Reproduzo artigo do professor Venício A. de Lima, publicado no Observatório da Imprensa:
Os leitores da edição de domingo, 17 de janeiro, do jornal O Estado de S.Paulo, encontraram na primeira página uma chamada – "Governo prepara novo ataque à mídia" – acima da dobra, seguida de um texto que dizia:
"Documento preparado sob coordenação do Planalto prega mais uma vez o `controle social´ dos meios de comunicação e a interferência nos conteúdos, informam Felipe Recondo e Marcelo de Moraes. O texto servirá de base para mais uma conferência, desta vez a da cultura, marcada para março. O documento propõe, ainda, maior intervenção em áreas como ciência e meio ambiente.
Em que consistiria esse "novo ataque à mídia"? A explicação estava na página 4, sob o título "Conferência de Cultura arma novo ataque à mídia”. A longa matéria aponta que o "ataque" do governo consta do documento-base da 2ª Conferência Nacional de Cultura que será realizada entre 11 e 14 de março próximos.
Não é preciso mencionar que se trata de documento a ser discutido em conferência que, como todas as outras, é apenas propositiva. Mas, vamos em frente. Qual é exatamente o "ataque"?
Na verdade, não é um "ataque". São vários. O primeiro, diz respeito à existência de monopólio nos meios de comunicação. Segundo o Estadão o "ataque" estaria contido na seguinte frase:
"O monopólio dos meios de comunicação (mídias) representa uma ameaça à democracia e aos direitos humanos, principalmente no Brasil, onde a televisão e o rádio são os equipamentos de produção e distribuição de bens simbólicos mais disseminados, e por isso cumprem função relevante na vida cultural."
O leitor atento, todavia, se lembrará do que está escrito na Constituição. Relembremos:
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 5º – Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.
Situação curiosa
O segundo "ataque" refere-se à "regulamentação de artigos que obriguem emissoras de televisão a cumprir cotas de regionalização na produção e exibição de programas" (sic). A matéria cita o documento-base:
"Tão necessário quanto reatar o vínculo entre cultura e educação é integrar as políticas culturais e de comunicação. Nesse sentido, os fóruns de cultura e de comunicação devem unir-se na luta pela regulamentação dos artigos da Constituição Federal de 1988 relativos ao tema [grifo nosso]. Entre eles o que obriga as emissoras de rádio e televisão a adaptar sua programação ao princípio da regionalização da produção cultural, artística e jornalística, bem como o que estabelece a preferência que deve ser dada às finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, à promoção da cultura nacional e regional e à produção independente (art. 221) [grifo nosso]."
O leitor atento poderá consultar a Constituição, mencionada no trecho citado do documento-base, e verificar que, de fato, está lá:
Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:
I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;
III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;
IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Outro "ataque" do governo estaria contido na observação: "As emissoras comerciais se organizam com base nas demandas do mercado, que são legítimas. Contudo, essas demandas não podem ser as únicas a dar o tom da comunicação social no País."
Ainda uma vez o leitor atento se lembrará de que a Constituição estabelece o "princípio da complementaridade" entre os sitemas privado, público e estatal de radiodifusão – prevendo, portanto, que critérios outros que não as demandas do mercado também possam dar "o tom da comunicação social no país". Está escrito na Constituição:
Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.
A matéria reproduz ainda, separadamente, trechos que considera "polêmicos" no documento-base. Além dos três "ataques" já mencionados, inclui outro, sob o título "Controle social da mídia", que se refere especificamente às "TVs e rádios públicas".
Temos aqui a curiosa situação em que o "ataque" do governo, segundo o Estadão, se dá não em relação à radiodifusão comercial, mas à radiodifusão pública. Quem senão o público deve exercer controle sobre a radiodifusão pública?
Reprodução em cascata
A matéria do Estadão, por óbvio, repercutiu na segunda-feira (18/1) nos jornalões Folha de S.Paulo e O Globo. Ambos, "por coincidência", usaram praticamente o mesmo título do próprio Estadão: "Governo Federal prepara novo ataque à mídia" e "Texto de 2ª. Conferência Nacional da Cultura traz ataques à mídia", respectivamente.
Além disso, na mesma segunda-feira, o Estadão se apressou em repercutir a sua denúncia com a ANJ e a OAB, e, em nova matéria sob o título "OAB e ANJ vêem ataque à mídia pelo governo", os "ataques" do governo do dia anterior já se transformaram em ataques à liberdade de expressão. O representante da ANJ, no entanto, vai um pouco além. Diz ele:
"Nesse caso, assim como em outros relatados recentemente, trata-se de proposta antidemocrática e anticonstitucional, uma vez que a plena liberdade de expressão é um dos preceitos básicos da nossa Constituição. É condenável essa tentativa de dirigismo, de interferência no conteúdo dos meios de comunicação" (grifos nossos).
Quem ameaça quem?
Os "ataques" do governo à mídia, identificados pela matéria do Estadão no documento-base da 2ª Conferência Nacional de Cultura (que ainda sequer se realizou), repercutidos nos outros jornalões, referem-se à regulamentação de normas constitucionais, como é absolutamente simples de constatar.
O mesmo tipo de situação aconteceu em relação às propostas aprovadas na 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) e às diretrizes do III Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) - ver, neste Observatório, o artigo "A mídia contra a Constituição”. No último fim de semana, as revistas semanais foram unânimes em condenar o que consideram "controle da mídia" e "atropelamento da Constituição" pelo III PNDH.
Para surpresa geral, inclusive a revista CartaCapital embarcou nesta canoa em textos assinados por Mino Carta, Gilberto Nascimento e Walter Maierovitch.
Condena-se no III PNDH a "ação programática" que propõe “elaborar critérios de acompanhamento editorial a fim de criar um ranking nacional de veículos de comunicação comprometidos com os princípios de Direitos Humanos, assim como os que cometem violações”. E a recomendação correspondente: “Recomenda-se aos estados, Distrito Federal e municípios fomentar a criação e acessibilidade de Observatórios Sociais destinados a acompanhar a cobertura da mídia em Direitos Humanos."
Na verdade, essas propostas já se encontram nos dois PNDH anteriores, de 1996 e 2002 (cf. itens 57 e 100, respectivamente), e um ranking já é feito no âmbito da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, que instituiu, em 2002, a campanha "Quem financia a baixaria é contra a cidadania" a partir de deliberação da VII Conferencia Nacional dos Direitos Humanos.
A observação social da mídia, apesar de sua inquestionável relevância democrática, vem sendo desenvolvida, a duras penas, por uma rede de observatórios – da qual este Observatório da Imprensa é pioneiro – e por entidades como a ANDI, o Observatório do Direito à Comunicação e o Observatório Brasileiro de Mídia. Foi esse tipo de trabalho, aliás, que levou a uma ação judicial bem sucedida por iniciativa do Ministério Público de São Paulo em relação ao antigo programa de João Kleber, Tardes Quentes, na veiculado Rede TV!.
É de se perguntar, portanto, quem ameaça quem? É o governo – ou seria a sociedade civil que se reúne em conferências? – que ameaça a mídia ou é a mídia que considera alguns dispositivos da Constituição uma ameaça a seus interesses e ataca, como vem acontecendo nos últimos 21 anos, qualquer tentativa de sua regulamentação?
domingo, 7 de fevereiro de 2010
A grande mídia unida contra a democracia
Reproduzo abaixo artigo de João Brant, integrante do Coletivo Intervozes, publicado no sítio Observatório do Direito à Comunicação:
Primeiro foram as críticas desqualificadoras da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). Depois, os ataques contra as medidas do Programa Nacional de Direitos Humanos. Agora, os grandes jornais apontam suas armas para o texto-base da Conferência Nacional de Cultura. Em comum, propostas que visam algum grau de democratização da comunicação e veículos que não aceitam os princípios constitucionais e são contra a punição para violações de direitos humanos praticada pelos meios de comunicação.
Os últimos dois meses foram agitados para os interessados na defesa da liberdade de expressão e do direito à comunicação. Leitores desavisados terão certeza de que a liberdade de expressão nunca esteve tão ameaçada. Segundo uma campanha do Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), estão querendo soltar o monstro da censura. Para os mais tarimbados, fica ao menos a dúvida: que propostas justificam tamanho alvoroço das grandes corporações de comunicação? Por que motivo as matérias e argumentos são tão parecidos? Se a análise vai a fundo, desvela-se uma cobertura que escamoteia interesses privados e que se transforma em campanha propagandística. Com requintes de má fé.
Farsa em três atos
Em geral, quando se fala de "ações orquestradas da grande mídia", esta é muito mais uma figura de linguagem do que uma literalidade. Na maioria das vezes, os grandes meios de comunicação são como um quarteto de cordas, que não precisa de maestro - os músicos se acertam pelos ouvidos e por discretas trocas de olhares. Mas isso não se aplica ao tratamento dado ao tema da comunicação no último mês. Quem leu os grandes jornais, por exemplo, percebeu que a Associação Nacional de Jornais assumiu o literal papel de maestrina para este tema.
No caso da Confecom, o grande bloqueio se deu antes de sua realização, quando as principais entidades representativas do setor empresarial resolveram abandonar o barco. Bandeirantes, RedeTV! e as empresas de telecomunicações continuaram no processo até o fim. Das 665 propostas aprovadas, 601 obtiveram consenso ou mais de 80% de aprovação nos grupos de trabalho e nem precisaram ser votadas. Outras 64 foram aprovadas na plenária final, dentre elas nenhuma entendida por qualquer setor como tema sensível.
Nenhuma das 665 propostas atenta contra a liberdade de expressão ou contra a Constituição Federal. Ao contrário, várias delas buscam ampliar o alcance da liberdade de expressão nos meios de comunicação (hoje restrita a seus donos) e regulamentar artigos da Carta Magna que estão há 21 anos sem ser aplicados, especialmente pela pressão contrária de parte do setor empresarial. Dois temas foram destacados pelos grandes veículos ao criticarem as resoluções: uma proposta que estabelece um Conselho Nacional de Comunicação e outra que estabelece um Conselho Federal dos Jornalistas.
No primeiro caso, trata-se de um órgão para formulação, deliberação e monitoramento de políticas públicas, baseado nos princípios da Constituição, justamente com o papel de buscar equilíbrio no setor. Conselhos similares existem em várias democracias avançadas, inclusive nos Estados Unidos, onde ele é entendido como garantidor da liberdade de expressão. No segundo caso, trata-se de um conselho profissional da categoria, como já têm os médicos e advogados, cujo projeto inclui, como uma das infrações disciplinares de um jornalista, "obstruir, direta ou indiretamente, a livre divulgação de informação ou aplicar censura". Como se vê, o oposto do que a maioria das notícias veiculadas tentaram dizer ao leitor.
Segundo ato
A farsa seguiu com a acusação de que o terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos representaria uma peça autoritária. Um conjunto de medidas de defesa de direitos humanos, da memória e da verdade foi tachado como se fosse o oposto do que é. Deve ser por isso que os setores militares conservadores se rebelaram para defender os "princípios democráticos" que sempre os guiaram contra o "autoritarismo" daqueles que lutaram contra a ditadura. Alguém consegue acreditar?
Nas propostas relacionadas à comunicação, duas pseudo-ameaças à liberdade de expressão. No primeiro caso, a defesa da regulamentação de um artigo da Constituição Federal com a indicação de que ele aponte punições para violações a direitos humanos. De novo não há aí nenhuma restrição, apenas a determinação de responsabilidades posteriores a publicação, como estabelece a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José), ratificado pelo Brasil. Na ausência destas definições, estaremos legitimando o racismo, a homofobia e o uso de concessões públicas para defender assassinatos de pessoas, fato infelizmente recorrente.
A outra proposta atacada foi a de "elaborar critérios de acompanhamento editorial a fim de criar um ranking nacional de veículos de comunicação comprometidos com os princípios de Direitos Humanos, assim como os que cometem violações". Na prática, essa é a proposta de institucionalização da Campanha pela Ética na TV ("Quem financia a baixaria é contra a cidadania"), que nunca serviu para atacar liberdade de expressão, mas, ao contrário, ajudou a criar pontes entre os espectadores, usuários do serviço de rádio e TV e as emissoras.
Estas, embora recebam uma concessão para cumprir um serviço público, nunca admitem se submeter a obrigações de serviço público, nem mesmo àquelas estabelecidas pela Constituição Federal. Alguns podem até questionar a utilidade desse ranking, mas certamente ele não representa ataque à liberdade de expressão. O restante da diretriz 22 (que trata sobre comunicação) do PNDH-3, trata da garantia ao direito à comunicação democrática e ao acesso à informação. Mas disso nenhum meio de comunicação falou.
Terceiro ato
As recentes críticas ao texto-base da Conferência Nacional de Cultura são o ápice da farsa (termo talvez mal-apropriado aqui, já que ela nada tem de cômica). O Estado de S. Paulo, O Globo e a Folha de S. Paulo atacaram o texto por ele dizer que "o monopólio dos meios de comunicação representa uma ameaça à democracia e aos direitos humanos, principalmente no Brasil, onde a televisão e o rádio são os equipamentos de produção e distribuição de bens simbólicos mais disseminados, e por isso cumprem função relevante na vida cultural".
A contestação foi à afirmação de que há ocorrência de monopólio nos meios de comunicação no Brasil. O trecho fica mais claro se citada a frase imediatamente anterior: "A produção, difusão e acesso às informações são requisitos básicos para o exercício das liberdades civis, políticas, econômicas, sociais e culturais". É um texto, portanto, que defende as liberdades, e aponta a concentração nos meios de comunicação como ameaça à democracia e aos direitos humanos. Com ele concordariam até os republicanos dos Estados Unidos, como demonstram recentes votações no Congresso daquele país. Mas não os jornais brasileiros.
É preciso deixar claro que "monopólio" ali é usado em sentido amplo e agregador. Até porque, embora a Constituição Federal (de novo...), em seu artigo 220, proíba a existência de monopólios e oligopólios, nunca houve a regulamentação deste artigo. Portanto o Brasil não tem como estabelecer critérios precisos para determinar se há ou não ocorrência de monopólio neste setor. Qual a referência? A propriedade? O controle? A participação na audiência? A participação no mercado publicitário?
Todas as democracias avançadas estabelecem medidas não apenas anti-monopólios e oligopólios, mas anti-concentração, combinando os diferentes critérios citados acima. No Brasil, os únicos limites à concentração existentes foram estabelecidos em 1967 e são mais tênues do que os aplicados nos Estados Unidos, França e Reino Unido. O próprio Estadão já tocou, em editoriais recentes, no problema da concentração no rádio e na TV; agora nega sua existência.
Também não passou despercebida pelos jornais a proposta de regulamentação do artigo 221 da Constituição Federal, que prevê a regionalização da produção de rádio e TV e o estímulo à produção independente. A matéria usa uma declaração completamente equivocada do deputado Miro Teixeira para dizer que o artigo não admite regulamentação. Embora haja pareceres que defendem que o artigo pode ser auto-aplicável, o seu inciso III diz justamente que as rádios e TVs deverão atender ao princípio de "regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei". Isto é, ele não só admite como solicita regulamentação. Bola fora ou má fé?
Outro ponto atacado pelos jornais é o trecho em que o texto defende o fortalecimento das rádios e TVs públicas e sua maior independência em relação aos governos. Diz o texto preparado pelo Ministério da Cultura: "As TVs e rádios públicas são estratégicas para que a população tenha acesso aos bens culturais e ao patrimônio simbólico do país em toda sua diversidade. Para tanto, elas precisam aprofundar a relação com a comunidade, que se traduz no maior controle social sobre sua gestão, no estabelecimento de canais permanentes dedicados à expressão das demandas dos diversos grupos sociais, na adoção de um modelo aberto à participação de produtores independentes e na criação de um sistema de financiamento que articule o compromisso de Municípios, Estados e União". Assim, o texto defende o controle social sobre as mídias públicas justamente para que estes veículos não sejam apropriados pelos governos. O foco é justamente
a defesa da liberdade de expressão para todos e todas. Onde há ataque à mídia? Onde há ameaça à liberdade de expressão?
Dejà vu
Para quem acompanha esse debate, esse comportamento não é novidade, embora o tom raivoso e histérico nunca deixe de assustar. Parte dos meios de comunicação não aceita nenhum tipo de medida que possa diminuir o poder absoluto exercido hoje por eles. Regras que em outros países democráticos são entendidas como condições mínimas para o exercício democrático, aqui são tratadas como ameaças à liberdade de expressão. A grita esconde, na verdade, a defesa de interesses corporativos, em que a liberdade de imprensa se transforma em liberdade de empresa.
A liberdade de expressão defendida por esses setores não é a liberdade ampla, mas a liberdade de poucas famílias. Contra qualquer medida que ameace esse poderio, lança-se o discurso da volta da censura, independentemente de não haver em nenhum desses documentos propostas que prevejam a análise prévia da programação. Independentemente de esses veículos negarem o direito à informação de seus leitores e omitirem informações e opiniões relevantes para a compreensão autônoma dos fatos, agindo de forma censora. Independentemente de os setores proponentes dessas medidas terem sido justamente aqueles que mais lutaram contra a censura estabelecida pela ditadura militar, da qual boa parte desses veículos foi parceira.
Nessa situação, quem deve ficar apreensivo com a reação são os setores que tem apreço à democracia. Como lembra um importante estudioso das políticas de comunicação, foi com este mesmo tom de "ameaça à democracia" que estes jornais prepararam as condições para o acontecimento que marcaria o 1º de abril de 1964. De novo, aqui eles não mostram nenhum apego à Constituição Federal e ao verdadeiro significado da democracia. Obviamente não há hoje condições objetivas e subjetivas para qualquer golpe de Estado, mas os meios de comunicação já deixaram claro de que lado estão.
Primeiro foram as críticas desqualificadoras da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). Depois, os ataques contra as medidas do Programa Nacional de Direitos Humanos. Agora, os grandes jornais apontam suas armas para o texto-base da Conferência Nacional de Cultura. Em comum, propostas que visam algum grau de democratização da comunicação e veículos que não aceitam os princípios constitucionais e são contra a punição para violações de direitos humanos praticada pelos meios de comunicação.
Os últimos dois meses foram agitados para os interessados na defesa da liberdade de expressão e do direito à comunicação. Leitores desavisados terão certeza de que a liberdade de expressão nunca esteve tão ameaçada. Segundo uma campanha do Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), estão querendo soltar o monstro da censura. Para os mais tarimbados, fica ao menos a dúvida: que propostas justificam tamanho alvoroço das grandes corporações de comunicação? Por que motivo as matérias e argumentos são tão parecidos? Se a análise vai a fundo, desvela-se uma cobertura que escamoteia interesses privados e que se transforma em campanha propagandística. Com requintes de má fé.
Farsa em três atos
Em geral, quando se fala de "ações orquestradas da grande mídia", esta é muito mais uma figura de linguagem do que uma literalidade. Na maioria das vezes, os grandes meios de comunicação são como um quarteto de cordas, que não precisa de maestro - os músicos se acertam pelos ouvidos e por discretas trocas de olhares. Mas isso não se aplica ao tratamento dado ao tema da comunicação no último mês. Quem leu os grandes jornais, por exemplo, percebeu que a Associação Nacional de Jornais assumiu o literal papel de maestrina para este tema.
No caso da Confecom, o grande bloqueio se deu antes de sua realização, quando as principais entidades representativas do setor empresarial resolveram abandonar o barco. Bandeirantes, RedeTV! e as empresas de telecomunicações continuaram no processo até o fim. Das 665 propostas aprovadas, 601 obtiveram consenso ou mais de 80% de aprovação nos grupos de trabalho e nem precisaram ser votadas. Outras 64 foram aprovadas na plenária final, dentre elas nenhuma entendida por qualquer setor como tema sensível.
Nenhuma das 665 propostas atenta contra a liberdade de expressão ou contra a Constituição Federal. Ao contrário, várias delas buscam ampliar o alcance da liberdade de expressão nos meios de comunicação (hoje restrita a seus donos) e regulamentar artigos da Carta Magna que estão há 21 anos sem ser aplicados, especialmente pela pressão contrária de parte do setor empresarial. Dois temas foram destacados pelos grandes veículos ao criticarem as resoluções: uma proposta que estabelece um Conselho Nacional de Comunicação e outra que estabelece um Conselho Federal dos Jornalistas.
No primeiro caso, trata-se de um órgão para formulação, deliberação e monitoramento de políticas públicas, baseado nos princípios da Constituição, justamente com o papel de buscar equilíbrio no setor. Conselhos similares existem em várias democracias avançadas, inclusive nos Estados Unidos, onde ele é entendido como garantidor da liberdade de expressão. No segundo caso, trata-se de um conselho profissional da categoria, como já têm os médicos e advogados, cujo projeto inclui, como uma das infrações disciplinares de um jornalista, "obstruir, direta ou indiretamente, a livre divulgação de informação ou aplicar censura". Como se vê, o oposto do que a maioria das notícias veiculadas tentaram dizer ao leitor.
Segundo ato
A farsa seguiu com a acusação de que o terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos representaria uma peça autoritária. Um conjunto de medidas de defesa de direitos humanos, da memória e da verdade foi tachado como se fosse o oposto do que é. Deve ser por isso que os setores militares conservadores se rebelaram para defender os "princípios democráticos" que sempre os guiaram contra o "autoritarismo" daqueles que lutaram contra a ditadura. Alguém consegue acreditar?
Nas propostas relacionadas à comunicação, duas pseudo-ameaças à liberdade de expressão. No primeiro caso, a defesa da regulamentação de um artigo da Constituição Federal com a indicação de que ele aponte punições para violações a direitos humanos. De novo não há aí nenhuma restrição, apenas a determinação de responsabilidades posteriores a publicação, como estabelece a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José), ratificado pelo Brasil. Na ausência destas definições, estaremos legitimando o racismo, a homofobia e o uso de concessões públicas para defender assassinatos de pessoas, fato infelizmente recorrente.
A outra proposta atacada foi a de "elaborar critérios de acompanhamento editorial a fim de criar um ranking nacional de veículos de comunicação comprometidos com os princípios de Direitos Humanos, assim como os que cometem violações". Na prática, essa é a proposta de institucionalização da Campanha pela Ética na TV ("Quem financia a baixaria é contra a cidadania"), que nunca serviu para atacar liberdade de expressão, mas, ao contrário, ajudou a criar pontes entre os espectadores, usuários do serviço de rádio e TV e as emissoras.
Estas, embora recebam uma concessão para cumprir um serviço público, nunca admitem se submeter a obrigações de serviço público, nem mesmo àquelas estabelecidas pela Constituição Federal. Alguns podem até questionar a utilidade desse ranking, mas certamente ele não representa ataque à liberdade de expressão. O restante da diretriz 22 (que trata sobre comunicação) do PNDH-3, trata da garantia ao direito à comunicação democrática e ao acesso à informação. Mas disso nenhum meio de comunicação falou.
