”Mostrar nossa bandeira e explicar diretamente para as populações nossa visão de democracia e progresso pode mudar a visão sobre os EUA”.
Usando os militares
Outro dado interessante é que Kelly recomenda aumentar o financiamento para programas de parceria militar como o Military Education and Training (IMET) e Commander Activities (TCA).
Para ele, os militares latinoamericanos ainda são vistos como aliados, por causa da sua admiração ao poderio militar dos EUA.
“Os militares do cone sul continuam sendo instituições-chave nos seus respectivos países, e aliados importantes para os EUA. Esses militares geralmente são organizados e tecnicamente competentes. O seu desejo de manter a interoperabilidade e o acesso à tecnologia e treinamento americanos são algo que podemos usar em nosso favor”, diz o documento.
Ele também recomenda o corte de financiamento de outros programas, o que estaria sendo usaodo como uma retaliação à recusa dos países de assinar o Artigo 98, um contrato que impede cidadãos americanos de serem extraditado à Corte Penal Internacional se estiverem nesses países.
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Para onde vai a Europa?
Reproduzo artigo de Sami Nair, publicado no sítio Carta Maior:
Depois da Grécia, a Irlanda. E depois, provavelmente, Portugal. Na sequência, não sabemos. O que é certo é que vários países estão ameaçados pelos mercados. A Espanha já está sob a alça da mira. Mas com o devido respeito pelos demais, o caso da Espanha é diferente. Trata-se da quarta economia da Europa (12% do PIB europeu) e é um peso pesado da política europeia. A dívida espanhola é três vezes superior à grega, seu déficit está, há dois anos, em torno de 10% do PIB, e o desemprego, que atinge todas as faixas de idade, está acima dos 20%. Se a Espanha recorrer ao fundo de resgate europeu, isso abriria também, de maneira inevitável, o caminho para ações especulativas contra Itália e França, o que significaria um giro decisivo para a Europa.
O paradoxo é que a estratégia europeia de saída da crise mundial (desregulamentação do mercado de trabalho, deflação salarial, desemprego estrutural, cortes orçamentários e privatizações) mostra os mercados cada vez mais vorazes. Daqui em diante, eles querem tudo. Essa estratégia, fundamentalmente recessiva, provoca um aumento legítimo das reivindicações sociais e políticas e dá lugar a perguntas que começam a ser formuladas espontaneamente pelas opiniões públicas. Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia, expressa assim esse estado de ânimo: “Para Atenas, Madri ou Lisboa, se colocará seriamente a questão de saber se interessa continuar o plano de austeridade imposto pelo FMI e por Bruxelas, ou se, ao contrário, é melhor a voltar a serem donos de suas políticas monetárias” (Le Monde, 23-24 de maio de 2010).
Ainda não chegamos a esse ponto, mas se não mudarmos as regras do jogo, a divisão da zona euro se tornará uma hipótese séria. Pois está claro que não poderemos resolver esta crise somente com medidas restritivas que atingem as populações mais expostas (classes médias e populares), e menos ainda com medidas técnicas vinculantes como as apoiadas por Alemanha e França para ativar o fundo de resgate. O presidente do Banco Central alemão, Axel Weber, deu a entender, durante uma visita recente a Paris, que os 750 bilhões de euros deveriam ser de todo modo aumentados se a Espanha recorresse ao fundo. Isso não deve ter agradado muito ao ministro alemão de Finanças, Wolfgang Schäuble, que, em uma entrevista ao Der Spiegel (08/11/2010), informou: durante a fase crítica, prolongação da vida dos créditos; se isso não bastar, os investidores privados deverão aceitar uma depreciação de seus empréstimos em troca de garantias para o restante. Isso é o mesmo que agitar a capa vermelha diante dos investidores privados.
Estes reagiram imediatamente, colocando a Irlanda de joelhos e cercando Portugal antes de assinalar os alvos na Bélgica e na Espanha. Quanto falta para que passem ao ataque? A margem de confiança que concedem aos diferentes países da zona euro já é insustentável: a Alemanha encontra compradores de seus bônus a uma média de 2,7%, enquanto que a Espanha os negocia no melhor dos casos em torno de 5% e Portugal a 6,7%. Os países endividados emprestam, pois, a taxas cada vez mais proibitivas e, se às vezes conseguem ganhar uns pontos, é só porque o Banco Central compra alguns bônus, coisa que não poderá durar muito tempo.
Na verdade, estamos assistindo a uma verdadeira guerra dos mercados contra os Estados. Quando a crise começou, apontei (“A vitória dos mercados financeiros”, El País, 08/05/2010) que os mercados iam submeter à prova a capacidade de resistência dos Estados e dos movimentos sociais, e quem em caso de uma debilidade comprovada dos europeus para definir uma estratégia progressista comum frente à crise, os investidores iam incrementar sua vantagem atacando frontalmente os Estados mais fracos. Objetivos: desregulamentar ainda mais os mercados internos e exigir mais privatizações. É exatamente o que está ocorrendo hoje. O que estamos vendo é uma contrarrevolução social “thatchero-reaganiana”. A questão é saber se as sociedades europeias vão aceitar isso. Neste contexto, o estatuto do euro é um teste definitivo: será, finalmente, posto a serviço da promoção de um modelo social sustentável ou se tornará o vetor da destruição dos restos do Estado de bem estar europeu?
A partir de agora, o problema para a Europa já não é econômico, mas sim político. Se as medidas técnicas adotadas não conseguirem resolver as dificuldades dos países europeus, veremos a divisão da zona do euro anunciada por Stiglitz? E qual será a forma dessa divisão? Uma zona reduzida a seis, sem a Espanha? Uma zona baseada no desacoplamento entre uma moeda única para o casal franco-alemão e alguns outros países, e uma moeda comum para o resto? Um retorno às moedas nacionais? E, neste caso, o que será do mercado único? Ouvimos todos os dias dirigentes políticos afirmarem que estas hipóteses são impensáveis: mas estamos seguros de que controlam os fluxos monetários? Não estão submetidos ao uníssono da Bolsa? Tudo pode ocorrer?
Na verdade, está em jogo o futuro do projeto europeu. As regras de funcionamento do euro previstas pelo Tratado de Lisboa entram cada vez mais em contradição flagrante com as divergências de desenvolvimento dos diversos países da zona. Nenhum governo se atreve, aparentemente, a colocar em dúvida os dogmas que sustentam o Pacto de Estabilidade, ainda que, na prática, ninguém os respeite. Mas, se queremos salvar o euro, é preciso flexibilizar essas regras. E talvez mudá-las. É vital estabelecer, daqui em diante, uma coordenação forte das políticas econômicas europeias, ainda que a Alemanha, tutora do Banco Central, não queira ouvir falar de um “governo econômico”. Aqui está o coração da batalha para a sobrevivência da zona euro e não nas medidas coercitivas previstas pelo acordo adotado em 28 de outubro, em Bruxelas.
Para relançar a Europa, essa coordenação deverá enfrentar pelo menos quatro grandes tarefas; 1) Uma proteção do espaço monetário europeu, regulando efetivamente, como foi previsto na reunião da UE de 18/05/10, os fundos de investimento alternativos e sobretudo os instrumentos ultraespeculativos (hedge funds, private equity, CDS). Isso supõe que se pode pedir explicações ao Reino Unido para que ponha fim à política desestabilizadora da City, principal praça especulativa mundial. 2) Uma mutualização das dívidas públicas europeias com a criação de “bônus europeus” para os países endividados que recorrerem ao fundo de resgate. Para evitar que aumente a desconfiança dos mercados, a Alemanha deve aceitar que a ativação do mecanismo de resgate seja, sob condições precisas, mecânico e não negociável a cada caso, como ocorre agora. 3) A realização de um empréstimo para financiar uma grande política pública europeia de crescimento, de criação de emprego e de pesquisa-inovação, o que supõe uma reforma dos estatutos do Banco Central. 4) Uma harmonização fiscal comum da zona do euro apoiada por um reforço dos fundos de coesão para os países em dificuldades.
Estas medidas teriam um efeito de arrasto prodigioso. Elas fariam os investidores refletir e criariam um impacto psicológico salvador para mobilizar os povos europeus. Na verdade, a escolha é simples: ou bem a Europa sairá desta crise reforçada e capaz de enfrentar a nova geopolítica da economia mundial opondo aos mercados um interesse geral europeu, baseado em estratégias cooperativas entre as nações europeias, ou bem, atolada em seus egoísmos nacionais, terminará ardendo em cinzas moribundas.
(*) Sami Nair é professor convidado da Universidade Pablo de Olavide, Sevilha. Publicado originalmente no jornal El País (16/12/2010)
Tradução: Katarina Peixoto/Carta Maior
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Depois da Grécia, a Irlanda. E depois, provavelmente, Portugal. Na sequência, não sabemos. O que é certo é que vários países estão ameaçados pelos mercados. A Espanha já está sob a alça da mira. Mas com o devido respeito pelos demais, o caso da Espanha é diferente. Trata-se da quarta economia da Europa (12% do PIB europeu) e é um peso pesado da política europeia. A dívida espanhola é três vezes superior à grega, seu déficit está, há dois anos, em torno de 10% do PIB, e o desemprego, que atinge todas as faixas de idade, está acima dos 20%. Se a Espanha recorrer ao fundo de resgate europeu, isso abriria também, de maneira inevitável, o caminho para ações especulativas contra Itália e França, o que significaria um giro decisivo para a Europa.
O paradoxo é que a estratégia europeia de saída da crise mundial (desregulamentação do mercado de trabalho, deflação salarial, desemprego estrutural, cortes orçamentários e privatizações) mostra os mercados cada vez mais vorazes. Daqui em diante, eles querem tudo. Essa estratégia, fundamentalmente recessiva, provoca um aumento legítimo das reivindicações sociais e políticas e dá lugar a perguntas que começam a ser formuladas espontaneamente pelas opiniões públicas. Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia, expressa assim esse estado de ânimo: “Para Atenas, Madri ou Lisboa, se colocará seriamente a questão de saber se interessa continuar o plano de austeridade imposto pelo FMI e por Bruxelas, ou se, ao contrário, é melhor a voltar a serem donos de suas políticas monetárias” (Le Monde, 23-24 de maio de 2010).
Ainda não chegamos a esse ponto, mas se não mudarmos as regras do jogo, a divisão da zona euro se tornará uma hipótese séria. Pois está claro que não poderemos resolver esta crise somente com medidas restritivas que atingem as populações mais expostas (classes médias e populares), e menos ainda com medidas técnicas vinculantes como as apoiadas por Alemanha e França para ativar o fundo de resgate. O presidente do Banco Central alemão, Axel Weber, deu a entender, durante uma visita recente a Paris, que os 750 bilhões de euros deveriam ser de todo modo aumentados se a Espanha recorresse ao fundo. Isso não deve ter agradado muito ao ministro alemão de Finanças, Wolfgang Schäuble, que, em uma entrevista ao Der Spiegel (08/11/2010), informou: durante a fase crítica, prolongação da vida dos créditos; se isso não bastar, os investidores privados deverão aceitar uma depreciação de seus empréstimos em troca de garantias para o restante. Isso é o mesmo que agitar a capa vermelha diante dos investidores privados.
Estes reagiram imediatamente, colocando a Irlanda de joelhos e cercando Portugal antes de assinalar os alvos na Bélgica e na Espanha. Quanto falta para que passem ao ataque? A margem de confiança que concedem aos diferentes países da zona euro já é insustentável: a Alemanha encontra compradores de seus bônus a uma média de 2,7%, enquanto que a Espanha os negocia no melhor dos casos em torno de 5% e Portugal a 6,7%. Os países endividados emprestam, pois, a taxas cada vez mais proibitivas e, se às vezes conseguem ganhar uns pontos, é só porque o Banco Central compra alguns bônus, coisa que não poderá durar muito tempo.
Na verdade, estamos assistindo a uma verdadeira guerra dos mercados contra os Estados. Quando a crise começou, apontei (“A vitória dos mercados financeiros”, El País, 08/05/2010) que os mercados iam submeter à prova a capacidade de resistência dos Estados e dos movimentos sociais, e quem em caso de uma debilidade comprovada dos europeus para definir uma estratégia progressista comum frente à crise, os investidores iam incrementar sua vantagem atacando frontalmente os Estados mais fracos. Objetivos: desregulamentar ainda mais os mercados internos e exigir mais privatizações. É exatamente o que está ocorrendo hoje. O que estamos vendo é uma contrarrevolução social “thatchero-reaganiana”. A questão é saber se as sociedades europeias vão aceitar isso. Neste contexto, o estatuto do euro é um teste definitivo: será, finalmente, posto a serviço da promoção de um modelo social sustentável ou se tornará o vetor da destruição dos restos do Estado de bem estar europeu?
A partir de agora, o problema para a Europa já não é econômico, mas sim político. Se as medidas técnicas adotadas não conseguirem resolver as dificuldades dos países europeus, veremos a divisão da zona do euro anunciada por Stiglitz? E qual será a forma dessa divisão? Uma zona reduzida a seis, sem a Espanha? Uma zona baseada no desacoplamento entre uma moeda única para o casal franco-alemão e alguns outros países, e uma moeda comum para o resto? Um retorno às moedas nacionais? E, neste caso, o que será do mercado único? Ouvimos todos os dias dirigentes políticos afirmarem que estas hipóteses são impensáveis: mas estamos seguros de que controlam os fluxos monetários? Não estão submetidos ao uníssono da Bolsa? Tudo pode ocorrer?
Na verdade, está em jogo o futuro do projeto europeu. As regras de funcionamento do euro previstas pelo Tratado de Lisboa entram cada vez mais em contradição flagrante com as divergências de desenvolvimento dos diversos países da zona. Nenhum governo se atreve, aparentemente, a colocar em dúvida os dogmas que sustentam o Pacto de Estabilidade, ainda que, na prática, ninguém os respeite. Mas, se queremos salvar o euro, é preciso flexibilizar essas regras. E talvez mudá-las. É vital estabelecer, daqui em diante, uma coordenação forte das políticas econômicas europeias, ainda que a Alemanha, tutora do Banco Central, não queira ouvir falar de um “governo econômico”. Aqui está o coração da batalha para a sobrevivência da zona euro e não nas medidas coercitivas previstas pelo acordo adotado em 28 de outubro, em Bruxelas.
Para relançar a Europa, essa coordenação deverá enfrentar pelo menos quatro grandes tarefas; 1) Uma proteção do espaço monetário europeu, regulando efetivamente, como foi previsto na reunião da UE de 18/05/10, os fundos de investimento alternativos e sobretudo os instrumentos ultraespeculativos (hedge funds, private equity, CDS). Isso supõe que se pode pedir explicações ao Reino Unido para que ponha fim à política desestabilizadora da City, principal praça especulativa mundial. 2) Uma mutualização das dívidas públicas europeias com a criação de “bônus europeus” para os países endividados que recorrerem ao fundo de resgate. Para evitar que aumente a desconfiança dos mercados, a Alemanha deve aceitar que a ativação do mecanismo de resgate seja, sob condições precisas, mecânico e não negociável a cada caso, como ocorre agora. 3) A realização de um empréstimo para financiar uma grande política pública europeia de crescimento, de criação de emprego e de pesquisa-inovação, o que supõe uma reforma dos estatutos do Banco Central. 4) Uma harmonização fiscal comum da zona do euro apoiada por um reforço dos fundos de coesão para os países em dificuldades.
Estas medidas teriam um efeito de arrasto prodigioso. Elas fariam os investidores refletir e criariam um impacto psicológico salvador para mobilizar os povos europeus. Na verdade, a escolha é simples: ou bem a Europa sairá desta crise reforçada e capaz de enfrentar a nova geopolítica da economia mundial opondo aos mercados um interesse geral europeu, baseado em estratégias cooperativas entre as nações europeias, ou bem, atolada em seus egoísmos nacionais, terminará ardendo em cinzas moribundas.
(*) Sami Nair é professor convidado da Universidade Pablo de Olavide, Sevilha. Publicado originalmente no jornal El País (16/12/2010)
Tradução: Katarina Peixoto/Carta Maior
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Ainda há muita desigualdade no Brasil
Reproduzo entrevista concedida à jornalista Vera Saavedra Durão e publicada no jornal Valor Econômico:
Formado em engenharia e com especialização em economia, Ricardo Paes de Barros, técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), onde já atuou como coordenador de avaliação de políticas públicas, é reconhecido internacionalmente como um especialista em pobreza. Ele considera que a presidente eleita, Dilma Rousseff, poderá reduzir ainda mais a pobreza no Brasil.
No governo Lula, segundo o Ipea, onde Paes de Barros trabalha como técnico de planejamento e pesquisa, o número de pobres caiu de 30,4 milhões em 2003 para 17 milhões no ano passado. "A pobreza foi reduzida a mais da metade em cinco anos", avalia.
De acordo com Paes de Barros, o Bolsa Família contribuiu com 20% para essa performance. A meta de erradicação da miséria é, na verdade, conseguir baixar cada vez mais o número de pobres, explica. "O difícil, porém, é mensurar a partir de que nível de renda se considera possível dizer que a extrema pobreza foi erradicada." Em um cálculo preliminar, Paes de Barros avalia que, se o país conseguir reduzir de quase 10 milhões para 2 milhões o número de pessoas com renda familiar per capita abaixo de US$ 1 por dia (R$ 50 ao mês), poderá se vangloriar de ter atingido tal objetivo.
Para ele, apesar dos avanços, o Brasil continua um país extremamente desigual e a luta pela eliminação da pobreza não será vencida no curto prazo. "Somente daqui a 15 ou 20 anos, o Brasil poderá atingir níveis de pobreza na casa dos R$ 100 de renda familiar per capita, como ocorre na Turquia e na Tunísia." A seguir a entrevista de Paes de Barros.
A presidente eleita, Dilma Rousseff, elegeu a erradicação da miséria como uma prioridade do seu governo. Isso será possível?
A erradicação da miséria é tão possível quanto a do analfabetismo. Porém, acabar com a pobreza é, na verdade, conseguir levá-la a níveis muito baixos. Isto, sim, é possível ser feito. A questão é saber quão baixo temos que chegar para considerar a missão cumprida.
No caso brasileiro, teríamos que reduzir a pobreza em quanto?
Ninguém até hoje, não só no Brasil, mas no mundo, conseguiu convencionar a partir de que nível de renda se considera possível dizer que a pobreza foi erradicada. Reduzir abaixo de quanto? O Brasil já levou a pobreza para níveis muito baixos, para linhas de pobreza mais altas a partir de 2003. A proporção da população brasileira que vive hoje em famílias com uma renda abaixo de US$ 1 por dia deve estar abaixo de 5%. Numa população de quase 200 milhões de habitantes, significa que menos de 10 milhões de pessoas têm renda diária abaixo de US$ 1 (equivalente a cerca de R$ 1,7 por dia ou cerca de R$ 50 mensais). Os mais pobres se localizam no entorno das regiões metropolitanas, na área rural e no Nordeste.
Será possível avançar mais nesse processo?
Daí para frente vai começar a ficar mais complicado zerar. É difícil zerar, como já disse. Mas podemos considerar como erradicada a extrema pobreza no país se esse percentual (da população que vive em famílias com renda per capita inferior a US$ 1) baixar de 5% para 1%. Vamos considerar que a meta da erradicação é 1% (2 milhões de habitantes) da população com renda per capita abaixo de US$ 1.
