Reproduzo artigo de Mino Carta, publicado na revista CartaCapital:
Pergunto aos meus aloprados botões por que o candidato tucano José Serra não sobe nas pesquisas a despeito de todos os esforços despendidos a seu favor pela mídia nativa e pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
No caso de FHC, refiro-me às informações de fonte respeitável, segundo as quais o príncipe dos sociólogos confessa ao pé de ouvidos tucanos o fracasso do seu empenho, maciço e infatigável, em prol do amigo de sempre. Amigo? Quanto à mídia, de que lado fica está na cara. E com que denodo, com que paixão.
Saiu na quarta-feira 23 a pesquisa CNI-Ibope e os números mostram que quem cresce é Dilma Rousseff. Acima do chamado empate técnico. Tivessem braços, os botões os abririam a 180 graus. Até tocar o firmamento. A manifestar todo o seu espanto. Disponho de botões muito sensíveis, bem mais do que eu, de sorte que, diante da minha expressão incolor, abalam-se a me submeter a um teste. O seguinte, que me apresso a repassar aos leitores.
Quem elaborou as perguntas abaixo e as dirigiu a quem? Primeira pergunta: “Por que para a democracia é positivo experimentar uma alternância de poder, depois de ficar oito anos na oposição?” Segunda pergunta: “Como o senhor conseguiu governar seu estado sem nunca sofrer derrota na Assembleia local e sem lançar mão de propinas e outras formas de coerção sobre deputados estaduais?”.
Formuladas por quem? A) Veja; B) Time Magazine; C) Herald Tribune.
Dirigidas a quem? A) Franklin Delano Roosevelt; B) Ronald Reagan; C) José Serra.
Fiquei sem resposta. Eles gargalharam, como certos cães os meus botões conseguem rir. Com bons motivos. Haviam manipulado as perguntas para provocar minha dúvida e bondosamente esclareceram: a primeira pergunta fez referência explícita ao governo Lula.
A segunda acrescenta a Prefeitura de São Paulo às conquistas do candidato tucano e fala em “mensalões”. Daí ficou fácil. Trata-se de perguntas feitas por Veja a Serra para uma entrevista das célebres páginas amarelas, publicada na edição datada de 23 de junho.
Primor de jornalismo engajado. Partidário. E também hipócrita. Como é do conhecimento do mundo mineral, a rapaziada alega independência, equidistância, isenção. Comovedor, neste sentido, o editorial do Estadão de 22 de junho, intitulado “A confissão do chanceler”. Cuida-se ali de malhar Lula e seu ministro Celso Amorim por terem saído para a mediação com o Irã, incentivados a tanto pelo próprio presidente Obama.
Extraordinário o rumo tomado pelo texto do jornal, a circum-navegar a lógica. Concorda com Amorim, segundo quem Brasília levou uma rasteira de Washington, pois Obama, um mês antes da tentativa turco-brasileira em carta dirigida a Lula, diz textualmente que um acordo com Teerã “representaria uma oportunidade clara e tangível de começar a construir uma confiança mútua”.
Apesar do incentivo do presidente americano, reconhece o editorial, nos EUA “a linha-dura personificada por Hillary Clinton prevaleceu sobre os moderados da Casa Branca”. E então, onde fica a confissão do chanceler? Chegamos à conclusão de que vingou mais uma vez a prepotência do mais forte e que Obama enredou-se em um jogo indigesto, além da conta para ele mesmo. De todo modo, ainda neste caso, que jornalismo é este? Talvez valha como exercício de humorismo.
Às vezes me imaginei entre os 300 das Termópilas, a esperar no desfiladeiro pela investida fatal do exército persa. Parece-me agora que a história começa a ser escrita de forma oposta. Já me permiti comentar neste espaço o crescente fracasso dos persas, digo, da mídia nativa. Ficou claro em 2002, e mais ainda em 2006, que ela atira fora do alvo. A maioria a ignora e este é sinal peremptório de tempos diferentes. A habitual ofensiva contra o governo Lula, destinada agora a abalar a candidatura Dilma, atinge a obsessão e, frequentemente, beira o ridículo.