Terceiro ato
As recentes críticas ao texto-base da Conferência Nacional de Cultura são o ápice da farsa (termo talvez mal-apropriado aqui, já que ela nada tem de cômica). O Estado de S. Paulo, O Globo e a Folha de S. Paulo atacaram o texto por ele dizer que "o monopólio dos meios de comunicação representa uma ameaça à democracia e aos direitos humanos, principalmente no Brasil, onde a televisão e o rádio são os equipamentos de produção e distribuição de bens simbólicos mais disseminados, e por isso cumprem função relevante na vida cultural".
A contestação foi à afirmação de que há ocorrência de monopólio nos meios de comunicação no Brasil. O trecho fica mais claro se citada a frase imediatamente anterior: "A produção, difusão e acesso às informações são requisitos básicos para o exercício das liberdades civis, políticas, econômicas, sociais e culturais". É um texto, portanto, que defende as liberdades, e aponta a concentração nos meios de comunicação como ameaça à democracia e aos direitos humanos. Com ele concordariam até os republicanos dos Estados Unidos, como demonstram recentes votações no Congresso daquele país. Mas não os jornais brasileiros.
É preciso deixar claro que "monopólio" ali é usado em sentido amplo e agregador. Até porque, embora a Constituição Federal (de novo...), em seu artigo 220, proíba a existência de monopólios e oligopólios, nunca houve a regulamentação deste artigo. Portanto o Brasil não tem como estabelecer critérios precisos para determinar se há ou não ocorrência de monopólio neste setor. Qual a referência? A propriedade? O controle? A participação na audiência? A participação no mercado publicitário?
Todas as democracias avançadas estabelecem medidas não apenas anti-monopólios e oligopólios, mas anti-concentração, combinando os diferentes critérios citados acima. No Brasil, os únicos limites à concentração existentes foram estabelecidos em 1967 e são mais tênues do que os aplicados nos Estados Unidos, França e Reino Unido. O próprio Estadão já tocou, em editoriais recentes, no problema da concentração no rádio e na TV; agora nega sua existência.
Também não passou despercebida pelos jornais a proposta de regulamentação do artigo 221 da Constituição Federal, que prevê a regionalização da produção de rádio e TV e o estímulo à produção independente. A matéria usa uma declaração completamente equivocada do deputado Miro Teixeira para dizer que o artigo não admite regulamentação. Embora haja pareceres que defendem que o artigo pode ser auto-aplicável, o seu inciso III diz justamente que as rádios e TVs deverão atender ao princípio de "regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei". Isto é, ele não só admite como solicita regulamentação. Bola fora ou má fé?
Outro ponto atacado pelos jornais é o trecho em que o texto defende o fortalecimento das rádios e TVs públicas e sua maior independência em relação aos governos. Diz o texto preparado pelo Ministério da Cultura: "As TVs e rádios públicas são estratégicas para que a população tenha acesso aos bens culturais e ao patrimônio simbólico do país em toda sua diversidade. Para tanto, elas precisam aprofundar a relação com a comunidade, que se traduz no maior controle social sobre sua gestão, no estabelecimento de canais permanentes dedicados à expressão das demandas dos diversos grupos sociais, na adoção de um modelo aberto à participação de produtores independentes e na criação de um sistema de financiamento que articule o compromisso de Municípios, Estados e União". Assim, o texto defende o controle social sobre as mídias públicas justamente para que estes veículos não sejam apropriados pelos governos. O foco é justamente
a defesa da liberdade de expressão para todos e todas. Onde há ataque à mídia? Onde há ameaça à liberdade de expressão?
Dejà vu
Para quem acompanha esse debate, esse comportamento não é novidade, embora o tom raivoso e histérico nunca deixe de assustar. Parte dos meios de comunicação não aceita nenhum tipo de medida que possa diminuir o poder absoluto exercido hoje por eles. Regras que em outros países democráticos são entendidas como condições mínimas para o exercício democrático, aqui são tratadas como ameaças à liberdade de expressão. A grita esconde, na verdade, a defesa de interesses corporativos, em que a liberdade de imprensa se transforma em liberdade de empresa.
A liberdade de expressão defendida por esses setores não é a liberdade ampla, mas a liberdade de poucas famílias. Contra qualquer medida que ameace esse poderio, lança-se o discurso da volta da censura, independentemente de não haver em nenhum desses documentos propostas que prevejam a análise prévia da programação. Independentemente de esses veículos negarem o direito à informação de seus leitores e omitirem informações e opiniões relevantes para a compreensão autônoma dos fatos, agindo de forma censora. Independentemente de os setores proponentes dessas medidas terem sido justamente aqueles que mais lutaram contra a censura estabelecida pela ditadura militar, da qual boa parte desses veículos foi parceira.
Nessa situação, quem deve ficar apreensivo com a reação são os setores que tem apreço à democracia. Como lembra um importante estudioso das políticas de comunicação, foi com este mesmo tom de "ameaça à democracia" que estes jornais prepararam as condições para o acontecimento que marcaria o 1º de abril de 1964. De novo, aqui eles não mostram nenhum apego à Constituição Federal e ao verdadeiro significado da democracia. Obviamente não há hoje condições objetivas e subjetivas para qualquer golpe de Estado, mas os meios de comunicação já deixaram claro de que lado estão.
sábado, 6 de fevereiro de 2010
EUA querem derrotar Lula nas eleições
O blog Viomundo, editado por Luiz Carlos Azenha, reproduziu hoje artigo publicado no jornal britânico Guardian de autoria de Mark Weisbrot, co-diretor do Centro de Pesquisa Política e Econômica de Washington. O texto impactante serve de alerta aos que minimizam a importância da batalha sucessória deste ano – e também aos que já estão de salto alto com as recentes pesquisas que apontam avanços da candidatura Dilma Rousseff. Reproduzo-o abaixo:
O jogo dos Estados Unidos na América Latina
Quando eu escrevo sobre a política externa dos Estados Unidos em lugares como o Haiti ou Honduras, geralmente recebo respostas de pessoas que acham difícil acreditar que os Estados Unidos se preocupam suficientemente com esses países para tentar controlar ou derrubar seus governos. Estes são países pequenos, pobres, com poucos mercados ou recursos. Por que os formuladores de política de Washington deveriam se preocupar com quem os governa?
Infelizmente, eles se preocupam. Eles se preocuparam suficientemente com o Haiti para derrubar o presidente eleito Jean-Bertrand Aristide não apenas uma vez, mas duas. Da primeira vez, em 1991, foi feito de forma encoberta. Só descobrimos depois que as pessoas que lideraram o golpe foram pagas pela Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos. E então o Emmanuel Constant, o líder do mais notório esquadrão da morte -- que matou milhares de apoiadores de Aristide depois do golpe -- disse à rede CBS que ele, também, foi financiado pela CIA.
Em 2004, o envolvimento dos Estados Unidos no golpe foi muito mais aberto. Washington liderou um boicote de quase toda ajuda econômica internacional ao Haiti por quatro anos, tornando o colapso do governo inevitável. Como o New York Times informou, enquanto o Departamento de Estado dos Estados Unidos dizia a Aristide que ele deveria fazer um acordo com a oposição política (financiada por milhões de dólares de dinheiro do contribuinte americano), o Instituto Republicano Internacional [braço da política externa do Partido Republicano) dizia à oposição que não deveria fazer acordo.
Em Honduras no último verão e outono, o governo dos Estados Unidos fez tudo o que pôde para evitar que o resto do hemisfério fizesse uma política eficaz de oposição ao golpe em Honduras. Por exemplo, bloqueou uma decisão da Organização dos Estados Americanos de que não reconheceria as eleições que fossem realizadas sob a ditadura. Ao mesmo tempo, o governo Obama se dizia publicamente contrária ao golpe.
Isso foi apenas parcialmente bem sucedido, do ponto-de-vista das relações públicas. A maioria do público dos Estados Unidos acha que o governo Obama foi contra o golpe em Honduras, embora em novembro do ano passado foram publicadas várias reportagens e editoriais críticos dizendo que Obama tinha cedido à pressão dos republicanos e não tinha feito o suficiente. Mas isso era uma leitura equivocada do que aconteceu: a pressão republicana de apoio ao golpe hondurenho mudou a estratégia de relações públicas do governo Obama, não sua estratégia política. Quem acompanhou os eventos de perto desde o início pode ver que a estratégia política era bloquear e adiar quaisquer tentativas de restaurar o presidente eleito [Manuel Zelaya], enquanto se pretendia que o retorno à democracia era o verdadeiro objetivo.
Entre os que entenderam isso estavam os governos da América Latina, inclusive os peso-pesados como o Brasil. Isso é importante porque demonstra que o Departamento de Estado estava disposto a pagar um preço político significativo para ajudar a direita em Honduras. Isso convenceu a grande maioria dos governos da América Latina de que [o governo Obama] não era diferente do governo Bush em seus objetivos no hemisfério, o que não é um resultado prazeiroso do ponto-de-vista diplomático.
Por que se preocupar com a forma com que esses países pobres são governados? Como qualquer bom jogador de xadrez sabe, os peões contam. A perda de alguns peões no começo de um jogo pode fazer a diferença entre quem vence e quem perde. Eles olham para esses países como uma questão de poder bruto. De governos que concordam com a maximização do poder dos Estados Unidos no mundo, eles gostam. Daqueles que tem outros objetivos – não necessariamente antagônicos aos Estados Unidos – eles não gostam.
Não é surpreendente que os aliados mais próximos do governo Obama no hemisfério são os governos direitistas da Colômbia ou Panamá, embora Obama não seja ele próprio um político de direita. Isso demonstra a continuidade da política de controle. A vitória da direita no Chile, a primeira vez que venceu uma eleição em meio século, foi uma vitória significativa para os Estados Unidos.
Se o Partido dos Trabalhadores de Lula perder a eleição presidencial no Brasil no outono, isso seria outra vitória para o Departamento de Estado. Embora autoridades do Departamento de Estado sob Bush e Obama tenham mantido uma postura amigável em relação ao Brasil, é óbvio que eles se ressentem profundamente das mudanças na política externa brasileira que aliaram o Brasil a outros governos social-democratas do hemisfério e se ressentem da posição independente do Brasil em relação ao Oriente Médio, ao Irã e a outros lugares.
Os Estados Unidos intervieram na política brasileira tão recentemente quanto em 2005, organizando uma conferência para promover mudanças legais que tornariam mais difícil para legisladores mudar de partido. Isso teria fortalecido a oposição ao Partido dos Trabalhadores (PT) do governo Lula, já que o PT tem disciplina partidária, mas muitos políticos da oposição, não. Essa intervenção do governo dos Estados Unidos só foi descoberta no ano passado através de um pedido de informações sob o Freedom of Information Act [ Lei americana que permite obter, na Justiça, informações sigilosas do governo] apresentado em Washington. Há muitas outras intervenções por todo o hemisfério das quais não sabemos. Os Estados Unidos tem estado pesadamente envolvidos na política do Chile desde os anos 60, muito antes de organizar a derrubada da democracia chilena em 1973.
Em outubro de 1970, o presidente Richard Nixon andou gritando no Salão Oval, sobre o presidente social democrata do Chile, Salvador Allende: "Aquele filho da puta!", disse Richard Nixon no dia 15 de outubro. "Aquele filho da puta do Allende -- vamos esmagá-lo". Algumas semanas depois ele explicou:
A maior preocupação no Chile é que [Allende] consolide seu poder e a imagem projetada para o mundo será de seu sucesso... Se deixarmos líderes em potencial da América do Sul pensarem que podem se mover como o Chile, teremos dificuldades.
Este é outro motivo pelo qual peões contam e o pesadelo de Nixon se tornou verdadeiro 25 anos depois, quando um país depois do outro elegeu governos de esquerda independentes que Washington não queria. Os Estados Unidos acabaram "perdendo" a maior parte da região. Mas estão tentando ganhar de volta, um país por vez. Os menores e mais pobres e mais próximos dos Estados Unidos são os que mais correm risco. Honduras e o Haiti terão eleições democráticas um dia, mas apenas quando a influência de Washington sobre a política deles for reduzida.
O jogo dos Estados Unidos na América Latina
Quando eu escrevo sobre a política externa dos Estados Unidos em lugares como o Haiti ou Honduras, geralmente recebo respostas de pessoas que acham difícil acreditar que os Estados Unidos se preocupam suficientemente com esses países para tentar controlar ou derrubar seus governos. Estes são países pequenos, pobres, com poucos mercados ou recursos. Por que os formuladores de política de Washington deveriam se preocupar com quem os governa?
Infelizmente, eles se preocupam. Eles se preocuparam suficientemente com o Haiti para derrubar o presidente eleito Jean-Bertrand Aristide não apenas uma vez, mas duas. Da primeira vez, em 1991, foi feito de forma encoberta. Só descobrimos depois que as pessoas que lideraram o golpe foram pagas pela Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos. E então o Emmanuel Constant, o líder do mais notório esquadrão da morte -- que matou milhares de apoiadores de Aristide depois do golpe -- disse à rede CBS que ele, também, foi financiado pela CIA.
Em 2004, o envolvimento dos Estados Unidos no golpe foi muito mais aberto. Washington liderou um boicote de quase toda ajuda econômica internacional ao Haiti por quatro anos, tornando o colapso do governo inevitável. Como o New York Times informou, enquanto o Departamento de Estado dos Estados Unidos dizia a Aristide que ele deveria fazer um acordo com a oposição política (financiada por milhões de dólares de dinheiro do contribuinte americano), o Instituto Republicano Internacional [braço da política externa do Partido Republicano) dizia à oposição que não deveria fazer acordo.
Em Honduras no último verão e outono, o governo dos Estados Unidos fez tudo o que pôde para evitar que o resto do hemisfério fizesse uma política eficaz de oposição ao golpe em Honduras. Por exemplo, bloqueou uma decisão da Organização dos Estados Americanos de que não reconheceria as eleições que fossem realizadas sob a ditadura. Ao mesmo tempo, o governo Obama se dizia publicamente contrária ao golpe.
Isso foi apenas parcialmente bem sucedido, do ponto-de-vista das relações públicas. A maioria do público dos Estados Unidos acha que o governo Obama foi contra o golpe em Honduras, embora em novembro do ano passado foram publicadas várias reportagens e editoriais críticos dizendo que Obama tinha cedido à pressão dos republicanos e não tinha feito o suficiente. Mas isso era uma leitura equivocada do que aconteceu: a pressão republicana de apoio ao golpe hondurenho mudou a estratégia de relações públicas do governo Obama, não sua estratégia política. Quem acompanhou os eventos de perto desde o início pode ver que a estratégia política era bloquear e adiar quaisquer tentativas de restaurar o presidente eleito [Manuel Zelaya], enquanto se pretendia que o retorno à democracia era o verdadeiro objetivo.
Entre os que entenderam isso estavam os governos da América Latina, inclusive os peso-pesados como o Brasil. Isso é importante porque demonstra que o Departamento de Estado estava disposto a pagar um preço político significativo para ajudar a direita em Honduras. Isso convenceu a grande maioria dos governos da América Latina de que [o governo Obama] não era diferente do governo Bush em seus objetivos no hemisfério, o que não é um resultado prazeiroso do ponto-de-vista diplomático.
Por que se preocupar com a forma com que esses países pobres são governados? Como qualquer bom jogador de xadrez sabe, os peões contam. A perda de alguns peões no começo de um jogo pode fazer a diferença entre quem vence e quem perde. Eles olham para esses países como uma questão de poder bruto. De governos que concordam com a maximização do poder dos Estados Unidos no mundo, eles gostam. Daqueles que tem outros objetivos – não necessariamente antagônicos aos Estados Unidos – eles não gostam.
Não é surpreendente que os aliados mais próximos do governo Obama no hemisfério são os governos direitistas da Colômbia ou Panamá, embora Obama não seja ele próprio um político de direita. Isso demonstra a continuidade da política de controle. A vitória da direita no Chile, a primeira vez que venceu uma eleição em meio século, foi uma vitória significativa para os Estados Unidos.
Se o Partido dos Trabalhadores de Lula perder a eleição presidencial no Brasil no outono, isso seria outra vitória para o Departamento de Estado. Embora autoridades do Departamento de Estado sob Bush e Obama tenham mantido uma postura amigável em relação ao Brasil, é óbvio que eles se ressentem profundamente das mudanças na política externa brasileira que aliaram o Brasil a outros governos social-democratas do hemisfério e se ressentem da posição independente do Brasil em relação ao Oriente Médio, ao Irã e a outros lugares.
Os Estados Unidos intervieram na política brasileira tão recentemente quanto em 2005, organizando uma conferência para promover mudanças legais que tornariam mais difícil para legisladores mudar de partido. Isso teria fortalecido a oposição ao Partido dos Trabalhadores (PT) do governo Lula, já que o PT tem disciplina partidária, mas muitos políticos da oposição, não. Essa intervenção do governo dos Estados Unidos só foi descoberta no ano passado através de um pedido de informações sob o Freedom of Information Act [ Lei americana que permite obter, na Justiça, informações sigilosas do governo] apresentado em Washington. Há muitas outras intervenções por todo o hemisfério das quais não sabemos. Os Estados Unidos tem estado pesadamente envolvidos na política do Chile desde os anos 60, muito antes de organizar a derrubada da democracia chilena em 1973.
Em outubro de 1970, o presidente Richard Nixon andou gritando no Salão Oval, sobre o presidente social democrata do Chile, Salvador Allende: "Aquele filho da puta!", disse Richard Nixon no dia 15 de outubro. "Aquele filho da puta do Allende -- vamos esmagá-lo". Algumas semanas depois ele explicou:
A maior preocupação no Chile é que [Allende] consolide seu poder e a imagem projetada para o mundo será de seu sucesso... Se deixarmos líderes em potencial da América do Sul pensarem que podem se mover como o Chile, teremos dificuldades.
Este é outro motivo pelo qual peões contam e o pesadelo de Nixon se tornou verdadeiro 25 anos depois, quando um país depois do outro elegeu governos de esquerda independentes que Washington não queria. Os Estados Unidos acabaram "perdendo" a maior parte da região. Mas estão tentando ganhar de volta, um país por vez. Os menores e mais pobres e mais próximos dos Estados Unidos são os que mais correm risco. Honduras e o Haiti terão eleições democráticas um dia, mas apenas quando a influência de Washington sobre a política deles for reduzida.
Chávez é inimigo da liberdade de imprensa?
Reproduzo abaixo excelente texto do jornalista Breno Altman, diretor do sitio Opera Mundi:
As punições recentemente adotadas contra a RCTVI (Rede Caracas de Televisão Internacional) e outros cinco canais a cabo suscitaram forte onda acusatória contra o presidente venezuelano. Um aluvião de artigos e editoriais foi lançado a público para acoimá-lo como inimigo da liberdade de imprensa.
A mídia conservadora, como é de seu feitio, embaralha as informações para melhor articular sua escalada contra Chávez. Os motivos que levaram às medidas punitivas são omitidos ou manipulados. O vale-tudo não tem compromisso com a verdade.
Os seis canais suspensos violaram seguidamente vários dispositivos legais (obrigatoriedade de transmitir redes oficiais, programas educacionais, símbolos nacionais, classificação etária e assim por diante). Três entre esses reconheceram as irregularidades e se comprometeram a retificá-las: voltaram imediatamente ao ar. Os demais têm a mesma possibilidade. Nenhum canal foi fechado ou desapropriado.
Até mesmo alguns setores progressistas, porém, ficaram abalados com esses fatos. Muitas pessoas de bem, afinal, reagem como se o tema da liberdade de imprensa fosse sagrado. Desses sobre os quais só pode haver uma opinião possível: as demais seriam autoritárias ou, quando muito, ultrapassadas.
O dogma criado pela plutocracia midiática associa uma robusta bandeira democrática com a apropriação privada dos meios para realizá-la. Liberdade de imprensa, para esses senhores e senhoras, é o direito ilimitado dos proprietários de veículos de comunicação em usufruir a bel-prazer de seus ativos de informação e entretenimento. Qualquer contestação ou regulação dessa franquia quase divina constituiria uma ameaça à democracia.
Mas o que há de democrático na transformação de um bem público (o direito de informar e ser informado) em monopólio de corporações privadas, famílias ou indivíduos? Qual é a liberdade possível quando os instrumentos de comunicação e cultura têm seu controle originado no poder econômico?
A revolução técnico-científica das últimas décadas fez da informação e seus meios um poder fático. Sua expansão foi patrocinada por governos e grupos empresariais, cuja associação direta ou indireta com os donos dos veículos alavancou esse baronato a um papel político, cultural e econômico de ampla envergadura.
Basta um olhar ligeiro sobre a América do Sul para termos noção desse processo. Quase todas as empresas relevantes de comunicação foram criadas ou fortalecidas pelas ditaduras e seus sócios capitalistas. Os casos Clarín e Globo, mais conhecidos, estão longe de ser exceção. Na Venezuela a história não foi diferente.
A democratização do subcontinente, no entanto, jamais chegou aos meios de comunicação. Está certo que acabou a censura, mas os barões da mídia só viram sua influência e autonomia crescerem. A liberdade formal de qualquer grupo social ou indivíduo em criar seu próprio veículo foi implantada, de fato, mas a possibilidade econômica de exercer essa prerrogativa continuou nas mesmas e poucas mãos.
Os interesses nessa autonomia, no mais, vão além dos proprietários dos meios, abençoados pelas condições institucionais de difundir livremente os valores, idéias e informações que melhor lhes apetecer para a lucratividade de seu negócio.
Seu estatuto especial, o de único poder público de caráter privado, permitiu a plena realização do diagnóstico anunciado pelo pensador italiano Antonio Gramsci, há mais de setenta anos, quando afirmou que os jornais haviam se transformado nos “modernos partidos políticos da burguesia”.
Os meios monopolistas de comunicação podem se exibir como neutros, objetivos ou isentos, com verniz de interesse universal que nenhuma agremiação conservadora teria como apresentar aos eleitores. Chegam à desfaçatez de alcunhar o que editam ou difundem de “opinião pública”, como se a sociedade tivesse delegado a esse setor social uma procuração para falar em seu nome.
Mas não se trata apenas de aparência. Através dos meios um exército profissional de colunistas, jornalistas e produtores de entretenimento, entre outros, pode ser integralmente mobilizado para construir os valores e as informações que correspondem aos interesses de seus patrões e associados. Esses veículos cumprem a tarefa de articular o discurso e a base social das elites ao redor das quais gravitam.
Sua atividade, ao contrário das demais funções públicas, incluindo os partidos políticos, não está subordinada a qualquer mecanismo eleitoral, controle social ou fiscalização institucional, ainda que os meios audiovisuais – a ponta de lança do sistema comunicacional – operem quase sempre a partir de uma concessão do Estado.