Para chegar a esse patamar o que é preciso fazer?
Se o governo quer estabelecer uma meta clara de redução da pobreza seria bom ajustar o medidor. Falo em definir uma linha oficial de pobreza e uma de extrema pobreza. Eu fecharia questão na linha de pobreza que o IBGE tem hoje. São ao todo 20 linhas diferentes que variam de Estado para Estado.
O senhor conseguiu medir, com base nas linhas de pobreza do Ipea, em quanto foi reduzida a extrema pobreza no Brasil durante o governo Lula?
Usando nossas linhas de pobreza, que são mais elevadas que as de US$ 1 por dia, conseguimos calcular que 8,5% da população brasileira (uns 17 milhões) vivem atualmente em extrema pobreza. Em 2003, esse percentual era de quase 17% (30,4 milhões). No período entre os anos 2003 e 2009, o percentual de pobres na população caiu abaixo da metade.
Como o senhor avalia essa performance?
A primeira meta do Milênio da ONU é reduzir a pobreza à metade em 25 anos. O Brasil conseguiu isso em cinco anos. Estamos caminhando nesse processo a uma velocidade de cinco vezes a meta do Milênio, o que é muito bom.
Qual é a contribuição do programa Bolsa Família para essa queda nos níveis de pobreza?
O Bolsa Família contribuiu com 20% .Outras políticas públicas também ajudaram a reduzir a extrema pobreza, como o Programa Nacional de Apoio à agricultura familiar (Pronaf), a interiorização da economia, a melhoria da educação.
O aumento real do salário mínimo também contribuiu?
O aumento do mínimo reduziu a desigualdade entre a classe média e os ricos. Não ajuda muito, no entanto, a diminuir a extrema pobreza, mas é útil para, no geral, reduzir a desigualdade. Aproxima a classe média dos ricos.
O que o senhor considera como classe média?
Para mim, é o pessoal que se situa no meio da distribuição de renda brasileira, entre o 4º e o 6º decil. No sentido coloquial, a classe média fica mais para cima que isso. Mas quem ganha mais de R$ 3 mil por mês no Brasil está dentro dos 10% mais ricos (classificação com base na renda do trabalho, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do IBGE).
Qual a melhor estratégia para erradicar a extrema pobreza no país?
Se mantivermos a velocidade em que estamos (cinco vezes a meta do Milênio), vamos erradicar a pobreza, reduzi-la bastante. A presidente Dilma quer acelerar um pouco mais a erradicação. Há um monte de opções na mesa para fazer isso, mas não está claro quais o novo governo escolherá.
O que o senhor considera mais urgente?
Para mim, a prioridade máxima é incluir no programa as famílias mais pobres que ainda não são beneficiadas por eles. O Bolsa Família tem de chegar a todas as famílias realmente pobres do Brasil para reduzirmos ao máximo a extrema pobreza.
E o que a presidente Dilma Rousseff pretende fazer?
O que a presidente Dilma quer não é só erradicar a pobreza com o Bolsa Família e com isso dar um alívio para quem é extremamente pobre. Ela quer modificar a capacidade de geração de renda dos extremamente pobres. O Bolsa Família pode incorporar um leque de oportunidades para os pobres e elevar os benefícios dessas pessoas a outro patamar de renda.
O que significa esse leque de oportunidades?
Significa dar oportunidade para as pessoas se capacitarem para uma profissão, dar melhores habilidades e condições aos pobres de usar suas capacidades de maneira mais produtiva. O que inclui dar mais educação formal aos jovens e aos não tão jovens, formação profissional, formação técnica por um lado e por outro lado oferecer para as pessoas condições concretas de usarem suas capacidades, ou seja, criar oportunidades de emprego, microcrédito e apoio à comercialização de produtos.
O Bolsa Família vai incorporar alguns desses benefícios?
A ideia é aproveitar os beneficiários cadastrados no Bolsa Família e usar o mesmo canal para levar uma cesta de oportunidades aos mais pobres. Uns vão precisar mais de capacitação, outros de crédito. As necessidades são diversas.
O senhor defende a criação de um exército de agentes de desenvolvimento social para trabalhar no Bolsa Família tornando o programa mais efetivo. Como atuariam os agentes?
Os agentes (de desenvolvimento social) atuariam descobrindo um leque de oportunidades e iriam aplicá-lo de acordo com a necessidade de cada família. Eles poderiam atuar para viabilizar projetos de capacitação profissional, educação, criação de empregos, financiamento e oportunidades para as famílias ampliarem sua renda. A ideia do agente funciona.
O senhor trabalha com um cenário de fim do Bolsa Família?
Na minha concepção o Bolsa Família deve continuar, porque a função do programa não é acabar com a pobreza absoluta, mas reduzir desigualdades e a pobreza relativa. O Bolsa Família deve continuar e procurar elevar a renda das famílias a patamares mais altos na medida em que outras políticas forem efetivas.
Qual é a proporção da renda dos mais pobres na população brasileira?
O ganho dos 10% mais pobres representa um oitavo da renda média familiar per capita do país, que deve estar na casa de R$ 700. A renda per capita dos até 10% mais pobres alcança R$ 50 (no Nordeste) e R$ 80 (na média Brasil da PNAD [Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio]). Um ganho per capita razoável para as famílias mais pobres seria de no mínimo R$ 100.
Até quando será necessário manter o Bolsa Família?
Mesmo que a renda suba no Bolsa Família ainda há espaço para se chegar a R$ 100. E daí podemos trabalhar para elevá-la para R$ 150. Com a desigualdade que o Brasil tem, o governo não vai deixar de precisar do Bolsa Família. Sempre vai ter gente com renda muito baixa. Não creio que o Bolsa Família vá sumir daqui a 20 anos. O programa pode até perder importância, mas contar com uma rede de proteção social que garanta a renda mínima das pessoas mais pobres é sempre bom.
Mas a situação da pobreza não melhorou nos últimos anos?
Melhorou muito. Mas para o Brasil ficar no nível de desigualdade de países como Turquia e Tunísia, que têm uma renda média per capita das mais pobres, em patamar equivalente a R$ 100, vamos precisar de mais 15 a 20 anos. Nosso nível de desigualdade é tristemente alto.
As Unidades de Política Pacificadora (UPPs) podem ser um instrumento de erradicação da pobreza?
As favelas não são as áreas mais pobres do Rio. As UPPs servem mais para resolver os problemas de segurança e garantir o respeito a direitos e deveres dos cidadãos que nelas residem.
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Formado em engenharia e com especialização em economia, Ricardo Paes de Barros, técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), onde já atuou como coordenador de avaliação de políticas públicas, é reconhecido internacionalmente como um especialista em pobreza. Ele considera que a presidente eleita, Dilma Rousseff, poderá reduzir ainda mais a pobreza no Brasil.
No governo Lula, segundo o Ipea, onde Paes de Barros trabalha como técnico de planejamento e pesquisa, o número de pobres caiu de 30,4 milhões em 2003 para 17 milhões no ano passado. "A pobreza foi reduzida a mais da metade em cinco anos", avalia.
De acordo com Paes de Barros, o Bolsa Família contribuiu com 20% para essa performance. A meta de erradicação da miséria é, na verdade, conseguir baixar cada vez mais o número de pobres, explica. "O difícil, porém, é mensurar a partir de que nível de renda se considera possível dizer que a extrema pobreza foi erradicada." Em um cálculo preliminar, Paes de Barros avalia que, se o país conseguir reduzir de quase 10 milhões para 2 milhões o número de pessoas com renda familiar per capita abaixo de US$ 1 por dia (R$ 50 ao mês), poderá se vangloriar de ter atingido tal objetivo.
Para ele, apesar dos avanços, o Brasil continua um país extremamente desigual e a luta pela eliminação da pobreza não será vencida no curto prazo. "Somente daqui a 15 ou 20 anos, o Brasil poderá atingir níveis de pobreza na casa dos R$ 100 de renda familiar per capita, como ocorre na Turquia e na Tunísia." A seguir a entrevista de Paes de Barros.
A presidente eleita, Dilma Rousseff, elegeu a erradicação da miséria como uma prioridade do seu governo. Isso será possível?
A erradicação da miséria é tão possível quanto a do analfabetismo. Porém, acabar com a pobreza é, na verdade, conseguir levá-la a níveis muito baixos. Isto, sim, é possível ser feito. A questão é saber quão baixo temos que chegar para considerar a missão cumprida.
No caso brasileiro, teríamos que reduzir a pobreza em quanto?
Ninguém até hoje, não só no Brasil, mas no mundo, conseguiu convencionar a partir de que nível de renda se considera possível dizer que a pobreza foi erradicada. Reduzir abaixo de quanto? O Brasil já levou a pobreza para níveis muito baixos, para linhas de pobreza mais altas a partir de 2003. A proporção da população brasileira que vive hoje em famílias com uma renda abaixo de US$ 1 por dia deve estar abaixo de 5%. Numa população de quase 200 milhões de habitantes, significa que menos de 10 milhões de pessoas têm renda diária abaixo de US$ 1 (equivalente a cerca de R$ 1,7 por dia ou cerca de R$ 50 mensais). Os mais pobres se localizam no entorno das regiões metropolitanas, na área rural e no Nordeste.
Será possível avançar mais nesse processo?
Daí para frente vai começar a ficar mais complicado zerar. É difícil zerar, como já disse. Mas podemos considerar como erradicada a extrema pobreza no país se esse percentual (da população que vive em famílias com renda per capita inferior a US$ 1) baixar de 5% para 1%. Vamos considerar que a meta da erradicação é 1% (2 milhões de habitantes) da população com renda per capita abaixo de US$ 1.
Para chegar a esse patamar o que é preciso fazer?
Se o governo quer estabelecer uma meta clara de redução da pobreza seria bom ajustar o medidor. Falo em definir uma linha oficial de pobreza e uma de extrema pobreza. Eu fecharia questão na linha de pobreza que o IBGE tem hoje. São ao todo 20 linhas diferentes que variam de Estado para Estado.
O senhor conseguiu medir, com base nas linhas de pobreza do Ipea, em quanto foi reduzida a extrema pobreza no Brasil durante o governo Lula?
Usando nossas linhas de pobreza, que são mais elevadas que as de US$ 1 por dia, conseguimos calcular que 8,5% da população brasileira (uns 17 milhões) vivem atualmente em extrema pobreza. Em 2003, esse percentual era de quase 17% (30,4 milhões). No período entre os anos 2003 e 2009, o percentual de pobres na população caiu abaixo da metade.
Como o senhor avalia essa performance?
A primeira meta do Milênio da ONU é reduzir a pobreza à metade em 25 anos. O Brasil conseguiu isso em cinco anos. Estamos caminhando nesse processo a uma velocidade de cinco vezes a meta do Milênio, o que é muito bom.
Qual é a contribuição do programa Bolsa Família para essa queda nos níveis de pobreza?
O Bolsa Família contribuiu com 20% .Outras políticas públicas também ajudaram a reduzir a extrema pobreza, como o Programa Nacional de Apoio à agricultura familiar (Pronaf), a interiorização da economia, a melhoria da educação.
O aumento real do salário mínimo também contribuiu?
O aumento do mínimo reduziu a desigualdade entre a classe média e os ricos. Não ajuda muito, no entanto, a diminuir a extrema pobreza, mas é útil para, no geral, reduzir a desigualdade. Aproxima a classe média dos ricos.
O que o senhor considera como classe média?
Para mim, é o pessoal que se situa no meio da distribuição de renda brasileira, entre o 4º e o 6º decil. No sentido coloquial, a classe média fica mais para cima que isso. Mas quem ganha mais de R$ 3 mil por mês no Brasil está dentro dos 10% mais ricos (classificação com base na renda do trabalho, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do IBGE).
Qual a melhor estratégia para erradicar a extrema pobreza no país?
Se mantivermos a velocidade em que estamos (cinco vezes a meta do Milênio), vamos erradicar a pobreza, reduzi-la bastante. A presidente Dilma quer acelerar um pouco mais a erradicação. Há um monte de opções na mesa para fazer isso, mas não está claro quais o novo governo escolherá.
O que o senhor considera mais urgente?
Para mim, a prioridade máxima é incluir no programa as famílias mais pobres que ainda não são beneficiadas por eles. O Bolsa Família tem de chegar a todas as famílias realmente pobres do Brasil para reduzirmos ao máximo a extrema pobreza.
E o que a presidente Dilma Rousseff pretende fazer?
O que a presidente Dilma quer não é só erradicar a pobreza com o Bolsa Família e com isso dar um alívio para quem é extremamente pobre. Ela quer modificar a capacidade de geração de renda dos extremamente pobres. O Bolsa Família pode incorporar um leque de oportunidades para os pobres e elevar os benefícios dessas pessoas a outro patamar de renda.
O que significa esse leque de oportunidades?
Significa dar oportunidade para as pessoas se capacitarem para uma profissão, dar melhores habilidades e condições aos pobres de usar suas capacidades de maneira mais produtiva. O que inclui dar mais educação formal aos jovens e aos não tão jovens, formação profissional, formação técnica por um lado e por outro lado oferecer para as pessoas condições concretas de usarem suas capacidades, ou seja, criar oportunidades de emprego, microcrédito e apoio à comercialização de produtos.
O Bolsa Família vai incorporar alguns desses benefícios?
A ideia é aproveitar os beneficiários cadastrados no Bolsa Família e usar o mesmo canal para levar uma cesta de oportunidades aos mais pobres. Uns vão precisar mais de capacitação, outros de crédito. As necessidades são diversas.
O senhor defende a criação de um exército de agentes de desenvolvimento social para trabalhar no Bolsa Família tornando o programa mais efetivo. Como atuariam os agentes?
Os agentes (de desenvolvimento social) atuariam descobrindo um leque de oportunidades e iriam aplicá-lo de acordo com a necessidade de cada família. Eles poderiam atuar para viabilizar projetos de capacitação profissional, educação, criação de empregos, financiamento e oportunidades para as famílias ampliarem sua renda. A ideia do agente funciona.
O senhor trabalha com um cenário de fim do Bolsa Família?
Na minha concepção o Bolsa Família deve continuar, porque a função do programa não é acabar com a pobreza absoluta, mas reduzir desigualdades e a pobreza relativa. O Bolsa Família deve continuar e procurar elevar a renda das famílias a patamares mais altos na medida em que outras políticas forem efetivas.
Qual é a proporção da renda dos mais pobres na população brasileira?
O ganho dos 10% mais pobres representa um oitavo da renda média familiar per capita do país, que deve estar na casa de R$ 700. A renda per capita dos até 10% mais pobres alcança R$ 50 (no Nordeste) e R$ 80 (na média Brasil da PNAD [Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio]). Um ganho per capita razoável para as famílias mais pobres seria de no mínimo R$ 100.
Até quando será necessário manter o Bolsa Família?
Mesmo que a renda suba no Bolsa Família ainda há espaço para se chegar a R$ 100. E daí podemos trabalhar para elevá-la para R$ 150. Com a desigualdade que o Brasil tem, o governo não vai deixar de precisar do Bolsa Família. Sempre vai ter gente com renda muito baixa. Não creio que o Bolsa Família vá sumir daqui a 20 anos. O programa pode até perder importância, mas contar com uma rede de proteção social que garanta a renda mínima das pessoas mais pobres é sempre bom.
Mas a situação da pobreza não melhorou nos últimos anos?
Melhorou muito. Mas para o Brasil ficar no nível de desigualdade de países como Turquia e Tunísia, que têm uma renda média per capita das mais pobres, em patamar equivalente a R$ 100, vamos precisar de mais 15 a 20 anos. Nosso nível de desigualdade é tristemente alto.
As Unidades de Política Pacificadora (UPPs) podem ser um instrumento de erradicação da pobreza?
As favelas não são as áreas mais pobres do Rio. As UPPs servem mais para resolver os problemas de segurança e garantir o respeito a direitos e deveres dos cidadãos que nelas residem.
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Serra, o pré-sal e a falsa surpresa
Reproduzo artigo de Mino Carta, intitulado "Falsa surpresa, outra verdadeira e a revelação", publicado no sítio da revista CartaCapital:
Registro neste derradeiro mês de 2010 uma falsa surpresa, outra verdadeira e uma revelação. A surpresa que não houve vem do WikiLeaks e é de amplo raio. O WikiLeaks demonstra apenas no plano mundial o baixo QI da diplomacia americana e, em perfeita afinação em relação ao Brasil, que os representantes de Tio Sam aqui sediados baseiam seus despachos na leitura de Veja, Estadão, Folha e Globo. Seria esta razão de espanto? De maneira alguma, está claro. E seria verificar que Washington, como informa o WikiLeaks, faz lobby contra a lei do pré-sal a favor das irmãs do petróleo?
O petróleo é deles? – Telegramas confidenciais remetidos pelos diplomatas americanos para o Departamento de Estado mostram profunda contrariedade diante das mudanças introduzidas pelo governo Lula nos sistemas de exploração do nosso petróleo. E surge em cena uma certa Patricia Pedral, diretora da Chevron no Brasil. Ela acusa o governo de fazer uso “político” do modelo, mas não perde as esperanças. “As regras sempre podem mudar depois”, teria afirmado, o que também implica confiança no poder de persuasão das irmãs petroleiras e do próprio Tio Sam. Os métodos deste poder são bastante conhecidos, passam pela chantagem e pelo tilintar dos dólares.
Surpresa? Nem pensar. Segundo dona Patricia, em novembro do ano passado ela teria recebido de José Serra a garantia de que, eleito, mudaria as regras. Não sei até que ponto dona Patricia é confiável. Pergunto, de todo modo: se a promessa de Serra existiu, cabe espanto? Obviamente, não. Eleito em lugar de Dilma Rousseff, ele faria a vontade da sua turma e da mídia nativa. O tucanato é assim mesmo. É do conhecimento até do mundo mineral que Fernando Henrique sonhou em privatizar a Petrobras até onde fosse possível. Difícil é imaginar que Serra presidente deixaria por menos. Vejam só do que nos livramos.
O escândalo é outro – Surpresa autêntica é proporcionada por um livro publicado, O Escândalo Daniel Dantas. Poderia ser da autoria dos advogados do banqueiro orelhudo, e não nos deixaria de queixo caído. Dá-se que quem escreve, e não há defensor de Dantas habilitado a realizar trabalho melhor, é um jornalista, Raymundo Rodrigues Pereira, de hábito empenhado em nobres causas, a me merecer desde sempre amizade como indivíduo e respeito como profissional.
Raymundo me presenteou recentemente com seu livro e com uma coletânea de ensaios sobre a obra de um criador de cinema que ambos admiramos, John Ford. Eu já estava informado a respeito do conteúdo de O Escândalo Daniel Dantas e cuidei de não lê-lo para evitar que ventos malignos soprassem entre o fígado e a alma. Disse apenas ao velho amigo e companheiro de algumas aventuras: “Concordamos quanto a Ford, discordamos quanto a Dantas”. No livro ele aponta CartaCapital como uma publicação que perseguiu Dantas injustamente e eu fingi ignorar.
