quarta-feira, 19 de maio de 2010

Vídeos do lançamento do Barão de Itararé













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A Bolívia que só a Veja não vê

Reproduzo reportagem de Caroline Cotta de Mello Freitas e Vincius Mansur, publicada no jornal Brasil de Fato:

Publicada na edição 2164 da revista Veja, de 12 de maio deste ano, a matéria “A farsa da nação indígena”, referindo-se à Bolívia, traz uma série de equívocos e de fatos descontextualizados que, juntos, dão forma a um texto totalmente preconceituoso com o país e com o processo político por ele vivido atualmente.

Apesar do repórter Duda Teixeira assinar o texto de La Paz, é difícil crer que um jornalista esteve nesta cidade e, ainda assim, intitulou sua peça jornalística tal qual foi publicada. Só não percebe os traços indígenas da maioria da população quem passou por aqui e não olhou a cara das pessoas. Quem caminhou pelas ruas de ouvidos tapados ignorando os “aymara e quechua-hablantes”. Quem não se permitiu aos olores, não provou da comida, não buscou saber da música, não buscou na literatura, enfim, quem censurou todos os sentidos e quase todas suas formas de reprodução. De tal maneira que desatar tantos devaneios travestidos de jornalismo nos consumiria o espaço de toda uma edição da revista. Mas vamos a alguns pontos.

Alguns dirão que La Paz não é a Bolívia e, de fato, a Bolívia é muito mais diversa, para se ter uma idéia são 36 povos indígenas no país, além de afrobolivianos, grupos descendentes de imigrantes e muitos mestiços. O autor do artigo pode alegar que a dita farsa não é obra do povo boliviano, senão dos líderes do “processo de cambio”. Porém, a própria matéria cita que a nova Constituição – resultado de uma Assembléia Constituinte, posteriormente aprovada em referendo popular durante a primeira gestão de Evo Morales – considera a Bolívia um Estado Plurinacional. Afinal, onde está a farsa?

De maneira oportunista, o texto segue manipulando informações sem critério para criticar as medidas de orientação indigenista do governo, porém utiliza os argumentos de outros indigenistas quando estes sustentam críticas ao poder executivo, transformando a matéria em um malabarismo argumentativo que, ao final, caricaturiza toda expressão indígena e reduz a diversidade e as possibilidades políticas que se apresentam dentro do processo de mudanças.

A Veja afirma que o projeto político do MAS (partido de Morales) é uma farsa porque “os índios representam apenas 17% da população”, porque o nacionalismo indígena foi “criado em universidades americanos e européias” e “transferido para o altiplano por 1,6 mil ONGs”. Afirma que “o caos foi instalado” e que “a Bolívia tornou-se um país sem lei” com a institucionalização da Justiça Comunitária, ou seja, com o reconhecimento legal pelo Estado das formas de justiça aplicadas há séculos nas comunidades originárias. Medida responsável por “propagar linchamentos entre a população” que agora ocorrem “em média, um por semana”, conclui Teixeira - ou seu editor - sem qualquer menção a origem dessas informações.

Assim como não menciona que o último censo oficial, realizado em 2001, apontou que 66% da população se identificava como indígena. Não menciona Tupac Katari, Bartolina Sisa, Julian Apaza, Pablo Zarate"Willka” e todos aqueles que, desde há muito, construíram lutas e idéias em prol de uma nação onde os indígenas fossem livres e respeitados, antes mesmo de qualquer contato com universidades e ONGs ocidentais. Não mencionam o Artigo 190 da Constituição, que estabelece, entre outras coisas, que “a jurisdição indígena originária camponesa respeita o direito a vida, o direito a defesa e os demais direitos e garantias estabelecidos na presente Constituição”.

O jogo mesquinho de construção do real não diz que linchamentos são um fenômeno urbano, não rural, que está relacionado ao amplo descrédito em relação às instituições da ordem, como a Polícia e a Justiça. O episódio de agressão sofrido por Victor Hugo Cárdenas é atribuído à Justiça Comunitária. No entanto, a “pelea” de certos grupos e movimentos indígenas com Cárdenas é bem anterior ao governo Morales. Cárdenas, um antigo ideólogo do indigenismo Katarista, é considerado traidor por alguns grupos e movimentos indígenas, pois aceitou ser vice-presidente, a partir de 1993, do então presidente Gonzalo Sanchez de Losada, um dos maiores responsáveis pelo avanço de políticas neoliberais, que entre outras coisas entregaram a preços “módicos” os recursos naturais bolivianos às empresas transnacionais.