O que esse baronato chama de “liberdade de imprensa” é de um cinismo exemplar. Trata-se apenas da sua liberdade de imprimir, difundir e entreter, às custas da negação prática desse direito a imensos grupos sociais, que não possuem os instrumentos institucionais e as possibilidades financeiras de levar a público sua própria voz.
A eleição de governos progressistas na América Latina criou a chance dessa situação antidemocrática ser superada ou, ao menos, amenizada. A presidente Cristina Kirchner, na Argentina, conseguiu a aprovação de uma nova lei para os meios audiovisuais. O boliviano Evo Morales segue pelo mesmo caminho. O líder venezuelano, atropelado em 2002 por um golpe de estado urdido e animado pelos grandes meios de comunicação, foi quem primeiro ousou agarrar o touro pelos chifres.
Nenhum desses governantes propôs que fosse estabelecida alguma espécie de censura ou impedimento para a circulação de idéias. Ao contrário: suas iniciativas buscam restringir o peso dos monopólios, abrindo espaços para novos atores e regulamentando uma atividade tão estratégica para a sociedade.
Trata-se, aliás, de uma abordagem comum à maioria dos países democráticos, nos quais existem leis que limitam esses monopólios, asseguram produção nacional e programação educacional, estabelecem cláusula de consciência para os jornalistas, abrem espaço para os movimentos sociais e sindicais.
Mas a reação do baronato venezuelano, no caso específico, não se fez por esperar. Vários dos proprietários desses meios simplesmente se recusam a obedecer legislação proposta por um governo eleito pelo povo e aprovada por um parlamento legítimo. As punições que receberam foram a conta justa, e bastante moderada, para quem insiste em andar fora da lei, costume inconcebível em uma democracia.
Os monopólios estão sendo regulamentados, como é adequado a qualquer serviço público, sob o risco de perderem a concessão que receberam caso persistam em atitudes antidemocráticas. Poderiam ter sido cassados há oito anos, quando foram protagonistas da intentona golpista, mas lhes foi conferida a oportunidade de revisarem suas opções.
Os venezuelanos têm hoje um cardápio de jornais, revistas e meios audiovisuais mais amplo e plural que em qualquer momento de sua história. Muitas organizações sociais e comunidades tiveram apoio governamental para romper a ditadura do poder econômico e criar as condições materiais para o surgimento de novos veículos.
Além de manter abertas as portas da imprensa oposicionista, apesar de suas recorrentes violações constitucionais, o governo Chávez deu vida a uma importante rede de rádios comunitárias, facilitou a criação de novos canais de televisão, direcionou a publicidade estatal para jornais e revistas independentes. Não é pouca coisa.
O presidente venezuelano, de fato, não se revela amigo da mesma liberdade de imprensa apregoada pela plutocracia midiática. Presta serviço às idéias democráticas, no entanto, ao identificar no monopólio privado e desregulamentado da comunicação o maior obstáculo para o direito de informar e ser informado.
As punições recentemente adotadas contra a RCTVI (Rede Caracas de Televisão Internacional) e outros cinco canais a cabo suscitaram forte onda acusatória contra o presidente venezuelano. Um aluvião de artigos e editoriais foi lançado a público para acoimá-lo como inimigo da liberdade de imprensa.
A mídia conservadora, como é de seu feitio, embaralha as informações para melhor articular sua escalada contra Chávez. Os motivos que levaram às medidas punitivas são omitidos ou manipulados. O vale-tudo não tem compromisso com a verdade.
Os seis canais suspensos violaram seguidamente vários dispositivos legais (obrigatoriedade de transmitir redes oficiais, programas educacionais, símbolos nacionais, classificação etária e assim por diante). Três entre esses reconheceram as irregularidades e se comprometeram a retificá-las: voltaram imediatamente ao ar. Os demais têm a mesma possibilidade. Nenhum canal foi fechado ou desapropriado.
Até mesmo alguns setores progressistas, porém, ficaram abalados com esses fatos. Muitas pessoas de bem, afinal, reagem como se o tema da liberdade de imprensa fosse sagrado. Desses sobre os quais só pode haver uma opinião possível: as demais seriam autoritárias ou, quando muito, ultrapassadas.
O dogma criado pela plutocracia midiática associa uma robusta bandeira democrática com a apropriação privada dos meios para realizá-la. Liberdade de imprensa, para esses senhores e senhoras, é o direito ilimitado dos proprietários de veículos de comunicação em usufruir a bel-prazer de seus ativos de informação e entretenimento. Qualquer contestação ou regulação dessa franquia quase divina constituiria uma ameaça à democracia.
Mas o que há de democrático na transformação de um bem público (o direito de informar e ser informado) em monopólio de corporações privadas, famílias ou indivíduos? Qual é a liberdade possível quando os instrumentos de comunicação e cultura têm seu controle originado no poder econômico?
A revolução técnico-científica das últimas décadas fez da informação e seus meios um poder fático. Sua expansão foi patrocinada por governos e grupos empresariais, cuja associação direta ou indireta com os donos dos veículos alavancou esse baronato a um papel político, cultural e econômico de ampla envergadura.
Basta um olhar ligeiro sobre a América do Sul para termos noção desse processo. Quase todas as empresas relevantes de comunicação foram criadas ou fortalecidas pelas ditaduras e seus sócios capitalistas. Os casos Clarín e Globo, mais conhecidos, estão longe de ser exceção. Na Venezuela a história não foi diferente.
A democratização do subcontinente, no entanto, jamais chegou aos meios de comunicação. Está certo que acabou a censura, mas os barões da mídia só viram sua influência e autonomia crescerem. A liberdade formal de qualquer grupo social ou indivíduo em criar seu próprio veículo foi implantada, de fato, mas a possibilidade econômica de exercer essa prerrogativa continuou nas mesmas e poucas mãos.
Os interesses nessa autonomia, no mais, vão além dos proprietários dos meios, abençoados pelas condições institucionais de difundir livremente os valores, idéias e informações que melhor lhes apetecer para a lucratividade de seu negócio.
Seu estatuto especial, o de único poder público de caráter privado, permitiu a plena realização do diagnóstico anunciado pelo pensador italiano Antonio Gramsci, há mais de setenta anos, quando afirmou que os jornais haviam se transformado nos “modernos partidos políticos da burguesia”.
Os meios monopolistas de comunicação podem se exibir como neutros, objetivos ou isentos, com verniz de interesse universal que nenhuma agremiação conservadora teria como apresentar aos eleitores. Chegam à desfaçatez de alcunhar o que editam ou difundem de “opinião pública”, como se a sociedade tivesse delegado a esse setor social uma procuração para falar em seu nome.
Mas não se trata apenas de aparência. Através dos meios um exército profissional de colunistas, jornalistas e produtores de entretenimento, entre outros, pode ser integralmente mobilizado para construir os valores e as informações que correspondem aos interesses de seus patrões e associados. Esses veículos cumprem a tarefa de articular o discurso e a base social das elites ao redor das quais gravitam.
Sua atividade, ao contrário das demais funções públicas, incluindo os partidos políticos, não está subordinada a qualquer mecanismo eleitoral, controle social ou fiscalização institucional, ainda que os meios audiovisuais – a ponta de lança do sistema comunicacional – operem quase sempre a partir de uma concessão do Estado.
O que esse baronato chama de “liberdade de imprensa” é de um cinismo exemplar. Trata-se apenas da sua liberdade de imprimir, difundir e entreter, às custas da negação prática desse direito a imensos grupos sociais, que não possuem os instrumentos institucionais e as possibilidades financeiras de levar a público sua própria voz.
A eleição de governos progressistas na América Latina criou a chance dessa situação antidemocrática ser superada ou, ao menos, amenizada. A presidente Cristina Kirchner, na Argentina, conseguiu a aprovação de uma nova lei para os meios audiovisuais. O boliviano Evo Morales segue pelo mesmo caminho. O líder venezuelano, atropelado em 2002 por um golpe de estado urdido e animado pelos grandes meios de comunicação, foi quem primeiro ousou agarrar o touro pelos chifres.
Nenhum desses governantes propôs que fosse estabelecida alguma espécie de censura ou impedimento para a circulação de idéias. Ao contrário: suas iniciativas buscam restringir o peso dos monopólios, abrindo espaços para novos atores e regulamentando uma atividade tão estratégica para a sociedade.
Trata-se, aliás, de uma abordagem comum à maioria dos países democráticos, nos quais existem leis que limitam esses monopólios, asseguram produção nacional e programação educacional, estabelecem cláusula de consciência para os jornalistas, abrem espaço para os movimentos sociais e sindicais.
Mas a reação do baronato venezuelano, no caso específico, não se fez por esperar. Vários dos proprietários desses meios simplesmente se recusam a obedecer legislação proposta por um governo eleito pelo povo e aprovada por um parlamento legítimo. As punições que receberam foram a conta justa, e bastante moderada, para quem insiste em andar fora da lei, costume inconcebível em uma democracia.
Os monopólios estão sendo regulamentados, como é adequado a qualquer serviço público, sob o risco de perderem a concessão que receberam caso persistam em atitudes antidemocráticas. Poderiam ter sido cassados há oito anos, quando foram protagonistas da intentona golpista, mas lhes foi conferida a oportunidade de revisarem suas opções.
Os venezuelanos têm hoje um cardápio de jornais, revistas e meios audiovisuais mais amplo e plural que em qualquer momento de sua história. Muitas organizações sociais e comunidades tiveram apoio governamental para romper a ditadura do poder econômico e criar as condições materiais para o surgimento de novos veículos.
Além de manter abertas as portas da imprensa oposicionista, apesar de suas recorrentes violações constitucionais, o governo Chávez deu vida a uma importante rede de rádios comunitárias, facilitou a criação de novos canais de televisão, direcionou a publicidade estatal para jornais e revistas independentes. Não é pouca coisa.
O presidente venezuelano, de fato, não se revela amigo da mesma liberdade de imprensa apregoada pela plutocracia midiática. Presta serviço às idéias democráticas, no entanto, ao identificar no monopólio privado e desregulamentado da comunicação o maior obstáculo para o direito de informar e ser informado.
Mídia sepulta 25 mil mortos da Colômbia
A mídia brasileira adora escancarar as dificuldades, reais e fabricadas, que atingem a Venezuela, Bolívia, Equador e outros países latino-americanos dirigidos por governantes progressistas. Com muito estardalhaço, as redes “privadas” de televisão e os jornalões tradicionais apresentam estas nações como caóticas e miseráveis, comandadas por “populistas autoritários” – o pior dos mundos. Já no caso da Colômbia, cujo presidente narcoterrorista Álvaro Uribe é um capacho dos EUA, até parece que não existem problemas. A tragédia do seu povo quase não aparece nas TVs.
Vários relatórios apontam o país como o pior no ranking mundial dos direitos humanos. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Colômbia é recordista em mortes de lideranças sindicais – 42 mortos somente em 2008. Há também denúncias de assassinatos e perseguições de jornalistas. Até a Promotoria Geral da Colômbia reconheceu recentemente a existência de mais de 25 mil “desaparecidos” – na maioria, líderes sindicais e camponeses. Muitos foram enterrados em valas comuns pelo Exército e pelos paramilitares do grupo de extrema-direita Autodefesas.
“Enterrados sem identificação” em valas comuns
Em recente reportagem reproduzida no sítio da revista Caros Amigos, o jurista Jairo Ramirez, secretário do Comitê Permanente pela Defesa dos Direitos Humanos na Colômbia, descreveu a barbárie vivida pela sofrida nação vizinha. Ele acompanhou uma delegação de parlamentares ingleses ao pequeno povoado de Macarena, situado a 200 quilômetros da capital Bogotá. Na região foi encontrada a maior vala comum da história recente da América Latina, com mais de dois mil mortos “enterrados sem identificação (NN)”. Uma cena que lembra os campos nazistas.
“O que nós vimos causa calafrios”, desabafou o promotor. “O comandante do Exército nos disse que eram guerrilheiros mortos em combate, mas a população nos diz que há inúmeras lideranças camponesas e comunitárias que desapareceram sem deixar rastro”. A localização dos cemitérios clandestinos contou com a “delação” de alguns paramilitares, presumidamente desmobilizados e acolhidos pela controvertida Lei de Justiça e Paz, que garante uma pena simbólica em troca da confissão de seus crimes - um presente de Álvaro Uribe para os mercenários que o apóiam!
“Esquartejar pessoas vivas”
Um dos assassinos, John Rentería, confessou ao promotor e aos familiares das vítimas que ele e seus mercenários enterraram “ao menos 800 pessoas” na propriedade Villa Sandra, na região de Putumayo. “Tinham de esquartejar as pessoas. Todos nas Autodefesas tinham que aprender isso e muitas vezes se fez isso com as pessoas vivas”, confessou. Vários ministros do governo Uribe, inclusive o irmão do presidente, já foram denunciados como participantes do grupo Autodefesas. A bancada governista é composta por vários parlamentares vinculados a este bando terrorista.
O horror de Macarena tem gerado desconforto ao governo Uribe. Até o final do ano passado, os legistas já haviam contabilizado 2.500 cadáveres, dos quais conseguiram identificar apenas 600, que tiverem seus corpos entregues aos familiares. Diante das graves denúncias, a Promotoria decidiu investigar as valas comuns “a partir de março”, pouco antes das eleições presidenciais da Colômbia. Uma delegação espanhola também chegou ao local, no final de janeiro, com o intento de averiguar as chacinas e de produzir um informe especial para o Parlamento Europeu.
Imprensa colonizada e venal
Toda esta tragédia do povo colombiano é simplesmente “sepultada” pela mídia brasileira. Ela prefere não atacar os governantes servis ao imperialismo estadunidense. Colonizada e venal, ela critica apenas as nações que lutam pela soberania e pela integração regional. Nem as denúncias do sociólogo Alfredo Molano, um dos escritores mais influentes da Colômbia hoje exilado na Europa, repercutem nesta mídia “privada”. Na mesma edição da revista Caros Amigos, Molano mostrou o horror vivido na nação vizinha. Mas a mídia prefere o silencio do cemitério. Reproduzo abaixo a breve entrevista:
Qual é a situação das valas comuns na Colômbia?
A própria Promotoria Geral de Nação fala em 25 mil “desaparecidos”, que em algum lugar tem de estar. Há cemitérios clandestinos enormes na Colômbia. Também é possível que tenham feito desaparecer muitos restos mortais como nos crematórios do nazismo.
Estas valas estão relacionadas com os chamados “falsos positivos”?
Sim, tudo isto pode estar relacionado com os “falsos positivos” (colombianos civis assassinados que eram apresentados como “mortos em combate”). O exército os enterrava clandestinamente. Boa parte deles vai ser encontrada nestas valas comuns.
Qual pode ser a magnitude das valas encontradas?
Terrível. Nem nos anos 50 houve na Colômbia tanta brutalidade como a que se evidencia com estas ações dos paramilitares, mas o governo não tem vontade de investigar a fundo e só deixará que apareçam algumas valas. Além disso, os prazos são elásticos e as dificuldades técnicas para as identificações, como provas químicas e DNA são enormes.
Vários relatórios apontam o país como o pior no ranking mundial dos direitos humanos. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Colômbia é recordista em mortes de lideranças sindicais – 42 mortos somente em 2008. Há também denúncias de assassinatos e perseguições de jornalistas. Até a Promotoria Geral da Colômbia reconheceu recentemente a existência de mais de 25 mil “desaparecidos” – na maioria, líderes sindicais e camponeses. Muitos foram enterrados em valas comuns pelo Exército e pelos paramilitares do grupo de extrema-direita Autodefesas.
“Enterrados sem identificação” em valas comuns
Em recente reportagem reproduzida no sítio da revista Caros Amigos, o jurista Jairo Ramirez, secretário do Comitê Permanente pela Defesa dos Direitos Humanos na Colômbia, descreveu a barbárie vivida pela sofrida nação vizinha. Ele acompanhou uma delegação de parlamentares ingleses ao pequeno povoado de Macarena, situado a 200 quilômetros da capital Bogotá. Na região foi encontrada a maior vala comum da história recente da América Latina, com mais de dois mil mortos “enterrados sem identificação (NN)”. Uma cena que lembra os campos nazistas.
“O que nós vimos causa calafrios”, desabafou o promotor. “O comandante do Exército nos disse que eram guerrilheiros mortos em combate, mas a população nos diz que há inúmeras lideranças camponesas e comunitárias que desapareceram sem deixar rastro”. A localização dos cemitérios clandestinos contou com a “delação” de alguns paramilitares, presumidamente desmobilizados e acolhidos pela controvertida Lei de Justiça e Paz, que garante uma pena simbólica em troca da confissão de seus crimes - um presente de Álvaro Uribe para os mercenários que o apóiam!
“Esquartejar pessoas vivas”
Um dos assassinos, John Rentería, confessou ao promotor e aos familiares das vítimas que ele e seus mercenários enterraram “ao menos 800 pessoas” na propriedade Villa Sandra, na região de Putumayo. “Tinham de esquartejar as pessoas. Todos nas Autodefesas tinham que aprender isso e muitas vezes se fez isso com as pessoas vivas”, confessou. Vários ministros do governo Uribe, inclusive o irmão do presidente, já foram denunciados como participantes do grupo Autodefesas. A bancada governista é composta por vários parlamentares vinculados a este bando terrorista.
O horror de Macarena tem gerado desconforto ao governo Uribe. Até o final do ano passado, os legistas já haviam contabilizado 2.500 cadáveres, dos quais conseguiram identificar apenas 600, que tiverem seus corpos entregues aos familiares. Diante das graves denúncias, a Promotoria decidiu investigar as valas comuns “a partir de março”, pouco antes das eleições presidenciais da Colômbia. Uma delegação espanhola também chegou ao local, no final de janeiro, com o intento de averiguar as chacinas e de produzir um informe especial para o Parlamento Europeu.
Imprensa colonizada e venal
Toda esta tragédia do povo colombiano é simplesmente “sepultada” pela mídia brasileira. Ela prefere não atacar os governantes servis ao imperialismo estadunidense. Colonizada e venal, ela critica apenas as nações que lutam pela soberania e pela integração regional. Nem as denúncias do sociólogo Alfredo Molano, um dos escritores mais influentes da Colômbia hoje exilado na Europa, repercutem nesta mídia “privada”. Na mesma edição da revista Caros Amigos, Molano mostrou o horror vivido na nação vizinha. Mas a mídia prefere o silencio do cemitério. Reproduzo abaixo a breve entrevista:
Qual é a situação das valas comuns na Colômbia?
A própria Promotoria Geral de Nação fala em 25 mil “desaparecidos”, que em algum lugar tem de estar. Há cemitérios clandestinos enormes na Colômbia. Também é possível que tenham feito desaparecer muitos restos mortais como nos crematórios do nazismo.
Estas valas estão relacionadas com os chamados “falsos positivos”?
Sim, tudo isto pode estar relacionado com os “falsos positivos” (colombianos civis assassinados que eram apresentados como “mortos em combate”). O exército os enterrava clandestinamente. Boa parte deles vai ser encontrada nestas valas comuns.
Qual pode ser a magnitude das valas encontradas?
Terrível. Nem nos anos 50 houve na Colômbia tanta brutalidade como a que se evidencia com estas ações dos paramilitares, mas o governo não tem vontade de investigar a fundo e só deixará que apareçam algumas valas. Além disso, os prazos são elásticos e as dificuldades técnicas para as identificações, como provas químicas e DNA são enormes.
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010
José Serra “privatizou” as enchentes
A bancada estadual do PT ingressou nesta semana com uma representação na Procuradoria Geral da Justiça de São Paulo para que sejam apuradas “as suspeitas de ilegalidade, inconstitucionalidade e improbidade na gestão de José Serra, que reduziu os recursos para a prevenção e o combate às enchentes”. O partido acusa o governador tucano de “má gestão e omissão criminosa” e denúncia que os recursos para a prevenção das enchentes estão sendo remanejados, e “têm sido destinados à publicidade do seu governo, visando às eleições presidenciais de 2010”.
Em 2009, Serra deixou de investir R$ 114 milhões nas obras de desassoreamento da bacia do rio Tietê. Já o Orçamento de 2010 prevê corte de outros R$ 51,5 milhões para as ações de prevenção de enchentes. No outro extremo, o obstinado candidato tucano garfou R$ 561 milhões dos cofres públicos para a rubrica comunicação em 2010. Em 2006, o gasto foi de R$ 37 milhões. Ou seja: no ano da sucessão presidencial, o tucano multiplica por quinze vezes os gastos em publicidade. Já as vítimas das enchentes, inclusive os quase 70 mortos até agora, ficam sem recursos públicos.
O “modelo de gestão” tucano
Caso a Procuradoria Geral da Justiça decida, de fato, apurar a denúncia de “omissão criminosa” do governador paulista, ela prestará uma inestimável ajuda à sociedade. Ajudará a desmistificar o badalado “modelo de gestão” de José Serra, vendido no país como um exemplo de sucesso pela mídia demo-tucana. Os estragos provocados pelas enchentes em São Paulo são uma prova cabal de que este “modelo” causou o sucateamento do estado e incentivou a privatização de serviços públicos essenciais para a população, em especial a mais carente das abandonadas periferias.
Com este intento, os procuradores poderiam consultar o excelente blog Vi o mundo, editado pelo jornalista Luiz Carlos Azenha, que tem reproduzido várias matérias sobre as verdadeiras causas das enchentes. Numa delas, a repórter Conceição Lemes entrevistou José Arraes, integrante do Comitê da Bacia do Alto Tietê, do Subcomitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê e do conselho gestor da APA (Área de Proteção Ambiental) da várzea do Tietê. Seu depoimento é bombástico e até poderia resultar numa ordem de prisão contra o tucano José Serra.
Gerenciamento de barragens privatizado
O especialista revela que o gerenciamento das barragens do Alto Tietê, que tem forte impacto no nível dos rios e nos estragos causados pelas enchentes em vários bairros da capital e em inúmeras cidades do interior paulista, atualmente é feito por um consórcio de empresas privadas. A Sabesp e o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) foram afastados desta função estratégica. Documentos comprovam que a Sabesp deverá pagar até R$ 1 bilhão nos próximos 15 anos para este consórcio privado. O contrato faz parte da balada parceria público-privada, vendida por José Serra com seu bem sucedido “modelo de gestão”.
As vítimas das enchentes não sabem desta negociata, já que transparência e democracia não são práticas comuns do truculento governador paulista e a mídia demo-tucana evita tratar do assunto para blindar seu protegido, em especial num ano de eleição presidencial. Reproduzo a entrevista:
Viomundo: Por que a Sabesp e o Daee mantiveram as barragens lotadas?