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sábado, 26 de junho de 2010
A condenação do Cristo marxista
Reproduzo artigo de Gilson Caroni Filho, publicado no blog “Viomundo”:
Que estranhos desígnios inspiraram o “L’Osservatore Romano” a atacar,em editorial, o escritor José Saramago, falecido recentemente na Espanha? Chamá-lo de populista extremista, que se referia “com comodidade a um Deus no qual jamais acreditou por considerar-se todo poderoso e onisciente” não revela apenas uma atitude fria e inflexível com um humanista ateu. Vai além. Reforça apreensões em relação aos objetivos políticos do Vaticano e suas consequências éticas.
Se a eleição do cardeal Ratzinger como supremo pontífice da Igreja Católica constituiu um acontecimento cuja gravidade poucos subestimaram, a superação integrista das contradições do Concílio Vaticano II já se delineava claramente no pontificado de seu antecessor, João Paulo II, quando as bases sociais da Teologia da Libertação foram firmemente atacadas.
Em 1983, ao visitar a América Central, suas homilias mantiveram fina sintonia com o projeto do governo Reagan para a região. Em Manágua, o papa não apenas não correspondeu às expectativas do povo nicaraguense de condenação clara às agressões incentivadas pelo imperialismo estadunidense, como também deu ênfase ao que mais dividia o governo sandinista e a hierarquia eclesiástica, à época: o da fidelidade dos sacerdotes e religiosas à igreja e à exigência de não participarem na responsabilidade da gestão governamental. Uma declaração de guerra aos partidários de um cristianismo progressista. Reafirmação classista de uma instituição multissecular.
Na Guatemala, um dos países em que a repressão dos governos militares fez mais vítimas entre os religiosos, João Paulo II não só visitou o presidente Ríos Montt, conhecido por ordenar massacres contra a oposição, como permitiu que o general lhe pedisse o afastamento de sacerdotes da política. Nos discursos papais não houve qualquer protesto contra fuzilamentos sistemáticos; apenas menções genéricas a Direitos Humanos. O Cristo do Vaticano, ao contrário do de Saramago, não deu ouvido a comunidades indígenas e camponesas tratadas como estrangeiras em seus próprios países.
Embora saiba muito bem que estão implícitas, na violência que se expande, a questão do poder, dos interesses econômicos nacionais e internacionais, além das considerações geopolíticas, o Jesus do “L’Osservatore” ignora que a promessa anunciada só se efetivará provocando uma transformação radical da condição social do homem. No livro de Saramago, Jesus, filho de José e amante de Madalena, vive a Paixão dos novos sujeitos. Seu sacrifício é a labuta das populações negras, o sofrimento das índias e o sangue camponês que jorra nos latifúndios.
A coexistência de um papado ultra-reacionário com governos de extrema-direita, como foi o de Bush, implica uma luta mundial de idéias que, não duvidem, será muito intensa. A crítica a uma religião de mercado, que exige o sacrifício de vidas humanas e o aniquilamento de natureza é a batalha da esquerda de nosso tempo.
Nessa guerra, ao contrário do que afirma o Vaticano, o Cristo de Saramago é aliado fundamental. Nas páginas do “Evangelho segundo Jesus Cristo”, a grande heresia não está no fato de o personagem pedir perdão pelos pecados de Deus. O que o Vaticano não pode perdoar é a denúncia corajosa a um cristianismo imperial e colonialista. Um sistema de crenças que, para validar a opressão, necessita de uma metafísica negativa sobre os homens e sua história.
Saramago provocou a ira da cúpula da Igreja Católica ao reafirmar a modernidade e os valores de igualdade e liberdade. Foi isso que seu Cristo Marxista proclamou. Não de maneira idílica, mas de forma dialética, como reafirmação de vidas que devem transcender a si mesmas, eliminando práticas e relações que geram opressão e miséria.
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Que estranhos desígnios inspiraram o “L’Osservatore Romano” a atacar,em editorial, o escritor José Saramago, falecido recentemente na Espanha? Chamá-lo de populista extremista, que se referia “com comodidade a um Deus no qual jamais acreditou por considerar-se todo poderoso e onisciente” não revela apenas uma atitude fria e inflexível com um humanista ateu. Vai além. Reforça apreensões em relação aos objetivos políticos do Vaticano e suas consequências éticas.