A manipulação grosseira segue com o caso Patzi. Na versão da revista, o ex-candidato do MAS ao governo de La Paz nas eleições regionais de abril deste ano, o aymara Félix Patzi, foi “flagrado dirigindo bêbado, foi condenado pela Justiça comunitária a fazer mil tijolos. Além disso, teve a candidatura inabilitada. Se Patzi tivesse concorrido ao pleito e vencido, isso tampouco garantiria a sua posse”.

Patzi de fato foi flagrado bêbedo, justamente no momento em que o governo enfrentava os trabalhadores e empresários do setor de transporte, que chegaram a realizar bloqueios de estradas em oposição ao projeto de lei que previa, entre outras coisas, a suspensão da licença para conduzir daqueles motoristas profissionais flagrados bêbados trabalhando. Nesse contexto, o MAS decidiu substituir Patzi pelo também aymara César Cocarico. A Justiça Comunitária entra na história através das bases de Patzi, que em seu povoado aymara, Patacamaya, em busca do perdão que o reabilitaria a ser candidato, estabeleceram que ele deveria construir os tijolos para se redimir. Porém, mesmo cumprindo a pena, o MAS não mudou de posição.

E assim o texto vai distorcendo fatos, chamando a Justiça Comunitária de “brutal arma contra a oposição e ex-aliados de Morales”. Mas, não menciona que boa parte dos adversários do presidente, em geral os governantes de outrora, fugiram do país com medo da Justiça Comum, uma vez aprovada a Lei Anticorrupção Marcelo Quiroga Santa Cruz, que, entre outras coisas, considera que os crimes de corrupção cometidos por servidores públicos no exercício de suas funções são imprescritíveis.

A Veja mente quando afirma que Morales já perdeu o apoio do Conselho Nacional de Ayullus e Markas do Qullasuyu (Conamaq) e da Assembléia do Povo Guarani (APG). É verdade que ambas as organizações têm tomado posturas críticas diante de políticas estatais, ou da falta delas, e seguem apostando na mobilização como forma de conquistar direitos, ao invés do apoio apático e incondicional. Porém, uma revista que escreve que os protestos diminuíram nos primeiros anos de governo Morales “já que o presidente controlava os baderneiros” é incapaz de entender que Conamaq e APG seguem fazendo parte da aliança que governa a Bolívia.

A Bolívia, desde as revoltas chefiadas por Tupac Katari, no século XVIII, se caracteriza por grandes mobilizações populares. Os famosos “bloqueios” e “marchas” são estratégias de manifestação do povo boliviano há séculos. Feliz país que se caracteriza pelo dissenso, nada mais democrático. Perigo é o silêncio conivente, a indignação que não toma as ruas, seja por impedimento (como nas ditaduras) ou por indiferença. Manifestações públicas, como as marchas bolivianas e críticas abertas ao governo não são só necessárias, são fundamentais para que se fortaleça um Estado democrático. O dissenso não é uma prova de “farsa”, é uma prova de “saúde” democrática.

Mas, infelizmente a Veja segue disseminando de maneira sistemática sua visão preconceituosa em relação aos povos indígenas e também aos quilombolas, vide a matéria publicada na edição anterior, de número 2163, datada de 5 de maio de 2010, intitulada “A farra da antropologia oportunista”. Nela, a revista atribui a declaração "não basta dizer que é índio para se transformar em um deles. Só é índio quem nasce, cresce e vive num ambiente de cultura indígena original" ao antropólogo Eduardo Viveiros de Castro. Porém, é vergonhosamente desmentida por Viveiros de Castro que, em uma carta para a revista, afirma: “Nenhum antropólogo que se respeite a pronunciaria”.