José Arraes: Eu desconfio de um destes esquemas. Primeiro: para não faltar água para a Região Metropolitana de São Paulo. Assim, pode ter havido determinação governamental para estarem na cota máxima. Segundo: a Sabesp e o Daee já estarem aumentando o volume das represas, visando aumentar a produção da Estação de Tratamento de Água Taiaçupeba de 10 metros cúbicos por segundo para 15 metros cúbicos por segundo (10m³/s para 15m³/s). Terceira: a privatização do Sistema Produtor de Água do Alto Tietê (SPAT). Hoje é um consórcio de empresas privadas que regula, administra, mantém e fornece as águas que estão represadas nessas barragens.
Viomundo: Por favor, explique melhor isso.
José Arraes: Existe um consórcio de empresas – entre elas, uma empreiteira conhecida na nossa região, a Queiroz Galvão –, que hoje gerencia as águas reservadas nas represas em uma parceria público-privada. Toda a água represada em todas as barragens do Sistema do Alto Tietê é gerenciada por esse consórcio. Quanto mais cheias as represas, mais interessantes para o consórcio. Interesse comercial, nada mais do que isso.
Viomundo: Quer dizer que as águas das barragens do Alto Tietê estão privatizadas?
José Arraes: Sim. As empresas do consórcio fazem a conservação das barragens e a intermediação com a necessidade da Sabesp que a trata e remete para a população. Logo, para o consórcio de empresas, quanto mais cheias estiverem as barragens, mais água fornece para a Sabesp. Mais ganhos financeiros, portanto.
Viomundo: Qual das três hipóteses é a mais provável?
José Arraes: Talvez a combinação das três. Cabe ao Ministério Público investigar. O fato é que as barragens do Alto Tietê estão excessivamente cheias e as comportas estão sendo abertas, contribuindo com as inundações em toda a calha do rio até a região do Pantanal.
Em 2009, Serra deixou de investir R$ 114 milhões nas obras de desassoreamento da bacia do rio Tietê. Já o Orçamento de 2010 prevê corte de outros R$ 51,5 milhões para as ações de prevenção de enchentes. No outro extremo, o obstinado candidato tucano garfou R$ 561 milhões dos cofres públicos para a rubrica comunicação em 2010. Em 2006, o gasto foi de R$ 37 milhões. Ou seja: no ano da sucessão presidencial, o tucano multiplica por quinze vezes os gastos em publicidade. Já as vítimas das enchentes, inclusive os quase 70 mortos até agora, ficam sem recursos públicos.
O “modelo de gestão” tucano
Caso a Procuradoria Geral da Justiça decida, de fato, apurar a denúncia de “omissão criminosa” do governador paulista, ela prestará uma inestimável ajuda à sociedade. Ajudará a desmistificar o badalado “modelo de gestão” de José Serra, vendido no país como um exemplo de sucesso pela mídia demo-tucana. Os estragos provocados pelas enchentes em São Paulo são uma prova cabal de que este “modelo” causou o sucateamento do estado e incentivou a privatização de serviços públicos essenciais para a população, em especial a mais carente das abandonadas periferias.
Com este intento, os procuradores poderiam consultar o excelente blog Vi o mundo, editado pelo jornalista Luiz Carlos Azenha, que tem reproduzido várias matérias sobre as verdadeiras causas das enchentes. Numa delas, a repórter Conceição Lemes entrevistou José Arraes, integrante do Comitê da Bacia do Alto Tietê, do Subcomitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê e do conselho gestor da APA (Área de Proteção Ambiental) da várzea do Tietê. Seu depoimento é bombástico e até poderia resultar numa ordem de prisão contra o tucano José Serra.
Gerenciamento de barragens privatizado
O especialista revela que o gerenciamento das barragens do Alto Tietê, que tem forte impacto no nível dos rios e nos estragos causados pelas enchentes em vários bairros da capital e em inúmeras cidades do interior paulista, atualmente é feito por um consórcio de empresas privadas. A Sabesp e o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) foram afastados desta função estratégica. Documentos comprovam que a Sabesp deverá pagar até R$ 1 bilhão nos próximos 15 anos para este consórcio privado. O contrato faz parte da balada parceria público-privada, vendida por José Serra com seu bem sucedido “modelo de gestão”.
As vítimas das enchentes não sabem desta negociata, já que transparência e democracia não são práticas comuns do truculento governador paulista e a mídia demo-tucana evita tratar do assunto para blindar seu protegido, em especial num ano de eleição presidencial. Reproduzo a entrevista:
Viomundo: Por que a Sabesp e o Daee mantiveram as barragens lotadas?
José Arraes: Eu desconfio de um destes esquemas. Primeiro: para não faltar água para a Região Metropolitana de São Paulo. Assim, pode ter havido determinação governamental para estarem na cota máxima. Segundo: a Sabesp e o Daee já estarem aumentando o volume das represas, visando aumentar a produção da Estação de Tratamento de Água Taiaçupeba de 10 metros cúbicos por segundo para 15 metros cúbicos por segundo (10m³/s para 15m³/s). Terceira: a privatização do Sistema Produtor de Água do Alto Tietê (SPAT). Hoje é um consórcio de empresas privadas que regula, administra, mantém e fornece as águas que estão represadas nessas barragens.
Viomundo: Por favor, explique melhor isso.
José Arraes: Existe um consórcio de empresas – entre elas, uma empreiteira conhecida na nossa região, a Queiroz Galvão –, que hoje gerencia as águas reservadas nas represas em uma parceria público-privada. Toda a água represada em todas as barragens do Sistema do Alto Tietê é gerenciada por esse consórcio. Quanto mais cheias as represas, mais interessantes para o consórcio. Interesse comercial, nada mais do que isso.
Viomundo: Quer dizer que as águas das barragens do Alto Tietê estão privatizadas?
José Arraes: Sim. As empresas do consórcio fazem a conservação das barragens e a intermediação com a necessidade da Sabesp que a trata e remete para a população. Logo, para o consórcio de empresas, quanto mais cheias estiverem as barragens, mais água fornece para a Sabesp. Mais ganhos financeiros, portanto.
Viomundo: Qual das três hipóteses é a mais provável?
José Arraes: Talvez a combinação das três. Cabe ao Ministério Público investigar. O fato é que as barragens do Alto Tietê estão excessivamente cheias e as comportas estão sendo abertas, contribuindo com as inundações em toda a calha do rio até a região do Pantanal.
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
Enchentes: “omissão criminosa” de Serra
As enchentes que castigam São Paulo desde dezembro passado não são culpa exclusiva da mãe-natureza, como insiste em alardear a mídia demo-tucana. Bem diferente da postura adotada na gestão de Marta Suplicy, quando os âncoras e comentaristas da televisão crucificaram a prefeita petista, agora a mídia tenta limpar a barra dos responsáveis – culpa Deus e o povo. A TV Globo, sob o comando do “senhor das trevas” Ali Kamel, amiguinho de José Serra, é a mais tendenciosa na cobertura. O governador nem sequer é citado, parece que submergiu nas águas lamacentas.
E isto quando os estragos causados não têm qualquer comparação na história recente do estado. Até o final de janeiro, cerca de 70 pessoas já haviam morrido em decorrência dos desabamentos e afogamentos; 132 cidades paulistas tinham sido atingidas por inundações e desmoronamentos; bairros da capital e 26 municípios do interior estavam alagados, com a população vegetando em lonas e barracos, sem comida e água para beber. Diante do caos, o prefeito demo Kassab culpou os pobres; o governador tucano Serra sumiu; e a mídia demo-tucana faz de tudo para blindá-los.
Recursos desviados para a publicidade
Mas o povo não é bobo e a verdade vai aparecendo aos poucos – o que talvez explique a queda do presidenciável tucano nas últimas pesquisas de opinião pública. Várias entidades populares e técnicos sérios passaram a denunciar os verdadeiros culpados pelo drama vivido pelos paulistas. O Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente (Sintaema) comprovou que a empresa responsável pelo setor, Sabesp, foi sucateada durante o longo reinado tucano no estado, com a demissão de milhares de funcionários e os cortes nos investimentos em infra-estrutura.
Com base em várias denúncias, a bancada do PT na Assembléia Legislativa entrou nesta semana com representação na Procuradoria Geral da Justiça para que sejam apuradas “as suspeitas de ilegalidade, inconstitucionalidade e improbidade na gestão de José Serra, que reduziu os recursos para a prevenção e combate às enchentes”. O partido responsabiliza o governador por “má gestão e omissão criminosa” e denúncia que os recursos para a prevenção das enchentes estão sendo remanejados e “têm sido destinados à publicidade do seu governo, visando à eleição de 2010”.
Cortes nos gastos em infra-estrutura
As provas exibidas pela bancada petista são irrefutáveis. De acordo com dados do Orçamento do Estado, em 2010 houve redução de 20% nas operações de combate a enchentes. Em 2009, foram previstos R$ 252 milhões; já em 2010, estão estimados R$ 200 milhões – uma queda de R$ 51,5 milhões. “Os números revelam que será cortado quase o dobro do valor dos atuais contratos para desassoreamento da calha do Rio Tietê, que somam R$ 27,2 milhões – se com os valores atuais o resultado é o visto, imagine-se com um corte que é o dobro dos valores atuais”, alerta a bancada.
O orçamento estadual também prevê menos investimentos em serviços e obras complementares da Bacia do Alto Tietê. O corte proposto para 2010 é de 61%. Já no Departamento de Água e Energia Elétrica, órgão do governo responsável pelas obras da calha do Tietê, foi previsto um corte de R$ 20,3 milhões. “Essa redução se dá especialmente nas despesas correntes, onde estão as ações de desassoreamento da calha, que atingiram o valor de R$ 30,8 milhões e o impacto de R$ 42 milhões a menos nos investimentos”, descreve o texto da representação.
“Má gestão e imoralidade pública”
A Procuradoria recebeu tabelas comparativas entre os gastos no combate às enchentes e os gastos em publicidade. Extraídas do Sistema de Gerenciamento de Execução Orçamentária (Sigeo), elas revelam que, entre 2006 e 2009, José Serra deixou de contratar o desassoreamento e de destinar recursos adequados ao combate às inundações. “Havia uma previsibilidade e, então, temos uma omissão culposa, além da má gestão e da improbidade face à imoralidade do desvio de finalidade que a alocação dos recursos representa”, critica o deputado Ruy Falcão, líder da bancada.
Os estragos causados pelas enchentes em São Paulo, além de confirmarem o total menosprezo do governador José Serra com os dramas da população, corroboram a tese de que existe uma relação promíscua entre o grão-tucano e a mídia golpista. Como insiste o jornalista Luiz Carlos Azenha, no vigilante blog Vi o mundo, a imprensa evita desnudar as verdadeiras causas desta tragédia paulista. Ela inocenta o presidenciável tucano e prefere culpar Deus e os pobres, fazendo vários malabarismos jornalísticos e estatísticos para justificar o injustificável.
Mídia não toca na promessa tucana
O atento blogueiro observa que “nos últimos dias, a Folha e outros órgãos da mídia tem dançado em torno de um recorde irrelevante: se as chuvas desde janeiro em São Paulo serão ou não as maiores dos registros históricos. Minha pergunta é: e daí? Para quem é vitima das enchentes ou para quem dirige pelas marginais do Tietê e de Pinheiros isso é absolutamente irrelevante”. Para ele, o bom jornalismo recomendaria averiguar porque a principal promessa eleitoral dos tucanos, a do fim das enchentes na calha do rio Tietê, afundou de vez no cotidiano lamaçal paulista.
“É impossível dançar em torno dessa realidade: o gerenciamento das represas do Alto Tietê e a capacidade de vazão do rio são essenciais não apenas para a temporada de chuvas de 2010, mas de 2011, 2012, 2013..., independentemente de quem seja o governador. Sabemos que Geraldo Alckmin concluiu uma obra bilionária cuja promessa central era acabar com as enchentes em São Paulo... No entanto, quatro anos depois da conclusão desta obra o rio Tietê já transbordou quatro vezes: uma durante o próprio governo de Alckmin e três recentemente, no governo Serra. Foram milhões em prejuízos para a cidade, tanto em danos diretos como em danos indiretos”.
E isto quando os estragos causados não têm qualquer comparação na história recente do estado. Até o final de janeiro, cerca de 70 pessoas já haviam morrido em decorrência dos desabamentos e afogamentos; 132 cidades paulistas tinham sido atingidas por inundações e desmoronamentos; bairros da capital e 26 municípios do interior estavam alagados, com a população vegetando em lonas e barracos, sem comida e água para beber. Diante do caos, o prefeito demo Kassab culpou os pobres; o governador tucano Serra sumiu; e a mídia demo-tucana faz de tudo para blindá-los.
Recursos desviados para a publicidade
Mas o povo não é bobo e a verdade vai aparecendo aos poucos – o que talvez explique a queda do presidenciável tucano nas últimas pesquisas de opinião pública. Várias entidades populares e técnicos sérios passaram a denunciar os verdadeiros culpados pelo drama vivido pelos paulistas. O Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente (Sintaema) comprovou que a empresa responsável pelo setor, Sabesp, foi sucateada durante o longo reinado tucano no estado, com a demissão de milhares de funcionários e os cortes nos investimentos em infra-estrutura.
Com base em várias denúncias, a bancada do PT na Assembléia Legislativa entrou nesta semana com representação na Procuradoria Geral da Justiça para que sejam apuradas “as suspeitas de ilegalidade, inconstitucionalidade e improbidade na gestão de José Serra, que reduziu os recursos para a prevenção e combate às enchentes”. O partido responsabiliza o governador por “má gestão e omissão criminosa” e denúncia que os recursos para a prevenção das enchentes estão sendo remanejados e “têm sido destinados à publicidade do seu governo, visando à eleição de 2010”.
Cortes nos gastos em infra-estrutura
As provas exibidas pela bancada petista são irrefutáveis. De acordo com dados do Orçamento do Estado, em 2010 houve redução de 20% nas operações de combate a enchentes. Em 2009, foram previstos R$ 252 milhões; já em 2010, estão estimados R$ 200 milhões – uma queda de R$ 51,5 milhões. “Os números revelam que será cortado quase o dobro do valor dos atuais contratos para desassoreamento da calha do Rio Tietê, que somam R$ 27,2 milhões – se com os valores atuais o resultado é o visto, imagine-se com um corte que é o dobro dos valores atuais”, alerta a bancada.
O orçamento estadual também prevê menos investimentos em serviços e obras complementares da Bacia do Alto Tietê. O corte proposto para 2010 é de 61%. Já no Departamento de Água e Energia Elétrica, órgão do governo responsável pelas obras da calha do Tietê, foi previsto um corte de R$ 20,3 milhões. “Essa redução se dá especialmente nas despesas correntes, onde estão as ações de desassoreamento da calha, que atingiram o valor de R$ 30,8 milhões e o impacto de R$ 42 milhões a menos nos investimentos”, descreve o texto da representação.
“Má gestão e imoralidade pública”
A Procuradoria recebeu tabelas comparativas entre os gastos no combate às enchentes e os gastos em publicidade. Extraídas do Sistema de Gerenciamento de Execução Orçamentária (Sigeo), elas revelam que, entre 2006 e 2009, José Serra deixou de contratar o desassoreamento e de destinar recursos adequados ao combate às inundações. “Havia uma previsibilidade e, então, temos uma omissão culposa, além da má gestão e da improbidade face à imoralidade do desvio de finalidade que a alocação dos recursos representa”, critica o deputado Ruy Falcão, líder da bancada.
Os estragos causados pelas enchentes em São Paulo, além de confirmarem o total menosprezo do governador José Serra com os dramas da população, corroboram a tese de que existe uma relação promíscua entre o grão-tucano e a mídia golpista. Como insiste o jornalista Luiz Carlos Azenha, no vigilante blog Vi o mundo, a imprensa evita desnudar as verdadeiras causas desta tragédia paulista. Ela inocenta o presidenciável tucano e prefere culpar Deus e os pobres, fazendo vários malabarismos jornalísticos e estatísticos para justificar o injustificável.
Mídia não toca na promessa tucana
O atento blogueiro observa que “nos últimos dias, a Folha e outros órgãos da mídia tem dançado em torno de um recorde irrelevante: se as chuvas desde janeiro em São Paulo serão ou não as maiores dos registros históricos. Minha pergunta é: e daí? Para quem é vitima das enchentes ou para quem dirige pelas marginais do Tietê e de Pinheiros isso é absolutamente irrelevante”. Para ele, o bom jornalismo recomendaria averiguar porque a principal promessa eleitoral dos tucanos, a do fim das enchentes na calha do rio Tietê, afundou de vez no cotidiano lamaçal paulista.
“É impossível dançar em torno dessa realidade: o gerenciamento das represas do Alto Tietê e a capacidade de vazão do rio são essenciais não apenas para a temporada de chuvas de 2010, mas de 2011, 2012, 2013..., independentemente de quem seja o governador. Sabemos que Geraldo Alckmin concluiu uma obra bilionária cuja promessa central era acabar com as enchentes em São Paulo... No entanto, quatro anos depois da conclusão desta obra o rio Tietê já transbordou quatro vezes: uma durante o próprio governo de Alckmin e três recentemente, no governo Serra. Foram milhões em prejuízos para a cidade, tanto em danos diretos como em danos indiretos”.
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
Tragédia no Haiti e a culpa dos impérios
Aos poucos, a mídia hegemônica vai abandonando o devastado Haiti. O sensacionalismo inicial, com as cenas do terremoto que matou mais de 120 mil haitianos, já não rende tanta audiência. A TV Globo quase não fala mais da tragédia. Afinal, aquele povo sempre viveu na miséria e não é muito saudável, para as elites, tratar muito do tema. No máximo, as redes “privadas” de televisão exibem a desastre e jogam toda a culpa na natureza. Nada de aprofundar as verdadeiras causas da tragédia. Na verdade, o Haiti sempre foi vítima de devastações que não têm nada de natural.
No belíssimo livro “Espelhos”, o escritor uruguaio Eduardo Galeano mostra que este país é uma vítima histórica de mortíferos “terremotos” patrocinados pelas potências colonialistas – primeiro pela França, depois pelos EUA. Brutalmente saqueado durante três séculos pelo império francês, o povo haitiano conquistou a independência e a abolição da escravidão em 1804. Devido ao seu heroísmo, ele foi alvo da vingança imperial. Napoleão Bonaparte não perdoou a perda de dezoito generais na épica guerrilha liderada pelo escravo Toussaint L’Ouverture, o “jacobino negro”.
“O leproso das Américas”
“A nova nação, parida em sangue, nasceu condenada ao bloqueio e à solidão: ninguém comprava nada, para lá ninguém vendia nada, ninguém a reconhecia. Por ter sido infiel ao amo colonial, o Haiti foi obrigado a pagar uma indenização gigantesca para a França. Essa expiação do pecado da dignidade, que ficou pagando durante cerca de um século e meio, foi o preço que a França impôs para dar seu reconhecimento diplomático ao novo país... O Haiti continuou sendo o leproso das Américas. Thomas Jefferson [presidente do EUA] havia advertido, desde o princípio, que era preciso ‘confinar a peste’ naquela ilha, porque dali vinha o mau exemplo”.
Ainda sob os escombros do “terremoto” francês, os haitianos foram vítimas da gula do Tio Sam. “Em 1915, os Estados Unidos invadiram o país. Em nome do governo, Robert Lansing, explicou que a raça negra era incapaz de governar a si própria, ‘pela tendência inerente à vida selvagem e sua incapacidade física de civilização’. Os invasores ficaram 19 anos”. Foi extinto o Banco da Nação, que se converteu numa sucursal do City Bank, e os negros haitianos foram proibidos de entrar nos restaurantes e hotéis exclusivos dos gringos. Na prática, a escravidão retornou ao país.
Ocupações, golpes e ditaduras
A violência ianque resultou em milhares de mortos. O líder guerrilheiro Charlemagne Pèralte foi pregado em cruz numa porta para atemorizar os rebeldes. A ocupação durou até 1934, quando os fuzileiros foram substituídos por uma Guarda Nacional treinada e dirigida pelos EUA. Em 1957, inicia-se a ditadura de François Duvalier, apelidado de Papa Doc, um agente da CIA que ficou famoso pelos cruéis esquadrões da morte. De 1971 a 1986, ele é substituído por seu filho, Claude Duvalier, Baby Doc, que aprofundou o saque do país pelo imperialismo ianque e a miséria deste sofrido povo.
Na fase recente, o padre progressista Jean Bertrand Aristide foi eleito presidente, em 1991, como expressão do descontentamento popular. Mas ele não durou muito e foi derrubado por um golpe orquestrado pela CIA. Ele ainda retorna à presidência, já domesticado, mas é novamente deposto em 2004. Este longo “terremoto” causado pelo imperialismo é que explica o drama do Haiti, um país que teve sua economia destruída e saqueada e que vive uma eterna guerra civil da barbárie, o que o torna mais vulnerável aos desastres naturais. Os EUA são os culpados por esta tragédia.
O terremoto e o oportunismo dos EUA
O renomado jornalista John Pilger relata que “da última vez que estive no Haiti, observei muitas meninas nas máquinas de costura estridentes da Baseball Plant. Muitas tinham os olhos inchados e os braços lacerados. O Haiti é onde a América faz o equipamento do seu bendito jogo nacional, quase de graça. O Haiti é onde os empreiteiros da Wall Disney fazem os pijamas Mickey Mouse, quase de graça. Os EUA controlam o açúcar, a bauxita e o sisal do Haiti. A cultura do arroz foi substituída pelo arroz importado, levando o povo para as cidades e habitações improvisadas”.
Diante da destruição causada pelo terremoto, ele não acredita nem um pouco na “solidariedade” dos EUA – que está sendo chefiada pelos ex-presidentes Bill Clinton e George Bush, nomeados por Barack Obama. Clinton forçou o ingresso das maquiladoras, as fábricas de trabalho precarizado (sweatshops), e hoje é lobista de um negócio turístico de US$ 55 milhões. Bush ordenou o mais recente golpe no país de olho nos seus campos de petróleo. Para Pilger, o império ianque tenta se aproveitar da nova tragédia para mais uma vez ocupar militarmente o Haiti. Neste novo cenário, a “missão de paz” da ONU, comandada pelo Exército brasileiro, torna-se ainda mais complexa.
No belíssimo livro “Espelhos”, o escritor uruguaio Eduardo Galeano mostra que este país é uma vítima histórica de mortíferos “terremotos” patrocinados pelas potências colonialistas – primeiro pela França, depois pelos EUA. Brutalmente saqueado durante três séculos pelo império francês, o povo haitiano conquistou a independência e a abolição da escravidão em 1804. Devido ao seu heroísmo, ele foi alvo da vingança imperial. Napoleão Bonaparte não perdoou a perda de dezoito generais na épica guerrilha liderada pelo escravo Toussaint L’Ouverture, o “jacobino negro”.