Se a eleição do cardeal Ratzinger como supremo pontífice da Igreja Católica constituiu um acontecimento cuja gravidade poucos subestimaram, a superação integrista das contradições do Concílio Vaticano II já se delineava claramente no pontificado de seu antecessor, João Paulo II, quando as bases sociais da Teologia da Libertação foram firmemente atacadas.
Em 1983, ao visitar a América Central, suas homilias mantiveram fina sintonia com o projeto do governo Reagan para a região. Em Manágua, o papa não apenas não correspondeu às expectativas do povo nicaraguense de condenação clara às agressões incentivadas pelo imperialismo estadunidense, como também deu ênfase ao que mais dividia o governo sandinista e a hierarquia eclesiástica, à época: o da fidelidade dos sacerdotes e religiosas à igreja e à exigência de não participarem na responsabilidade da gestão governamental. Uma declaração de guerra aos partidários de um cristianismo progressista. Reafirmação classista de uma instituição multissecular.
Na Guatemala, um dos países em que a repressão dos governos militares fez mais vítimas entre os religiosos, João Paulo II não só visitou o presidente Ríos Montt, conhecido por ordenar massacres contra a oposição, como permitiu que o general lhe pedisse o afastamento de sacerdotes da política. Nos discursos papais não houve qualquer protesto contra fuzilamentos sistemáticos; apenas menções genéricas a Direitos Humanos. O Cristo do Vaticano, ao contrário do de Saramago, não deu ouvido a comunidades indígenas e camponesas tratadas como estrangeiras em seus próprios países.
Embora saiba muito bem que estão implícitas, na violência que se expande, a questão do poder, dos interesses econômicos nacionais e internacionais, além das considerações geopolíticas, o Jesus do “L’Osservatore” ignora que a promessa anunciada só se efetivará provocando uma transformação radical da condição social do homem. No livro de Saramago, Jesus, filho de José e amante de Madalena, vive a Paixão dos novos sujeitos. Seu sacrifício é a labuta das populações negras, o sofrimento das índias e o sangue camponês que jorra nos latifúndios.
A coexistência de um papado ultra-reacionário com governos de extrema-direita, como foi o de Bush, implica uma luta mundial de idéias que, não duvidem, será muito intensa. A crítica a uma religião de mercado, que exige o sacrifício de vidas humanas e o aniquilamento de natureza é a batalha da esquerda de nosso tempo.
Nessa guerra, ao contrário do que afirma o Vaticano, o Cristo de Saramago é aliado fundamental. Nas páginas do “Evangelho segundo Jesus Cristo”, a grande heresia não está no fato de o personagem pedir perdão pelos pecados de Deus. O que o Vaticano não pode perdoar é a denúncia corajosa a um cristianismo imperial e colonialista. Um sistema de crenças que, para validar a opressão, necessita de uma metafísica negativa sobre os homens e sua história.
Saramago provocou a ira da cúpula da Igreja Católica ao reafirmar a modernidade e os valores de igualdade e liberdade. Foi isso que seu Cristo Marxista proclamou. Não de maneira idílica, mas de forma dialética, como reafirmação de vidas que devem transcender a si mesmas, eliminando práticas e relações que geram opressão e miséria.
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sexta-feira, 25 de junho de 2010
Globo é alvo de "vuvunzelazo" na internet
Reproduzo o editorial do sítio Carta Maior:
A Globo não está mais falando sozinha no Brasil. A chamada grande mídia não se esgota na Rede Globo, é verdade, mas esta simboliza a hegemonia do modelo midiático concentrador e excludente construído no Brasil ao longo das últimas décadas. A briga envolvendo o técnico da seleção brasileira e o maior conglomerado de comunicação do país deu visibilidade a esse novo cenário. O chamado para um "Dia sem Globo", convocado via twitter para esta sexta-feira, foi um movimento inédito no país, nos termos em que aconteceu. A ordem era não ver o jogo da seleção brasileira contra Portugal pelos veículos da Globo. Moveu ponteiro na audiência da emissora? Nada dramático, segundo os indicadores oficiais de audiência, mas algo parece ter se movido.