Na Folha de S.Paulo, de 10 de dezembro, entrevistado por Frederico Vasconcelos, ele volta à carga. Diz que por trás das reportagens publicadas contra o banqueiro do Opportunity – e no caso de CartaCapital, segundo ele teriam sido cem, número talvez exagerado, mas pouco importa – “estavam os fundos de pensão, a canadense TIW, a Telecom Italia e Luiz Roberto Demarco (ex-sócio de Dantas)”, conforme relata Vasconcelos. Ou, por outra: CartaCapital prestou-se a um jogo sujo, não se esclarece a que preço. Vale soletrar o contrário: o orelhudo, que assim chamamos por sua comprovadíssima obsessão no uso desbragado do grampo, tentou amansar CartaCapital por meio de polpudo contrato de publicidade, obviamente ineficaz. Que fazer, a gente não está à venda.
Não me permito ilações sobre as razões de Raymundo e até que ponto ele se dispôs a servir aos interesses de amigos chegados ao orelhudo. Diante da grave ofensa, cometida contra esta revista e vários honrados jornalistas, declaro meu suspanto, misto de susto e espanto, como diria o próprio Raymundo, desta vez entregue a um gênero de jornalismo que sequer posso classificar como de péssima qualidade. Não há dúvidas de que ele conversou longamente com seu herói e apaniguados. Não procurou, contudo, os vilões, os profissionais que ofende, a começar por Rubens Glasberg, dono de um arquivo completo a respeito de Dantas e suas façanhas.
Não há uma única, escassa reportagem de CartaCapital que não tenha sido baseada em documentos irrefutáveis para provar as inúmeras mazelas dantescas e as condenações que colecionou, em Cayman, em Nova York, em Londres, por uma corte internacional. E é muito estranho que jornalistas, mercenários segundo Raymundo, processados pelo orelhudo, cinco vezes Glasberg, duas vezes o acima assinado, incontáveis Paulo Henrique Amorim, tenham saído vencedores destes embates judiciários.
Papai Noel a risco – E agora a revelação, que devemos agradecer à revista Veja: Papai Noel existe. Trata-se de um milagre. Metido naquelas fartas roupas de lã, botas e capuz, arrastado para o trópico a bordo de um trenó puxado por renas à espera da neve impossível, ele resiste impávido ao nosso verão. Na minha infância, celebrava-se Jesus Menino, que, como todos, veio ao mundo nu. Em um Natal desses, Papai Noel bate literalmente as botas. Coisas de um país onde há quem gostaria de privatizar a Petrobras e acha DD um capitalista exemplar.
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Registro neste derradeiro mês de 2010 uma falsa surpresa, outra verdadeira e uma revelação. A surpresa que não houve vem do WikiLeaks e é de amplo raio. O WikiLeaks demonstra apenas no plano mundial o baixo QI da diplomacia americana e, em perfeita afinação em relação ao Brasil, que os representantes de Tio Sam aqui sediados baseiam seus despachos na leitura de Veja, Estadão, Folha e Globo. Seria esta razão de espanto? De maneira alguma, está claro. E seria verificar que Washington, como informa o WikiLeaks, faz lobby contra a lei do pré-sal a favor das irmãs do petróleo?
O petróleo é deles? – Telegramas confidenciais remetidos pelos diplomatas americanos para o Departamento de Estado mostram profunda contrariedade diante das mudanças introduzidas pelo governo Lula nos sistemas de exploração do nosso petróleo. E surge em cena uma certa Patricia Pedral, diretora da Chevron no Brasil. Ela acusa o governo de fazer uso “político” do modelo, mas não perde as esperanças. “As regras sempre podem mudar depois”, teria afirmado, o que também implica confiança no poder de persuasão das irmãs petroleiras e do próprio Tio Sam. Os métodos deste poder são bastante conhecidos, passam pela chantagem e pelo tilintar dos dólares.
Surpresa? Nem pensar. Segundo dona Patricia, em novembro do ano passado ela teria recebido de José Serra a garantia de que, eleito, mudaria as regras. Não sei até que ponto dona Patricia é confiável. Pergunto, de todo modo: se a promessa de Serra existiu, cabe espanto? Obviamente, não. Eleito em lugar de Dilma Rousseff, ele faria a vontade da sua turma e da mídia nativa. O tucanato é assim mesmo. É do conhecimento até do mundo mineral que Fernando Henrique sonhou em privatizar a Petrobras até onde fosse possível. Difícil é imaginar que Serra presidente deixaria por menos. Vejam só do que nos livramos.
O escândalo é outro – Surpresa autêntica é proporcionada por um livro publicado, O Escândalo Daniel Dantas. Poderia ser da autoria dos advogados do banqueiro orelhudo, e não nos deixaria de queixo caído. Dá-se que quem escreve, e não há defensor de Dantas habilitado a realizar trabalho melhor, é um jornalista, Raymundo Rodrigues Pereira, de hábito empenhado em nobres causas, a me merecer desde sempre amizade como indivíduo e respeito como profissional.
Raymundo me presenteou recentemente com seu livro e com uma coletânea de ensaios sobre a obra de um criador de cinema que ambos admiramos, John Ford. Eu já estava informado a respeito do conteúdo de O Escândalo Daniel Dantas e cuidei de não lê-lo para evitar que ventos malignos soprassem entre o fígado e a alma. Disse apenas ao velho amigo e companheiro de algumas aventuras: “Concordamos quanto a Ford, discordamos quanto a Dantas”. No livro ele aponta CartaCapital como uma publicação que perseguiu Dantas injustamente e eu fingi ignorar.
Na Folha de S.Paulo, de 10 de dezembro, entrevistado por Frederico Vasconcelos, ele volta à carga. Diz que por trás das reportagens publicadas contra o banqueiro do Opportunity – e no caso de CartaCapital, segundo ele teriam sido cem, número talvez exagerado, mas pouco importa – “estavam os fundos de pensão, a canadense TIW, a Telecom Italia e Luiz Roberto Demarco (ex-sócio de Dantas)”, conforme relata Vasconcelos. Ou, por outra: CartaCapital prestou-se a um jogo sujo, não se esclarece a que preço. Vale soletrar o contrário: o orelhudo, que assim chamamos por sua comprovadíssima obsessão no uso desbragado do grampo, tentou amansar CartaCapital por meio de polpudo contrato de publicidade, obviamente ineficaz. Que fazer, a gente não está à venda.
Não me permito ilações sobre as razões de Raymundo e até que ponto ele se dispôs a servir aos interesses de amigos chegados ao orelhudo. Diante da grave ofensa, cometida contra esta revista e vários honrados jornalistas, declaro meu suspanto, misto de susto e espanto, como diria o próprio Raymundo, desta vez entregue a um gênero de jornalismo que sequer posso classificar como de péssima qualidade. Não há dúvidas de que ele conversou longamente com seu herói e apaniguados. Não procurou, contudo, os vilões, os profissionais que ofende, a começar por Rubens Glasberg, dono de um arquivo completo a respeito de Dantas e suas façanhas.
Não há uma única, escassa reportagem de CartaCapital que não tenha sido baseada em documentos irrefutáveis para provar as inúmeras mazelas dantescas e as condenações que colecionou, em Cayman, em Nova York, em Londres, por uma corte internacional. E é muito estranho que jornalistas, mercenários segundo Raymundo, processados pelo orelhudo, cinco vezes Glasberg, duas vezes o acima assinado, incontáveis Paulo Henrique Amorim, tenham saído vencedores destes embates judiciários.
Papai Noel a risco – E agora a revelação, que devemos agradecer à revista Veja: Papai Noel existe. Trata-se de um milagre. Metido naquelas fartas roupas de lã, botas e capuz, arrastado para o trópico a bordo de um trenó puxado por renas à espera da neve impossível, ele resiste impávido ao nosso verão. Na minha infância, celebrava-se Jesus Menino, que, como todos, veio ao mundo nu. Em um Natal desses, Papai Noel bate literalmente as botas. Coisas de um país onde há quem gostaria de privatizar a Petrobras e acha DD um capitalista exemplar.
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sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
Wikileaks e a liberdade de expressão
Reproduzo reportagem de Juliana Sada, publicada no blog Escrevinhador:
Com a presença de cerca de duzentas pessoas no auditório e mais de quinhentas acompanhando a transmissão pela internet, aconteceu o ato-debate sobre o Wikileaks na última quarta-feira, em São Paulo. O encontro reuniu militantes de diversas áreas que se uniram em defesa da liberdade de expressão e pelo direito de acesso à informação. A jornalista Natalia Viana, que faz parte do Wikileaks, esteve presente para esclarecer o funcionamento da organização e contar como está sendo o processo de divulgação dos documentos relacionados ao Brasil.
Ofensivas
Um dos temas de muita preocupação foi a atual situação legal de Julian Assange, fundador do Wikileaks. O australiano foi condenado na Suécia por crime sexual – especificamente, por manter relação sexual sem preservativo –, e após algum tempo, ele se entregou à Justiça Britânica. Ontem (quinta-feira), Assange foi solto mediante pagamento de fiança.
Ainda que no debate se tenha ressaltado o caráter de perseguição política da prisão de Assange, a Natalia Viana afirmou não ser essa a maior ofensiva contra a organização. Ela declarou estar em curso nos EUA uma tentativa de criminalização do Wikileaks. “O Departamento de Justiça dos Estados Unidos abertamente declarou: ‘não achamos uma lei na qual possamos enquadrar o Wikileaks, mas vamos achar. ’” Natalia conta ainda que há alguns anos os Estados Unidos tentaram classificar a organização como um grupo terrorista.
Parceria O Globo e Folha de S.Paulo
No Brasil, o Wikileaks optou por realizar uma parceria com dois grandes jornais de alcance nacional – a Folha de S.Paulo e O Globo, do Rio de Janeiro. Ambos os veículos e a jornalista Natalia Viana [*] têm exclusividade (que deve durar até janeiro) no acesso aos documentos relativos ao Brasil. Uma vez divulgados na imprensa – de maneira coordenada – os documentos são disponibilizados na íntegra na página do Wikileaks.
A opção pela parceria com estes jornais foi questionada por muitos presentes, que duvidaram da confiabilidade dos veículos. Natalia Viana explicou a importância destas parcerias. Primeiramente, estes órgãos de imprensa possuem grande abrangência – e o intuito do Wikileaks é fazer com que as informações circulem –, além disto, é importante que haja uma apurada checagem da veracidade dos documentos, e os jornais contribuem com seus funcionários nesta tarefa.
Quanto às possíveis distorções e usos políticos das informações, a jornalista Natalia Viana ressaltou um ponto importante do Wikileaks: “A Folha pode relatar como quiser, porque as pessoas podem ver o material original. O essencial da organização é que a pessoa possa ver os documentos e fazer o próprio julgamento”. A escolha pelos veículos não foi político e sim de abrangência, Natalia avalia que “é o fato do Wikileaks não possuir vínculos políticos que possibilita o recebimento dos documentos vazados”.
Wikileaks e a Falha de S.Paulo
Um dos grandes méritos do debate foi aproximar os ataques ao Wikileaks à realidade brasileira – sobretudo com a ofensiva sofrida pelo blog de paródia Falha de SP e as ameaças e restrição da liberdade na internet.
O blog Falha de S.Paulo foi criado para fazer uma paródia da Folha de S.Paulo. Em pouco tempo, o jornal moveu um processo por “uso indevido da marca” contra o blog, que teve que ser retirado do ar sob pena de receber uma pesada multa. Outro argumento utilizado foi que o “consumidor mais desavisado” poderia confundir o blog de comédia com o site do jornal. Na quarta-feira, o Tribunal de Justiça de São Paulo recusou a derrubar a liminar que tirou a “Falha” do ar. Desta vez, os desembargadores afirmaram que a Falha era um “flagrante caso de concorrência parasitária”. O processo segue tramitando.
Pablo Ortellado, professor da USP e pesquisador do GPOPAI, afirma que tanto o Wikileaks quanto o blog Falha de S.Paulo são ofensivas contra a liberdade de expressão “ambos estão sendo atacados brutalmente por meios escusos”. Ou seja, sob alguma acusação tentam calar estes atores. Ortellado ressalta a importância de “comprar a briga e ir até o fim, para abrir um precedente jurídico” e afirma que até agora, no Brasil, somente o Centro de Mídia Independente fazia isso.
Já Sérgio Amadeu, professor da UFABC, chamou a atenção para o projeto do senador Azeredo, apelidado de AI-5 digital, que tem como objetivo acabar com o anonimato na rede, por meio de identificação do rastro digital. Para Amadeu, iniciativas como a do Wikileaks e dos hackers – que atacaram sites de empresas que boicotavam a organização – são utilizados pelos conservadores para cercear a liberdade na internet. O estudioso alerta que “a reação será contra a rede e não contra indivíduos” e avisa da importância de barrar tais iniciativas, “a internet tem que ser livre para que a verdade prevaleça”.
* A jornalista Natalia Viana possui um blog no qual produz reportagens, ao mesmo tempo dos grandes veículos, a partir dos documentos vazados. É uma boa opção para fazer um contraponto ao que é publicado na imprensa. O blog pode ser acessado aqui.
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Com a presença de cerca de duzentas pessoas no auditório e mais de quinhentas acompanhando a transmissão pela internet, aconteceu o ato-debate sobre o Wikileaks na última quarta-feira, em São Paulo. O encontro reuniu militantes de diversas áreas que se uniram em defesa da liberdade de expressão e pelo direito de acesso à informação. A jornalista Natalia Viana, que faz parte do Wikileaks, esteve presente para esclarecer o funcionamento da organização e contar como está sendo o processo de divulgação dos documentos relacionados ao Brasil.
Ofensivas
Um dos temas de muita preocupação foi a atual situação legal de Julian Assange, fundador do Wikileaks. O australiano foi condenado na Suécia por crime sexual – especificamente, por manter relação sexual sem preservativo –, e após algum tempo, ele se entregou à Justiça Britânica. Ontem (quinta-feira), Assange foi solto mediante pagamento de fiança.
Ainda que no debate se tenha ressaltado o caráter de perseguição política da prisão de Assange, a Natalia Viana afirmou não ser essa a maior ofensiva contra a organização. Ela declarou estar em curso nos EUA uma tentativa de criminalização do Wikileaks. “O Departamento de Justiça dos Estados Unidos abertamente declarou: ‘não achamos uma lei na qual possamos enquadrar o Wikileaks, mas vamos achar. ’” Natalia conta ainda que há alguns anos os Estados Unidos tentaram classificar a organização como um grupo terrorista.
Parceria O Globo e Folha de S.Paulo
No Brasil, o Wikileaks optou por realizar uma parceria com dois grandes jornais de alcance nacional – a Folha de S.Paulo e O Globo, do Rio de Janeiro. Ambos os veículos e a jornalista Natalia Viana [*] têm exclusividade (que deve durar até janeiro) no acesso aos documentos relativos ao Brasil. Uma vez divulgados na imprensa – de maneira coordenada – os documentos são disponibilizados na íntegra na página do Wikileaks.
A opção pela parceria com estes jornais foi questionada por muitos presentes, que duvidaram da confiabilidade dos veículos. Natalia Viana explicou a importância destas parcerias. Primeiramente, estes órgãos de imprensa possuem grande abrangência – e o intuito do Wikileaks é fazer com que as informações circulem –, além disto, é importante que haja uma apurada checagem da veracidade dos documentos, e os jornais contribuem com seus funcionários nesta tarefa.
Quanto às possíveis distorções e usos políticos das informações, a jornalista Natalia Viana ressaltou um ponto importante do Wikileaks: “A Folha pode relatar como quiser, porque as pessoas podem ver o material original. O essencial da organização é que a pessoa possa ver os documentos e fazer o próprio julgamento”. A escolha pelos veículos não foi político e sim de abrangência, Natalia avalia que “é o fato do Wikileaks não possuir vínculos políticos que possibilita o recebimento dos documentos vazados”.
Wikileaks e a Falha de S.Paulo
Um dos grandes méritos do debate foi aproximar os ataques ao Wikileaks à realidade brasileira – sobretudo com a ofensiva sofrida pelo blog de paródia Falha de SP e as ameaças e restrição da liberdade na internet.
O blog Falha de S.Paulo foi criado para fazer uma paródia da Folha de S.Paulo. Em pouco tempo, o jornal moveu um processo por “uso indevido da marca” contra o blog, que teve que ser retirado do ar sob pena de receber uma pesada multa. Outro argumento utilizado foi que o “consumidor mais desavisado” poderia confundir o blog de comédia com o site do jornal. Na quarta-feira, o Tribunal de Justiça de São Paulo recusou a derrubar a liminar que tirou a “Falha” do ar. Desta vez, os desembargadores afirmaram que a Falha era um “flagrante caso de concorrência parasitária”. O processo segue tramitando.
Pablo Ortellado, professor da USP e pesquisador do GPOPAI, afirma que tanto o Wikileaks quanto o blog Falha de S.Paulo são ofensivas contra a liberdade de expressão “ambos estão sendo atacados brutalmente por meios escusos”. Ou seja, sob alguma acusação tentam calar estes atores. Ortellado ressalta a importância de “comprar a briga e ir até o fim, para abrir um precedente jurídico” e afirma que até agora, no Brasil, somente o Centro de Mídia Independente fazia isso.
Já Sérgio Amadeu, professor da UFABC, chamou a atenção para o projeto do senador Azeredo, apelidado de AI-5 digital, que tem como objetivo acabar com o anonimato na rede, por meio de identificação do rastro digital. Para Amadeu, iniciativas como a do Wikileaks e dos hackers – que atacaram sites de empresas que boicotavam a organização – são utilizados pelos conservadores para cercear a liberdade na internet. O estudioso alerta que “a reação será contra a rede e não contra indivíduos” e avisa da importância de barrar tais iniciativas, “a internet tem que ser livre para que a verdade prevaleça”.
* A jornalista Natalia Viana possui um blog no qual produz reportagens, ao mesmo tempo dos grandes veículos, a partir dos documentos vazados. É uma boa opção para fazer um contraponto ao que é publicado na imprensa. O blog pode ser acessado aqui.
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Corte da OEA fez o que STF deixou de fazer
Reproduzo artigo de Maria Inês Nassif, publicado no jornal Valor Econômico:
Fatalmente isso iria acontecer: a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou o Brasil pelo desaparecimento de 62 militantes do PCdoB, durante a repressão à Guerrilha do Araguaia, entre 1972 e 1974. A decisão da Corte faz o que o Supremo Tribunal Federal (STF) não fez, em abril, quando teve oportunidade: reconheceu que os crimes dos agentes de Estado não são políticos, mas contra a humanidade.
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que questionava a anistia a representantes do Estado acusados de torturar e matar opositores políticos durante o regime militar (1964-1985), foi derrubada, no final de abril, por sete votos a dois.
Prevaleceu a opinião do relator da matéria, ministro Eros Grau, de que não cabia ao Judiciário rever um “acordo político” que teria resultado no perdão para “crimes políticos” e “conexos”. Os fatos históricos não convalidam a tese de “acordo político”, e sequer a de “crime político”.