“O leproso das Américas”
“A nova nação, parida em sangue, nasceu condenada ao bloqueio e à solidão: ninguém comprava nada, para lá ninguém vendia nada, ninguém a reconhecia. Por ter sido infiel ao amo colonial, o Haiti foi obrigado a pagar uma indenização gigantesca para a França. Essa expiação do pecado da dignidade, que ficou pagando durante cerca de um século e meio, foi o preço que a França impôs para dar seu reconhecimento diplomático ao novo país... O Haiti continuou sendo o leproso das Américas. Thomas Jefferson [presidente do EUA] havia advertido, desde o princípio, que era preciso ‘confinar a peste’ naquela ilha, porque dali vinha o mau exemplo”.
Ainda sob os escombros do “terremoto” francês, os haitianos foram vítimas da gula do Tio Sam. “Em 1915, os Estados Unidos invadiram o país. Em nome do governo, Robert Lansing, explicou que a raça negra era incapaz de governar a si própria, ‘pela tendência inerente à vida selvagem e sua incapacidade física de civilização’. Os invasores ficaram 19 anos”. Foi extinto o Banco da Nação, que se converteu numa sucursal do City Bank, e os negros haitianos foram proibidos de entrar nos restaurantes e hotéis exclusivos dos gringos. Na prática, a escravidão retornou ao país.
Ocupações, golpes e ditaduras
A violência ianque resultou em milhares de mortos. O líder guerrilheiro Charlemagne Pèralte foi pregado em cruz numa porta para atemorizar os rebeldes. A ocupação durou até 1934, quando os fuzileiros foram substituídos por uma Guarda Nacional treinada e dirigida pelos EUA. Em 1957, inicia-se a ditadura de François Duvalier, apelidado de Papa Doc, um agente da CIA que ficou famoso pelos cruéis esquadrões da morte. De 1971 a 1986, ele é substituído por seu filho, Claude Duvalier, Baby Doc, que aprofundou o saque do país pelo imperialismo ianque e a miséria deste sofrido povo.
Na fase recente, o padre progressista Jean Bertrand Aristide foi eleito presidente, em 1991, como expressão do descontentamento popular. Mas ele não durou muito e foi derrubado por um golpe orquestrado pela CIA. Ele ainda retorna à presidência, já domesticado, mas é novamente deposto em 2004. Este longo “terremoto” causado pelo imperialismo é que explica o drama do Haiti, um país que teve sua economia destruída e saqueada e que vive uma eterna guerra civil da barbárie, o que o torna mais vulnerável aos desastres naturais. Os EUA são os culpados por esta tragédia.
O terremoto e o oportunismo dos EUA
O renomado jornalista John Pilger relata que “da última vez que estive no Haiti, observei muitas meninas nas máquinas de costura estridentes da Baseball Plant. Muitas tinham os olhos inchados e os braços lacerados. O Haiti é onde a América faz o equipamento do seu bendito jogo nacional, quase de graça. O Haiti é onde os empreiteiros da Wall Disney fazem os pijamas Mickey Mouse, quase de graça. Os EUA controlam o açúcar, a bauxita e o sisal do Haiti. A cultura do arroz foi substituída pelo arroz importado, levando o povo para as cidades e habitações improvisadas”.
Diante da destruição causada pelo terremoto, ele não acredita nem um pouco na “solidariedade” dos EUA – que está sendo chefiada pelos ex-presidentes Bill Clinton e George Bush, nomeados por Barack Obama. Clinton forçou o ingresso das maquiladoras, as fábricas de trabalho precarizado (sweatshops), e hoje é lobista de um negócio turístico de US$ 55 milhões. Bush ordenou o mais recente golpe no país de olho nos seus campos de petróleo. Para Pilger, o império ianque tenta se aproveitar da nova tragédia para mais uma vez ocupar militarmente o Haiti. Neste novo cenário, a “missão de paz” da ONU, comandada pelo Exército brasileiro, torna-se ainda mais complexa.
terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
Grileiro da Cutrale e laranjas da mídia
Preparando o clima para o início das investigações da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do MST, que será um dos principais palanques da oposição demo-tucana em 2010, a TV Globo voltou à carga com as fortes cenas da destruição dos pés de laranja da empresa Cutrale, no interior paulista, em setembro passado. Com base num outro vídeo bastante suspeito da Policia Civil de São Paulo, nove ativistas dos sem-terra foram presos na semana passada, inclusive três dirigentes petistas, acusados de participarem de “furtos, depredações e atos de vandalismo”.
O bombardeio midiático é violento. Quando da destruição dos laranjais, até Luiz Carlos Bresser Pereira, ex-ministro nos governos Sarney e FHC, estranhou a virulência dos ataques. “Não vou defender o MST pela ação, embora esteja claro para mim que ele é uma das únicas organizações a, de fato, defender os pobres no Brasil. Mas não vou também condená-lo ao fogo do inferno. Não aceito a transformação das laranjeiras em novos cordeiros imolados pela ‘fúria de militantes irracionais’”. Indignado com a cobertura da mídia, ele criticou duramente “o noticiário televisivo que omitiu que a fazenda [da Cutrale] é fruto de grilagem contestada pelo Incra”.
Respostas do MST são ofuscadas
Agora, com a prisão espalhafatosa e arbitrária das lideranças rurais, a mídia hegemônica volta à ofensiva. A crítica é implacável, apesar do próprio MST já ter reconhecido publicamente o equívoco daquela iniciativa. Numa entrevista à revista CartaCapital, no final do ano passado, João Pedro Stedile, da coordenação nacional do movimento, foi taxativo. “A destruição dos pés de laranja foi um erro. Deu margem para que o serviço de inteligência da PM, articulado com a TV Globo, desmoralizasse o MST”. Para ele, o equívoco decorreu do desespero das famílias de sem-terra acampadas na região, que vivem em condições desumanas e sem qualquer infra-estrutura.
Já com relação às imagens de depredação e furtos na fazenda, usadas para justificar a prisão das lideranças, o dirigente do MST rejeitou as acusações da polícia. “Isto é mentira. As famílias não fizeram nada daquilo. Foi uma armação entre a polícia e a Cutrale. Depois da saída das famílias, chamaram a imprensa. Desafiamos a organizarem uma comissão independente para investigar quem desmontou os tratores e entrou nas casas dos empregados”. Ele lembra que os sem-terra foram retirados à força do local em dois caminhões da Cutrale, sendo filmados e revistados.
Revista Veja arquiva reportagem
Em todo este estranho episódio, a mídia venal revela que tem lado nos conflitos de classe – que defende abertamente os interesses dos barões do agronegócio. Com as cenas exibidas à exaustão para jogar a sociedade contra o MST, as redes “privadas” de televisão e os jornalões oligárquicos demonizam os sem-terra e endeusam a poderosa Cutrale. Neste esforço, eles deixam, inclusive, de repercutir denúncias antigas contra a empresa. Em maio de 2003, por razões desconhecidas – talvez em mais uma ação mercenária –, a insuspeita revista Veja publicou elucidativa reportagem sobre a Cutrale. Agora, ela simplesmente arquivou a bombástica matéria.
Na ocasião, ela revelou que a empresa é uma das mais ricas e poderosas do mundo. “O brasileiro José Luís Cutrale e sua família detêm 30% do mercado global de suco de laranja, quase a mesma participação da Opep no negócio de petróleo”. A produção mundial de laranjas e de derivados se reduzia a duas regiões do planeta – no interior de São Paulo e na Flórida, nos EUA. “A Cutrale vende suco concentrado para mais de vinte países, entre os quais os Estados Unidos, todos os da Europa e a China. Seus clientes são grandes companhias do padrão da Parmalat, da Nestlé e da Coca Cola, dona de uma das empresas de suco de laranja mais populares dos Estados Unidos”.
“A agressividade gerencial da Cutrale”
Segundo a revista, este poderoso império foi erguido de forma suspeita. “O principal segredo do negócio consiste em adquirir a fruta a preço baixo – preço de banana, brincam os fornecedores –, esmagá-lo pelo menor custo possível e vender o suco a um valor elevado”. Em 2001, o governo FHC chegou a investigar a altíssima lucratividade da Cutrale (nos anos 1980, ela teve taxas de retorno na ordem de 70%, um fenômeno raro). “Uma autoridade da Receita Federal relatou a Veja que a estratégica para elevar a lucratividade do grupo passa por contabilizar parte dos resultados por intermédio de uma empresa sediada no paraíso fiscal das Ilhas Cayman. Com isso, informa a autoridade da Receita, a Cutrale conseguiria pagar menos impostos no Brasil”.
A revista também criticava a “agressividade gerencial da família Cutrale”, que já virou “lenda no interior paulista. Os plantadores de laranja no Brasil têm poucas opções para escoar a produção. Há apenas cinco grandes compradores da fruta e Cutrale é o maior deles. Por essa razão, acabam mantendo com o rei da laranja uma relação que mistura temor e dependência. Por um lado, eles precisam que ele compre a produção. Por outro, assustam-se com alguns métodos adotados pela Cutrale para convencê-los a negociar as laranjas por um preço mais baixo”. Vários produtores relataram à revista a brutal pressão para baixar preços ou mesmo para adquirir suas fazendas, inclusive com sobrevôos ameaçadores de helicóptero e outros métodos terroristas.
Uma coleção de processos na Justiça
Um fato gravíssimo ocultado pela mídia nos dias atuais de ódio ao MST é que Cutrale coleciona processos na Justiça por desrespeito aos direitos trabalhistas, crimes ambientais, pressão contra os lavradores e porte ilegal de armas. Na reportagem de maio de 2003, a revista citava que “essa linha dura já rendeu à Cutrale discussões legais sobre formação de cartel. De 1994 para cá, ela já foi alvo de cinco processos no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), autarquia encarregada de preservar a concorrência... Jamais sofreu uma punição”.
A revista Veja e o grosso da mídia hegemônica simplesmente esqueceram estas irregularidades. Para satanizar o MST, a imprensa endeusa a Cutrale. Os sem-terra são os bandidos e o poderoso empresário, um santo. As emissoras “privadas” de televisão e os jornalões sequer explicam aos ingênuos que as terras no interior paulista não pertencem legalmente à empresa. Elas fazem parte do lote chamado Núcleo Monções, que possui cerca de 30 mil hectares pertencentes à União. Ou seja, elas foram griladas – roubadas – pela Cutrale. Em 2007, a Justiça Federal cedeu a totalidade do imóvel ao Incra. Mas a empresa permanece na área com base em ações judiciais protelatórias.
A mídia faz escândalo com a destruição de dois hectares de laranjas em setembro, numa área que seria usada no plantio de alimentos para os acampados, mas não informa que desde que a Cutrale começou a monopolizar o produto, milhares de pequenos e médios agricultores já abandonaram, de 1999 a 2006, cerca de 280 mil hectares de pés de laranja em São Paulo. “Mas a TV Globo e o helicóptero da PM nunca se importaram”, ironiza Stedile. Diante da riquíssima família Cutrale, que tem uma fortuna avaliada em US$ 5 bilhões, os colunistas da mídia são realmente laranjas!
O bombardeio midiático é violento. Quando da destruição dos laranjais, até Luiz Carlos Bresser Pereira, ex-ministro nos governos Sarney e FHC, estranhou a virulência dos ataques. “Não vou defender o MST pela ação, embora esteja claro para mim que ele é uma das únicas organizações a, de fato, defender os pobres no Brasil. Mas não vou também condená-lo ao fogo do inferno. Não aceito a transformação das laranjeiras em novos cordeiros imolados pela ‘fúria de militantes irracionais’”. Indignado com a cobertura da mídia, ele criticou duramente “o noticiário televisivo que omitiu que a fazenda [da Cutrale] é fruto de grilagem contestada pelo Incra”.
Respostas do MST são ofuscadas
Agora, com a prisão espalhafatosa e arbitrária das lideranças rurais, a mídia hegemônica volta à ofensiva. A crítica é implacável, apesar do próprio MST já ter reconhecido publicamente o equívoco daquela iniciativa. Numa entrevista à revista CartaCapital, no final do ano passado, João Pedro Stedile, da coordenação nacional do movimento, foi taxativo. “A destruição dos pés de laranja foi um erro. Deu margem para que o serviço de inteligência da PM, articulado com a TV Globo, desmoralizasse o MST”. Para ele, o equívoco decorreu do desespero das famílias de sem-terra acampadas na região, que vivem em condições desumanas e sem qualquer infra-estrutura.
Já com relação às imagens de depredação e furtos na fazenda, usadas para justificar a prisão das lideranças, o dirigente do MST rejeitou as acusações da polícia. “Isto é mentira. As famílias não fizeram nada daquilo. Foi uma armação entre a polícia e a Cutrale. Depois da saída das famílias, chamaram a imprensa. Desafiamos a organizarem uma comissão independente para investigar quem desmontou os tratores e entrou nas casas dos empregados”. Ele lembra que os sem-terra foram retirados à força do local em dois caminhões da Cutrale, sendo filmados e revistados.
Revista Veja arquiva reportagem
Em todo este estranho episódio, a mídia venal revela que tem lado nos conflitos de classe – que defende abertamente os interesses dos barões do agronegócio. Com as cenas exibidas à exaustão para jogar a sociedade contra o MST, as redes “privadas” de televisão e os jornalões oligárquicos demonizam os sem-terra e endeusam a poderosa Cutrale. Neste esforço, eles deixam, inclusive, de repercutir denúncias antigas contra a empresa. Em maio de 2003, por razões desconhecidas – talvez em mais uma ação mercenária –, a insuspeita revista Veja publicou elucidativa reportagem sobre a Cutrale. Agora, ela simplesmente arquivou a bombástica matéria.
Na ocasião, ela revelou que a empresa é uma das mais ricas e poderosas do mundo. “O brasileiro José Luís Cutrale e sua família detêm 30% do mercado global de suco de laranja, quase a mesma participação da Opep no negócio de petróleo”. A produção mundial de laranjas e de derivados se reduzia a duas regiões do planeta – no interior de São Paulo e na Flórida, nos EUA. “A Cutrale vende suco concentrado para mais de vinte países, entre os quais os Estados Unidos, todos os da Europa e a China. Seus clientes são grandes companhias do padrão da Parmalat, da Nestlé e da Coca Cola, dona de uma das empresas de suco de laranja mais populares dos Estados Unidos”.
“A agressividade gerencial da Cutrale”
Segundo a revista, este poderoso império foi erguido de forma suspeita. “O principal segredo do negócio consiste em adquirir a fruta a preço baixo – preço de banana, brincam os fornecedores –, esmagá-lo pelo menor custo possível e vender o suco a um valor elevado”. Em 2001, o governo FHC chegou a investigar a altíssima lucratividade da Cutrale (nos anos 1980, ela teve taxas de retorno na ordem de 70%, um fenômeno raro). “Uma autoridade da Receita Federal relatou a Veja que a estratégica para elevar a lucratividade do grupo passa por contabilizar parte dos resultados por intermédio de uma empresa sediada no paraíso fiscal das Ilhas Cayman. Com isso, informa a autoridade da Receita, a Cutrale conseguiria pagar menos impostos no Brasil”.
A revista também criticava a “agressividade gerencial da família Cutrale”, que já virou “lenda no interior paulista. Os plantadores de laranja no Brasil têm poucas opções para escoar a produção. Há apenas cinco grandes compradores da fruta e Cutrale é o maior deles. Por essa razão, acabam mantendo com o rei da laranja uma relação que mistura temor e dependência. Por um lado, eles precisam que ele compre a produção. Por outro, assustam-se com alguns métodos adotados pela Cutrale para convencê-los a negociar as laranjas por um preço mais baixo”. Vários produtores relataram à revista a brutal pressão para baixar preços ou mesmo para adquirir suas fazendas, inclusive com sobrevôos ameaçadores de helicóptero e outros métodos terroristas.
Uma coleção de processos na Justiça
Um fato gravíssimo ocultado pela mídia nos dias atuais de ódio ao MST é que Cutrale coleciona processos na Justiça por desrespeito aos direitos trabalhistas, crimes ambientais, pressão contra os lavradores e porte ilegal de armas. Na reportagem de maio de 2003, a revista citava que “essa linha dura já rendeu à Cutrale discussões legais sobre formação de cartel. De 1994 para cá, ela já foi alvo de cinco processos no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), autarquia encarregada de preservar a concorrência... Jamais sofreu uma punição”.
A revista Veja e o grosso da mídia hegemônica simplesmente esqueceram estas irregularidades. Para satanizar o MST, a imprensa endeusa a Cutrale. Os sem-terra são os bandidos e o poderoso empresário, um santo. As emissoras “privadas” de televisão e os jornalões sequer explicam aos ingênuos que as terras no interior paulista não pertencem legalmente à empresa. Elas fazem parte do lote chamado Núcleo Monções, que possui cerca de 30 mil hectares pertencentes à União. Ou seja, elas foram griladas – roubadas – pela Cutrale. Em 2007, a Justiça Federal cedeu a totalidade do imóvel ao Incra. Mas a empresa permanece na área com base em ações judiciais protelatórias.
A mídia faz escândalo com a destruição de dois hectares de laranjas em setembro, numa área que seria usada no plantio de alimentos para os acampados, mas não informa que desde que a Cutrale começou a monopolizar o produto, milhares de pequenos e médios agricultores já abandonaram, de 1999 a 2006, cerca de 280 mil hectares de pés de laranja em São Paulo. “Mas a TV Globo e o helicóptero da PM nunca se importaram”, ironiza Stedile. Diante da riquíssima família Cutrale, que tem uma fortuna avaliada em US$ 5 bilhões, os colunistas da mídia são realmente laranjas!
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
Mídia oculta conexões Serra-Arruda
Há algumas semanas, o blogueiro Luis Nassif adverte para um fato grave que continua ignorado pela mídia golpista. “Duas investigações em andamento – a Operação Castelo de Areia e o caso José Roberto Arruda – estão batendo direto no sistema de financiamento de campanha do governador José Serra... Não é nada trivial. Não se trata de denúncias de oposição, de suspeitas, mas de investigações policiais calcadas em provas, depoimentos de testemunhas, documentos”.
No final de dezembro, a revista CartaCapital confirmou a existência da “conexão Serra-Arruda”, como Nassif batizou sua descoberta. Ela revelou que o administrador de empresa Ailton de Lima Ribeiro, “homem de confiança de José Serra”, é um dos envolvidos no escândalo do “mensalão do DEM”. Filiado ao PSDB, Ribeiro trabalhou com Serra no Ministério da Saúde e na prefeitura de São Paulo. Na sequência, prestou serviços ao prefeito demo Gilberto Kassab. Desde março de 2009, ele era um colaborador íntimo de José Roberto Arruda, o governador do Distrito Federal.
“Homem de confiança de Serra”
Segundo aponta a revista, “ao desenrolar o novelo do Arrudagate, o fio das investigações aponta para um esquema formado por uma rede de empresas beneficiadas por contratos milionários no Distrito Federal e em São Paulo”. Ribeiro é o principal envolvido. O gestor tucano já havia sido alvo de outras denúncias. Após ocupar vários cargos importantes no Ministério da Saúde, ele foi afastado do órgão durante as investigações da Máfia do Sangue. Em outubro de 2008, também foi citado no rastro da investigação da Operação Parasitas, que apurou a existência de um grupo de empresas que fraudava e superfaturava contratos na área de saúde com a prefeitura paulistana.
Com o estouro do escândalo do “mensalão do DEM” de Brasília, outro demo, Gilberto Kassab, decidiu suspender o contrato milionário, sem licitação, feito pela Secretaria Municipal de Saúde com o Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (Iabas), no valor de R$ 15,8 milhões. “A prefeitura já havia pago, antecipadamente, R$ 2 milhões. Surpresa: Ribeiro faz parte da diretoria do Iabas. O seu nome consta do site da organização como diretor de gestão em saúde pública”, relata a revista, que descreve outros casos sinistros envolvendo o versátil administrador tucano.
Ensurdecedor silêncio da imprensa
Para o blogueiro Luis Nassif, não há mais dúvidas sobre a existência da conexão Serra-Arruda. A sujeira é fedorenta. Ele observa que a reportagem confirma “um novo operador de José Roberto Arruda, diretamente ligado ao governador Serra. Antes de Arruda, o operador atuou diretamente na montagem do sistema de terceirização da saúde em São Paulo. Há tempos pessoas do setor tinham me dito que o modelo era a reedição dos esquemas pesados do PAS, da gestão de Paulo Maluf”. Luis Nassif é taxativo: “Ailton de Lima Ribeiro é homem de confiança de Serra”.
Ele destaca ainda que “o prefeito Kassab anulou um contrato milionário, sem licitação, entre a Secretaria da Saúde do município – sob responsabilidade de Januário Montone, também ligado diretamente a Serra. Um dos sócios da empresa sob suspeita é o próprio Aílton”. Outra pista é que Ailton seria “o principal responsável pela contratação, em São Paulo, das mesmas empresas de informática que integram o esquema de Arruda”. Diante de tantos indícios, é muito estranho o ensurdecedor silêncio da mídia. Será que existiria também uma conexão Serra-Arruda-mídia?
No final de dezembro, a revista CartaCapital confirmou a existência da “conexão Serra-Arruda”, como Nassif batizou sua descoberta. Ela revelou que o administrador de empresa Ailton de Lima Ribeiro, “homem de confiança de José Serra”, é um dos envolvidos no escândalo do “mensalão do DEM”. Filiado ao PSDB, Ribeiro trabalhou com Serra no Ministério da Saúde e na prefeitura de São Paulo. Na sequência, prestou serviços ao prefeito demo Gilberto Kassab. Desde março de 2009, ele era um colaborador íntimo de José Roberto Arruda, o governador do Distrito Federal.
“Homem de confiança de Serra”
Segundo aponta a revista, “ao desenrolar o novelo do Arrudagate, o fio das investigações aponta para um esquema formado por uma rede de empresas beneficiadas por contratos milionários no Distrito Federal e em São Paulo”. Ribeiro é o principal envolvido. O gestor tucano já havia sido alvo de outras denúncias. Após ocupar vários cargos importantes no Ministério da Saúde, ele foi afastado do órgão durante as investigações da Máfia do Sangue. Em outubro de 2008, também foi citado no rastro da investigação da Operação Parasitas, que apurou a existência de um grupo de empresas que fraudava e superfaturava contratos na área de saúde com a prefeitura paulistana.
Com o estouro do escândalo do “mensalão do DEM” de Brasília, outro demo, Gilberto Kassab, decidiu suspender o contrato milionário, sem licitação, feito pela Secretaria Municipal de Saúde com o Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (Iabas), no valor de R$ 15,8 milhões. “A prefeitura já havia pago, antecipadamente, R$ 2 milhões. Surpresa: Ribeiro faz parte da diretoria do Iabas. O seu nome consta do site da organização como diretor de gestão em saúde pública”, relata a revista, que descreve outros casos sinistros envolvendo o versátil administrador tucano.