O blog “Notícias da TV Brasileira” divulgou os seguintes números dos índices de audiência das emissoras concorrentes da Globo no horário do jogo desta sexta-feira entre Brasil e Portugal:
“A Band obteve hoje com a transmissão do jogo Brasil X Portugal o seu melhor resultado de audiência até agora na Copa do Mundo: pela prévia do Ibope, média de 13 pontos. Nos dois primeiros jogos do Brasil a média da emissora tinha sido de 10 pontos. O resultado de hoje mais uma vez garantiu à Band o segundo lugar isolado. No horário do jogo, SBT deu 1,1, Record 0,9 e Rede TV 0,1.”
Luiz Carlos Azenha, por sua vez, informou no “Viomundo” que os números preliminares do Ibope para a Grande São Paulo indicam um aumento na audiência tanto para a Globo quanto para a Bandeirantes em relação ao jogo anterior do Brasil na Costa do Mundo, domingo passado. “Na estréia do Brasil, a Globo cravou 45 pontos, contra 10 da Band. No terceiro jogo, entre Brasil e Portugal, os números preliminares indicam que a Globo obteve 44 pontos de média, contra 13 da Band”.
No entanto, o “share” da TV Globo caiu (porcentagem de sintonizados na emissora sobre o número total de televisores ligados), de 75% no primeiro jogo para 72% no segundo e, agora, para 67%. O “share” da Bandeirantes, por sua vez, iniciou com 16%, passou para 17% e chegou a 20% no jogo contra Portugal. Todos esses números, adverte Azenha, são preliminares e se referem apenas à medição automática do Ibope na Grande São Paulo.
Mas a principal novidade desse episódio não é audiência da Globo ou da Bandeirantes, mas sim a exposição pública de um tipo de prática midiática (de manutenção de privilégios) que não era conhecido pela imensa maioria da população. Na terça-feira desta semana começaram a surgir os primeiros relatos (dos jornalistas Bob Fernandes, no portal Terra, e de Maurício Stycer, no UOL) sobre o conflito ocorrido no domingo entre Dunga e a Rede Globo. Segundo esses relatos, Dunga não aceitou dar à Globo acesso privilegiado a jogadores da seleção para a realização de entrevistas exclusivas. Essas entrevistas teriam sido negociadas diretamente pela Globo com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Dunga não gostou e vetou.
A imensa maioria dos jornalistas condenou o modo como Dunga reagiu, proferindo palavrões durante a coletiva após o jogo contra a Costa do Marfim. No dia seguinte, o episódio parecia que ia somar para um suposto aumento do desgaste da imagem de Dunga. Mas não foi isso que aconteceu. A repercussão do caso na internet indicou que a maioria dos internautas estava ficando com Dunga e contra a Globo.
As enquetes nos portais esportivos e as seções de comentários nestes espaços mostravam um amplo apoio para o técnico contra a emissora. Ainda na terça, Internautas começaram a propor um boicote nacional à TV Globo na sexta-feira. Na madrugada de terça-feira, cresceu no twitter o chamado para um “diasemglobo”, que convidava as pessoas a verem o jogo entre Brasil e Portugal, sexta-feira, em qualquer outra emissora que não a Globo.
A reação da Globo e de seus parceiros
A alergia à crítica da Globo e de suas empresas parceiras provocou cenas curiosas, como a consulta à distância a psicanalistas para diagnosticar problemas mentais no treinador. Os jornais O Globo, no Rio de Janeiro, e Zero Hora, em Porto Alegre, publicaram matérias quase idênticas.
O primeiro noticiou, dia 22 de junho, em matéria assinada por Fernanda Thurler: “E se o destempero entrar em campo – Psicanalista teme que atitude exaltada do treinador seja incorporada pelos jogadores ”. Na mesma linha, ZH disse, em matéria de Itamar Melo: “Especialistas analisam Dunga”. Praticamente a mesma matéria. Só mudaram os psicanalistas ouvidos. No caso do Globo, Alice Bitencourt e Chaim Katz. A ZH foi de Mario Corso, João Ricardo Cozac e Robson de Freitas Pereira.