Da mesma forma, é possível contestar os argumentos do presidente do Supremo, Cezar Peluso, que falou em “generosidade”, no “princípio da igualdade” e da “legitimidade” das partes que fizeram o suposto acordo. O princípio da igualdade é altamente duvidoso: a própria OAB apresentou ao STF o caso de 495 integrantes da FAB que não foram beneficiados pela anistia. Da “legitimidade” mais ainda, pois quem impôs a lei foi o último governo militar, que tinha o poder das armas e uma bancada governista manietada. Aliás, aprovou a lei com os votos de uma maioria obtida artificialmente nas urnas, graças a mudanças na legislação eleitoral e partidária impostas seguidamente pelo regime, à medida em que a oposição ameaçava sua hegemonia no Legislativo.
Com sua decisão, o STF legitimou a anistia à tortura, considerada crime hediondo pela Constituição de 1988 – portanto imprescritível e inafiançável – , mesmo sabendo que os familiares dos desaparecidos na Guerrilha do Araguaia demandavam a condenação do país por esses crimes na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Anteriormente, a Corte havia anulado as auto-anistias dos regimes autoritários do Peru, da Argentina e do Chile. Era inevitável que fizesse o mesmo com o Brasil, na primeira ação relativa à ditadura militar no país julgada no âmbito da OEA. O risco de que uma decisão dessas do STF resultasse num constrangimento diplomático era evidente. O Brasil, afinal, é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos.
Judiciário faz parte do Estado que deve cumprir Convenção
O presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, disse ontem que a decisão da Corte não obriga o Supremo a rever o seu julgamento. Se não havia a intenção do Estado de cumprir um acordo internacional — e o Judiciário faz parte do Estado –, não existiriam razões para que assinasse a Convenção. Peluso jogou a responsabilidade para outras instâncias: nada impede ao Executivo indenizar ex-presos políticos e familiares de mortos e desaparecidos, como tem feito; também é possível resgatar o passado. De resto, a decisão da Corte é só “sinalização”. Não interfere na decisão do STF.
O resgate histórico desse período negro, que é a bandeira de instituições comprometidas com os direitos humanos e familiares de mortos e desaparecidos do regime militar, não é uma questão pessoal. Essa reivindicação tem sido tratada como uma vingança dos opositores da ditadura, contrária à “generosidade” expressa por uma lei de anistia ampla. Não foi por falta de generosidade que países vizinhos abandonaram leis que anistiavam agentes de Estado que torturaram e mataram. Foi pela convicção – expressa pela Corte Interamericana — de que a democracia no continente apenas se consolidará se houver um acerto com o passado. É preciso, no mínimo, consolidar a cultura de que o passado não é um exemplo a ser seguido.
O aparelho policial e militar foi altamente prejudicado pela presença de agentes que se acostumaram a viver à sombra e acima da lei. Quando se fala em abuso policial e do poder das milícias nas favelas do Rio, por exemplo, ninguém se lembra que a origem dessa autonomia policial diante das leis e perante o resto da sociedade remonta ao período em que o aparelho de repressão tinha licença para sequestrar, matar e torturar sem se obrigar sequer a um registro policial. E que a manutenção da tortura como instrumento de investigação policial existe, atinge barbaramente os setores mais vulneráveis da população e continua não sendo punido. A anistia a agentes do Estado tem se estendido, sem parcimônia, até os dias de hoje.
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Fatalmente isso iria acontecer: a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou o Brasil pelo desaparecimento de 62 militantes do PCdoB, durante a repressão à Guerrilha do Araguaia, entre 1972 e 1974. A decisão da Corte faz o que o Supremo Tribunal Federal (STF) não fez, em abril, quando teve oportunidade: reconheceu que os crimes dos agentes de Estado não são políticos, mas contra a humanidade.
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que questionava a anistia a representantes do Estado acusados de torturar e matar opositores políticos durante o regime militar (1964-1985), foi derrubada, no final de abril, por sete votos a dois.
Prevaleceu a opinião do relator da matéria, ministro Eros Grau, de que não cabia ao Judiciário rever um “acordo político” que teria resultado no perdão para “crimes políticos” e “conexos”. Os fatos históricos não convalidam a tese de “acordo político”, e sequer a de “crime político”.
Da mesma forma, é possível contestar os argumentos do presidente do Supremo, Cezar Peluso, que falou em “generosidade”, no “princípio da igualdade” e da “legitimidade” das partes que fizeram o suposto acordo. O princípio da igualdade é altamente duvidoso: a própria OAB apresentou ao STF o caso de 495 integrantes da FAB que não foram beneficiados pela anistia. Da “legitimidade” mais ainda, pois quem impôs a lei foi o último governo militar, que tinha o poder das armas e uma bancada governista manietada. Aliás, aprovou a lei com os votos de uma maioria obtida artificialmente nas urnas, graças a mudanças na legislação eleitoral e partidária impostas seguidamente pelo regime, à medida em que a oposição ameaçava sua hegemonia no Legislativo.
Com sua decisão, o STF legitimou a anistia à tortura, considerada crime hediondo pela Constituição de 1988 – portanto imprescritível e inafiançável – , mesmo sabendo que os familiares dos desaparecidos na Guerrilha do Araguaia demandavam a condenação do país por esses crimes na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Anteriormente, a Corte havia anulado as auto-anistias dos regimes autoritários do Peru, da Argentina e do Chile. Era inevitável que fizesse o mesmo com o Brasil, na primeira ação relativa à ditadura militar no país julgada no âmbito da OEA. O risco de que uma decisão dessas do STF resultasse num constrangimento diplomático era evidente. O Brasil, afinal, é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos.
Judiciário faz parte do Estado que deve cumprir Convenção
O presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, disse ontem que a decisão da Corte não obriga o Supremo a rever o seu julgamento. Se não havia a intenção do Estado de cumprir um acordo internacional — e o Judiciário faz parte do Estado –, não existiriam razões para que assinasse a Convenção. Peluso jogou a responsabilidade para outras instâncias: nada impede ao Executivo indenizar ex-presos políticos e familiares de mortos e desaparecidos, como tem feito; também é possível resgatar o passado. De resto, a decisão da Corte é só “sinalização”. Não interfere na decisão do STF.
O resgate histórico desse período negro, que é a bandeira de instituições comprometidas com os direitos humanos e familiares de mortos e desaparecidos do regime militar, não é uma questão pessoal. Essa reivindicação tem sido tratada como uma vingança dos opositores da ditadura, contrária à “generosidade” expressa por uma lei de anistia ampla. Não foi por falta de generosidade que países vizinhos abandonaram leis que anistiavam agentes de Estado que torturaram e mataram. Foi pela convicção – expressa pela Corte Interamericana — de que a democracia no continente apenas se consolidará se houver um acerto com o passado. É preciso, no mínimo, consolidar a cultura de que o passado não é um exemplo a ser seguido.
O aparelho policial e militar foi altamente prejudicado pela presença de agentes que se acostumaram a viver à sombra e acima da lei. Quando se fala em abuso policial e do poder das milícias nas favelas do Rio, por exemplo, ninguém se lembra que a origem dessa autonomia policial diante das leis e perante o resto da sociedade remonta ao período em que o aparelho de repressão tinha licença para sequestrar, matar e torturar sem se obrigar sequer a um registro policial. E que a manutenção da tortura como instrumento de investigação policial existe, atinge barbaramente os setores mais vulneráveis da população e continua não sendo punido. A anistia a agentes do Estado tem se estendido, sem parcimônia, até os dias de hoje.
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América Latina e o combate à desigualdade
Reproduzo artigo de Ladislau Dowbor, publicado no sítio Carta Maior:
A CEPAL publicou um documento de primeira importância, “La Hora de la Igualdad”. Apresenta o resgate da massa dos excluídos do nosso subcontinente como eixo principal das políticas não apenas distributivas, mas econômicas e sociais no sentido mais amplo. De certa forma, a nossa principal herança maldita, a desigualdade, passa a ser vista como oportunidade de expansão econômica interna, um horizonte positivo de crescimento, não mais baseado em consumo de luxo de minorias, mas em consumo e inclusão produtiva de quem precisa. É a dimensão latinoamericana do que o Banco Mundial chama de população “sem acesso aos benefícios da globalização”, cerca de 4 bilhões de pessoas no planeta, quase dois terços do total. Numa terminologia mais prosaica, são os pobres.
O denominador comum da transformação desta década é a ampliação do consumo de massa. A visão enfrenta fortes resistências, com todos os preconceitos herdados, mas no conjunto os efeitos multiplicadores estão se verificando, e o processo foi se ampliando com a geração de governantes progressistas eleitos na região. A visão de bom senso é de que o principal desafio, a exclusão econômica e social de mais da metade da população, pode constituir uma oportunidade, um novo horizonte de expansão no mercado interno, favorecendo assim não só os pobres, mas o conjunto do aparelho produtivo. A crescente pressão da base da pirâmide social por melhores condições de vida, articulada com a determinação dos governos de promover as mudanças, gerou um círculo virtuoso em que o econômico, o social e o ambiental encontraram o seu campo comum, e no contexto tão importante de uma governança democrática.
Os avanços sociais sempre foram apresentados como custos, que onerariam os setores produtivos. As políticas foram tradicionalmente baseadas na visão de que a ampliação da competitividade da empresa passa pela redução dos seus custos. Isto tem duas vertentes. Enquanto a redução dos custos pela racionalização do uso dos insumos, redução da pegada ecológica e aproveitamento das novas tecnologias produtivas e organizacionais é essencial, pelo avanço de produtividade que permite, a redução de custos pelo lado da mão de obra reduz o mercado consumidor no seu conjunto, e tende a ter o efeito inverso. Ao reduzir o mercado consumidor, limita a escala de produção, e mantém a economia na chamada “base estreita”, de produzir pouco, para poucos, e com preços elevados, que é a tradição latinoamericana. E poupa as empresas mais atrasadas de investirem na modernização.
A crise financeira mundial deixou as coisas mais claras. A evolução da América Latina frente à crise se caracteriza pelo fato de que no momento da eclosão dos problemas nos Estados Unidos, a região já vinha tomando medidas redistributivas no sentido amplo, ficando assim parcialmente preparada. No pior da crise, intensificou as medidas, o que facilitou a transição. No entanto, o problema principal não é a crise de 2008. Por mais grave que esta seja, o principal é que a América Latina era e continua sendo a região mais desigual do planeta, com problemas estruturais absolutamente obscenos em termos de riqueza ostensiva e perdulária frente à miséria do grosso da população e as correspondentes perdas de produtividade.
Deste ponto de vista, a crise financeira de certa forma representou uma oportunidade, ao tornar mais evidente a necessidade de uma ampla base de consumo popular. Apraoveitarm-se assim as políticas anti-cíclicas características de uma conjuntura determinada, para estabilizar políticas estruturais, visões de Estado. Paradoxalmente, é graças à crise que um conjunto de setores fechados a visões progressistas passou a ver de outra maneira o papel do Estado, as políticas distributivas, as políticas sociais em geral. Com o colapso dos mercados mundiais, foi importante para uma série de setores de atividade mais vinculados à exportação poderem se reconverter para o mercado interno que se expandia apesar da crise. Com o travamento dos créditos dos bancos comerciais, outros setores viram com bons olhos a existência de bancos públicos que não só mantiveram como expandiram as linhas de crédito. Uma visão mais ampla da política econômica se generalizou, abrindo mais espaço para medidas de longo prazo.
O estudo da Cepal sistematiza de maneira muito útil este novo enfoque, apontando seis grandes pilares:
1) Uma política macroeconômica para um desenvolvimento inclusivo: a região pode crescer mais e melhor. Não só é necessário atingir um maior dinamismo econômico, mas também maiores níveis de inclusão e igualdade social, menor exposição aos impactos da volatilidade externa, mais investimento produtivo e mais geração de empregos de qualidade. O papel das políticas macroeconômicas é essencial.
2) Convergência produtiva com igualdade: as economias latino-americanas e caribenhas se caracterizam por uma notória heterogeneidade estrutural que em explica em grande medida a aguda desigualdade social da região. Esta heterogeneidade está dada pelas brechas internas e externas de produtividade. Para ajudar a preencher estas lacunas, a CEPAL propõe transformar a estrutura produtiva a partir de três eixos de políticas: o industrial, com ênfase na inovação; o tecnológico, centrado na criação e difusão de conhecimento; e o apoio às pequenas e médias empresas.
3) Convergência territorial: o território importa sim. As brechas sociais e de produtividade também tem sua expressão especial. Daí a urgência de criar políticas que abordem a heterogeneidade territorial no interior dos países. As transferências intergovernamentais são decisivas na correção das disparidades territoriais, assim como os fundos de coesão territorial.
4) Mais e melhor emprego: o emprego é a chave mestra para resolver a desigualdade. Para superar as lacunas na renda, no acesso à seguridade social e na estabilidade laboral – além do problema da discriminação que afeta mulheres, jovens e minorias étnicas – a CEPAL propõe um caminho centrado, entre outros temas, na construção de um pacto laboral que gere dinamismo econômico e proteja o trabalhador.
5) A superação das brechas sociais: o Estado tem um papel decisivo na reversão da desigualdade, o que implica um aumento sustentado do gasto social, avançar na institucionalidade social e na direção de sistemas de transferências de rendas para melhorar a distribuição em favor dos setores mais vulneráveis.
6) O pacto fiscal como chave no vínculo entre o Estado e a igualdade: é necessário dotar o Estado de maior capacidade para redistribuir recursos e promover a igualdade. Trata-se de um Estado de bem estar e não de um Estado subsidiário, que avance para uma estrutura tributária e um sistema de transferências que privilegie a solidariedade social. Com uma nova equação Estado-mercado-sociedade poderá se alcançar um desenvolvimento com empregos de qualidade, coesão social e sustentabilidade ambiental.
A formulação desta visão na América Latina, que sempre separou, em termos de análise, as políticas econômicas e as políticas sociais, é sumamente importante. Tanto no Brasil como em outros países, as políticas distributivas continuam a ser apresentadas pelas oligarquias como “assistencialismo”, e a fragilidade das políticas de prestação de serviços sociais como efeito natural da ineficiência do Estado. A dinâmica social como vetor de promoção das atividades econômicas no seu conjunto, nestas propostas da Cepal, constitui uma visão de bom senso. O desenvolvimento volta aqui a ser entendido como processo integrado, e a dimensão econômica se articula com as dimensões sociais e ambientais.
As políticas sociais passam assim a ser analisadas não apenas na sua eficiência específica, em termos de melhoria da saúde ou da promoção das pessoas, por exemplo, mas no seu impacto geral para as atividades econômicas. A concepção de que “a produção” geraria riqueza, enquanto o social constituiria gasto, é simplesmente errada. Consolida-se a visão do social como investimento. Segundo o relatório, “os recursos utilizados na gestão social, mais do que gasto, são investimento".
Em outra dimensão, o investimento social, ao tirar as pessoas da miséria, e integrá-las na dinâmica econômica mais ampla, permite ultrapassar gradualmente o eterno dualismo que trava o desenvolvimento da região: bens pobres para pobres, saúde pobre para pobres e assim por diante. É o que o relatório da Cepal chama da “hetorogeneidade estrutural” que precisa ser enfrentada para gerar a “convergência produtiva”.
"As transferências destinadas à exclusão social e ao desemprego, à habitação, à família e às crianças aumentam a eficácia macroeconômica na medida em que favorecem a participação da mulher, a inserção produtiva das pessoas excluídas e também o consumo provado. Isso coincide com uma das principais mensagens que esse trabalho quer transmitir, a saber, a necessidade de visualizar o gasto social em favor do bem estar a partir de uma perspectiva de investimento social que contribua para reduzir a heterogeneidade estrutural e avançar na direção de uma convergência produtiva" (243)
Neste subcontinente historicamente assolado por oligarquias retrógradas sustentadas por interesses transnacionais, onde sempre se promoveu o desenvolvimento excludente, onde a própria modernidade se apresenta como acesso de minorias a um luxo ostensivo, trata-se realmente de uma virada histórica. Não pelos resultados, que ainda são extremamente tímidos, dada a produndidade da desigualdade herdada, mas pela reorientação das políticas.
Bernardo Kliksberg, que prefacia a obra, também vê as novas políticas na sua dimensão transformadora mais ampla, envolvendo a própria ética dos processos econômicos. "Na América Latina, há hoje uma sede de ética. vastos setores concordam com a necessidade de superar a separação entre ética e economia que caracterizou as últimas décadas. Uma economia orientada pela ética não aparece como um simples sonho, mas sim como uma exigência histórica para superar o paradoxo da pobreza em meio à riqueza e construir um desenvolvimento pujante, sustentável e equitativo".
* O documento da Cepal pode ser acessado na íntegra, sem custos, no link http://bit.ly/9Vpwt4 . Uma versão resumido em portugués, de 58 páginas, pode ser acessada em http://bit.ly/bqwYAh
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A CEPAL publicou um documento de primeira importância, “La Hora de la Igualdad”. Apresenta o resgate da massa dos excluídos do nosso subcontinente como eixo principal das políticas não apenas distributivas, mas econômicas e sociais no sentido mais amplo. De certa forma, a nossa principal herança maldita, a desigualdade, passa a ser vista como oportunidade de expansão econômica interna, um horizonte positivo de crescimento, não mais baseado em consumo de luxo de minorias, mas em consumo e inclusão produtiva de quem precisa. É a dimensão latinoamericana do que o Banco Mundial chama de população “sem acesso aos benefícios da globalização”, cerca de 4 bilhões de pessoas no planeta, quase dois terços do total. Numa terminologia mais prosaica, são os pobres.
O denominador comum da transformação desta década é a ampliação do consumo de massa. A visão enfrenta fortes resistências, com todos os preconceitos herdados, mas no conjunto os efeitos multiplicadores estão se verificando, e o processo foi se ampliando com a geração de governantes progressistas eleitos na região. A visão de bom senso é de que o principal desafio, a exclusão econômica e social de mais da metade da população, pode constituir uma oportunidade, um novo horizonte de expansão no mercado interno, favorecendo assim não só os pobres, mas o conjunto do aparelho produtivo. A crescente pressão da base da pirâmide social por melhores condições de vida, articulada com a determinação dos governos de promover as mudanças, gerou um círculo virtuoso em que o econômico, o social e o ambiental encontraram o seu campo comum, e no contexto tão importante de uma governança democrática.
Os avanços sociais sempre foram apresentados como custos, que onerariam os setores produtivos. As políticas foram tradicionalmente baseadas na visão de que a ampliação da competitividade da empresa passa pela redução dos seus custos. Isto tem duas vertentes. Enquanto a redução dos custos pela racionalização do uso dos insumos, redução da pegada ecológica e aproveitamento das novas tecnologias produtivas e organizacionais é essencial, pelo avanço de produtividade que permite, a redução de custos pelo lado da mão de obra reduz o mercado consumidor no seu conjunto, e tende a ter o efeito inverso. Ao reduzir o mercado consumidor, limita a escala de produção, e mantém a economia na chamada “base estreita”, de produzir pouco, para poucos, e com preços elevados, que é a tradição latinoamericana. E poupa as empresas mais atrasadas de investirem na modernização.