Ensurdecedor silêncio da imprensa
Para o blogueiro Luis Nassif, não há mais dúvidas sobre a existência da conexão Serra-Arruda. A sujeira é fedorenta. Ele observa que a reportagem confirma “um novo operador de José Roberto Arruda, diretamente ligado ao governador Serra. Antes de Arruda, o operador atuou diretamente na montagem do sistema de terceirização da saúde em São Paulo. Há tempos pessoas do setor tinham me dito que o modelo era a reedição dos esquemas pesados do PAS, da gestão de Paulo Maluf”. Luis Nassif é taxativo: “Ailton de Lima Ribeiro é homem de confiança de Serra”.
Ele destaca ainda que “o prefeito Kassab anulou um contrato milionário, sem licitação, entre a Secretaria da Saúde do município – sob responsabilidade de Januário Montone, também ligado diretamente a Serra. Um dos sócios da empresa sob suspeita é o próprio Aílton”. Outra pista é que Ailton seria “o principal responsável pela contratação, em São Paulo, das mesmas empresas de informática que integram o esquema de Arruda”. Diante de tantos indícios, é muito estranho o ensurdecedor silêncio da mídia. Será que existiria também uma conexão Serra-Arruda-mídia?
domingo, 31 de janeiro de 2010
Outra mídia é possível e urgente (12)
“Quando você abre a torneira e sai água suja, o que você faz? Reclama para o órgão responsável pela qualidade da água. E quando você liga a televisão ou o rádio e recebe conteúdos ‘sujos’, de má qualidade, o que pode ser feito? Praticamente nada”.
Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação.
“A luta pela democratização da mídia se insere em uma luta mais ampla, pela garantia ao direito humano à comunicação e, conseqüentemente, por uma sociedade justa e democrática, onde os direitos dos trabalhadores e de toda a população sejam respeitados”.
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.
A batalha pela democratização dos meios de comunicação não comporta ilusões e, muito menos, omissões. Diante do enorme poder da mídia hegemônica, que manipula informações e deforma comportamentos, a luta por mudanças profundas neste setor adquire um caráter estratégico. Não haverá avanços na democracia, na mobilização dos trabalhadores por seus direitos e na própria luta pela superação da barbárie capitalista, sem enfrentar e derrotar a ditadura midiática. Hoje, esta batalha comporta três desafios, que se inter-relacionam e se complementam.
O primeiro é o da denúncia da “imprensa burguesa”. Não há como democratizar os veículos sob o comando ditatorial dos Marinhos, Civitas, Frias e demais barões da mídia. Eles serão sempre aparelhos privados de hegemonia do capital. Qualquer ilusão neste campo seria desastrosa para as forças políticas e sociais de esquerda. O segundo desafio é o da construção e fortalecimento de veículos próprios das forças engajadas na luta pela superação de todas as formas de exploração e opressão. Sem construir instrumentos contra-hegemônicos de qualidade não será possível vencer a disputa de idéias, de projetos e de valores numa sociedade tão complexa como a brasileira.
Na contracorrente da lógica capitalista
Estes dois desafios não negam, porém, a urgência de um terceiro: o da luta pela democratização dos meios de comunicação. Na contracorrente da lógica capitalista, é possível erguer barreiras ao poder da mídia burguesa e construir políticas públicas que incentivem a diversidade e pluralidade informativas e culturais, conforme apontam recentes avanços na América Latina. Neste sentido, a Conferência Nacional de Comunicação, antiga demanda dos movimentos sociais, pode ser uma alavanca. Além de envolver amplos setores da sociedade neste debate, num processo pedagógico sem precedentes na história, ela pode propor medidas concretas que coíbam a ditadura midiática.
Várias entidades progressistas estão inseridas nesta luta. O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), criado em 1991, nasceu das mobilizações por avanços na Constituição de 1988 e agrega várias entidades [1]. O Coletivo Intervozes, fundado em 2003, reúne militantes voluntários com reconhecida capacidade de elaboração. Já o Fórum de Mídia Livre, lançado em março de 2008, articula jornalistas, acadêmicos e veículos progressistas. A Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) e a Federação de Trabalhadores em Empresas de Rádio e Televisão (Fitert) não limitam sua atuação à defesa dos interesses corporativos. Destacam-se, ainda, a Associação Brasileira das Rádios Comunitárias (Abraço) e a Associação Mundial das Rádios Comunitárias (Amarc), entre outras organizações que priorizam a luta pela democratização da comunicação.
Os partidos de esquerda também estão se dando conta da importância desta frente de atuação. O PT, que sempre contou com renomados intelectuais da área, realizou em 2008 sua 1ª Conferência Nacional de Comunicação e apontou os caminhos para uma mídia democrática [2]. Já o PCdoB aprovou, em novembro de 2007, resolução específica com propostas concretas para o setor [3]. “A luta pela democratização da mídia faz parte da jornada pela ampliação da democracia como forma de alavancar a própria luta pela emancipação dos trabalhadores”, explica Renato Rabelo, presidente do PCdoB. No caso do PSB, vale citar a corajosa ação da deputada Luiza Erundina; já no PSOL, o deputado Ivan Valente se destaca por suas denúncias das manipulações midiáticas.
Há consenso entre estas forças políticas e sociais que não basta somente o diagnóstico sobre os efeitos nocivos da mídia hegemônica. Que ela não serve aos anseios dos trabalhadores, a história comprova de maneira cabal. Que ela é altamente concentrada e manipuladora, os fatos também evidenciam. Mais do que diagnosticar, é urgente avançar na formulação de propostas concretas que visem superar esta deformação na sociedade. Neste esforço, algumas proposições adquirem força catalisadora, capaz de unir amplos setores na luta pela democratização da comunicação. Na seqüência, apresento algumas delas, não como pacote fechado, mas como um roteiro de reflexão.
1- Fortalecer a radiodifusão pública
Como descrito no terceiro capítulo, a radiodifusão brasileira adotou o modelo privado made in EUA, diferentemente de várias nações nas quais a rede pública tem forte influência. O caso mais famoso é o da BBC de Londres, que se projetou na II Guerra Mundial, é gerida por um conselho autônomo e produz programas de qualidade [4]. Na França, quatro redes integram o seu sistema público. Na Alemanha, ARD e ZDF têm 14 emissoras locais e o seu conselho, com 77 membros, reúne partidos e movimentos sociais. Mesmo nos EUA, a PBS possui um conselho independente com 27 membros e congrega 354 retransmissoras. Já a APT, segunda maior rede pública do país, tem um orçamento de US$ 2 bilhões e retransmite a sua programação para 356 emissoras locais.
No Brasil, o modelo público nunca vingou. A única iniciativa mais ousada neste campo ocorreu no governo de Getúlio Vargas com a criação da Rádio Nacional, que teve expressiva audiência. O espectro eletromagnético, um bem público e finito, tornou-se um bem privado dos barões da mídia, autênticos “latifundiários do ar”. No caso da TV, o setor privado detém cerca de 80% das emissoras, 90% da audiência e 95% das receitas publicitárias. Principal veículo de comunicação de massas, sua influência na sociedade é arrasadora. Censo do Ibope de 2005 revelou que 93,1% dos domicílios no país tinham aparelhos de televisão, número superior aos lares com geladeiras. Apontou ainda que 81% dos brasileiros assistem TV diariamente, passando 3,9 horas diárias, em média, presos às telinhas.
Fruto do ascenso democrático, o artigo 223 da Constituição de 1988 fixou a complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. Na prática, porém, nunca houve investimento nos setores não comerciais. Nos anos do neoliberalismo, ainda houve o desmanche do pouco que existia. Em 1995, com a aprovação da Lei da TV a Cabo, as redes privadas foram obrigadas a reservar cinco canais estaduais para o uso do Executivo, Legislativo, Judiciário, um canal comunitário e outro universitário. Mesmo assim, eles padecem da falta de recursos e foram excluídos da TV aberta. “O espaço conquistado está esvaziado, falido, pouco qualificado ou mesmo reproduzindo a lógica mercantil das grandes emissoras” [5].
Só após sofrer brutal bombardeio midiático na eleição de 2006, o presidente Lula decidiu investir na construção de uma rede pública nacional de televisão e rádio. A criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que gerencia a TV Brasil, oito emissoras de rádio e uma agência noticiosa, sinalizou uma mudança de postura do governo. Inaugurada em dezembro de 2007, a TV Brasil dá os primeiros passos na construção de uma emissora sem fins lucrativos. Seu conselho curador é presidido pelo economista Luiz Gonzaga Belluzzo; já sua ouvidoria, dirigida pelo jornalista Laurindo Lalo Leal Filho, é um mecanismo de fiscalização da sociedade. Ela também constrói a sua própria rede nacional, fortalecendo as estruturas de 95 emissoras estaduais.
Exatamente por seu papel democratizante, a EBC sofre o cerco dos donos da mídia e ainda corre riscos. Tudo é feito para limitar o seu alcance e asfixiar seu financiamento. Antes mesmo de ser lançada, ela foi alvo de intensa oposição. A Folha de S.Paulo, por exemplo, publicou uma série de artigos para desqualificá-la e seu editorial arrematou: “Lula e o PT querem deixar sua marca particular no telecoronelismo criando um canal do Executivo; a proposta é descabida” [6]. Os ataques visaram confundir os conceitos entre rede estatal e pública, e contaram com a descarada ajuda do ministro Hélio Costa, ex-funcionário da TV Globo e porta-voz dos radiodifusores [7].
A EBC é uma conquista das forças progressistas na luta contra a ditadura midiática. Ela deve ser fortalecida e aperfeiçoada. Isto não a exime dos problemas, que decorrem da sua própria origem conflituosa no interior do governo e de impasses no seu projeto editorial, entre outras lacunas. Os seus recursos são escassos, menos de 5% na comparação com a receita da Rede Globo, e a TV Brasil sequer é transmitida em canal aberto. Seu conselho curador, indicado pelo presidente Lula, não contempla a diversidade dos movimentos sociais. Estes e outros problemas comprometem a sua autonomia de gestão e de financiamento, marcas que distinguem a rede pública da estatal, e dificultam que ela tenha maior visibilidade na sociedade. Mudanças são necessários e urgentes.
As propostas unitárias apresentadas pelos movimentos sociais no 1º Fórum de TVs Públicas, em maio de 2007, continuam atuais: instalação de um “conselho representativo, plural e autônomo, com maioria da sociedade civil, como instância decisória”; “igualdade de participação e respeito à diversidade (regional, mulheres, negros) no seu conselho”; “fomento à produção independente, ampliando a presença desses conteúdos na sua grade de programação”; maior disponibilidade de “verbas do orçamento público no seu financiamento e proibição da publicidade comercial, mas garantido as produções compartilhadas, o apoio cultural e a publicidade institucional”; “que os canais públicos, que hoje são garantidos pela Lei do Cabo, estejam em sinal aberto”.
2- Revisar os critérios das concessões
Desde o início das transmissões de rádio, em 1922, e de televisão, nos anos 1950, o processo de concessão de outorgas às emissoras sempre foi influenciado pelo poder econômico dos donos da mídia e por suas relações promíscuas com o Estado. Concedidas sem qualquer critério objetivo, as outorgas beneficiaram os mesmos grupos empresariais, o que reforçou a propriedade cruzada e a concentração no setor. Nesta longa trajetória monopolista, as redes privadas desrespeitaram as tímidas legislações existentes. Na prática, os barões da mídia exercem uma autêntica ditadura midiática, ficando acima das leis, das normas constitucionais e do próprio Estado de Direito.
A Constituição de 1988, por exemplo, proíbe a formação dos monopólios, exige a produção de conteúdos regionais, obriga que as emissoras tenham finalidades educativas, culturais e artísticas e determina que elas expressem a diversidade de pensamento na sociedade. Como nunca foram regulamentados, estes princípios progressistas viraram letra morta. O atual processo de outorga e de renovação das concessões, com prazo de 15 anos para as TVs e de dez anos para as rádios, é uma verdadeira caixa-preta. A sociedade não exerce qualquer controle sobre este bem público. O Congresso Nacional, que a partir da Constituição de 1988 virou co-responsável pelas concessões e renovações, não cumpre seu papel, submetendo-se à pressão e chantagem dos barões da mídia.
Qualquer questionamento a estas distorções é tachado como “atentado à liberdade de imprensa” pela mídia hegemônica. Ela omite que vários países exercem o direito democrático, inclusive, de não renovar concessões que ferem sua legislação. Até os EUA, nação badalada pela mídia servil, controlam os seus meios de comunicação de massas. A Administração Federal de Comunicações (FCC) cancelou 141 concessões de rádio e TV entre 1934 e 1987. Em 40 desses casos, ela nem esperou que expirasse o prazo da concessão. Já o governo britânico revogou a licença da OneTV, em agosto de 2006; da StarDate, em novembro de 2006; e do canal de televendas Auctionword, em dezembro de 2006. A Espanha revogou, em julho de 2005, a concessão da TV Católica. E a França cancelou a licença da TF1, em dezembro de 2005, por ela ter negado o Holocausto.
Na defesa da democracia e da autêntica liberdade de expressão, o país necessita ser mais rigoroso na análise das concessões e renovações das outorgas. É preciso exigir o cumprimento das normas constitucionais e das leis vigentes. Várias redes privadas desrespeitam o limite mínimo de tempo de 5% para o jornalismo e máximo de 25% para a publicidade. Ainda veiculam merchandising, o comercial disfarçado, o que vetado pelo Código de Defesa do Consumidor. A maioria não exibe o conteúdo educativo exigido pelo Constituição; quando exibe é em horários de baixa audiência. O lobby da mídia também sabotou a classificação indicativa, medida essencial para o resguardo do Estatuto da Criança e dos Adolescentes. Num desrespeito à legislação, várias emissoras de rádio e televisão são dirigidas por “laranjas” de políticos com mandato.
Diante destes e outros abusos, é inadmissível que as outorgas e renovações sejam dadas de forma automática, sem consulta à sociedade. Em vários países existem ouvidorias públicas para receber críticas e analisar as concessões; muitos promovem audiências sobre o tema. Em casos extremos, diante do desrespeito às leis, vários governos simplesmente revogam as concessões. A não renovação é um ato democrático, como admite a União Internacional das Telecomunicações (UIT), que “reconhece em toda sua amplitude o direito soberano de cada Estado de regulamentar o setor, devido à importância crescente das telecomunicações na salvaguarda da paz e do desenvolvimento econômico e social” [8].
3- Rever os critérios da publicidade oficial
A publicidade é a principal fonte de recursos da mídia hegemônica. O faturamento com anúncios publicitários, que superou R$ 21,4 bilhões em 2008, garante os investimentos neste setor de alta tecnologia e os lucros dos empresários, reforçando os impérios midiáticos. Nada é dado de graça, como costuma tergiversar a Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert) para se contrapor ao controle público. A exibição “gratuita” do conteúdo é paga pela publicidade e os altos custos de produção e veiculação são repassados ao preço da mercadoria. Além de seduzir o consumidor, o anúncio cumpre o papel ideológico de “vender” um estilo de vida, individualista e consumista.
Para o sociólogo Pedro Hurtado, “a publicidade, à margem da sua finalidade comercial, é pura e dura propaganda do modo de vida e de pensamento inerente à ideologia social predominante na atualidade: o consumismo-capitalismo. A publicidade não apenas vende produtos, mas também impõe um modo de vida, valores morais e culturais, códigos simbólicos e, em definitivo, uma ideologia... O consumismo é uma forma de pensar segundo a qual o sentido da vida consiste em comprar objetos e serviços. Esta forma de pensar se converte na principal ideologia que sustenta o sistema capitalista” [9].
Se a correlação de forças na sociedade não possibilita, ainda, adotar medidas mais rigorosas de controle da publicidade comercial, o atual estágio das lutas sociais no país já permite, ao menos, rediscutir os critérios de distribuição das verbas publicitárias dos governos. Afinal, este dinheiro é oriundo dos tributos da sociedade. O montante de recursos é expressivo e serve para “alimentar cobras”. Os barões da mídia que abocanham estes recursos públicos são os mesmos que pregam golpes, desestabilizam governos, criminalizam as lutas dos trabalhadores e idolatram o “deus-mercado”. A publicidade oficial reforça a monopolização do setor, quando poderia servir para estimular a diversidade e pluralidade informativas numa sociedade mais democrática.
De forma discreta, o governo Lula promoveu algumas mudanças nesta área. Ele descentralizou a distribuição das verbas oficiais. “Os comerciais do Palácio do Planalto atingiram no ano passado 5.297 veículos de comunicação. O número representa uma alta de 961% sobre os 499 meios que recebiam dinheiro para divulgar propaganda do governo Lula em 2003, quando o petista tomou posse”, resmungou a Folha [10]. A descentralização da publicidade oficial diminuiu o montante abocanhado por poucos barões da mídia. Irritados, eles agora criticam a rotulada “bolsa-mídia de Lula”, afirmando que ela serve para “alimentar a rede chapa-branca do governo” [11].
Apesar da gritaria, a administração direta e indireta é uma das maiores anunciantes do país. Os gastos publicitários dos governos FHC e Lula oscilaram entre R$ 900 milhões e R$ 1,2 bilhão. O pico de FHC foi em 2001, com R$ 1,114 bilhão em anúncios; em 2008, o governo Lula investiu R$ 1,027 bilhão. Isto sem contabilizar os custos da produção dos comerciais e os gastos com os patrocínios nas áreas de esporte, cultura e outras – que atingiu R$ 918 milhões em 2008. A soma de publicidade e patrocínio injetou quase R$ 2 bilhões na mídia. Na comparação com a iniciativa privada, o maior anunciante em 2008 foi a Casas Bahia, com R$ 3,2 bilhões; o segundo lugar ficou com a Unilever, dona das marcas Kibon, Omo, Dove e Rexona, que gastou R$ 1,75 bilhão.
Quase a totalidade da publicidade oficial engorda os bolsos dos barões da mídia. O governo Lula nunca teve a coragem para investir em veículos alternativos e estes estão à míngua. Até a revista Carta Capital, que adota uma linha jornalística mais independente, sofre com esta tibieza, como crítica Mino Carta [12]. A desculpa usada pelo governo é que ele adota critérios mercadológicos, medidos pela audiência e tiragens. Com esta postura aparentemente “neutra”, o governo reforça a monopolização do setor. É urgente redefinir os critérios para a publicidade oficial. Países como a Itália e a França adotam normas legais para incentivar a diversidade e pluralidade informativas, barateando os custos de impressão e garantindo cotas de publicidade para veículos alternativos.
O Fórum de Mídia Livre defende o estabelecimento de critérios democráticos e transparentes de distribuição dos recursos oficiais, e não apenas a partir da reprodução da lógica mercadológica. “O Estado não vende mercadoria, presta serviço publico. O critério de veiculação não deve ser o da circulação, pois este está ligado à lógica da audiência como mercadoria. A mídia comercial vende audiência, isto é, circulação ou pontos de Ibope, remunerando seus fatores de produção em função da receita que o anunciante lhe proporciona devido ao público que pode atingir. Ora, o Estado não precisa se subordinar a tais critérios. O Estado não vende nada, apenas presta contas, logo pode e deve chegar ao cidadão através de muitos canais pelos quais o cidadão se informa”, explica Marcos Dantas, professor da PUC/RJ e integrante da coordenação do movimento [13].
4- Estimular a radiodifusão comunitária
A radiodifusão comunitária é recente no país e já demonstrou o seu potencial prático na luta pela democratização das comunicações. Ela dá voz a quem não tem voz. Permite que as comunidades “excluídas” expressem seus anseios e reivindicações, divulguem suas criações culturais, prestem serviços à população. Essa experiência no Brasil surgiu no início dos anos 1980, ainda na fase sombria da ditadura militar, e só foi reconhecida legalmente em 1998 – na Bolívia, as rádios comunitárias surgiram na década de 1950 no bojo das greves dos mineiros; já no Chile, elas contribuíram para as vitórias da Unidade Popular, a coalizão socialista de Salvador Allende.
Temendo a sua concorrência, a radiodifusão comunitária é alvo da fúria da mídia hegemônica. Já os governos, sob pressão dos empresários, investem para criminalizá-la. O governo Lula foi até mais realista do que o rei, batendo recorde de perseguição. Segundo pesquisa da Abraço, de 2002 a 2007, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Polícia Federal fecharam mais de 15 mil rádios comunitárias. “Também foram abertos mais de 20 mil processos e cerca de 5 mil militantes foram condenados judicialmente por tentar exercer o direito de livre expressão”. O atual ministro das Comunicações, Helio Costa, dono da rádio Sucesso FM, de Barbacena (MG), vetou todos os projetos de avanço neste setor e “recrudesceu o fechamento das emissoras” [14].
Além da repressão, tudo é feito para inviabilizar a legalização da radiodifusão comunitária. A burocracia é infernal, com inúmeros obstáculos administrativos. Estudo feito pelo Sistema de Controle de Radiodifusão, em novembro de 2006, apontou a existência de 13.595 pedidos de rádios comunitárias acumulados no Ministério das Comunicações – três vezes mais do que os 4.400 verificados no início de 2003. José Sóter, dirigente da Abraço, critica os burocratas do ministério, “subservientes à Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e aos interesses dos monopólios da comunicação, e a falta de gente que esteja comprometida com a efetivação do serviço de radiodifusão comunitária como política pública de comunicação” [15].
Estudo recente, no qual foram pesquisadas 2.205 rádios comunitárias autorizadas pelo Ministério das Comunicações (80,44% do total das legalizadas), ainda aponta para outro grave perigo: o de que estas concessões sejam utilizadas como moeda de barganha, servindo a políticos fisiológicos e credos religiosos. A pesquisa indica que “a maioria das rádios comunitárias funciona no país de forma ‘irregular’ porque não se logrou ser devidamente autorizada; e, entre a minoria autorizada, mais da metade opera de forma ilegal. Entre as 2.205 rádios pesquisadas, foi possível identificar vínculos políticos em 1.106 – ou 50,2% delas... Há, também, um número considerável de rádios com vínculos religiosos: 120 delas, ou 5,4% do total”. Este deformação revelaria a existência de um “coronelismo eletrônico de novo tipo, envolvendo as outorgas de rádios comunitárias” [16].
Para complicar ainda mais o quadro, o setor passa por um processo de mutação tecnológica para sua digitalização. O Ministério das Comunicações, dominado pelos barões da mídia, já anunciou que prefere o padrão digital dos EUA, o IBOC. Várias rádios foram autorizadas a realizar testes com o novo padrão, criando um fato consumado – sem qualquer consulta à sociedade. Além de ser propriedade de uma única empresa, que cobrará elevados royalties, essa tecnologia ocupa o espectro de forma predatória, fechando espaços para as transmissões. Ele inclusive avança sobre fatias de freqüências ocupadas pelo sistema analógico. Ao encarecer os equipamentos e restringir as transmissões, esse padrão de digitalização poderá asfixiar a radiodifusão comunitária no país.