O jornalista Leandro Fortes apontou, em seu blog “Brasília, eu vi”, o surgimento de uma nova era Dunga e uma de suas primeiras conseqüências: o fim do besteirol esportivo. Ele escreveu:
“O estilo grosseiro e inflexível de Dunga desmoronou esse mundo colorido da Globo movido por reportagens engraçadinhas e bajulações explícitas confeitadas por patriotadas sincronizadas nos noticiários da emissora. Sem acesso direto, exclusivo e permanente aos jogadores e aos vestiários, a tropa de jornalistas enviada à África do Sul se viu obrigada a buscar informações de bastidores, a cavar fontes e fazer gelados plantões de espera com os demais colegas de outros veículos. Enfim, a fazer jornalismo. E isso, como se sabe, dá um trabalho danado”.
O fato é que a Globo e as grandes empresas midiáticas não estão falando mais sozinhas e perderam a legitimidade auto-atribuída que os apresentava como porta-vozes dos interesses, anseios e desejos da sociedade. Eles não são esses porta-vozes. O número de porta-vozes da sociedade aumentou significativamente e eles estão se valendo das novas ferramentas tecnológicas para expressar suas opiniões. Há quem diga que é muito barulho por uma questão envolvendo um campeonato de futebol. Na verdade, é muito mais do que isso. Os palavrões e o “destempero” de Dunga serviram ao menos para mostrar que há muitas vozes gritando do lado de cá da tela. E, nesta semana, essas vozes fizeram tanto barulho quanto as vuvunzelas.
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A Globo não está mais falando sozinha no Brasil. A chamada grande mídia não se esgota na Rede Globo, é verdade, mas esta simboliza a hegemonia do modelo midiático concentrador e excludente construído no Brasil ao longo das últimas décadas. A briga envolvendo o técnico da seleção brasileira e o maior conglomerado de comunicação do país deu visibilidade a esse novo cenário. O chamado para um "Dia sem Globo", convocado via twitter para esta sexta-feira, foi um movimento inédito no país, nos termos em que aconteceu. A ordem era não ver o jogo da seleção brasileira contra Portugal pelos veículos da Globo. Moveu ponteiro na audiência da emissora? Nada dramático, segundo os indicadores oficiais de audiência, mas algo parece ter se movido.
O blog “Notícias da TV Brasileira” divulgou os seguintes números dos índices de audiência das emissoras concorrentes da Globo no horário do jogo desta sexta-feira entre Brasil e Portugal:
“A Band obteve hoje com a transmissão do jogo Brasil X Portugal o seu melhor resultado de audiência até agora na Copa do Mundo: pela prévia do Ibope, média de 13 pontos. Nos dois primeiros jogos do Brasil a média da emissora tinha sido de 10 pontos. O resultado de hoje mais uma vez garantiu à Band o segundo lugar isolado. No horário do jogo, SBT deu 1,1, Record 0,9 e Rede TV 0,1.”
Luiz Carlos Azenha, por sua vez, informou no “Viomundo” que os números preliminares do Ibope para a Grande São Paulo indicam um aumento na audiência tanto para a Globo quanto para a Bandeirantes em relação ao jogo anterior do Brasil na Costa do Mundo, domingo passado. “Na estréia do Brasil, a Globo cravou 45 pontos, contra 10 da Band. No terceiro jogo, entre Brasil e Portugal, os números preliminares indicam que a Globo obteve 44 pontos de média, contra 13 da Band”.
No entanto, o “share” da TV Globo caiu (porcentagem de sintonizados na emissora sobre o número total de televisores ligados), de 75% no primeiro jogo para 72% no segundo e, agora, para 67%. O “share” da Bandeirantes, por sua vez, iniciou com 16%, passou para 17% e chegou a 20% no jogo contra Portugal. Todos esses números, adverte Azenha, são preliminares e se referem apenas à medição automática do Ibope na Grande São Paulo.