A crise financeira mundial deixou as coisas mais claras. A evolução da América Latina frente à crise se caracteriza pelo fato de que no momento da eclosão dos problemas nos Estados Unidos, a região já vinha tomando medidas redistributivas no sentido amplo, ficando assim parcialmente preparada. No pior da crise, intensificou as medidas, o que facilitou a transição. No entanto, o problema principal não é a crise de 2008. Por mais grave que esta seja, o principal é que a América Latina era e continua sendo a região mais desigual do planeta, com problemas estruturais absolutamente obscenos em termos de riqueza ostensiva e perdulária frente à miséria do grosso da população e as correspondentes perdas de produtividade.
Deste ponto de vista, a crise financeira de certa forma representou uma oportunidade, ao tornar mais evidente a necessidade de uma ampla base de consumo popular. Apraoveitarm-se assim as políticas anti-cíclicas características de uma conjuntura determinada, para estabilizar políticas estruturais, visões de Estado. Paradoxalmente, é graças à crise que um conjunto de setores fechados a visões progressistas passou a ver de outra maneira o papel do Estado, as políticas distributivas, as políticas sociais em geral. Com o colapso dos mercados mundiais, foi importante para uma série de setores de atividade mais vinculados à exportação poderem se reconverter para o mercado interno que se expandia apesar da crise. Com o travamento dos créditos dos bancos comerciais, outros setores viram com bons olhos a existência de bancos públicos que não só mantiveram como expandiram as linhas de crédito. Uma visão mais ampla da política econômica se generalizou, abrindo mais espaço para medidas de longo prazo.
O estudo da Cepal sistematiza de maneira muito útil este novo enfoque, apontando seis grandes pilares:
1) Uma política macroeconômica para um desenvolvimento inclusivo: a região pode crescer mais e melhor. Não só é necessário atingir um maior dinamismo econômico, mas também maiores níveis de inclusão e igualdade social, menor exposição aos impactos da volatilidade externa, mais investimento produtivo e mais geração de empregos de qualidade. O papel das políticas macroeconômicas é essencial.
2) Convergência produtiva com igualdade: as economias latino-americanas e caribenhas se caracterizam por uma notória heterogeneidade estrutural que em explica em grande medida a aguda desigualdade social da região. Esta heterogeneidade está dada pelas brechas internas e externas de produtividade. Para ajudar a preencher estas lacunas, a CEPAL propõe transformar a estrutura produtiva a partir de três eixos de políticas: o industrial, com ênfase na inovação; o tecnológico, centrado na criação e difusão de conhecimento; e o apoio às pequenas e médias empresas.
3) Convergência territorial: o território importa sim. As brechas sociais e de produtividade também tem sua expressão especial. Daí a urgência de criar políticas que abordem a heterogeneidade territorial no interior dos países. As transferências intergovernamentais são decisivas na correção das disparidades territoriais, assim como os fundos de coesão territorial.
4) Mais e melhor emprego: o emprego é a chave mestra para resolver a desigualdade. Para superar as lacunas na renda, no acesso à seguridade social e na estabilidade laboral – além do problema da discriminação que afeta mulheres, jovens e minorias étnicas – a CEPAL propõe um caminho centrado, entre outros temas, na construção de um pacto laboral que gere dinamismo econômico e proteja o trabalhador.
5) A superação das brechas sociais: o Estado tem um papel decisivo na reversão da desigualdade, o que implica um aumento sustentado do gasto social, avançar na institucionalidade social e na direção de sistemas de transferências de rendas para melhorar a distribuição em favor dos setores mais vulneráveis.
6) O pacto fiscal como chave no vínculo entre o Estado e a igualdade: é necessário dotar o Estado de maior capacidade para redistribuir recursos e promover a igualdade. Trata-se de um Estado de bem estar e não de um Estado subsidiário, que avance para uma estrutura tributária e um sistema de transferências que privilegie a solidariedade social. Com uma nova equação Estado-mercado-sociedade poderá se alcançar um desenvolvimento com empregos de qualidade, coesão social e sustentabilidade ambiental.
A formulação desta visão na América Latina, que sempre separou, em termos de análise, as políticas econômicas e as políticas sociais, é sumamente importante. Tanto no Brasil como em outros países, as políticas distributivas continuam a ser apresentadas pelas oligarquias como “assistencialismo”, e a fragilidade das políticas de prestação de serviços sociais como efeito natural da ineficiência do Estado. A dinâmica social como vetor de promoção das atividades econômicas no seu conjunto, nestas propostas da Cepal, constitui uma visão de bom senso. O desenvolvimento volta aqui a ser entendido como processo integrado, e a dimensão econômica se articula com as dimensões sociais e ambientais.
As políticas sociais passam assim a ser analisadas não apenas na sua eficiência específica, em termos de melhoria da saúde ou da promoção das pessoas, por exemplo, mas no seu impacto geral para as atividades econômicas. A concepção de que “a produção” geraria riqueza, enquanto o social constituiria gasto, é simplesmente errada. Consolida-se a visão do social como investimento. Segundo o relatório, “os recursos utilizados na gestão social, mais do que gasto, são investimento".
Em outra dimensão, o investimento social, ao tirar as pessoas da miséria, e integrá-las na dinâmica econômica mais ampla, permite ultrapassar gradualmente o eterno dualismo que trava o desenvolvimento da região: bens pobres para pobres, saúde pobre para pobres e assim por diante. É o que o relatório da Cepal chama da “hetorogeneidade estrutural” que precisa ser enfrentada para gerar a “convergência produtiva”.
"As transferências destinadas à exclusão social e ao desemprego, à habitação, à família e às crianças aumentam a eficácia macroeconômica na medida em que favorecem a participação da mulher, a inserção produtiva das pessoas excluídas e também o consumo provado. Isso coincide com uma das principais mensagens que esse trabalho quer transmitir, a saber, a necessidade de visualizar o gasto social em favor do bem estar a partir de uma perspectiva de investimento social que contribua para reduzir a heterogeneidade estrutural e avançar na direção de uma convergência produtiva" (243)
Neste subcontinente historicamente assolado por oligarquias retrógradas sustentadas por interesses transnacionais, onde sempre se promoveu o desenvolvimento excludente, onde a própria modernidade se apresenta como acesso de minorias a um luxo ostensivo, trata-se realmente de uma virada histórica. Não pelos resultados, que ainda são extremamente tímidos, dada a produndidade da desigualdade herdada, mas pela reorientação das políticas.
Bernardo Kliksberg, que prefacia a obra, também vê as novas políticas na sua dimensão transformadora mais ampla, envolvendo a própria ética dos processos econômicos. "Na América Latina, há hoje uma sede de ética. vastos setores concordam com a necessidade de superar a separação entre ética e economia que caracterizou as últimas décadas. Uma economia orientada pela ética não aparece como um simples sonho, mas sim como uma exigência histórica para superar o paradoxo da pobreza em meio à riqueza e construir um desenvolvimento pujante, sustentável e equitativo".
* O documento da Cepal pode ser acessado na íntegra, sem custos, no link http://bit.ly/9Vpwt4 . Uma versão resumido em portugués, de 58 páginas, pode ser acessada em http://bit.ly/bqwYAh
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Crise mundial e integração regional
Reproduzo artigo de Silvio Caccia Bava, publicado no sítio da Adital:
A crise financeira internacional ameaça tornar-se mais aguda outra vez. Os governos, endividados com o resgate dos bancos privados em 2008, não conseguem pagar a dívida pública. Grécia e Irlanda foram os primeiros, agora Portugal e Espanha dão sinais de que podem ser os próximos. Nos Estados Unidos, a situação não é diferente, o novo pacote de US$ 600 bilhões para estimular a economia e a geração de emprego demonstra que a crise continua sem solução em curto prazo.
Houve um momento, em 2008, em que os governos adquiriram uma parte significativa dos grandes bancos, abrindo uma possibilidade inusitada: a estatização do sistema financeiro, política adotada pela Índia dez anos atrás. Oportunidade logo afastada pelas grandes corporações financeiras, que buscam na especulação das taxas de lucro o que não conseguem mais com investimentos produtivos. De fato, se adotarmos a teoria dos ciclos de acumulação capitalista, depois dos 30 "anos dourados" que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, as taxas de lucro vêm caindo cada vez mais. Tomando como referência as 500 maiores empresas, a revista Fortune mostra esta tendência: 60-69: 7,15%; 80-90: 5,30%; 90-99: 2,29%; 2000-2002: 1,32%. Sem lucros na produção, o capital se desloca para o cassino financeiro.
O custo dessa operação de resgate comandada pelos grandes bancos internacionais e operada pelos governos dos países mais industrializados é o desmonte do estado de bem-estar social, construído para atender à pressão dos movimentos sociais nos anos 1960. A amarga receita neoliberal não foi abandonada e promove cortes nas políticas que asseguram direitos: aposentadorias, políticas sociais, reajustes de salários. Inglaterra, França e Alemanha recentemente foram fundo nas políticas de ajuste. O desemprego aumenta, os imigrantes são criminalizados. Estimativas da Organização Internacional do Trabalho apontam que, com a crise de 2008, mais de 200 milhões de pessoas engrossam o número dos que vivem abaixo da linha de pobreza.
A proposta de uma regulação financeira internacional que limitasse a especulação, a atuação dos paraísos fiscais, não prevaleceu, como pudemos observar na última reunião do G20. O que leva à previsão de que uma nova crise se avizinha. Pode não ser agora, mas ela certamente virá no curto prazo.
Os protestos e as mobilizações na Grécia, na França e nas principais cidades da Europa não sensibilizaram as autoridades, agora respaldadas pelo novo Fundo Monetário Internacional, saído das cinzas mais poderoso que nunca e transformado no gendarme desses ajustes. A direita avança na composição dos parlamentos e na formulação das políticas de governo. O fenômeno do Tea Party não é só estadunidense. Os fundamentalismos rondam o mundo ocidental. Eles apareceram até na eleição brasileira deste ano, na discussão pública dos temas da crença em Deus e do direito ao aborto.
Um outro elemento revela, no entanto, a crise de hegemonia do atual sistema de poder. É a ascensão do Brics [1] e o fortalecimento de blocos regionais. A China hoje se tornou a segunda maior economia do mundo, e o crescimento dos países menos industrializados, em razão da valorização do preço das commodities [2], atesta esse movimento. O PIB mundial cresceu 22,32% no período de 2003-2008. Os países industrializados cresceram 9,19% e o chamado "terceiro mundo" cresceu 45,89% neste mesmo período [3]. O que indica como tendência uma nova configuração de poder, o surgimento de um mundo multipolar, organizado em blocos regionais.
Neste cenário mundial, a América Latina se apresenta como algo singular. Ainda que de certa maneira a "onda de esquerda" tenha se arrefecido, como demonstram as eleições no Chile, uma maior presença da oposição no Congresso da Venezuela e a reafirmação de governos conservadores na Colômbia e no Peru. Nem por isso esse bloco regional que se articula na Unasul deixou de ter características progressistas que incomodam a hegemonia estadunidense. É nessa chave que podemos compreender tentativas de desestabilização de governos eleitos democraticamente na Venezuela, Bolívia, Equador, Honduras, ou mesmo a notória fraude eleitoral nas últimas eleições mexicanas.
As recentes eleições no Brasil foram fundamentais para garantir a continuidade desse esforço de constituição de uma política regional autônoma, de um bloco regional que tenha maior capacidade de defesa de seus interesses no cenário internacional. E a integração regional parece dar novos passos. A Bolívia negocia com o Peru a sua saída para o mar. A Colômbia anuncia que não permitirá a presença de bases militares estadunidenses em seu território. A estrada transoceânica que liga o Brasil ao Pacífico fica pronta este mês. A Unasul dá passos importantes e se propõe a produzir uma matriz energética comum, a integração física pela via da construção de estradas e portos, a integração de bases produtivas, inclusive da indústria bélica.
Notas:
1- Brasil, Índia, China, África do Sul.
2- Commodities são bens naturais sem transformação: minerais e alimentos, como petróleo, cobre, ferro, carvão, gás, soja, arroz, café, carne etc.
3- Dados da Cepal - Comissão Econômica para a America Latina.
* Editor de Le Monde Diplomatique Brasil e coordenador geral do Instituto Pólis.
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A crise financeira internacional ameaça tornar-se mais aguda outra vez. Os governos, endividados com o resgate dos bancos privados em 2008, não conseguem pagar a dívida pública. Grécia e Irlanda foram os primeiros, agora Portugal e Espanha dão sinais de que podem ser os próximos. Nos Estados Unidos, a situação não é diferente, o novo pacote de US$ 600 bilhões para estimular a economia e a geração de emprego demonstra que a crise continua sem solução em curto prazo.
Houve um momento, em 2008, em que os governos adquiriram uma parte significativa dos grandes bancos, abrindo uma possibilidade inusitada: a estatização do sistema financeiro, política adotada pela Índia dez anos atrás. Oportunidade logo afastada pelas grandes corporações financeiras, que buscam na especulação das taxas de lucro o que não conseguem mais com investimentos produtivos. De fato, se adotarmos a teoria dos ciclos de acumulação capitalista, depois dos 30 "anos dourados" que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, as taxas de lucro vêm caindo cada vez mais. Tomando como referência as 500 maiores empresas, a revista Fortune mostra esta tendência: 60-69: 7,15%; 80-90: 5,30%; 90-99: 2,29%; 2000-2002: 1,32%. Sem lucros na produção, o capital se desloca para o cassino financeiro.
O custo dessa operação de resgate comandada pelos grandes bancos internacionais e operada pelos governos dos países mais industrializados é o desmonte do estado de bem-estar social, construído para atender à pressão dos movimentos sociais nos anos 1960. A amarga receita neoliberal não foi abandonada e promove cortes nas políticas que asseguram direitos: aposentadorias, políticas sociais, reajustes de salários. Inglaterra, França e Alemanha recentemente foram fundo nas políticas de ajuste. O desemprego aumenta, os imigrantes são criminalizados. Estimativas da Organização Internacional do Trabalho apontam que, com a crise de 2008, mais de 200 milhões de pessoas engrossam o número dos que vivem abaixo da linha de pobreza.
A proposta de uma regulação financeira internacional que limitasse a especulação, a atuação dos paraísos fiscais, não prevaleceu, como pudemos observar na última reunião do G20. O que leva à previsão de que uma nova crise se avizinha. Pode não ser agora, mas ela certamente virá no curto prazo.
Os protestos e as mobilizações na Grécia, na França e nas principais cidades da Europa não sensibilizaram as autoridades, agora respaldadas pelo novo Fundo Monetário Internacional, saído das cinzas mais poderoso que nunca e transformado no gendarme desses ajustes. A direita avança na composição dos parlamentos e na formulação das políticas de governo. O fenômeno do Tea Party não é só estadunidense. Os fundamentalismos rondam o mundo ocidental. Eles apareceram até na eleição brasileira deste ano, na discussão pública dos temas da crença em Deus e do direito ao aborto.
Um outro elemento revela, no entanto, a crise de hegemonia do atual sistema de poder. É a ascensão do Brics [1] e o fortalecimento de blocos regionais. A China hoje se tornou a segunda maior economia do mundo, e o crescimento dos países menos industrializados, em razão da valorização do preço das commodities [2], atesta esse movimento. O PIB mundial cresceu 22,32% no período de 2003-2008. Os países industrializados cresceram 9,19% e o chamado "terceiro mundo" cresceu 45,89% neste mesmo período [3]. O que indica como tendência uma nova configuração de poder, o surgimento de um mundo multipolar, organizado em blocos regionais.
Neste cenário mundial, a América Latina se apresenta como algo singular. Ainda que de certa maneira a "onda de esquerda" tenha se arrefecido, como demonstram as eleições no Chile, uma maior presença da oposição no Congresso da Venezuela e a reafirmação de governos conservadores na Colômbia e no Peru. Nem por isso esse bloco regional que se articula na Unasul deixou de ter características progressistas que incomodam a hegemonia estadunidense. É nessa chave que podemos compreender tentativas de desestabilização de governos eleitos democraticamente na Venezuela, Bolívia, Equador, Honduras, ou mesmo a notória fraude eleitoral nas últimas eleições mexicanas.
As recentes eleições no Brasil foram fundamentais para garantir a continuidade desse esforço de constituição de uma política regional autônoma, de um bloco regional que tenha maior capacidade de defesa de seus interesses no cenário internacional. E a integração regional parece dar novos passos. A Bolívia negocia com o Peru a sua saída para o mar. A Colômbia anuncia que não permitirá a presença de bases militares estadunidenses em seu território. A estrada transoceânica que liga o Brasil ao Pacífico fica pronta este mês. A Unasul dá passos importantes e se propõe a produzir uma matriz energética comum, a integração física pela via da construção de estradas e portos, a integração de bases produtivas, inclusive da indústria bélica.
Notas:
1- Brasil, Índia, China, África do Sul.
2- Commodities são bens naturais sem transformação: minerais e alimentos, como petróleo, cobre, ferro, carvão, gás, soja, arroz, café, carne etc.
3- Dados da Cepal - Comissão Econômica para a America Latina.
* Editor de Le Monde Diplomatique Brasil e coordenador geral do Instituto Pólis.
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Internet avança nos EUA e no Brasil
Reproduzo artigo de Ricardo Kotscho, publicado no blog Balaio do Kotscho:
Em publicações diferentes, encontrei duas notícias alvissareiras sobre o avanço da internet no mundo e, principalmente, aqui no Brasil.
Sem muito alarde, ficamos sabendo que houve uma verdadeira revolução neste campo. Há oito anos, apenas 13% das casas dos brasileiros da nova classe C tinham microcomputadores. Hoje, este número saltou para 52%.
Como quem compra um micro tem como principal objetivo receber informações, participar das redes sociais e se comunicar com o mundo, os que têm o equipamento, mas ainda não estão ligados à internet em casa, logo vão ficar.
Este ano, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, mais da metade da população brasileira terá experimentado de alguma forma o acesso à rede mundial. Só no ano passado, entraram na internet mais 12 milhões de brasileiros, número que deverá ser maior em 2010, ultrapassando o total de 80 milhões de usuários numa população de 190 milhões.
O mundo está mudando muito rapidamente e, às vezes, a gente não se dá conta do que está acontecendo. Pequena nota que garimpei no blog do Noblat informa que “popularidade da internet se iguala à da televisão nos Estados Unidos”. Quem poderia imaginar uma notícia dessas há apenas dez anos?
Segundo um estudo da consultoria Forrest divulgado pelo “Wall Street Journal”, trata-se de um marco histórico: os norte-americanos passam hoje o mesmo tempo conectados à internet e assistindo à televisão. Dá a média de 13 horas por semana dedicadas a cada veículo (é capaz de no Brasil ser até mais, mas não tenho estes números).
O curioso é que a televisão não perdeu público; a internet é que cresceu: 121% nos últimos cinco anos. Quem perdeu audiência e circulação foram as rádios, os jornais e as revistas de papel, aos quais os norte-americanos agora dedicam menos do seu tempo.
Só falta agora agências e anunciantes adaptarem seus planos de investimentos em publicidade aos novos ventos da mídia.
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Em publicações diferentes, encontrei duas notícias alvissareiras sobre o avanço da internet no mundo e, principalmente, aqui no Brasil.
Sem muito alarde, ficamos sabendo que houve uma verdadeira revolução neste campo. Há oito anos, apenas 13% das casas dos brasileiros da nova classe C tinham microcomputadores. Hoje, este número saltou para 52%.