A Veja, por possuir essa perspectiva distorcida sobre “o que é ser índio”, afirma, portanto, que Morales não é indígena por não falar aymara fluentemente ou por ser solteiro. Questionamentos como esses tem mais relevância para Veja que a autonomia indígena estabelecida pela nova Constituição, a incorporação da bandeira indígena wiphala como um dos símbolos oficiais do país, a obrigação dos funcionários públicos em aprender uma língua originária falada na região onde trabalham, a criação de três universidades indígenas (uma aymara, uma quechua e uma guarani), a libertação do trabalho escravo de indígenas guaranis em fazendas em Santa Cruz, a erradicação do analfabetismo na Bolívia ou até mesmo o fato do país ter apresentado o maior crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) da América Latina (3,2%) em 2009, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), fatos omitidos na matéria.

Evidentemente, o processo político encabeçado por Morales encontra enormes desafios, dissidências e disputas internas, que reproduzem, por vezes, as velhas práticas em busca do poder – conhecidas em todos os países do mundo - mas também muitos boatos, muitas versões. Elementos existentes em todos os processos políticos vivos e pujantes.

A acusação de que Morales divide o país com suas declarações, como disse Jaime Apaza à Veja, são no mínimo curiosas. Afinal, falar em inclusão de grupos tradicionalmente excluídos não significa dividir o país. Um presidente que defende os direitos de grupos invisibilizados há séculos, não profere palavras de “ódio”. Claro, para certas parcelas da população boliviana, sim, as idéias defendidas por Morales são ameaçadoras porque ameaçam privilégios seculares e a manutenção de uma sociedade racista e excludente, em que a origem étnica tradicionalmente “define” quais lugares alguém pode ocupar na sociedade.

Para aqueles que carregam traços indígenas em um país como a Bolívia, onde a circulação de pessoas de origem indígena em certas áreas das cidades era restrita até 1952, o atual processo político e social tem um valor difícil de ser mensurado. E, certamente, impossível de ser taxado como farsa.

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Liberdade de expressão para quem?

Reproduzo artigo do professor Venício A. de Lima, publicado no Observatório da Imprensa:

O recente episódio da demissão do jornalista Felipe Milanez, editor da revista National Geographic Brasil, publicada pela Editora Abril, por ter criticado, via Twitter, a revista Veja, é revelador da hipocrisia geral que envolve as posições públicas dos donos da mídia sobre liberdade de expressão e liberdade de imprensa.

As relações de trabalho nas redações brasileiras, é sabido, são hierárquicas e autoritárias. Jornalistas editores são considerados, pelos patrões, como ocupando "cargos de confiança" e devedores de lealdade incondicional. Mas não se trata aqui da expressão de opinião contrária à posição editorial em matéria jornalística publicada no mesmo veículo. Isso, não existe. Trata-se, na verdade, da liberdade de expressão individual "sob qualquer forma, processo ou veículo".

Segundo matéria publicada no Portal Imprensa, o redator-chefe da National Geographic Brasil, Matthew Shirts, confirmou que Felipe Milanez "foi demitido por comentário do Twitter com críticas pesadas à revista. A Editora Abril paga o salário dele e tomou a decisão".

Pode um jornalista profissional expressar sua posição pessoal sobre o jornalismo praticado por outro veículo cujo proprietário é o mesmo daquele em que trabalha, sem correr o risco de perder o emprego? A liberdade de expressão se aplica quando estão envolvidas relações empregatícias? Ela é ou não é um direito individual universal?

Nota oficial do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, em defesa do jornalista Felipe Milanez, afirma: "Nos últimos anos, junto com outras grandes empresas do ramo, a Editora Abril tem se notabilizado pelo combate a todo tipo de regulamentação social da área de comunicações. Em suas ações sistemáticas contra a constituição de um Conselho Nacional de Jornalistas, pela derrubada total da Lei de Imprensa e pelo fim da obrigatoriedade de diploma de nível superior para o exercício do jornalismo, o argumento mais utilizado é o da `defesa da liberdade de expressão´. Nesses embates, o Sindicato dos Jornalistas no Estado de São Paulo – comprometido com a defesa da democracia e da liberdade de expressão – tem alertado a sociedade para o fato de que as grandes empresas posicionam-se de maneira cínica, pois, na prática, não permitem a liberdade de expressão de seus jornalistas, sobretudo quando contrariam interesses empresariais."

De onde vem a ameaça autoritária?