Mas a principal novidade desse episódio não é audiência da Globo ou da Bandeirantes, mas sim a exposição pública de um tipo de prática midiática (de manutenção de privilégios) que não era conhecido pela imensa maioria da população. Na terça-feira desta semana começaram a surgir os primeiros relatos (dos jornalistas Bob Fernandes, no portal Terra, e de Maurício Stycer, no UOL) sobre o conflito ocorrido no domingo entre Dunga e a Rede Globo. Segundo esses relatos, Dunga não aceitou dar à Globo acesso privilegiado a jogadores da seleção para a realização de entrevistas exclusivas. Essas entrevistas teriam sido negociadas diretamente pela Globo com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Dunga não gostou e vetou.
A imensa maioria dos jornalistas condenou o modo como Dunga reagiu, proferindo palavrões durante a coletiva após o jogo contra a Costa do Marfim. No dia seguinte, o episódio parecia que ia somar para um suposto aumento do desgaste da imagem de Dunga. Mas não foi isso que aconteceu. A repercussão do caso na internet indicou que a maioria dos internautas estava ficando com Dunga e contra a Globo.
As enquetes nos portais esportivos e as seções de comentários nestes espaços mostravam um amplo apoio para o técnico contra a emissora. Ainda na terça, Internautas começaram a propor um boicote nacional à TV Globo na sexta-feira. Na madrugada de terça-feira, cresceu no twitter o chamado para um “diasemglobo”, que convidava as pessoas a verem o jogo entre Brasil e Portugal, sexta-feira, em qualquer outra emissora que não a Globo.
A reação da Globo e de seus parceiros
A alergia à crítica da Globo e de suas empresas parceiras provocou cenas curiosas, como a consulta à distância a psicanalistas para diagnosticar problemas mentais no treinador. Os jornais O Globo, no Rio de Janeiro, e Zero Hora, em Porto Alegre, publicaram matérias quase idênticas.
O primeiro noticiou, dia 22 de junho, em matéria assinada por Fernanda Thurler: “E se o destempero entrar em campo – Psicanalista teme que atitude exaltada do treinador seja incorporada pelos jogadores ”. Na mesma linha, ZH disse, em matéria de Itamar Melo: “Especialistas analisam Dunga”. Praticamente a mesma matéria. Só mudaram os psicanalistas ouvidos. No caso do Globo, Alice Bitencourt e Chaim Katz. A ZH foi de Mario Corso, João Ricardo Cozac e Robson de Freitas Pereira.
O jornalista Leandro Fortes apontou, em seu blog “Brasília, eu vi”, o surgimento de uma nova era Dunga e uma de suas primeiras conseqüências: o fim do besteirol esportivo. Ele escreveu:
“O estilo grosseiro e inflexível de Dunga desmoronou esse mundo colorido da Globo movido por reportagens engraçadinhas e bajulações explícitas confeitadas por patriotadas sincronizadas nos noticiários da emissora. Sem acesso direto, exclusivo e permanente aos jogadores e aos vestiários, a tropa de jornalistas enviada à África do Sul se viu obrigada a buscar informações de bastidores, a cavar fontes e fazer gelados plantões de espera com os demais colegas de outros veículos. Enfim, a fazer jornalismo. E isso, como se sabe, dá um trabalho danado”.
O fato é que a Globo e as grandes empresas midiáticas não estão falando mais sozinhas e perderam a legitimidade auto-atribuída que os apresentava como porta-vozes dos interesses, anseios e desejos da sociedade. Eles não são esses porta-vozes. O número de porta-vozes da sociedade aumentou significativamente e eles estão se valendo das novas ferramentas tecnológicas para expressar suas opiniões. Há quem diga que é muito barulho por uma questão envolvendo um campeonato de futebol. Na verdade, é muito mais do que isso. Os palavrões e o “destempero” de Dunga serviram ao menos para mostrar que há muitas vozes gritando do lado de cá da tela. E, nesta semana, essas vozes fizeram tanto barulho quanto as vuvunzelas.
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Era Dunga: o fim do besteirol esportivo
Reproduzo artigo de Leandro Fortes, publicado no blog “Brasília, eu vi”:
Foi na Copa do Mundo de 1986, no México, com Fernando Vanucci, então apresentador da TV Globo, que a cobertura esportiva brasileira abandonou qualquer traço de jornalismo para se transformar num evento circense, onde a palhaçada, o clichê e o trocadilho infame substituíram a informação, ou pelo menos a tornaram um elemento periférico.