Como quem compra um micro tem como principal objetivo receber informações, participar das redes sociais e se comunicar com o mundo, os que têm o equipamento, mas ainda não estão ligados à internet em casa, logo vão ficar.
Este ano, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, mais da metade da população brasileira terá experimentado de alguma forma o acesso à rede mundial. Só no ano passado, entraram na internet mais 12 milhões de brasileiros, número que deverá ser maior em 2010, ultrapassando o total de 80 milhões de usuários numa população de 190 milhões.
O mundo está mudando muito rapidamente e, às vezes, a gente não se dá conta do que está acontecendo. Pequena nota que garimpei no blog do Noblat informa que “popularidade da internet se iguala à da televisão nos Estados Unidos”. Quem poderia imaginar uma notícia dessas há apenas dez anos?
Segundo um estudo da consultoria Forrest divulgado pelo “Wall Street Journal”, trata-se de um marco histórico: os norte-americanos passam hoje o mesmo tempo conectados à internet e assistindo à televisão. Dá a média de 13 horas por semana dedicadas a cada veículo (é capaz de no Brasil ser até mais, mas não tenho estes números).
O curioso é que a televisão não perdeu público; a internet é que cresceu: 121% nos últimos cinco anos. Quem perdeu audiência e circulação foram as rádios, os jornais e as revistas de papel, aos quais os norte-americanos agora dedicam menos do seu tempo.
Só falta agora agências e anunciantes adaptarem seus planos de investimentos em publicidade aos novos ventos da mídia.
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quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
Guerrilha do Araguaia: E agora, Brasil?
Reproduzo artigo do jurista Fábio Konder Comparato, publicado no blog Conversa Afiada:
A Corte Interamericana de Direitos Humanos acaba de decidir que o Brasil descumpriu duas vezes a Convenção Americana de Direitos Humanos. Em primeiro lugar, por não haver processado e julgado os autores dos crimes de homicídio e ocultação de cadáver de mais 60 pessoas, na chamada Guerrilha do Araguaia. Em segundo lugar, pelo fato de o nosso Supremo Tribunal Federal haver interpretado a lei de anistia de 1979 como tendo apagado os crimes de homicídio, tortura e estupro de oponentes políticos, a maior parte deles quando já presos pelas autoridades policiais e militares.
O Estado brasileiro foi, em conseqüência, condenado a indenizar os familiares dos mortos e desaparecidos.
Além dessa condenação jurídica explícita, porém, o acórdão da Corte Interamericana de Direitos Humanos contém uma condenação moral implícita.
Com efeito, responsáveis morais por essa condenação judicial, ignominiosa para o país, foram os grupos oligárquicos que dominam a vida nacional, notadamente os empresários que apoiaram o golpe de Estado de 1964 e financiaram a articulação do sistema repressivo durante duas décadas. Foram também eles que, controlando os grandes veículos de imprensa, rádio e televisão do país, manifestaram-se a favor da anistia aos assassinos, torturadores e estupradores do regime militar. O próprio autor destas linhas, quando ousou criticar um editorial da Folha de S.Paulo, por haver afirmado que a nossa ditadura fora uma “ditabranda”, foi impunemente qualificado de “cínico e mentiroso” pelo diretor de redação do jornal.
Mas a condenação moral do veredicto pronunciado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos atingiu também, e lamentavelmente, o atual governo federal, a começar pelo seu chefe, o presidente da República.
Explico-me. A Lei Complementar nº 73, de 1993, que regulamenta a Advocacia-Geral da União, determina, em seu art. 3º, § 1º, que o Advogado-Geral da União é “submetido à direta, pessoal e imediata supervisão” do presidente da República. Pois bem, o presidente Lula deu instruções diretas, pessoais e imediatas ao então Advogado-Geral da União, hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, para se pronunciar contra a demanda ajuizada pela OAB junto ao Supremo Tribunal Federal (argüição de descumprimento de preceito fundamental nº 153), no sentido de interpretar a lei de anistia de 1979, como não abrangente dos crimes comuns cometidos pelos agentes públicos, policiais e militares, contra os oponentes políticos ao regime militar.
Mas a condenação moral vai ainda mais além. Ela atinge, em cheio, o Supremo Tribunal Federal e a Procuradoria-Geral da República, que se pronunciaram claramente contra o sistema internacional de direitos humanos, ao qual o Brasil deve submeter-se.
E agora, Brasil?
Bem, antes de mais nada, é preciso dizer que se o nosso país não acatar a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, ele ficará como um Estado fora-da-lei no plano internacional.
E como acatar essa decisão condenatória?
Não basta pagar as indenizações determinadas pelo acórdão. É indispensável dar cumprimento ao art. 37, § 6º da Constituição Federal, que obriga o Estado, quando condenado a indenizar alguém por culpa de agente público, a promover de imediato uma ação regressiva contra o causador do dano. E isto, pela boa e simples razão de que toda indenização paga pelo Estado provém de recursos públicos, vale dizer, é feita com dinheiro do povo.
É preciso, também, tal como fizeram todos os países do Cone Sul da América Latina, resolver o problema da anistia mal concedida. Nesse particular, o futuro governo federal poderia utilizar-se do projeto de lei apresentado pela Deputada Luciana Genro à Câmara dos Deputados, dando à Lei nº 6.683 a interpretação que o Supremo Tribunal Federal recusou-se a dar: ou seja, excluindo da anistia os assassinos e torturadores de presos políticos. Tradicionalmente, a interpretação autêntica de uma lei é dada pelo próprio Poder Legislativo.
Mas, sobretudo, o que falta e sempre faltou neste país, é abrir de par em par, às novas gerações, as portas do nosso porão histórico, onde escondemos todos os horrores cometidos impunemente pelas nossas classes dirigentes; a começar pela escravidão, durante mais de três séculos, de milhões de africanos e afrodescendentes.
Viva o Povo Brasileiro!
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A Corte Interamericana de Direitos Humanos acaba de decidir que o Brasil descumpriu duas vezes a Convenção Americana de Direitos Humanos. Em primeiro lugar, por não haver processado e julgado os autores dos crimes de homicídio e ocultação de cadáver de mais 60 pessoas, na chamada Guerrilha do Araguaia. Em segundo lugar, pelo fato de o nosso Supremo Tribunal Federal haver interpretado a lei de anistia de 1979 como tendo apagado os crimes de homicídio, tortura e estupro de oponentes políticos, a maior parte deles quando já presos pelas autoridades policiais e militares.
O Estado brasileiro foi, em conseqüência, condenado a indenizar os familiares dos mortos e desaparecidos.
Além dessa condenação jurídica explícita, porém, o acórdão da Corte Interamericana de Direitos Humanos contém uma condenação moral implícita.
Com efeito, responsáveis morais por essa condenação judicial, ignominiosa para o país, foram os grupos oligárquicos que dominam a vida nacional, notadamente os empresários que apoiaram o golpe de Estado de 1964 e financiaram a articulação do sistema repressivo durante duas décadas. Foram também eles que, controlando os grandes veículos de imprensa, rádio e televisão do país, manifestaram-se a favor da anistia aos assassinos, torturadores e estupradores do regime militar. O próprio autor destas linhas, quando ousou criticar um editorial da Folha de S.Paulo, por haver afirmado que a nossa ditadura fora uma “ditabranda”, foi impunemente qualificado de “cínico e mentiroso” pelo diretor de redação do jornal.
Mas a condenação moral do veredicto pronunciado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos atingiu também, e lamentavelmente, o atual governo federal, a começar pelo seu chefe, o presidente da República.
Explico-me. A Lei Complementar nº 73, de 1993, que regulamenta a Advocacia-Geral da União, determina, em seu art. 3º, § 1º, que o Advogado-Geral da União é “submetido à direta, pessoal e imediata supervisão” do presidente da República. Pois bem, o presidente Lula deu instruções diretas, pessoais e imediatas ao então Advogado-Geral da União, hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, para se pronunciar contra a demanda ajuizada pela OAB junto ao Supremo Tribunal Federal (argüição de descumprimento de preceito fundamental nº 153), no sentido de interpretar a lei de anistia de 1979, como não abrangente dos crimes comuns cometidos pelos agentes públicos, policiais e militares, contra os oponentes políticos ao regime militar.
Mas a condenação moral vai ainda mais além. Ela atinge, em cheio, o Supremo Tribunal Federal e a Procuradoria-Geral da República, que se pronunciaram claramente contra o sistema internacional de direitos humanos, ao qual o Brasil deve submeter-se.
E agora, Brasil?
Bem, antes de mais nada, é preciso dizer que se o nosso país não acatar a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, ele ficará como um Estado fora-da-lei no plano internacional.
E como acatar essa decisão condenatória?
Não basta pagar as indenizações determinadas pelo acórdão. É indispensável dar cumprimento ao art. 37, § 6º da Constituição Federal, que obriga o Estado, quando condenado a indenizar alguém por culpa de agente público, a promover de imediato uma ação regressiva contra o causador do dano. E isto, pela boa e simples razão de que toda indenização paga pelo Estado provém de recursos públicos, vale dizer, é feita com dinheiro do povo.
É preciso, também, tal como fizeram todos os países do Cone Sul da América Latina, resolver o problema da anistia mal concedida. Nesse particular, o futuro governo federal poderia utilizar-se do projeto de lei apresentado pela Deputada Luciana Genro à Câmara dos Deputados, dando à Lei nº 6.683 a interpretação que o Supremo Tribunal Federal recusou-se a dar: ou seja, excluindo da anistia os assassinos e torturadores de presos políticos. Tradicionalmente, a interpretação autêntica de uma lei é dada pelo próprio Poder Legislativo.
Mas, sobretudo, o que falta e sempre faltou neste país, é abrir de par em par, às novas gerações, as portas do nosso porão histórico, onde escondemos todos os horrores cometidos impunemente pelas nossas classes dirigentes; a começar pela escravidão, durante mais de três séculos, de milhões de africanos e afrodescendentes.
Viva o Povo Brasileiro!
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O inferno das maquiladoras em El Salvador
Por Altamiro Borges
O jornalista Mauricio Funes, eleito presidente de El Salvador em março de 2009 pelo ex-grupo guerrilheiro Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN), esbarra em colossais dificuldades para superar os estragos causados pela oligarquia. O quadro de miséria no país é assombroso e o grau de exploração dos trabalhadores é revoltante. Uma das marcas das últimas décadas foi a invasão das “maquiladoras”, empresas estrangeiras que exploram a mão-de-obra barata, reprimem os operários e saqueiam as riquezas da nação.
Artigo de Andrea Necciai, publicado no sítio italiano Resistenze, comprova que “nas maquiladoras impera a lei da selva”. O texto faz um relato chocante da exploração no setor têxtil. “A meta de produção estabelecida pelas empresas exige muito mais de oito horas de trabalho para levar para casa US$ 162 – um pagamento miserável, abaixo do nível mínimo de subsistência. Além disso, o magro salário se junta a outras formas de humilhação e exploração, como a proibição de se organizar em sindicatos, as chantagens das entidades patronais, o ‘mobbing’ [terror psicológico no trabalho], a intimidação e os danos causados à saúde por substâncias tóxicas”.
O ônus da crise capitalista
Este quadro ficou ainda mais grave com a eclosão da crise econômica capitalista, a partir do final de 2008. As maquiladoras aproveitaram a crise para cortar salários, reduzir os poucos direitos existentes e demitir milhares de trabalhadores. Das 230 indústrias têxteis existentes na “zona franca” em 2003, hoje restam menos da metade. Após saquearam o nação e os operários, as empresas estrangeiras simplesmente sumiram, deixando milhares de pessoas ao relento. As mulheres jovens, que representam 84% da força de trabalho no setor, foram as principais vítimas. “Cerca de 25 mil têxteis foram expulsos das fábricas nos últimos dois anos”.
Necciai cita o caso da multinacional taiwanesa Charter, situada na zona franca internacional de Olocuilta. No final de 2007, ela contava com 1.400 operários; atualmente, são apenas 370. “No entanto, ela decidiu elevar a meta de produção de 935 para 2.500 peças, obrigando o pessoal a suportar ritmos desumanos de trabalho”. Com a desculpa da crise econômica, a Camtex, associação dos empresários das maquiladoras, propôs ao Ministério do Trabalho aumentar de oito para 12 horas a jornada diária dos operários têxteis.
Um presidente na berlinda
Até o momento, Mauricio Funes evita enfrentar as maquiladoras, temendo o fantasma da fuga de capitais. Segundo o sítio Resistenze, o presidente de El Salvador “não se pronunciou de forma clara e responsável para proteger os direitos dos seus cidadãos”. Já o sindicato dos têxteis tem realizado protestos contra o golpe da Camtex e o procurador de Defesa dos Direitos Humanos, Oscar Luna, já anunciou que a proposta “de modificar o horário de trabalho nas fábricas não está de acordo com as aspirações da população salvadorenha”. Como se observa, o presidente eleito por uma histórica organização de esquerda, a FMLN, está na berlinda.
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O jornalista Mauricio Funes, eleito presidente de El Salvador em março de 2009 pelo ex-grupo guerrilheiro Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN), esbarra em colossais dificuldades para superar os estragos causados pela oligarquia. O quadro de miséria no país é assombroso e o grau de exploração dos trabalhadores é revoltante. Uma das marcas das últimas décadas foi a invasão das “maquiladoras”, empresas estrangeiras que exploram a mão-de-obra barata, reprimem os operários e saqueiam as riquezas da nação.
Artigo de Andrea Necciai, publicado no sítio italiano Resistenze, comprova que “nas maquiladoras impera a lei da selva”. O texto faz um relato chocante da exploração no setor têxtil. “A meta de produção estabelecida pelas empresas exige muito mais de oito horas de trabalho para levar para casa US$ 162 – um pagamento miserável, abaixo do nível mínimo de subsistência. Além disso, o magro salário se junta a outras formas de humilhação e exploração, como a proibição de se organizar em sindicatos, as chantagens das entidades patronais, o ‘mobbing’ [terror psicológico no trabalho], a intimidação e os danos causados à saúde por substâncias tóxicas”.
O ônus da crise capitalista
Este quadro ficou ainda mais grave com a eclosão da crise econômica capitalista, a partir do final de 2008. As maquiladoras aproveitaram a crise para cortar salários, reduzir os poucos direitos existentes e demitir milhares de trabalhadores. Das 230 indústrias têxteis existentes na “zona franca” em 2003, hoje restam menos da metade. Após saquearam o nação e os operários, as empresas estrangeiras simplesmente sumiram, deixando milhares de pessoas ao relento. As mulheres jovens, que representam 84% da força de trabalho no setor, foram as principais vítimas. “Cerca de 25 mil têxteis foram expulsos das fábricas nos últimos dois anos”.
Necciai cita o caso da multinacional taiwanesa Charter, situada na zona franca internacional de Olocuilta. No final de 2007, ela contava com 1.400 operários; atualmente, são apenas 370. “No entanto, ela decidiu elevar a meta de produção de 935 para 2.500 peças, obrigando o pessoal a suportar ritmos desumanos de trabalho”. Com a desculpa da crise econômica, a Camtex, associação dos empresários das maquiladoras, propôs ao Ministério do Trabalho aumentar de oito para 12 horas a jornada diária dos operários têxteis.
Um presidente na berlinda
Até o momento, Mauricio Funes evita enfrentar as maquiladoras, temendo o fantasma da fuga de capitais. Segundo o sítio Resistenze, o presidente de El Salvador “não se pronunciou de forma clara e responsável para proteger os direitos dos seus cidadãos”. Já o sindicato dos têxteis tem realizado protestos contra o golpe da Camtex e o procurador de Defesa dos Direitos Humanos, Oscar Luna, já anunciou que a proposta “de modificar o horário de trabalho nas fábricas não está de acordo com as aspirações da população salvadorenha”. Como se observa, o presidente eleito por uma histórica organização de esquerda, a FMLN, está na berlinda.
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Nova ação no STF contra ditadura da mídia
Reproduzo artigo de Jacson Segundo, publicado no Observatório do Direito à Comunicação:
A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Comunicação e Publicidade (Contcop) registrou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO-11) que, se aprovada, exigirá do Congresso Nacional a regulamentação de dispositivos constitucionais referentes à comunicação. A Ação foi protocolada no Supremo em 10 de dezembro e neste mesmo dia distribuída à ministra Ellen Gracie. O advogado da ADO-11 é o professor e jurista Fábio Konder Comparato.
Trata-se, na realidade, da mesma Ação que foi ajuizada em outubro deste ano pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e Federação dos Radialistas (Fitert). Esta, procolada como ADO-9, não havia sido aceita pela ministra Ellen Gracie, que alegou que as organizações citadas não poderiam ser as proponentes deste tipo de recurso jurídico. Os advogados da Ação, Fábio Konder Comparato e Georghio Tomelin, entraram com um recurso pedindo revisão da decisão de Ellen Gracie. A ministra então solicitou um parecer da Procuradoria Geral da República (PGR), que ainda não se manifestou sobre o assunto.
O advogado Fábio Comparato, no entanto, não quis esperar o resultado do parecer da PGR e buscou outras maneiras de ter a Ação julgada pelo STF, mudando seus proponentes. Primeiro, Comparato tentou o Partido Socialismo e Liberdade (Psol). O partido também foi julgado impossibilitado de apresentar a Ação pelo STF por estar sem presidente formal na época.
Agora a nova tentativa é com a Contcop, já que, segundo entendimento da ministra Ellen Gracie, “apenas estão aptas a deflagrar o controle concentrado de constitucionalidade as entidades de terceiro grau, ou seja, as confederações sindicais, excluindo-se, portanto, os sindicatos e as federações, ainda que possuam abrangência nacional”. Com isso, espera-se que o STF finalmente aceite a Ação e discuta seu mérito.
A ADO-11 busca a regulamentação de três pontos essenciais: a garantia do direito de resposta a qualquer pessoa ofendida através dos meios de comunicação de massa; a proibição do monopólio e do oligopólio no setor; e o cumprimento, pelas emissoras de rádio e TV, da obrigação constitucional de dar preferência a programação de conteúdo informativo, educativo e artístico, além de priorizar finalidades culturais nacionais e regionais.
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A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Comunicação e Publicidade (Contcop) registrou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO-11) que, se aprovada, exigirá do Congresso Nacional a regulamentação de dispositivos constitucionais referentes à comunicação. A Ação foi protocolada no Supremo em 10 de dezembro e neste mesmo dia distribuída à ministra Ellen Gracie. O advogado da ADO-11 é o professor e jurista Fábio Konder Comparato.
Trata-se, na realidade, da mesma Ação que foi ajuizada em outubro deste ano pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e Federação dos Radialistas (Fitert). Esta, procolada como ADO-9, não havia sido aceita pela ministra Ellen Gracie, que alegou que as organizações citadas não poderiam ser as proponentes deste tipo de recurso jurídico. Os advogados da Ação, Fábio Konder Comparato e Georghio Tomelin, entraram com um recurso pedindo revisão da decisão de Ellen Gracie. A ministra então solicitou um parecer da Procuradoria Geral da República (PGR), que ainda não se manifestou sobre o assunto.