Ao invés de ser criminalizada, a radiodifusão comunitária deveria ser incentivada pelos poderes públicos. Diante do golpismo da ditadura midiática, ela é uma arma contra-hegemônica decisiva na defesa da democracia. O Estado deveria baratear seus equipamentos e promover oficinas para capacitar os radiodifusores. Mudanças na legislação deveriam garantir o aumento do número de freqüências das emissoras e ampliar o limite da área e o potencial de seu alcance – hoje restrito a um quilometro. A urgente criação de um sistema brasileiro de rádio digital serviria para evitar a monopolização do setor. Além disso, o poder público deveria garantir os meios de sustentação financeira destes veículos, investindo na construção de conteúdos de qualidade e plurais, e criar barreiras para coibir sua apropriação por setores fisiológicos e para garantir o seu caráter laico.
Para agilizar a legalização das rádios, a FNDC propõe medidas simples, como a descentralização dos processos de concessão, redução dos prazos de tramitação e zoneamento da radiofreqüência para definir o canal e a potência para cada localidade. Já a Amarc defende mudanças urgentes no marco regulatório. Entre outros pontos, ela propõe que “as comunidades organizadas e entidades sem fins lucrativos tenham direito a usar a tecnologia de radiodifusão disponível, tanto analógica como digital”; que “os meios comunitários tenham assegurada a sua sustentabilidade econômica, independência e desenvolvimento”, por meio de patrocínios e publicidade oficial; e a criação “de fundos públicos para assegurar o seu desenvolvimento” e de “políticas públicas que desonerem ou reduzam o pagamento de taxas e impostos, incluindo o uso de espectros” [17].
5- Investir na inclusão digital
Criada nos EUA para fins militares e impulsionada pelos circuitos financeiros do capitalismo, a internet tem transformado o mundo das comunicações. Os mais otimistas chegam a falar numa “revolução”, que permitiria a democratização da produção de conteúdos e da sua difusão. Outros, mais cautelosos, apontam que a tendência monopolista do capital já se faz sentir na centralização dos portais da internet, além do que o capital imporá formas de controle. O projeto do senador tucano Eduardo Azeredo, já batizado de AI-5 digital, confirma este perigo, a exemplo do ataques desferidos pelo presidente-terrorista George Bush e pelo fascistóide Nicolas Sarkozy na França.
Independentemente das tendências futuras, a internet já provoca enormes abalos no setor. Vários jornais e revistas perderam tiragens, faliram ou viraram online. A própria linguagem da televisão é afetada por esta nova forma de comunicação, mais ágil e interativa. Muitos protestos políticos, a partir da manifestação contra a globalização neoliberal que paralisou Seattle em 1999, já são convocados por sítios e blogs progressistas. Manipulações da mídia hegemônica são desnudadas na internet. De 1999 a 2006, mais de 47 milhões de blogs entraram no ar. Neles circulam 1,2 milhão de novos artigos por dia, ou 50 mil por hora, escritos por cerca de 35 milhões de pessoas.
Entusiasta da internet, Bernardo Kucinski afirma que ela “é a maior revolução nas comunicações desde a invenção de Gutenberg. Não admira que tenha reaberto uma nova era de encantamento do ser humano com a comunicação e com a arte de escrever... Na articulação das ONGs e dos movimentos sociais, a internet tem tido papel decisivo, recuperando com grande vantagem o antigo papel atribuído por Lênin à imprensa como ‘organizadora do movimento operário’. Na era da globalização, ela se tornou uma organizadora da cidadania, como expressa o Fórum Social Mundial. Este certamente não teria existido sem a internet. Ela também deu viabilidade técnica ao exercício da democracia direta e acesso direto do cidadão aos serviços do Estado” [18].
Esta “essência libertária”, porém, pode ser castrada pela exclusão digital, alerta Sérgio Amadeu, outro entusiasta da internet. “Quanto custa se conectar à sociedade da informação? Para acessar a internet, a rede mundial de computadores, é preciso pagar mensalmente um provedor de acesso e o gasto com a conta telefônica. Além disso, é preciso ter um computador que custa mais de mil reais. Em um país com quase um terço da sociedade abaixo da linha da pobreza, gastar algo em torno de 40 reais por mês pelo uso mínimo de conexão e conta telefônica é impossível para a maioria da população. Essa é a nova face da exclusão social”, explica didaticamente [19].
Para superar este gargalo, ambos concordam que o Estado deve ter papel pró-ativo. Não dá para deixar esta tecnologia nas mãos “invisíveis” do deus-mercado. Entre outras medidas, é urgente regular o setor para universalizar o acesso à internet, visando a sua gratuidade. O preço da banda larga no país é dos mais altos no mundo devido à desregulamentação das telecomunicações [20]. É preciso também uma política mais ofensiva para baratear os aparelhos, inclusive superando a “ditadura de Bill Gates” através do software livre. Segundo a PNAD de 2004, somente 16,6% das residências brasileiras tinham computadores. Dados do Ibope de 2007 revelaram que apenas 14,1 milhões dos lares tinham acesso à internet. “Devemos elevar a questão da inclusão digital e da alfabetização tecnológica à condição de política pública”, defende Sérgio Amadeu.
6- A urgência do novo marco regulatório
Estas e outras mudanças colocam a urgência de um novo marco regulatório para o setor. A atual legislação é ultrapassada, datada de 1962, carregada de vícios e não dá respostas aos vertiginosos avanços tecnológicos na área. Além de coibir os monopólios e regulamentar outros princípios da Constituição de 1988, como o que garante o respeito à pluralidade de opiniões, a nova legislação deve enfrentar os desafios do futuro. O processo de convergência digital, no qual as corporações multinacionais avançam sobre a mídia, torna este debate ainda mais atual. Hoje é preciso impor regras para evitar a desnacionalização do setor e para garantir a produção e a cultura nacionais.
Apesar das restrições do padrão japonês adotado pelo governo, a nova legislação deve regular a implantação da TV e da rádio digital, protegendo o conteúdo nacional e explorando seu potencial na promoção da diversidade e da inclusão social. Ela não pode depender do resultado da disputa entre as operadoras de telefonia e os barões da mídia. “No bojo da convergência tecnológica, o instinto de sobrevivência dos radiodifusores e a ânsia pela entrada no mercado do conteúdo audiovisual das chamadas teles deverão ser a força motriz da mudança na legislação... É preciso garantir que o campo não seja ocupado apenas pela polarização radiodifusores x teles, mas pelo conjunto dos atores que tem propostas para a reformulação legal”, alerta Jonas Valente [21).
O novo marco regulatório deve fixar políticas públicas que garantam o acesso da população aos avanços tecnológicos. O Brasil ainda está muito atrasado neste campo, seja no acesso à internet, às salas de exibição de cinema ou mesmo à telefonia. “Em 1997, o numero de telefones por 100 habitantes era de 11,7%; em 2004, passou para 29%. Apesar de a telefonia chegar praticamente a todos os 5.484 municípios, nos 5 mil mais pobres ela é a mesma de antes da privatização; 11% ou 7,5 milhões de linhas... Assim, grandes parcelas da população estão excluídas dos avanços tecnológicos. Esse quadro, já amplamente diagnosticado pelo governo Lula, impõe a necessidade de um novo modelo institucional”, que garanta o “adequado equilíbrio entre os sistemas privado, público e estatal” e evite “a concentração da propriedade”, propõe Israel Bayma [22].
A nova legislação também deveria fixar mecanismos democráticos de controle social dos meios de comunicação. Ignacio Ramonet, diretor do jornal Le Monde Diplomatique, defende a criação de observatórios de mídia nas escolas e espaços públicos para monitorar o que é divulgado. “A informação, como os alimentos, está contaminada. Envenena o espírito, polui nossos cérebros, nos manipula, nos intoxica, tenta instilar em nosso inconsciente idéias que não são nossas”. Daí a urgência de um “quinto poder” fiscalizador [23]. No mesmo rumo, é preciso reativar o Conselho de Comunicação Social, previsto na Constituição, mas que está esvaziado. Há ainda a proposta dos sindicatos de jornalistas da criação dos conselhos de redação, como instrumento de luta da categoria e também como contraponto à manipulação, à censura e à pressão dos donos da mídia.
Como conclui Marcos Dantas, a comunicação passa por aceleradas mudanças. Em curto espaço de tempo, nada será como antes neste setor. A televisão, por exemplo, “não será apenas esta que temos: aberta, unidirecional, oferecida por grandes grupos empresariais e sustentadas pela grande publicidade. A TV poderá ser também local ou comunitária, via internet”. O rumo das mudanças dependerá da correlação de forças na sociedade e da construção de um novo marco regulatório e legal. “Na verdade, o capitalismo desenvolveu essas tecnologias e vai moldando os seus usos, ao seu gosto. Nada impede, porém, que o povo trabalhador possa disputá-las, delas se apropriar e a elas dar novos e mais democráticos rumos” [24].
NOTAS
1- James Görgen. “Como domar essa tal de mídia?”. Cartilha nº 1 da FNDC.
2- Caderno da 1ª Conferência Nacional de Comunicação. Diretório Nacional do PT, abril de 2008.
3- “O PCdoB e a luta pela democratização da mídia”. Resolução da 8ª reunião do Comitê Central, outubro de 2007.
4- Laurindo Lalo Leal Filho. Vozes de Londres. Memórias brasileiras da BBC. Edusp, SP, 2008.
5- Valério Cruz Brittos e Rafael Cavalcanti Barreto. “O potencial democrático e sua redução à mercadoria”. Observatório da Imprensa, 14/10/08.
6- “Aparelho na TV”. Editorial da Folha de S.Paulo, 19/03/07.
7- “TV do Executivo: uma ação contra o Fórum de TVs Públicas”. Intervozes, março de 2007.
8- Ernesto Carmona. “Salvador Allende se revolve na tumba”. Correio da Cidadania, 12/07/07.
9- Pedro Hurtado. “Prohibir la publicidad en los medios de comunicación de masas”. Rebelion, 20/12/08.
10- Fernando Rodrigues. “Propaganda de Lula chega a 5.297 veículos”. Folha de S.Paulo, 31/05/09.
11- Fernando de Barros e Silva. “O bolsa-mídia de Lula”. Folha de S.Paulo, 01/06/09.
12- Mino Carta. “A vitória de Lula é a derrota da mídia”. Entrevista para o sítio Fazendo Media, 03/11/06.
13- Jonas Valente. “Fórum lança manifesto em defesa do fortalecimento da mídia livre”. Observatório do Direito à Comunicação, 24/10/08.
14- Gustavo Gindre. “Os rumos do Ministério das Comunicações”. Fazendo Media, 27/11/06.
15- Laura Schenkel. “Governo acumula 14 mil pedidos de abertura de rádios comunitárias”. Boletim da FNDC, 09/12/06.
16- Venício A. de Lima e Cristiano Aguiar Lopes. “Rádios Comunitárias: coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004)”.
17- “Audiência discute padrão para rádio e televisão comunitária”. Agência Adital, 27/10/09.
18- Bernardo Kucinski. Jornalismo na era virtual. Editoras Perseu Abramo e Unesp, SP, 2005.
19- Sérgio Amadeu da Silveira. Exclusão digital. Editora Perseu Abramo, SP, 2005.
20- Elvira Lobato. “Disputa de teles distorce preço da internet”. Folha de S.Paulo, 17/08/08.
21- Jonas Valente. “Lei Geral é a bola da vez, afirmam especialista do setor”. Carta Maior, 23/03/07.
22- Israel Bayma. “Uma proposta para a construção democrática da lei geral de comunicação eletrônica”. 02/08/06.
23- Ignacio Ramonet. “O quinto poder”. Caminhos para uma comunicação democrática. Jornal Le Monde Diplomatique, SP, 2007.
24- Marcos Dantas. Uma agenda democrática para as comunicações brasileiras. Cadernos da Fisenge, RJ, 2008.
- Extraído do quinto e último capítulo do livro "A ditadura da mídia", publicado pela Associação Vermelho e Editora Anita Garibaldi. Para adquirir seu exemplar, entrar em contato com Eliana Ada no endereço eletrônico - livro@vermelho.org.br
Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação.
“A luta pela democratização da mídia se insere em uma luta mais ampla, pela garantia ao direito humano à comunicação e, conseqüentemente, por uma sociedade justa e democrática, onde os direitos dos trabalhadores e de toda a população sejam respeitados”.
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.
A batalha pela democratização dos meios de comunicação não comporta ilusões e, muito menos, omissões. Diante do enorme poder da mídia hegemônica, que manipula informações e deforma comportamentos, a luta por mudanças profundas neste setor adquire um caráter estratégico. Não haverá avanços na democracia, na mobilização dos trabalhadores por seus direitos e na própria luta pela superação da barbárie capitalista, sem enfrentar e derrotar a ditadura midiática. Hoje, esta batalha comporta três desafios, que se inter-relacionam e se complementam.
O primeiro é o da denúncia da “imprensa burguesa”. Não há como democratizar os veículos sob o comando ditatorial dos Marinhos, Civitas, Frias e demais barões da mídia. Eles serão sempre aparelhos privados de hegemonia do capital. Qualquer ilusão neste campo seria desastrosa para as forças políticas e sociais de esquerda. O segundo desafio é o da construção e fortalecimento de veículos próprios das forças engajadas na luta pela superação de todas as formas de exploração e opressão. Sem construir instrumentos contra-hegemônicos de qualidade não será possível vencer a disputa de idéias, de projetos e de valores numa sociedade tão complexa como a brasileira.
Na contracorrente da lógica capitalista
Estes dois desafios não negam, porém, a urgência de um terceiro: o da luta pela democratização dos meios de comunicação. Na contracorrente da lógica capitalista, é possível erguer barreiras ao poder da mídia burguesa e construir políticas públicas que incentivem a diversidade e pluralidade informativas e culturais, conforme apontam recentes avanços na América Latina. Neste sentido, a Conferência Nacional de Comunicação, antiga demanda dos movimentos sociais, pode ser uma alavanca. Além de envolver amplos setores da sociedade neste debate, num processo pedagógico sem precedentes na história, ela pode propor medidas concretas que coíbam a ditadura midiática.
Várias entidades progressistas estão inseridas nesta luta. O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), criado em 1991, nasceu das mobilizações por avanços na Constituição de 1988 e agrega várias entidades [1]. O Coletivo Intervozes, fundado em 2003, reúne militantes voluntários com reconhecida capacidade de elaboração. Já o Fórum de Mídia Livre, lançado em março de 2008, articula jornalistas, acadêmicos e veículos progressistas. A Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) e a Federação de Trabalhadores em Empresas de Rádio e Televisão (Fitert) não limitam sua atuação à defesa dos interesses corporativos. Destacam-se, ainda, a Associação Brasileira das Rádios Comunitárias (Abraço) e a Associação Mundial das Rádios Comunitárias (Amarc), entre outras organizações que priorizam a luta pela democratização da comunicação.
Os partidos de esquerda também estão se dando conta da importância desta frente de atuação. O PT, que sempre contou com renomados intelectuais da área, realizou em 2008 sua 1ª Conferência Nacional de Comunicação e apontou os caminhos para uma mídia democrática [2]. Já o PCdoB aprovou, em novembro de 2007, resolução específica com propostas concretas para o setor [3]. “A luta pela democratização da mídia faz parte da jornada pela ampliação da democracia como forma de alavancar a própria luta pela emancipação dos trabalhadores”, explica Renato Rabelo, presidente do PCdoB. No caso do PSB, vale citar a corajosa ação da deputada Luiza Erundina; já no PSOL, o deputado Ivan Valente se destaca por suas denúncias das manipulações midiáticas.
Há consenso entre estas forças políticas e sociais que não basta somente o diagnóstico sobre os efeitos nocivos da mídia hegemônica. Que ela não serve aos anseios dos trabalhadores, a história comprova de maneira cabal. Que ela é altamente concentrada e manipuladora, os fatos também evidenciam. Mais do que diagnosticar, é urgente avançar na formulação de propostas concretas que visem superar esta deformação na sociedade. Neste esforço, algumas proposições adquirem força catalisadora, capaz de unir amplos setores na luta pela democratização da comunicação. Na seqüência, apresento algumas delas, não como pacote fechado, mas como um roteiro de reflexão.
1- Fortalecer a radiodifusão pública
Como descrito no terceiro capítulo, a radiodifusão brasileira adotou o modelo privado made in EUA, diferentemente de várias nações nas quais a rede pública tem forte influência. O caso mais famoso é o da BBC de Londres, que se projetou na II Guerra Mundial, é gerida por um conselho autônomo e produz programas de qualidade [4]. Na França, quatro redes integram o seu sistema público. Na Alemanha, ARD e ZDF têm 14 emissoras locais e o seu conselho, com 77 membros, reúne partidos e movimentos sociais. Mesmo nos EUA, a PBS possui um conselho independente com 27 membros e congrega 354 retransmissoras. Já a APT, segunda maior rede pública do país, tem um orçamento de US$ 2 bilhões e retransmite a sua programação para 356 emissoras locais.
No Brasil, o modelo público nunca vingou. A única iniciativa mais ousada neste campo ocorreu no governo de Getúlio Vargas com a criação da Rádio Nacional, que teve expressiva audiência. O espectro eletromagnético, um bem público e finito, tornou-se um bem privado dos barões da mídia, autênticos “latifundiários do ar”. No caso da TV, o setor privado detém cerca de 80% das emissoras, 90% da audiência e 95% das receitas publicitárias. Principal veículo de comunicação de massas, sua influência na sociedade é arrasadora. Censo do Ibope de 2005 revelou que 93,1% dos domicílios no país tinham aparelhos de televisão, número superior aos lares com geladeiras. Apontou ainda que 81% dos brasileiros assistem TV diariamente, passando 3,9 horas diárias, em média, presos às telinhas.
Fruto do ascenso democrático, o artigo 223 da Constituição de 1988 fixou a complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. Na prática, porém, nunca houve investimento nos setores não comerciais. Nos anos do neoliberalismo, ainda houve o desmanche do pouco que existia. Em 1995, com a aprovação da Lei da TV a Cabo, as redes privadas foram obrigadas a reservar cinco canais estaduais para o uso do Executivo, Legislativo, Judiciário, um canal comunitário e outro universitário. Mesmo assim, eles padecem da falta de recursos e foram excluídos da TV aberta. “O espaço conquistado está esvaziado, falido, pouco qualificado ou mesmo reproduzindo a lógica mercantil das grandes emissoras” [5].
Só após sofrer brutal bombardeio midiático na eleição de 2006, o presidente Lula decidiu investir na construção de uma rede pública nacional de televisão e rádio. A criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que gerencia a TV Brasil, oito emissoras de rádio e uma agência noticiosa, sinalizou uma mudança de postura do governo. Inaugurada em dezembro de 2007, a TV Brasil dá os primeiros passos na construção de uma emissora sem fins lucrativos. Seu conselho curador é presidido pelo economista Luiz Gonzaga Belluzzo; já sua ouvidoria, dirigida pelo jornalista Laurindo Lalo Leal Filho, é um mecanismo de fiscalização da sociedade. Ela também constrói a sua própria rede nacional, fortalecendo as estruturas de 95 emissoras estaduais.
Exatamente por seu papel democratizante, a EBC sofre o cerco dos donos da mídia e ainda corre riscos. Tudo é feito para limitar o seu alcance e asfixiar seu financiamento. Antes mesmo de ser lançada, ela foi alvo de intensa oposição. A Folha de S.Paulo, por exemplo, publicou uma série de artigos para desqualificá-la e seu editorial arrematou: “Lula e o PT querem deixar sua marca particular no telecoronelismo criando um canal do Executivo; a proposta é descabida” [6]. Os ataques visaram confundir os conceitos entre rede estatal e pública, e contaram com a descarada ajuda do ministro Hélio Costa, ex-funcionário da TV Globo e porta-voz dos radiodifusores [7].
A EBC é uma conquista das forças progressistas na luta contra a ditadura midiática. Ela deve ser fortalecida e aperfeiçoada. Isto não a exime dos problemas, que decorrem da sua própria origem conflituosa no interior do governo e de impasses no seu projeto editorial, entre outras lacunas. Os seus recursos são escassos, menos de 5% na comparação com a receita da Rede Globo, e a TV Brasil sequer é transmitida em canal aberto. Seu conselho curador, indicado pelo presidente Lula, não contempla a diversidade dos movimentos sociais. Estes e outros problemas comprometem a sua autonomia de gestão e de financiamento, marcas que distinguem a rede pública da estatal, e dificultam que ela tenha maior visibilidade na sociedade. Mudanças são necessários e urgentes.
As propostas unitárias apresentadas pelos movimentos sociais no 1º Fórum de TVs Públicas, em maio de 2007, continuam atuais: instalação de um “conselho representativo, plural e autônomo, com maioria da sociedade civil, como instância decisória”; “igualdade de participação e respeito à diversidade (regional, mulheres, negros) no seu conselho”; “fomento à produção independente, ampliando a presença desses conteúdos na sua grade de programação”; maior disponibilidade de “verbas do orçamento público no seu financiamento e proibição da publicidade comercial, mas garantido as produções compartilhadas, o apoio cultural e a publicidade institucional”; “que os canais públicos, que hoje são garantidos pela Lei do Cabo, estejam em sinal aberto”.
2- Revisar os critérios das concessões
Desde o início das transmissões de rádio, em 1922, e de televisão, nos anos 1950, o processo de concessão de outorgas às emissoras sempre foi influenciado pelo poder econômico dos donos da mídia e por suas relações promíscuas com o Estado. Concedidas sem qualquer critério objetivo, as outorgas beneficiaram os mesmos grupos empresariais, o que reforçou a propriedade cruzada e a concentração no setor. Nesta longa trajetória monopolista, as redes privadas desrespeitaram as tímidas legislações existentes. Na prática, os barões da mídia exercem uma autêntica ditadura midiática, ficando acima das leis, das normas constitucionais e do próprio Estado de Direito.
A Constituição de 1988, por exemplo, proíbe a formação dos monopólios, exige a produção de conteúdos regionais, obriga que as emissoras tenham finalidades educativas, culturais e artísticas e determina que elas expressem a diversidade de pensamento na sociedade. Como nunca foram regulamentados, estes princípios progressistas viraram letra morta. O atual processo de outorga e de renovação das concessões, com prazo de 15 anos para as TVs e de dez anos para as rádios, é uma verdadeira caixa-preta. A sociedade não exerce qualquer controle sobre este bem público. O Congresso Nacional, que a partir da Constituição de 1988 virou co-responsável pelas concessões e renovações, não cumpre seu papel, submetendo-se à pressão e chantagem dos barões da mídia.