Temos assistido, nos últimos meses, a uma escalada crescente, na qual a grande mídia, diretamente ou através de suas entidades representativas – ANJ, ANER e Abert – tenta convencer a população brasileira de que existe uma ameaça autoritária, partindo do governo, no sentido de cercear a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa no país.

A violenta e bem sucedida campanha contra a diretriz relativa ao direito à comunicação contida na terceira versão do Plano Nacional de Direitos Humanos é apenas o exemplo mais recente.

Os representantes da Editora Abril são parte ativa desta tentativa, onde a grande mídia se apresenta como defensora intransigente da liberdade.

Como, no entanto, conciliar a posição libertária dos grupos de mídia com a relação trabalhista autoritária que mantêm com seus empregados jornalistas? Quais as implicações éticas dessa relação autoritária para com a verdade e o interesse público?

Episódios como a demissão de Felipe Milanez nos obrigam a perguntar, uma vez mais, para quem é a liberdade de expressão que a grande mídia defende?

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Os avanços e as insuficiências do PNBL

Reproduzo artigo enviado por Jonas Valente, jornalista e integrante do Intervozes:

O governo publicou no último dia 14 o Decreto 7.175, que institui o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL). A meta principal do Programa é assegurar o acesso à Internet em alta velocidade a cerca de 39 milhões de domicílios até 2014. O Decreto traz uma série de avanços importantes. Talvez o mais representativo seja o papel indutor dado ao Estado, especialmente com a retomada da Telebrás como protagonista do setor. Mas peca pela omissão de questões fulcrais para fazer com que esta nova tecnologia sirva de fato à promoção da comunicação como um direito humano para todos os brasileiros e todas as brasileiras.

O PNBL está formatado para ser um conjunto de ações que visa à massificação da banda larga, estabelecendo como meta mais do que triplicar os atuais 11,8 milhões de lares conectados atualmente. O mérito do Programa está em assumir que o mercado é incapaz de assegurar o alcance desta meta. No entanto, tal ampliação, no Programa, não assume o objetivo central que vem norteando as políticas de diversos países: a universalização deste serviço. Sem este horizonte, corre-se o risco de que esta tecnologia torne-se um elemento qualificador da desigualdade existente em nosso país.

Para atingir as metas do PNBL, o governo federal promete atuar para baratear a oferta dde banda larga a partir do fomento ao desenvolvimento de um mercado apoiado em pequenos e médios provedores. O principal instrumento seria o uso da Telebrás como fornecedora de dados no atacado. A empresa negociará a preços mais baixos do que os praticados pelas grandes detentoras de infra-estrutura (em sua maioria, operadoras de telefonia) e exigirá, em troca, que o serviço chegue na casa do cidadão a um preço máximo para uma dada velocidade. A previsão é que o valor fique entre R$ 35 e R$ 25, a depender do nível de isenção de impostos concedido.

Para pessoas que não têm renda suficiente para comprar pacotes nesta faixa de preço, estuda-se uma espécie de “banda larga popular”, que poderia custar entre R$ 15 e R$ 10. No entanto, ela teria velocidade de 512 Kbps e limitações do volume de dados. A redução de custos neste caso seria possibilitada por uma forte redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS).

Para dotar a Telebrás de condições para cumprir este novo papel, será criada uma Rede Nacional aproveitando a infra-estrutura de propriedade de empresas públicas, como Petrobrás, Furnas, Eletronorte e Compania Hidrelétrica do São Francisco (Chesf). O uso das fibras da Eletronet, alvo de denúncias de jornalões paulistas, foi abandonado. Segundo o governo, pelo fato do investimento na melhoria desta rede ser equivalente ao de uma nova. A opção foi pela expansão da Rede Nacional, que deve acumular 30 mil Km de fibras óticas e chegar à Brasília e a outras 25 capitais em 2014. Uma extensão feita por linhas de rádio vai possibilitar a cobertura de um raio de 100 Km de cada ponto da rede.

A intenção deste modelo é acabar com o gargalo dos backbones e backhauls (grandes e médios troncos por onde passam os dados) das concessionárias, cujo tráfego é oferecido a preços altíssimos aos pequenos e médios provedores para miná-los na concorrência com os pacotes das próprias operadoras. Por isso, a lógica de fixação de um preço máximo a ser garantido pelos provedores que comprarem dados da Telebrás é bastante positiva. A expansão e a capilaridade da rede também, pois delas dependem parte importante do sucesso do PNBL.