O advogado Fábio Comparato, no entanto, não quis esperar o resultado do parecer da PGR e buscou outras maneiras de ter a Ação julgada pelo STF, mudando seus proponentes. Primeiro, Comparato tentou o Partido Socialismo e Liberdade (Psol). O partido também foi julgado impossibilitado de apresentar a Ação pelo STF por estar sem presidente formal na época.
Agora a nova tentativa é com a Contcop, já que, segundo entendimento da ministra Ellen Gracie, “apenas estão aptas a deflagrar o controle concentrado de constitucionalidade as entidades de terceiro grau, ou seja, as confederações sindicais, excluindo-se, portanto, os sindicatos e as federações, ainda que possuam abrangência nacional”. Com isso, espera-se que o STF finalmente aceite a Ação e discuta seu mérito.
A ADO-11 busca a regulamentação de três pontos essenciais: a garantia do direito de resposta a qualquer pessoa ofendida através dos meios de comunicação de massa; a proibição do monopólio e do oligopólio no setor; e o cumprimento, pelas emissoras de rádio e TV, da obrigação constitucional de dar preferência a programação de conteúdo informativo, educativo e artístico, além de priorizar finalidades culturais nacionais e regionais.
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WikiLeaks: "estuprada" é agente da CIA?
Reproduzo artigo de Thaís Romanelli, publicado no sítio Ópera Mundi:
Uma cidadã cubana que acusa o jornalista australiano Julian Assange, fundador do Wikileaks, de "crimes sexuais" na Suécia foi apontada como "colaboradora" da CIA e teria planejado o caso, segundo a rede de TV venezuelana TeleSur. No início do ano, ela mesma divulgou na internet um "guia para se vingar" de alguém usando denúncias de abusos sexuais.
De acordo com as informações publicadas nesta terça-feira (7/12), a cubana Anna Ardin (cujo nome real seria Ana Bernardín) teria sido uma das primeiras a denunciar Assange por "abuso sexual" à polícia sueca, junto à amiga sueca Sophia Wilén.
A prisão do fundador do site Wikileaks, o jornalista australiano Julian Assange, provocou grande repercussão na mídia internacional. As vozes de entidades de defesa da liberdade de imprensa, porém, não protestaram até o momento, nem questionaram a validade da ordem de prisão da Justiça sueca, que acusa o jornalista de "crimes sexuais".
Entidades como a Associação Mundial de Jornais, o World Press Freedon Committee e a norte-americana Freedom House costumam protestar no caso de prisões políticas contra jornalistas, principalmente em países não alinhados a potências ocidentais. Desta vez, por enquanto, evitaram criticar a ação contra colega preso.
A queixa, porém, seria relativa ao fato de Assange, supostamente, não ter utilizado camisinha durante as relações sexuais que teria tido com elas, enquanto Ardin dormia em sua resisidência em Estocolmo. Além disso, Ardin e Wilden denunciaram Assange por ter mantido relações sexuais com as duas na mesma semana - o que, na Suécia, é ilegal.
De acordo com a versão apresentada, no dia 11 de agosto deste ano, Assange teria ido à Suécia a convite do movimento de centro-esquerda Broderskap ("fraternidade" em sueco, ligado ao Partido Social-Democrata Cristão) para participar de um seminário. Na ocasião, segundo Ardin, ela própria ofereceu sua casa para hospedar o fundador do Wikileaks, já que ela estaria fora da cidade. Ardin, porém, voltou antes do previsto, mas mesmo assim hospedou Assange em casa. Segundo ela, em uma das noites após jantarem juntos, tiveram relações sexuais com camisinha, que chegou a rasgar.
No dia seguinte, ao final do seminário, Assange teria seduzido Sophia Wilén, com quem também teria feito sexo, na cidade de Enkoping, onde ela mora. De acordo com Wilén, ela e Assange tiveram relações duas vezes, uma com e outras sem o uso de preservativos, em razão de uma recusa do fundador do Wikileaks.
Dez dias depois, as duas mulheres se apresentaram à polícia sueca para denunciar Assange por crimes sexuais. Ardin, porém, se apresentou como militante feminista a princípio e declarou que estava apenas auxiliando Wilén. Dias mais tarde, declarou seu envolvimento com Assange, alegando que "inicialmente o sexo foi consensual, mas logo se transformou em um abuso", já que o preservativo teria rompido e Assange continuado a relação à revelia dela.
Vingança
Anna Ardin é uma ativista feminista conhecida na Suécia. Em 19 de janeiro de 2010, ela escreveu em seu blog (annaardin.wordpress.com) um post com o título "Sete passos para uma vingança judicial", incluindo instruções sobre incriminar alguém usando acusações de teor sexual. Seu blog faz referências a outros como Generación Y (de Yoani Sánchez) e Desde Cuba, ambos de dissidentes cubanos.
Acusada de ter mudado o depoimento a mando da CIA, Ardin se defendeu em seu blog garantindo que as denúncias não haviam sido coordenadas. "A responsabilidade do que aconteceu comigo e com a outra jovem é do homem que tem uma visão distorcida das mulheres, que tem um problema em aceitar um 'não'", argumentou, no post citado.
Anti-castristas
Segundo a TeleSur, ela também seria ligada ao ativista anti-castrista Carlos Alberto Montaner e ficou conhecida por escrever em websites financiados pela USAID (agência dos Estados Unidos para empréstimos a países subdesenvolvidos) e controlados pela CIA, como o Misceleanas de Cuba, do cubano Alexis Gainza Solenzal, que criticam o regime da ilha.
Montaner é co-autor, junto com o peruano Mario Vargas Llosa, do livro anti-esquerdista Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano (Bertrand Brasil, 1997). Nos anos 1960, chegou a ser preso em Cuba por acusações de trabalhar para a CIA em operações de sabotagem, até fugir da prisão e encontrar asilo na Espanha, então sob o regime franquista.
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Uma cidadã cubana que acusa o jornalista australiano Julian Assange, fundador do Wikileaks, de "crimes sexuais" na Suécia foi apontada como "colaboradora" da CIA e teria planejado o caso, segundo a rede de TV venezuelana TeleSur. No início do ano, ela mesma divulgou na internet um "guia para se vingar" de alguém usando denúncias de abusos sexuais.
De acordo com as informações publicadas nesta terça-feira (7/12), a cubana Anna Ardin (cujo nome real seria Ana Bernardín) teria sido uma das primeiras a denunciar Assange por "abuso sexual" à polícia sueca, junto à amiga sueca Sophia Wilén.
A prisão do fundador do site Wikileaks, o jornalista australiano Julian Assange, provocou grande repercussão na mídia internacional. As vozes de entidades de defesa da liberdade de imprensa, porém, não protestaram até o momento, nem questionaram a validade da ordem de prisão da Justiça sueca, que acusa o jornalista de "crimes sexuais".
Entidades como a Associação Mundial de Jornais, o World Press Freedon Committee e a norte-americana Freedom House costumam protestar no caso de prisões políticas contra jornalistas, principalmente em países não alinhados a potências ocidentais. Desta vez, por enquanto, evitaram criticar a ação contra colega preso.
A queixa, porém, seria relativa ao fato de Assange, supostamente, não ter utilizado camisinha durante as relações sexuais que teria tido com elas, enquanto Ardin dormia em sua resisidência em Estocolmo. Além disso, Ardin e Wilden denunciaram Assange por ter mantido relações sexuais com as duas na mesma semana - o que, na Suécia, é ilegal.
De acordo com a versão apresentada, no dia 11 de agosto deste ano, Assange teria ido à Suécia a convite do movimento de centro-esquerda Broderskap ("fraternidade" em sueco, ligado ao Partido Social-Democrata Cristão) para participar de um seminário. Na ocasião, segundo Ardin, ela própria ofereceu sua casa para hospedar o fundador do Wikileaks, já que ela estaria fora da cidade. Ardin, porém, voltou antes do previsto, mas mesmo assim hospedou Assange em casa. Segundo ela, em uma das noites após jantarem juntos, tiveram relações sexuais com camisinha, que chegou a rasgar.
No dia seguinte, ao final do seminário, Assange teria seduzido Sophia Wilén, com quem também teria feito sexo, na cidade de Enkoping, onde ela mora. De acordo com Wilén, ela e Assange tiveram relações duas vezes, uma com e outras sem o uso de preservativos, em razão de uma recusa do fundador do Wikileaks.
Dez dias depois, as duas mulheres se apresentaram à polícia sueca para denunciar Assange por crimes sexuais. Ardin, porém, se apresentou como militante feminista a princípio e declarou que estava apenas auxiliando Wilén. Dias mais tarde, declarou seu envolvimento com Assange, alegando que "inicialmente o sexo foi consensual, mas logo se transformou em um abuso", já que o preservativo teria rompido e Assange continuado a relação à revelia dela.
Vingança
Anna Ardin é uma ativista feminista conhecida na Suécia. Em 19 de janeiro de 2010, ela escreveu em seu blog (annaardin.wordpress.com) um post com o título "Sete passos para uma vingança judicial", incluindo instruções sobre incriminar alguém usando acusações de teor sexual. Seu blog faz referências a outros como Generación Y (de Yoani Sánchez) e Desde Cuba, ambos de dissidentes cubanos.
Acusada de ter mudado o depoimento a mando da CIA, Ardin se defendeu em seu blog garantindo que as denúncias não haviam sido coordenadas. "A responsabilidade do que aconteceu comigo e com a outra jovem é do homem que tem uma visão distorcida das mulheres, que tem um problema em aceitar um 'não'", argumentou, no post citado.
Anti-castristas
Segundo a TeleSur, ela também seria ligada ao ativista anti-castrista Carlos Alberto Montaner e ficou conhecida por escrever em websites financiados pela USAID (agência dos Estados Unidos para empréstimos a países subdesenvolvidos) e controlados pela CIA, como o Misceleanas de Cuba, do cubano Alexis Gainza Solenzal, que criticam o regime da ilha.
Montaner é co-autor, junto com o peruano Mario Vargas Llosa, do livro anti-esquerdista Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano (Bertrand Brasil, 1997). Nos anos 1960, chegou a ser preso em Cuba por acusações de trabalhar para a CIA em operações de sabotagem, até fugir da prisão e encontrar asilo na Espanha, então sob o regime franquista.
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Salários aumentam nos países "emergentes"
Reproduzo artigo de João Villaverde, publicado no jornal Valor:
A mais ampla crise mundial desde 1929, desencadeada no fim de 2008, foi totalmente irrelevante para o crescimento dos salários nos países latino-americanos e asiáticos. Enquanto os salários nos países avançados caíram 0,5%, em 2008, e subiram apenas 0,6% em 2009, na América Latina os saltos foram de 1,9% e 2,2%, respectivamente – na Ásia, puxada pelo ritmo da China, o crescimento foi de 7,1% e 8%, nos dois anos.
Os números, divulgados ontem pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), mostram que o crescimento dos salários nos 115 países pesquisados caiu dos 2,7% registrados em 2007 para 1,5%, em 2008, e 1,6%, no ano passado. No Brasil, por outro lado, os salários cresceram 3,3% no ano passado, já tendo registrado incremento de 3,4% em 2008.
A queda no crescimento econômico, entre 2008 e 2009, não alterou o ritmo de alta dos salários nos países emergentes, porque a recuperação começou já ao longo do ano passado. No Brasil, o avanço do Produto Interno Bruto (PIB) caiu de 5,2%, em 2008, para -0,6%, em 2009, mas o acelerado ritmo de recuperação, a partir do segundo semestre, colocou pressão sobre o mercado de trabalho, ampliando os salários.
A situação mais complexa ocorreu na Ásia, onde os salários registraram as taxas mais expressivas de crescimento no ano passado. A China registrou o maior avanço salarial de 2009 (12,1%, em comparação ao ano anterior), mas o Japão teve queda real de 2% nos salários em 2008 e 2009. Os fracos resultados dos japoneses, no entanto, não influíram no levantamento quanto à Ásia, porque o Japão foi contabilizado pela OIT entre os países avançados.
O “Relatório Mundial sobre Salários 2010/2011″, da OIT, trabalha com dados de 115 países, e avalia a situação de aproximadamente 94% de 1,4 bilhão de assalariados no mundo. Entre os 28 países avançados, 7 registraram redução real nos salários: Alemanha, França, Reino Unido, Japão, México, Coreia do Sul e Rússia. No ano anterior, além desses, também Estados Unidos, Austrália e México passaram por quedas nos rendimentos oriundos do trabalho.
No estudo, os pesquisadores da OIT assinalam que desde a metade da década de 1990 a proporção de trabalhadores que recebem renda baixa – critério da entidade que define o valor do rendimento como inferior a dois terços do salário médio – tem aumentado em 31 dos 115 países pesquisados.
No Brasil, um em cada cinco trabalhadores assalariados nas seis regiões metropolitanas cobertas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é considerado de baixa renda, com alta representação de mulheres, negros, jovens e trabalhadores com baixo nível de escolaridade. Uma das constatações do estudo é que existe pouca mobilidade, no país, entre os trabalhadores de baixa renda e os demais assalariados.
Entre 2002 e 2009, 44,2% mantiveram sua situação de trabalhador de baixa renda, 18,3% passaram para o desemprego ou saíram do mercado de trabalho e 37,5% passaram a obter salários mais favoráveis.
“Ainda é muito cedo para saber com precisão quais setores e profissões foram mais afetados pela crise, porque poucos países publicaram dados sobre a estrutura dos salários”, diz o estudo, “Entretanto, dados específicos de vários países indicam que os salários podem ter sido afetados de forma mais negativa no setor privado que no setor público.”
No caso brasileiro, a estrutura do funcionalismo público proíbe a demissão imotivada, o que impossibilita o corte de pessoal – não apenas em tempos de crise, mas em qualquer período. Além disso, o serviço público conta, em sua maioria, com salários iniciais superiores à iniciativa privada, o que influi nas estatísticas.
O salário mínimo também foi reajustado, em fevereiro de 2009, de R$ 415, vigentes em 2008, para R$ 465. Esse salto, de 10,7%, influenciou “decisivamente”, destaca a OIT, a elevação do salário médio brasileiro, uma vez que o mínimo afeta, em cascata, as negociações salariais dos sindicatos.
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A mais ampla crise mundial desde 1929, desencadeada no fim de 2008, foi totalmente irrelevante para o crescimento dos salários nos países latino-americanos e asiáticos. Enquanto os salários nos países avançados caíram 0,5%, em 2008, e subiram apenas 0,6% em 2009, na América Latina os saltos foram de 1,9% e 2,2%, respectivamente – na Ásia, puxada pelo ritmo da China, o crescimento foi de 7,1% e 8%, nos dois anos.
Os números, divulgados ontem pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), mostram que o crescimento dos salários nos 115 países pesquisados caiu dos 2,7% registrados em 2007 para 1,5%, em 2008, e 1,6%, no ano passado. No Brasil, por outro lado, os salários cresceram 3,3% no ano passado, já tendo registrado incremento de 3,4% em 2008.
A queda no crescimento econômico, entre 2008 e 2009, não alterou o ritmo de alta dos salários nos países emergentes, porque a recuperação começou já ao longo do ano passado. No Brasil, o avanço do Produto Interno Bruto (PIB) caiu de 5,2%, em 2008, para -0,6%, em 2009, mas o acelerado ritmo de recuperação, a partir do segundo semestre, colocou pressão sobre o mercado de trabalho, ampliando os salários.
A situação mais complexa ocorreu na Ásia, onde os salários registraram as taxas mais expressivas de crescimento no ano passado. A China registrou o maior avanço salarial de 2009 (12,1%, em comparação ao ano anterior), mas o Japão teve queda real de 2% nos salários em 2008 e 2009. Os fracos resultados dos japoneses, no entanto, não influíram no levantamento quanto à Ásia, porque o Japão foi contabilizado pela OIT entre os países avançados.
O “Relatório Mundial sobre Salários 2010/2011″, da OIT, trabalha com dados de 115 países, e avalia a situação de aproximadamente 94% de 1,4 bilhão de assalariados no mundo. Entre os 28 países avançados, 7 registraram redução real nos salários: Alemanha, França, Reino Unido, Japão, México, Coreia do Sul e Rússia. No ano anterior, além desses, também Estados Unidos, Austrália e México passaram por quedas nos rendimentos oriundos do trabalho.
No estudo, os pesquisadores da OIT assinalam que desde a metade da década de 1990 a proporção de trabalhadores que recebem renda baixa – critério da entidade que define o valor do rendimento como inferior a dois terços do salário médio – tem aumentado em 31 dos 115 países pesquisados.
No Brasil, um em cada cinco trabalhadores assalariados nas seis regiões metropolitanas cobertas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é considerado de baixa renda, com alta representação de mulheres, negros, jovens e trabalhadores com baixo nível de escolaridade. Uma das constatações do estudo é que existe pouca mobilidade, no país, entre os trabalhadores de baixa renda e os demais assalariados.
Entre 2002 e 2009, 44,2% mantiveram sua situação de trabalhador de baixa renda, 18,3% passaram para o desemprego ou saíram do mercado de trabalho e 37,5% passaram a obter salários mais favoráveis.
“Ainda é muito cedo para saber com precisão quais setores e profissões foram mais afetados pela crise, porque poucos países publicaram dados sobre a estrutura dos salários”, diz o estudo, “Entretanto, dados específicos de vários países indicam que os salários podem ter sido afetados de forma mais negativa no setor privado que no setor público.”
No caso brasileiro, a estrutura do funcionalismo público proíbe a demissão imotivada, o que impossibilita o corte de pessoal – não apenas em tempos de crise, mas em qualquer período. Além disso, o serviço público conta, em sua maioria, com salários iniciais superiores à iniciativa privada, o que influi nas estatísticas.
O salário mínimo também foi reajustado, em fevereiro de 2009, de R$ 415, vigentes em 2008, para R$ 465. Esse salto, de 10,7%, influenciou “decisivamente”, destaca a OIT, a elevação do salário médio brasileiro, uma vez que o mínimo afeta, em cascata, as negociações salariais dos sindicatos.
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A construção do mito Assange
Reproduzo artigo de Washington Araújo, publicado no Observatório da Imprensa:
Julian Assange sabe o que quer fazer, o que sente que deve ser feito e está consciente dos riscos envolvidos. E porque se sente investido de lutar por algo em que acredita, alcança com inédita velocidade essa aura de benfeitor, de quem consegue reanimar antigas utopias humanas, como essa da busca da verdade, verdade que deve ser alcançada a qualquer custo.
Digam o que disserem, esperneiem como quiserem, tomem as medidas mais tradicionais e também as mais estapafúrdias possíveis para amordaçá-lo, retenham seus movimentos, a verdade é que se existe alguém, nos dias que correm, melhor antenado com a ideia de cidadania para além das fronteiras puramente nacionais, esse alguém é um australiano com seus incompletos 40 anos de idade.
Não me precipito ao afirmar que estamos vendo a construção de um mito. É corrente que mitos são importantes porque representam uma imagem de sucesso e glória que todo mundo almeja, mas é também evidente que a aura do mito transcende sua obra. Mitos não são criados por serem explicáveis, são idolatrados. Mitos tendem sempre a valorizar determinada característica humana vista sob enfoque bastante positivo. É a passagem do tempo que confere ao mito a percepção de alguém ou de algo que ultrapassa seu valor real, intrínseco e passa a referir todo o conjunto de virtudes humanas.