Qualquer questionamento a estas distorções é tachado como “atentado à liberdade de imprensa” pela mídia hegemônica. Ela omite que vários países exercem o direito democrático, inclusive, de não renovar concessões que ferem sua legislação. Até os EUA, nação badalada pela mídia servil, controlam os seus meios de comunicação de massas. A Administração Federal de Comunicações (FCC) cancelou 141 concessões de rádio e TV entre 1934 e 1987. Em 40 desses casos, ela nem esperou que expirasse o prazo da concessão. Já o governo britânico revogou a licença da OneTV, em agosto de 2006; da StarDate, em novembro de 2006; e do canal de televendas Auctionword, em dezembro de 2006. A Espanha revogou, em julho de 2005, a concessão da TV Católica. E a França cancelou a licença da TF1, em dezembro de 2005, por ela ter negado o Holocausto.
Na defesa da democracia e da autêntica liberdade de expressão, o país necessita ser mais rigoroso na análise das concessões e renovações das outorgas. É preciso exigir o cumprimento das normas constitucionais e das leis vigentes. Várias redes privadas desrespeitam o limite mínimo de tempo de 5% para o jornalismo e máximo de 25% para a publicidade. Ainda veiculam merchandising, o comercial disfarçado, o que vetado pelo Código de Defesa do Consumidor. A maioria não exibe o conteúdo educativo exigido pelo Constituição; quando exibe é em horários de baixa audiência. O lobby da mídia também sabotou a classificação indicativa, medida essencial para o resguardo do Estatuto da Criança e dos Adolescentes. Num desrespeito à legislação, várias emissoras de rádio e televisão são dirigidas por “laranjas” de políticos com mandato.
Diante destes e outros abusos, é inadmissível que as outorgas e renovações sejam dadas de forma automática, sem consulta à sociedade. Em vários países existem ouvidorias públicas para receber críticas e analisar as concessões; muitos promovem audiências sobre o tema. Em casos extremos, diante do desrespeito às leis, vários governos simplesmente revogam as concessões. A não renovação é um ato democrático, como admite a União Internacional das Telecomunicações (UIT), que “reconhece em toda sua amplitude o direito soberano de cada Estado de regulamentar o setor, devido à importância crescente das telecomunicações na salvaguarda da paz e do desenvolvimento econômico e social” [8].
3- Rever os critérios da publicidade oficial
A publicidade é a principal fonte de recursos da mídia hegemônica. O faturamento com anúncios publicitários, que superou R$ 21,4 bilhões em 2008, garante os investimentos neste setor de alta tecnologia e os lucros dos empresários, reforçando os impérios midiáticos. Nada é dado de graça, como costuma tergiversar a Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert) para se contrapor ao controle público. A exibição “gratuita” do conteúdo é paga pela publicidade e os altos custos de produção e veiculação são repassados ao preço da mercadoria. Além de seduzir o consumidor, o anúncio cumpre o papel ideológico de “vender” um estilo de vida, individualista e consumista.
Para o sociólogo Pedro Hurtado, “a publicidade, à margem da sua finalidade comercial, é pura e dura propaganda do modo de vida e de pensamento inerente à ideologia social predominante na atualidade: o consumismo-capitalismo. A publicidade não apenas vende produtos, mas também impõe um modo de vida, valores morais e culturais, códigos simbólicos e, em definitivo, uma ideologia... O consumismo é uma forma de pensar segundo a qual o sentido da vida consiste em comprar objetos e serviços. Esta forma de pensar se converte na principal ideologia que sustenta o sistema capitalista” [9].
Se a correlação de forças na sociedade não possibilita, ainda, adotar medidas mais rigorosas de controle da publicidade comercial, o atual estágio das lutas sociais no país já permite, ao menos, rediscutir os critérios de distribuição das verbas publicitárias dos governos. Afinal, este dinheiro é oriundo dos tributos da sociedade. O montante de recursos é expressivo e serve para “alimentar cobras”. Os barões da mídia que abocanham estes recursos públicos são os mesmos que pregam golpes, desestabilizam governos, criminalizam as lutas dos trabalhadores e idolatram o “deus-mercado”. A publicidade oficial reforça a monopolização do setor, quando poderia servir para estimular a diversidade e pluralidade informativas numa sociedade mais democrática.
De forma discreta, o governo Lula promoveu algumas mudanças nesta área. Ele descentralizou a distribuição das verbas oficiais. “Os comerciais do Palácio do Planalto atingiram no ano passado 5.297 veículos de comunicação. O número representa uma alta de 961% sobre os 499 meios que recebiam dinheiro para divulgar propaganda do governo Lula em 2003, quando o petista tomou posse”, resmungou a Folha [10]. A descentralização da publicidade oficial diminuiu o montante abocanhado por poucos barões da mídia. Irritados, eles agora criticam a rotulada “bolsa-mídia de Lula”, afirmando que ela serve para “alimentar a rede chapa-branca do governo” [11].
Apesar da gritaria, a administração direta e indireta é uma das maiores anunciantes do país. Os gastos publicitários dos governos FHC e Lula oscilaram entre R$ 900 milhões e R$ 1,2 bilhão. O pico de FHC foi em 2001, com R$ 1,114 bilhão em anúncios; em 2008, o governo Lula investiu R$ 1,027 bilhão. Isto sem contabilizar os custos da produção dos comerciais e os gastos com os patrocínios nas áreas de esporte, cultura e outras – que atingiu R$ 918 milhões em 2008. A soma de publicidade e patrocínio injetou quase R$ 2 bilhões na mídia. Na comparação com a iniciativa privada, o maior anunciante em 2008 foi a Casas Bahia, com R$ 3,2 bilhões; o segundo lugar ficou com a Unilever, dona das marcas Kibon, Omo, Dove e Rexona, que gastou R$ 1,75 bilhão.
Quase a totalidade da publicidade oficial engorda os bolsos dos barões da mídia. O governo Lula nunca teve a coragem para investir em veículos alternativos e estes estão à míngua. Até a revista Carta Capital, que adota uma linha jornalística mais independente, sofre com esta tibieza, como crítica Mino Carta [12]. A desculpa usada pelo governo é que ele adota critérios mercadológicos, medidos pela audiência e tiragens. Com esta postura aparentemente “neutra”, o governo reforça a monopolização do setor. É urgente redefinir os critérios para a publicidade oficial. Países como a Itália e a França adotam normas legais para incentivar a diversidade e pluralidade informativas, barateando os custos de impressão e garantindo cotas de publicidade para veículos alternativos.
O Fórum de Mídia Livre defende o estabelecimento de critérios democráticos e transparentes de distribuição dos recursos oficiais, e não apenas a partir da reprodução da lógica mercadológica. “O Estado não vende mercadoria, presta serviço publico. O critério de veiculação não deve ser o da circulação, pois este está ligado à lógica da audiência como mercadoria. A mídia comercial vende audiência, isto é, circulação ou pontos de Ibope, remunerando seus fatores de produção em função da receita que o anunciante lhe proporciona devido ao público que pode atingir. Ora, o Estado não precisa se subordinar a tais critérios. O Estado não vende nada, apenas presta contas, logo pode e deve chegar ao cidadão através de muitos canais pelos quais o cidadão se informa”, explica Marcos Dantas, professor da PUC/RJ e integrante da coordenação do movimento [13].
4- Estimular a radiodifusão comunitária
A radiodifusão comunitária é recente no país e já demonstrou o seu potencial prático na luta pela democratização das comunicações. Ela dá voz a quem não tem voz. Permite que as comunidades “excluídas” expressem seus anseios e reivindicações, divulguem suas criações culturais, prestem serviços à população. Essa experiência no Brasil surgiu no início dos anos 1980, ainda na fase sombria da ditadura militar, e só foi reconhecida legalmente em 1998 – na Bolívia, as rádios comunitárias surgiram na década de 1950 no bojo das greves dos mineiros; já no Chile, elas contribuíram para as vitórias da Unidade Popular, a coalizão socialista de Salvador Allende.
Temendo a sua concorrência, a radiodifusão comunitária é alvo da fúria da mídia hegemônica. Já os governos, sob pressão dos empresários, investem para criminalizá-la. O governo Lula foi até mais realista do que o rei, batendo recorde de perseguição. Segundo pesquisa da Abraço, de 2002 a 2007, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Polícia Federal fecharam mais de 15 mil rádios comunitárias. “Também foram abertos mais de 20 mil processos e cerca de 5 mil militantes foram condenados judicialmente por tentar exercer o direito de livre expressão”. O atual ministro das Comunicações, Helio Costa, dono da rádio Sucesso FM, de Barbacena (MG), vetou todos os projetos de avanço neste setor e “recrudesceu o fechamento das emissoras” [14].
Além da repressão, tudo é feito para inviabilizar a legalização da radiodifusão comunitária. A burocracia é infernal, com inúmeros obstáculos administrativos. Estudo feito pelo Sistema de Controle de Radiodifusão, em novembro de 2006, apontou a existência de 13.595 pedidos de rádios comunitárias acumulados no Ministério das Comunicações – três vezes mais do que os 4.400 verificados no início de 2003. José Sóter, dirigente da Abraço, critica os burocratas do ministério, “subservientes à Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e aos interesses dos monopólios da comunicação, e a falta de gente que esteja comprometida com a efetivação do serviço de radiodifusão comunitária como política pública de comunicação” [15].
Estudo recente, no qual foram pesquisadas 2.205 rádios comunitárias autorizadas pelo Ministério das Comunicações (80,44% do total das legalizadas), ainda aponta para outro grave perigo: o de que estas concessões sejam utilizadas como moeda de barganha, servindo a políticos fisiológicos e credos religiosos. A pesquisa indica que “a maioria das rádios comunitárias funciona no país de forma ‘irregular’ porque não se logrou ser devidamente autorizada; e, entre a minoria autorizada, mais da metade opera de forma ilegal. Entre as 2.205 rádios pesquisadas, foi possível identificar vínculos políticos em 1.106 – ou 50,2% delas... Há, também, um número considerável de rádios com vínculos religiosos: 120 delas, ou 5,4% do total”. Este deformação revelaria a existência de um “coronelismo eletrônico de novo tipo, envolvendo as outorgas de rádios comunitárias” [16].
Para complicar ainda mais o quadro, o setor passa por um processo de mutação tecnológica para sua digitalização. O Ministério das Comunicações, dominado pelos barões da mídia, já anunciou que prefere o padrão digital dos EUA, o IBOC. Várias rádios foram autorizadas a realizar testes com o novo padrão, criando um fato consumado – sem qualquer consulta à sociedade. Além de ser propriedade de uma única empresa, que cobrará elevados royalties, essa tecnologia ocupa o espectro de forma predatória, fechando espaços para as transmissões. Ele inclusive avança sobre fatias de freqüências ocupadas pelo sistema analógico. Ao encarecer os equipamentos e restringir as transmissões, esse padrão de digitalização poderá asfixiar a radiodifusão comunitária no país.
Ao invés de ser criminalizada, a radiodifusão comunitária deveria ser incentivada pelos poderes públicos. Diante do golpismo da ditadura midiática, ela é uma arma contra-hegemônica decisiva na defesa da democracia. O Estado deveria baratear seus equipamentos e promover oficinas para capacitar os radiodifusores. Mudanças na legislação deveriam garantir o aumento do número de freqüências das emissoras e ampliar o limite da área e o potencial de seu alcance – hoje restrito a um quilometro. A urgente criação de um sistema brasileiro de rádio digital serviria para evitar a monopolização do setor. Além disso, o poder público deveria garantir os meios de sustentação financeira destes veículos, investindo na construção de conteúdos de qualidade e plurais, e criar barreiras para coibir sua apropriação por setores fisiológicos e para garantir o seu caráter laico.
Para agilizar a legalização das rádios, a FNDC propõe medidas simples, como a descentralização dos processos de concessão, redução dos prazos de tramitação e zoneamento da radiofreqüência para definir o canal e a potência para cada localidade. Já a Amarc defende mudanças urgentes no marco regulatório. Entre outros pontos, ela propõe que “as comunidades organizadas e entidades sem fins lucrativos tenham direito a usar a tecnologia de radiodifusão disponível, tanto analógica como digital”; que “os meios comunitários tenham assegurada a sua sustentabilidade econômica, independência e desenvolvimento”, por meio de patrocínios e publicidade oficial; e a criação “de fundos públicos para assegurar o seu desenvolvimento” e de “políticas públicas que desonerem ou reduzam o pagamento de taxas e impostos, incluindo o uso de espectros” [17].
5- Investir na inclusão digital
Criada nos EUA para fins militares e impulsionada pelos circuitos financeiros do capitalismo, a internet tem transformado o mundo das comunicações. Os mais otimistas chegam a falar numa “revolução”, que permitiria a democratização da produção de conteúdos e da sua difusão. Outros, mais cautelosos, apontam que a tendência monopolista do capital já se faz sentir na centralização dos portais da internet, além do que o capital imporá formas de controle. O projeto do senador tucano Eduardo Azeredo, já batizado de AI-5 digital, confirma este perigo, a exemplo do ataques desferidos pelo presidente-terrorista George Bush e pelo fascistóide Nicolas Sarkozy na França.
Independentemente das tendências futuras, a internet já provoca enormes abalos no setor. Vários jornais e revistas perderam tiragens, faliram ou viraram online. A própria linguagem da televisão é afetada por esta nova forma de comunicação, mais ágil e interativa. Muitos protestos políticos, a partir da manifestação contra a globalização neoliberal que paralisou Seattle em 1999, já são convocados por sítios e blogs progressistas. Manipulações da mídia hegemônica são desnudadas na internet. De 1999 a 2006, mais de 47 milhões de blogs entraram no ar. Neles circulam 1,2 milhão de novos artigos por dia, ou 50 mil por hora, escritos por cerca de 35 milhões de pessoas.
Entusiasta da internet, Bernardo Kucinski afirma que ela “é a maior revolução nas comunicações desde a invenção de Gutenberg. Não admira que tenha reaberto uma nova era de encantamento do ser humano com a comunicação e com a arte de escrever... Na articulação das ONGs e dos movimentos sociais, a internet tem tido papel decisivo, recuperando com grande vantagem o antigo papel atribuído por Lênin à imprensa como ‘organizadora do movimento operário’. Na era da globalização, ela se tornou uma organizadora da cidadania, como expressa o Fórum Social Mundial. Este certamente não teria existido sem a internet. Ela também deu viabilidade técnica ao exercício da democracia direta e acesso direto do cidadão aos serviços do Estado” [18].
Esta “essência libertária”, porém, pode ser castrada pela exclusão digital, alerta Sérgio Amadeu, outro entusiasta da internet. “Quanto custa se conectar à sociedade da informação? Para acessar a internet, a rede mundial de computadores, é preciso pagar mensalmente um provedor de acesso e o gasto com a conta telefônica. Além disso, é preciso ter um computador que custa mais de mil reais. Em um país com quase um terço da sociedade abaixo da linha da pobreza, gastar algo em torno de 40 reais por mês pelo uso mínimo de conexão e conta telefônica é impossível para a maioria da população. Essa é a nova face da exclusão social”, explica didaticamente [19].
Para superar este gargalo, ambos concordam que o Estado deve ter papel pró-ativo. Não dá para deixar esta tecnologia nas mãos “invisíveis” do deus-mercado. Entre outras medidas, é urgente regular o setor para universalizar o acesso à internet, visando a sua gratuidade. O preço da banda larga no país é dos mais altos no mundo devido à desregulamentação das telecomunicações [20]. É preciso também uma política mais ofensiva para baratear os aparelhos, inclusive superando a “ditadura de Bill Gates” através do software livre. Segundo a PNAD de 2004, somente 16,6% das residências brasileiras tinham computadores. Dados do Ibope de 2007 revelaram que apenas 14,1 milhões dos lares tinham acesso à internet. “Devemos elevar a questão da inclusão digital e da alfabetização tecnológica à condição de política pública”, defende Sérgio Amadeu.
6- A urgência do novo marco regulatório
Estas e outras mudanças colocam a urgência de um novo marco regulatório para o setor. A atual legislação é ultrapassada, datada de 1962, carregada de vícios e não dá respostas aos vertiginosos avanços tecnológicos na área. Além de coibir os monopólios e regulamentar outros princípios da Constituição de 1988, como o que garante o respeito à pluralidade de opiniões, a nova legislação deve enfrentar os desafios do futuro. O processo de convergência digital, no qual as corporações multinacionais avançam sobre a mídia, torna este debate ainda mais atual. Hoje é preciso impor regras para evitar a desnacionalização do setor e para garantir a produção e a cultura nacionais.
Apesar das restrições do padrão japonês adotado pelo governo, a nova legislação deve regular a implantação da TV e da rádio digital, protegendo o conteúdo nacional e explorando seu potencial na promoção da diversidade e da inclusão social. Ela não pode depender do resultado da disputa entre as operadoras de telefonia e os barões da mídia. “No bojo da convergência tecnológica, o instinto de sobrevivência dos radiodifusores e a ânsia pela entrada no mercado do conteúdo audiovisual das chamadas teles deverão ser a força motriz da mudança na legislação... É preciso garantir que o campo não seja ocupado apenas pela polarização radiodifusores x teles, mas pelo conjunto dos atores que tem propostas para a reformulação legal”, alerta Jonas Valente [21).
O novo marco regulatório deve fixar políticas públicas que garantam o acesso da população aos avanços tecnológicos. O Brasil ainda está muito atrasado neste campo, seja no acesso à internet, às salas de exibição de cinema ou mesmo à telefonia. “Em 1997, o numero de telefones por 100 habitantes era de 11,7%; em 2004, passou para 29%. Apesar de a telefonia chegar praticamente a todos os 5.484 municípios, nos 5 mil mais pobres ela é a mesma de antes da privatização; 11% ou 7,5 milhões de linhas... Assim, grandes parcelas da população estão excluídas dos avanços tecnológicos. Esse quadro, já amplamente diagnosticado pelo governo Lula, impõe a necessidade de um novo modelo institucional”, que garanta o “adequado equilíbrio entre os sistemas privado, público e estatal” e evite “a concentração da propriedade”, propõe Israel Bayma [22].
A nova legislação também deveria fixar mecanismos democráticos de controle social dos meios de comunicação. Ignacio Ramonet, diretor do jornal Le Monde Diplomatique, defende a criação de observatórios de mídia nas escolas e espaços públicos para monitorar o que é divulgado. “A informação, como os alimentos, está contaminada. Envenena o espírito, polui nossos cérebros, nos manipula, nos intoxica, tenta instilar em nosso inconsciente idéias que não são nossas”. Daí a urgência de um “quinto poder” fiscalizador [23]. No mesmo rumo, é preciso reativar o Conselho de Comunicação Social, previsto na Constituição, mas que está esvaziado. Há ainda a proposta dos sindicatos de jornalistas da criação dos conselhos de redação, como instrumento de luta da categoria e também como contraponto à manipulação, à censura e à pressão dos donos da mídia.
Como conclui Marcos Dantas, a comunicação passa por aceleradas mudanças. Em curto espaço de tempo, nada será como antes neste setor. A televisão, por exemplo, “não será apenas esta que temos: aberta, unidirecional, oferecida por grandes grupos empresariais e sustentadas pela grande publicidade. A TV poderá ser também local ou comunitária, via internet”. O rumo das mudanças dependerá da correlação de forças na sociedade e da construção de um novo marco regulatório e legal. “Na verdade, o capitalismo desenvolveu essas tecnologias e vai moldando os seus usos, ao seu gosto. Nada impede, porém, que o povo trabalhador possa disputá-las, delas se apropriar e a elas dar novos e mais democráticos rumos” [24].
NOTAS
1- James Görgen. “Como domar essa tal de mídia?”. Cartilha nº 1 da FNDC.
2- Caderno da 1ª Conferência Nacional de Comunicação. Diretório Nacional do PT, abril de 2008.
3- “O PCdoB e a luta pela democratização da mídia”. Resolução da 8ª reunião do Comitê Central, outubro de 2007.
4- Laurindo Lalo Leal Filho. Vozes de Londres. Memórias brasileiras da BBC. Edusp, SP, 2008.
5- Valério Cruz Brittos e Rafael Cavalcanti Barreto. “O potencial democrático e sua redução à mercadoria”. Observatório da Imprensa, 14/10/08.
6- “Aparelho na TV”. Editorial da Folha de S.Paulo, 19/03/07.
7- “TV do Executivo: uma ação contra o Fórum de TVs Públicas”. Intervozes, março de 2007.
8- Ernesto Carmona. “Salvador Allende se revolve na tumba”. Correio da Cidadania, 12/07/07.
9- Pedro Hurtado. “Prohibir la publicidad en los medios de comunicación de masas”. Rebelion, 20/12/08.
10- Fernando Rodrigues. “Propaganda de Lula chega a 5.297 veículos”. Folha de S.Paulo, 31/05/09.
11- Fernando de Barros e Silva. “O bolsa-mídia de Lula”. Folha de S.Paulo, 01/06/09.
12- Mino Carta. “A vitória de Lula é a derrota da mídia”. Entrevista para o sítio Fazendo Media, 03/11/06.
13- Jonas Valente. “Fórum lança manifesto em defesa do fortalecimento da mídia livre”. Observatório do Direito à Comunicação, 24/10/08.
14- Gustavo Gindre. “Os rumos do Ministério das Comunicações”. Fazendo Media, 27/11/06.
15- Laura Schenkel. “Governo acumula 14 mil pedidos de abertura de rádios comunitárias”. Boletim da FNDC, 09/12/06.
16- Venício A. de Lima e Cristiano Aguiar Lopes. “Rádios Comunitárias: coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004)”.
17- “Audiência discute padrão para rádio e televisão comunitária”. Agência Adital, 27/10/09.
18- Bernardo Kucinski. Jornalismo na era virtual. Editoras Perseu Abramo e Unesp, SP, 2005.
19- Sérgio Amadeu da Silveira. Exclusão digital. Editora Perseu Abramo, SP, 2005.
20- Elvira Lobato. “Disputa de teles distorce preço da internet”. Folha de S.Paulo, 17/08/08.
21- Jonas Valente. “Lei Geral é a bola da vez, afirmam especialista do setor”. Carta Maior, 23/03/07.
22- Israel Bayma. “Uma proposta para a construção democrática da lei geral de comunicação eletrônica”. 02/08/06.
23- Ignacio Ramonet. “O quinto poder”. Caminhos para uma comunicação democrática. Jornal Le Monde Diplomatique, SP, 2007.
24- Marcos Dantas. Uma agenda democrática para as comunicações brasileiras. Cadernos da Fisenge, RJ, 2008.
- Extraído do quinto e último capítulo do livro "A ditadura da mídia", publicado pela Associação Vermelho e Editora Anita Garibaldi. Para adquirir seu exemplar, entrar em contato com Eliana Ada no endereço eletrônico - livro@vermelho.org.br
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