No entanto, um aspecto medular ainda a ser equalizado é a oferta do serviço de internet em alta velocidade diretamente pelo governo federal, ou pelo Poder Público em geral. O Decreto prevê, no Artigo 4º, inciso IV, esta possibilidade “apenas e tão somente em localidades onde inexista oferta adequada” dos serviços. O Comitê Gestor do Programa de Inclusão Digital (CGPID) será o responsável por identificar estas áreas.

Esta formulação é restritiva. A Constituição Federal diz, em seu Artigo 21, que “compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais”. Não há, portanto, por que um Decreto limitar a ação direta do Estado se esta é uma diretriz da nossa Carta Magna.

Apesar da redação limitadora, o conceito de “localidades onde inexista oferta adequada” ainda permite uma abertura para traçar um planejamento com vistas à oferta própria da banda larga pela União. O uso deste expediente deve ser entendido como pilar do Programa, pois não há qualquer perspectiva de que a universalização da banda larga possa ser feita pelo mercado.

Segundo dados do Ministério das Comunicações, compilados no documento “Brasil em Alta Velocidade”, há um “gap de acesso” no Brasil (domicílios que estão em condições geográficas ou de renda incapazes de atrair a oferta do serviço) de 55,7% dos lares. Diagnóstico apresentado pelo próprio governo mostra como o custo da banda larga representa 4,5% das despesas de uma família. Desta forma, é improvável que as operadoras comerciais, mesmo com preços subsidiados por isenções ou pela Telebrás, consigam chegar a uma parcela importante da população brasileira.

A tentativa de oferecer o serviço a R$ 10 é importante. Porém, a velocidade escolhida (512 Kbps) e a admissão de limites no volume de dados que podem ser carregados são condicionantes preocupantes. O governo argumenta que tal combinação é a possível, e que ela já seria uma evolução frente ao quadro atual, já que boa parte dos brasileiros possui conexões com velocidade de 256 Kbps. Independente desta constatação, o PNBL deve tratar a banda larga como parte de um direito, devendo o acesso a ela ser garantido de forma isonômica.

Qual seria a saída, já que o mercado não será o vetor de universalização do acesso a este serviço? Discutir uma solução mágica e imediata é temerário. Mas é possível visualizar um caminho mais ambicioso do que o explicitado no Decreto 7.175. A Telebrás deveria capitanear uma infra-estrutura estatal que contaria com o backbone feito a partir de sua Rede Nacional, com backhauls sustentados pelos governos estaduais com o último quilômetro (mecanismos para fazer chegar a banda larga na casa do cidadão) mantidos por esses ou por prefeituras. Ou até mesmo pelo governo federal, quando necessário. Este sistema deveria buscar a oferta gratuita sempre que possível. Quando não fosse viável, disponibilizaria o serviço a um custo muito baixo e a taxas de velocidade a serem ampliadas gradualmente.

Regulação: separação estrutural e regime público

O governo também pretende qualificar a concorrência por meio da aprovação de regras incidentes sobre as grandes operadoras. Entre elas estão a regulamentação do compartilhamento das redes (conhecido também como unbundling) e a definição do modelo de custos do tráfego de dados. O primeiro vai coibir as concessionárias na fixação de preços abusivos para o tráfego de dados que comercializam. Este é um grande obstáculo hoje para os pequenos e médios provedores e mesmo para estados e prefeituras que têm programas de inclusão digital. O segundo compreende o cálculo sobre quanto custa o tráfego de dados por uma dada infra-estrutura. Este mecanismo é condição para que a agência reguladora, Anatel, possa fiscalizar se o preço cobrado é justo ou não. Ambas já deveriam ter sido regulamentadas pela Anatel há anos, mas, por conta da fragilidade e falta de vontade política da Agência, ainda não o foram.