Os elementos constitutivos para a criação de um mito podem ser ruins ou bons para a verdade. Mas a verdade é sempre factual quando se trata de esquadrinhar a pessoa humana e, no fundo, quem torna mito alguém é a trajetória percorrida por esse alguém. A trajetória do homem-que-se-torna-mito tem relação quase sempre direta de escolhas e estratégias adotadas durante o caminho de mitificação, seja na falsificação ou na comprovação de sua excelência.
Julian Assange parte da premissa que sua criatura -o WikiLeaks- "publica sem medo fatos que precisam ser tornados públicos". Notem que a atividade principal de sua criatura é publicar e sua principal característica abarca um sentido de urgência e de necessidade: "Fatos que precisam ser tornados públicos". Não esqueçamos do destemor, da ousadia e do passo à frente simbolizado pelas palavras "sem medo". É aqui que começa a atividade maior de Julian Assange: ele sabe o que quer fazer, o que sente que deve ser feito e está consciente dos riscos envolvidos. E porque se sente investido de lutar por algo em que acredita, alcança com inédita velocidade essa aura de benfeitor, de quem consegue reanimar antigas utopias humanas, como essa da busca da verdade, verdade que deve ser alcançada a qualquer custo. Mesmo que sempre... no limite.
Liberdade de expressão
Para nossa grande imprensa, que tem elegido a defesa da liberdade de expressão com aquele ardor digno dos seguidores de Antonio Conselheiro no episódio de Canudos, soa patético que não conheçamos nenhum editorial inflamado em defesa de Assange e contra sua prisão, aparentemente causada por suas peripécias sexuais na Suécia e que incluem até uma obscura história de estupro. Qualquer biscoito (cookie, em inglês), além de qualquer cidadão norte-americano medianamente informado e mesmo qualquer dona de casa alemã que assine Der Spiegel, sabe muito bem que sua prisão tem tudo a ver com os transtornos que o WikiLeaks vem causando à imagem e às relações de Washington com governos do resto do mundo.
Não se exigirá mestrado ou doutorado em Comunicação, conferido por Cambridge ou por Harvard, para que não tarde a que a história da diplomacia no século 21 venha a ser ensinada em dois períodos de tempo distintos: antes e depois dos wikileaks.
Julian Assange assume que "qualquer governo corre o risco de ser corrompido caso não seja vigiado cuidadosamente". Até aqui, nada demais, porque data de muito longe o ditado de que "o poder corrompe". E o que exerce o poder em uma sociedade? Primeiramente, o governo. Uma coisa é inferir sabedoria popular, geralmente fundada na experiência dos antigos. Mas agora a coisa é bem diferente. A novidade é que esse axioma acaba de ser comprovado cientificamente em um trabalho de pesquisadores da renomada Kellogg School of Management, nos Estados Unidos. Foi após uma série de testes comportamentais com voluntários que ficou evidenciada a forma como o poder costuma, em geral, mudar as pessoas para pior.
Em testes, os poderosos não só trapaceavam mais, não só usavam os mais sórdidos golpes, aqueles bem abaixo da linha da cintura, como também se mostravam mais hipócritas ao se desculpar por atitudes que condenavam nos outros. Neste contexto, vale conferir a afirmação do psicólogo social Adam Galinsky, professor de Ética e Decisões em Gerência da Kellogg School of Management e um dos autores do estudo, quando diz que "os poderosos acreditam que devem ser excluídos de certas regras".
A propósito, é isso o que precisamente vem acontecendo se considerarmos as reações de Washington aos wikileaks. Quem não lembra que há apenas um ano, em resposta a ações do governo da China contra o Google, a secretária de Estado americana Hillary Clinton fez apaixonado discurso em defesa da liberdade de expressão na internet? A senhora Clinton não parou por aí. Foi além: "Mesmo em países autoritários, governados por ditadores, redes de informação têm ajudado pessoas a descobrir novos fatos e feito governos mais transparentes". Seria patético, não fosse apenas ridículo, o uso contumaz de dois pesos e duas medidas quando autoridade política trata de atacar governo estrangeiro que é acometido por sua própria enfermidade.
Documentos secretos
Julian Assange se expressa com clareza quando o assunto é a sua entidade WikiLeaks. Sabendo que tem gente que acredita ser ele um pacifista nato, totalmente avesso às guerras, ele trata logo de desfazer o "piedoso engano":
"As pessoas afirmaram que sou antiguerra: que fique registrado, eu não sou. Algumas vezes, nações precisam ir à guerra e simplesmente há guerras. Mas não há nada mais errado do que um governo mentir à sua população sobre estas guerras e então pedir a estes mesmos cidadãos que coloquem suas vidas e o dinheiro de seus impostos a serviço dessas mentiras. Se uma guerra é justificável, então diga a verdade e a população dirá se deve apoiá-la ou não."
Há um quê de quixotesco no pensamento e na ação de Assange quando vemos quão distante ele se encontra da realpolitik. Não será a política o campo para a dissimulação, para vestir de significado novo velhas ações, para utilizar todos os meios ao alcance com o intuito de conquistar esta ou aquela vitória política? Não foi o Departamento de Estado dos EUA que buscou negociar com o primeiro-ministro da Eslovênia um encontro com o presidente Barack Obama desde que a Eslovênia aceitasse, em troca, receber um preso de Guantánamo?
Por extensão, seria equivocado inferir que o mundo da política internacional é o vale-tudo cotidiano entre os que tudo podem e os que pouco podem? E, por acaso, já não intuíamos isso? Claro! O que o WikiLeaks faz é retirar das relações diplomáticas mantidas pelos EUA com outros países o benefício da dúvida. E, em caso de dúvida, se existe uma arena em que a ultrapassagem é quase sempre certa é a da política internacional.
O que existia de fato para justificar a guerra no Iraque? Dúvidas. Apenas dúvidas sobre a existência de armas de destruição em massa no Iraque governado por Saddam Hussein. Devo registrar que não é de hoje que o WikiLeaks divulga documentos secretos. Isso é feito há anos. Mas só ganhou destaque internacional em 2010, com três vazamentos: (1) publicou um vídeo confidencial, feito por um helicóptero americano, que parece mostrar um ataque contra dois funcionários da agência de notícias Reuters e outros civis; (2) tornou públicos 77 mil arquivos de inteligência dos EUA sobre a guerra do Afeganistão; e, (3) divulgou mais 400 mil arquivos expondo ataques, detenções e interrogatórios no Iraque.
"O melhor dos desinfetantes"
Se o jornalismo tradicional -aquele que é impresso em jornais e revistas, que é ouvido nas rádios e assistido nos telejornais - constrói sua versão da realidade tendo como ponto de partida apenas uma ou duas peças do quebra-cabeça, e sobre estas cobre o restante da imagem com a opinião de seus colunistas e comentaristas, quase sempre de política ou de economia, o WikiLeaks arroga para si o mérito de realizar jornalismo científico, aquele que opera com outros suportes de mídia para trazer as notícias para as pessoas, "mas também para provar que essas notícias são verdadeiras". E como faz isso? Com a palavra Julian Assange:
"O jornalismo científico permite que você leia as notícias, e então clique num link para ver o documento original no qual a notícia foi baseada. Desta maneira você mesmo pode julgar: esta notícia é verdadeira? Os jornalistas a reportaram de maneira precisa?"
Infelizmente, o governo norte-americano, diante do escrutínio público de menos de 5% do material que ainda deve ser revelado, ao invés de fazer uma inadiável releitura de sua política internacional, de seus pressupostos e de suas atividades bastante heterodoxas, estará, neste momento, planejando novas estratégias, esquemas e modus procedendis para cobrir de sigilo (e suspeição) o que sempre fez: tudo é permissível para alcançar seus fins políticos, econômicos e financeiros - e isto inclui o direito de não precisar prestar contas a ninguém. O WikiLeaks ajudou a rasgar as duas pontas da capa que lhe encobria as vergonhas e reduziu a pó sua autoafirmação de que seu governo constituía a única e inatacável fonte da autoridade moral do planeta. Não mais.
A sociedade, os governos e a imprensa serão melhores com Julian Assange?
Acredito que sim. E por várias razões, dentre as quais destaco que seu WikiLeaks entrega um espelho a cada diplomata para que possa aferir o grau de sinceridade e também de hipocrisia de suas ações. O WikiLeaks abre imensa clareira no cipoal de boas intenções que costumam vicejar nas relações entre governos e apenas camuflam os objetivos reais da diplomacia de uma nação sobre outra, e fica mais evidente quando joga pesados fachos de luz sobre a nação que se apresenta como a mais rica do planeta, a mais equipada militarmente, a mais influente politicamente. E a imprensa passa a ter a oportunidade raríssima de tirar a prova dos noves sobre seu alinhamento automático a qualquer governo, bem como sobre sua postura ácida e crítica às ações de qualquer governo.
Há quase um século, o juiz americano Louis Brandeis disse que "a luz do sol é o melhor dos desinfetantes". Se vivo fosse, talvez dissesse o mesmo com outro enunciado: "O trabalho do WikiLeaks é o melhor dos desinfetantes."
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Julian Assange sabe o que quer fazer, o que sente que deve ser feito e está consciente dos riscos envolvidos. E porque se sente investido de lutar por algo em que acredita, alcança com inédita velocidade essa aura de benfeitor, de quem consegue reanimar antigas utopias humanas, como essa da busca da verdade, verdade que deve ser alcançada a qualquer custo.
Digam o que disserem, esperneiem como quiserem, tomem as medidas mais tradicionais e também as mais estapafúrdias possíveis para amordaçá-lo, retenham seus movimentos, a verdade é que se existe alguém, nos dias que correm, melhor antenado com a ideia de cidadania para além das fronteiras puramente nacionais, esse alguém é um australiano com seus incompletos 40 anos de idade.
Não me precipito ao afirmar que estamos vendo a construção de um mito. É corrente que mitos são importantes porque representam uma imagem de sucesso e glória que todo mundo almeja, mas é também evidente que a aura do mito transcende sua obra. Mitos não são criados por serem explicáveis, são idolatrados. Mitos tendem sempre a valorizar determinada característica humana vista sob enfoque bastante positivo. É a passagem do tempo que confere ao mito a percepção de alguém ou de algo que ultrapassa seu valor real, intrínseco e passa a referir todo o conjunto de virtudes humanas.
Os elementos constitutivos para a criação de um mito podem ser ruins ou bons para a verdade. Mas a verdade é sempre factual quando se trata de esquadrinhar a pessoa humana e, no fundo, quem torna mito alguém é a trajetória percorrida por esse alguém. A trajetória do homem-que-se-torna-mito tem relação quase sempre direta de escolhas e estratégias adotadas durante o caminho de mitificação, seja na falsificação ou na comprovação de sua excelência.
Julian Assange parte da premissa que sua criatura -o WikiLeaks- "publica sem medo fatos que precisam ser tornados públicos". Notem que a atividade principal de sua criatura é publicar e sua principal característica abarca um sentido de urgência e de necessidade: "Fatos que precisam ser tornados públicos". Não esqueçamos do destemor, da ousadia e do passo à frente simbolizado pelas palavras "sem medo". É aqui que começa a atividade maior de Julian Assange: ele sabe o que quer fazer, o que sente que deve ser feito e está consciente dos riscos envolvidos. E porque se sente investido de lutar por algo em que acredita, alcança com inédita velocidade essa aura de benfeitor, de quem consegue reanimar antigas utopias humanas, como essa da busca da verdade, verdade que deve ser alcançada a qualquer custo. Mesmo que sempre... no limite.
Liberdade de expressão
Para nossa grande imprensa, que tem elegido a defesa da liberdade de expressão com aquele ardor digno dos seguidores de Antonio Conselheiro no episódio de Canudos, soa patético que não conheçamos nenhum editorial inflamado em defesa de Assange e contra sua prisão, aparentemente causada por suas peripécias sexuais na Suécia e que incluem até uma obscura história de estupro. Qualquer biscoito (cookie, em inglês), além de qualquer cidadão norte-americano medianamente informado e mesmo qualquer dona de casa alemã que assine Der Spiegel, sabe muito bem que sua prisão tem tudo a ver com os transtornos que o WikiLeaks vem causando à imagem e às relações de Washington com governos do resto do mundo.
Não se exigirá mestrado ou doutorado em Comunicação, conferido por Cambridge ou por Harvard, para que não tarde a que a história da diplomacia no século 21 venha a ser ensinada em dois períodos de tempo distintos: antes e depois dos wikileaks.
Julian Assange assume que "qualquer governo corre o risco de ser corrompido caso não seja vigiado cuidadosamente". Até aqui, nada demais, porque data de muito longe o ditado de que "o poder corrompe". E o que exerce o poder em uma sociedade? Primeiramente, o governo. Uma coisa é inferir sabedoria popular, geralmente fundada na experiência dos antigos. Mas agora a coisa é bem diferente. A novidade é que esse axioma acaba de ser comprovado cientificamente em um trabalho de pesquisadores da renomada Kellogg School of Management, nos Estados Unidos. Foi após uma série de testes comportamentais com voluntários que ficou evidenciada a forma como o poder costuma, em geral, mudar as pessoas para pior.
Em testes, os poderosos não só trapaceavam mais, não só usavam os mais sórdidos golpes, aqueles bem abaixo da linha da cintura, como também se mostravam mais hipócritas ao se desculpar por atitudes que condenavam nos outros. Neste contexto, vale conferir a afirmação do psicólogo social Adam Galinsky, professor de Ética e Decisões em Gerência da Kellogg School of Management e um dos autores do estudo, quando diz que "os poderosos acreditam que devem ser excluídos de certas regras".
A propósito, é isso o que precisamente vem acontecendo se considerarmos as reações de Washington aos wikileaks. Quem não lembra que há apenas um ano, em resposta a ações do governo da China contra o Google, a secretária de Estado americana Hillary Clinton fez apaixonado discurso em defesa da liberdade de expressão na internet? A senhora Clinton não parou por aí. Foi além: "Mesmo em países autoritários, governados por ditadores, redes de informação têm ajudado pessoas a descobrir novos fatos e feito governos mais transparentes". Seria patético, não fosse apenas ridículo, o uso contumaz de dois pesos e duas medidas quando autoridade política trata de atacar governo estrangeiro que é acometido por sua própria enfermidade.
Documentos secretos
Julian Assange se expressa com clareza quando o assunto é a sua entidade WikiLeaks. Sabendo que tem gente que acredita ser ele um pacifista nato, totalmente avesso às guerras, ele trata logo de desfazer o "piedoso engano":
"As pessoas afirmaram que sou antiguerra: que fique registrado, eu não sou. Algumas vezes, nações precisam ir à guerra e simplesmente há guerras. Mas não há nada mais errado do que um governo mentir à sua população sobre estas guerras e então pedir a estes mesmos cidadãos que coloquem suas vidas e o dinheiro de seus impostos a serviço dessas mentiras. Se uma guerra é justificável, então diga a verdade e a população dirá se deve apoiá-la ou não."
Há um quê de quixotesco no pensamento e na ação de Assange quando vemos quão distante ele se encontra da realpolitik. Não será a política o campo para a dissimulação, para vestir de significado novo velhas ações, para utilizar todos os meios ao alcance com o intuito de conquistar esta ou aquela vitória política? Não foi o Departamento de Estado dos EUA que buscou negociar com o primeiro-ministro da Eslovênia um encontro com o presidente Barack Obama desde que a Eslovênia aceitasse, em troca, receber um preso de Guantánamo?
Por extensão, seria equivocado inferir que o mundo da política internacional é o vale-tudo cotidiano entre os que tudo podem e os que pouco podem? E, por acaso, já não intuíamos isso? Claro! O que o WikiLeaks faz é retirar das relações diplomáticas mantidas pelos EUA com outros países o benefício da dúvida. E, em caso de dúvida, se existe uma arena em que a ultrapassagem é quase sempre certa é a da política internacional.
O que existia de fato para justificar a guerra no Iraque? Dúvidas. Apenas dúvidas sobre a existência de armas de destruição em massa no Iraque governado por Saddam Hussein. Devo registrar que não é de hoje que o WikiLeaks divulga documentos secretos. Isso é feito há anos. Mas só ganhou destaque internacional em 2010, com três vazamentos: (1) publicou um vídeo confidencial, feito por um helicóptero americano, que parece mostrar um ataque contra dois funcionários da agência de notícias Reuters e outros civis; (2) tornou públicos 77 mil arquivos de inteligência dos EUA sobre a guerra do Afeganistão; e, (3) divulgou mais 400 mil arquivos expondo ataques, detenções e interrogatórios no Iraque.
"O melhor dos desinfetantes"
Se o jornalismo tradicional -aquele que é impresso em jornais e revistas, que é ouvido nas rádios e assistido nos telejornais - constrói sua versão da realidade tendo como ponto de partida apenas uma ou duas peças do quebra-cabeça, e sobre estas cobre o restante da imagem com a opinião de seus colunistas e comentaristas, quase sempre de política ou de economia, o WikiLeaks arroga para si o mérito de realizar jornalismo científico, aquele que opera com outros suportes de mídia para trazer as notícias para as pessoas, "mas também para provar que essas notícias são verdadeiras". E como faz isso? Com a palavra Julian Assange:
"O jornalismo científico permite que você leia as notícias, e então clique num link para ver o documento original no qual a notícia foi baseada. Desta maneira você mesmo pode julgar: esta notícia é verdadeira? Os jornalistas a reportaram de maneira precisa?"
Infelizmente, o governo norte-americano, diante do escrutínio público de menos de 5% do material que ainda deve ser revelado, ao invés de fazer uma inadiável releitura de sua política internacional, de seus pressupostos e de suas atividades bastante heterodoxas, estará, neste momento, planejando novas estratégias, esquemas e modus procedendis para cobrir de sigilo (e suspeição) o que sempre fez: tudo é permissível para alcançar seus fins políticos, econômicos e financeiros - e isto inclui o direito de não precisar prestar contas a ninguém. O WikiLeaks ajudou a rasgar as duas pontas da capa que lhe encobria as vergonhas e reduziu a pó sua autoafirmação de que seu governo constituía a única e inatacável fonte da autoridade moral do planeta. Não mais.
A sociedade, os governos e a imprensa serão melhores com Julian Assange?
Acredito que sim. E por várias razões, dentre as quais destaco que seu WikiLeaks entrega um espelho a cada diplomata para que possa aferir o grau de sinceridade e também de hipocrisia de suas ações. O WikiLeaks abre imensa clareira no cipoal de boas intenções que costumam vicejar nas relações entre governos e apenas camuflam os objetivos reais da diplomacia de uma nação sobre outra, e fica mais evidente quando joga pesados fachos de luz sobre a nação que se apresenta como a mais rica do planeta, a mais equipada militarmente, a mais influente politicamente. E a imprensa passa a ter a oportunidade raríssima de tirar a prova dos noves sobre seu alinhamento automático a qualquer governo, bem como sobre sua postura ácida e crítica às ações de qualquer governo.
Há quase um século, o juiz americano Louis Brandeis disse que "a luz do sol é o melhor dos desinfetantes". Se vivo fosse, talvez dissesse o mesmo com outro enunciado: "O trabalho do WikiLeaks é o melhor dos desinfetantes."
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