Para garantir os objetivos do PNBL, de aumento da competição e redução dos preços, estas medidas são importantes, mas insuficientes. Uma saída mais efetiva seria a adoção do modelo de separação estrutural entre os detentores da infra-estrutura e os prestadores do serviço. Nele, não poderia haver uma empresa que detivesse a rede e prestasse o serviço. Quem optasse pelo negócio da venda de tráfego no atacado buscaria comercializar para o maior número de operadores. Já quem oferta o serviço teria mais alternativas de fornecedores de dados. Ele já é utilizado no Reino Unido, Itália, Nova Zelândia e Suécia.

Contudo, a implantação de nenhuma destas medidas será efetiva efetividade se o serviço não passar a ser prestado em regime público. Este, segundo a Lei Geral de Telecomunicações (9.472/97), é um enquadramento jurídico que deve ser aplicado àqueles serviços considerados essenciais, “de interesse coletivo, cuja existência, universalização e continuidade a própria União comprometa-se a assegurar” (Art. 64). Tal definição não se adéqua à internet em alta velocidade?

O regime público é condição para que o Estado tenha condições de assegurar obrigações de universalização, qualidade, velocidade e continuidade, bem como o controle das tarifas. Para além da discussão sobre universalização já colocada, faz-se necessário discutir a qualidade, especialmente a velocidade. Segundo dados do governo federal, a internet no Brasil é lenta: 33% das conexões têm somente até 256 kbps e apenas 1% das conexões são superiores a 8Mbps.

Como o modelo preconizado pelo PNBL se apóia fortemente na oferta pelo mercado, atribuir esta responsabilidade aos prestadores privados sem determinar regras efetivas que garantam a boa prestação do serviço pode ser um tiro no pé. É importante lembrar que as operadoras de Telecom são campeãs de reclamações no Procon. Também é bom recordar a pane recente da Telefónica em São Paulo, que deixou a cidade sem telefone e sem Internet por dias.

Gestão da política

A gestão do Programa ficará a cargo do Comitê Gestor do Programa de Inclusão Digital (CGPID). A opção é interessante, dá um caráter interministerial e coloca o núcleo da condução do PNBL dentro da Presidência da República. Junto ao Comitê, o governo anunciou a criação de um Fórum Brasil Digital, com a presença de representantes do poder público, associações representativas das operadoras comerciais do setor e entidades da sociedade civil. A iniciativa é importante.

Preocupa o fato de não haver qualquer menção a ela no Decreto 7.175. O Fóum não pode ser uma instância informal, mas um órgão institucionalizado. Para além disso, é necessário fazer uma reflexão sobre sua composição. A sociedade civil deve ter participação majoritária, já que reúne, de diversas formas, os sujeitos do direito a ser assegurado por meio das ações do PNBL. Uma presença excessiva das operadoras privadas traz o risco de captura do FBD, ao permitir a elas regulem seu próprio negócio.

Para além do acesso

Outra melhoria importante a ser feita no Programa é o equilíbrio entre suas várias dimensões. Corretamente, ele encara o problema do acesso com foco na infra-estrutura para permitir uma oferta mais acessível. Mas a democratização da Internet não se esgota no simples acesso à ela. Diferente de outros meios, a Internet permite uma interação maior. Por isso, tão importante quanto é a política para a produção e circulação de conteúdos que garanta instrumentos à população para poder entrar no mundo digital não apenas como consumidores, mas como sujeitos da Rede Mundial de Computadores.

Esta discussão está prevista dentro de um grupo temático a ser criado no CGPID, sob coordenação dos ministérios da Educação e da Cultura. Este último já vem discutindo uma política de conteúdos digitais. Este tema precisa entrar no debate público, para que não seja tratado como uma segunda etapa do PNBL, mas como um eixo cuja implantação comece já no curto prazo.

Deve fazer parte do esforço do Programa o Marco Civil em elaboração no âmbito do Ministério da Justiça. O processo é rico, pelo seu caráter colaborativo. No site culturadigital.br/marcocivil, o ante-projeto de lei é debatido com qualquer cidadão que participar da comunidade. A dinâmica pode ser um exemplo de procedimentos a ser adotado nas outras discussões do PNBL.

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terça-feira, 18 de maio de 2010

Acordo Brasil-Irã resolve impasse nuclear?

Reproduzo artigo de Breno Altman, publicado no sítio Opera Mundi:

As primeiras reações dos governos ocidentais foram de estupefação. A aposta generalizada de vários líderes era em fracasso na missão a que se propusera o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva. Não apenas por desacreditarem de sua fórmula, mas principalmente pelos problemas que lhes acarretariam se vingasse a via negociada na tensão com o Irã.

São para deixar com a orelha em pé as desconfianças e resistências exacerbadas com as quais, em certas áreas, foi recebida a assinatura do compromisso de Teerã. Inglaterra, França, Estados Unidos e Alemanha – com maior ou menor grau de desenvoltura – preferiram questionar a eficácia do acordo a reconhecer o estabelecimento concreto de novos paradigmas.

Seus porta-vozes recorrem a argumentos frágeis. Um deles é que o Irã não estaria transferindo todo seu estoque de urânio para a Turquia, quando a própria Agência Internacional de Energia Atômica já calculara que a neutralização de 1,2 toneladas do minério seria o suficiente para anular qualquer projeto atômico de caráter militar. No fundamental, os termos do acordo são os mesmos da proposta oferecida por Estados Unidos, Rússia e França há oito meses, pela qual o Irã deveria entregar ao redor de 70% do seu urânio enriquecido a mais de 5%.

As lideranças desses países dão sinais de se sentirem duplamente incomodadas. Antes de mais nada porque sua arrogância imperialista, geneticamente indutora do belicismo, foi suplantada pela intervenção de um líder popular e de esquerda do terceiro mundo. Mas também porque não lhes agrada perder o pretexto nuclear de sua estratégia geopolítica.

Tal como as “armas de destruição em massa” foram senha para a ocupação ilegal do Iraque, o risco do desenvolvimento da bomba é código para enfraquecer e derrotar o único pólo de resistência à hegemonia norte-americana e ao sionismo no Oriente Médio. As principais nações capitalistas ambicionam, além do mais, controlar o petróleo do Golfo Pérsico e a rota marítima do estreito de Ormuz, por onde trafega o óleo da Arábia Saudita, Kuwait e outros países árabes, rumo ao ocidente.

Os senhores da guerra acabaram surpreendidos pela capacidade de articulação do presidente Lula e pela disposição de diálogo do governante iraniano. Até esse último final de semana davam de barato que, mais cedo ou mais tarde, um governo títere acabaria por emergir em um Irã submetido ao sofrimento econômico e à ameaça militar. O líder brasileiro atrapalhou esses planos, ao facilitar um ambiente de negociação justa e soberana.

Mas não deve haver ilusões. Nos próximos dias os chefes políticos das grandes potências farão o que puderem para limar a repercussão positiva do acordo de Teerã, para desacreditá-lo e levá-lo ao fracasso. Ainda que temam ficarem nus diante da opinião pública, não podem admitir que soluções dessa envergadura sejam adotadas à sua revelia. Contarão com o apoio, nessa empreitada, de grande parte das principais máquinas de comunicação.

A intervenção do presidente Lula, afinal, não é reveladora apenas de talento e carisma. Apresenta-se como a conseqüência de uma política internacional autônoma que busca fortalecer laços de todos os tipos entre povos e governos encurralados pela ordem unipolar. A relação de franqueza e confiança com os iranianos é produto desse esforço.

Outros líderes que partilham desse ponto de vista também aportaram sua colaboração, como o venezuelano Hugo Chávez, que se empenhou em eliminar as últimas resistências do colega Ahmadinejad a uma saída pactuada. Mesmo a Turquia, integrante da OTAN e aliada próxima dos Estados Unidos, acabou por se juntar ao caminho proposto por Lula.

A formação de alianças fora da órbita imperial, porém, é tudo o que não interessa a Washington e seus subservientes associados europeus. Trata-se de inaceitável desrespeito ao acordo tácito para transição do unilateralismo pós-guerra fria a um multilateralismo circunscrito às nações do G8. A cúpula de Teerã viola os interesses desses centros hegemônicos, que de tudo farão para ressuscitar o impasse nuclear.

O que está em jogo vai além do episódio iraniano. Diz respeito à possibilidade de uma reconfiguração ampla do cenário mundial. O embate, que será duro e encarniçado, apenas subiu de patamar. O Brasil ajudou a dar voz e vez ao sul do planeta.

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