Vanucci, simpático e bonachão, criou um mote (“alô você!”) para tornar leve e informal a comunicação nos programas esportivos da Globo, mas acabou por contaminar, involuntariamente, todas as gerações seguintes de jornalistas com a falsa percepção de que a reportagem esportiva é, basicamente, um encadeamento de gracinhas televisivas a serem adaptadas às demais linguagens jornalísticas, a partir do pressuposto de que o consumidor de informações de esporte é, basicamente, um retardado mental.
Por diversas razões, Vanucci deixou a Globo, mas a Globo nunca mais abandonou o estilo unidunitê-salamê-minguê nas suas coberturas esportivas, povoadas por sorridentes repórteres de camisa pólo colorida. Aliás, para ser justo, não só a Globo. Todas as demais emissoras adotaram o mesmo estilo, com igual ou menor competência, dali para frente.
Passados quase 25 anos, o estilo burlesco de se cobrir esporte no Brasil passou a ser uma regra, quando não uma doutrina, apoiado na tese de que, ao contrário das demais áreas de interesse humano, esporte é apenas uma brincadeira, no fim das contas. Pode ser, quando se fala de handebol, tênis de mesa e salto ornamental, mas não de futebol. O futebol, dentro e fora do país, mobiliza imensos contingentes populacionais e está baseado num fluxo de negócios que envolve, no todo, bilhões de reais.
Ao lado de seu caráter lúdico, caminha uma identidade cultural que, no nosso caso, confunde-se com a própria identidade nacional, a ponto de somente ele, o futebol, em tempos de copa, conseguir agregar à sociedade brasileira um genuíno caráter patriótico. Basta ver os carros cobertos de bandeiras no capô e de bandeirolas nas janelas. É o momento em que mesmos os ricos, sempre tão envergonhados dos maus modos da brasilidade, passam a ostentar em seus carrões importados e caminhonetes motor 10.0 esse orgulho verde-e-amarelo de ocasião. Não é pouca coisa, portanto.
Na Copa de 2006, na Alemanha, essa encenação jornalística chegou ao ápice em torno da idolatria forçada em torno da seleção brasileira penta campeã do mundo, então comandada pelo gentil Carlos Alberto Parreira. Naquela copa, a dominação da TV Globo sobre o evento e o time chegou ao paroxismo. A área de concentração da seleção tornou-se uma espécie de playground particular dos serelepes repórteres globais, lá comandados pela esfuziante Fátima Bernardes, a produzir pequenos reality shows de dentro do ônibus do escrete canarinho.
Na época, os repórteres da Globo eram obrigados a entrar ao vivo com um sorriso hiperplastificado no rosto, com o qual ficavam paralisados na tela, como em uma overdose de botox, durante aqueles segundos infindáveis de atraso de sinal que separam as transmissões intercontinentais. Quatro anos antes, Fátima Bernardes havia conquistado espaço semelhante na bem sucedida seleção de Felipão. Sob os olhos fraternais do presidente da CBF, Ricardo Teixeira, foi eleita a musa dos jogadores, na Copa de 2002, no Japão. Dentro do ônibus da seleção. Alguém se lembra disso? Eu e a Globo lembramos.
O estilo grosseiro e inflexível de Dunga desmoronou esse mundo colorido da Globo movido por reportagens engraçadinhas e bajulações explícitas confeitadas por patriotadas sincronizadas nos noticiários da emissora. Sem acesso direto, exclusivo e permanente aos jogadores e aos vestiários, a tropa de jornalistas enviada à África do Sul se viu obrigada a buscar informações de bastidores, a cavar fontes e fazer gelados plantões de espera com os demais colegas de outros veículos. Enfim, a fazer jornalismo.
E isso, como se sabe, dá um trabalho danado. Esse estado de coisas, ao invés de se tornar um aprendizado, gerou uma reação rançosa e desproporcional, bem ao estilo dos meninos mimados que só jogam porque são donos da bola. Assim, o sorriso plástico dos repórteres e apresentadores se transformou em carranca e, as gracinhas, em um patético editorial.
Dunga será demitido da seleção, vença ou perca o mundial. Os interesses comerciais da TV Globo e da CBF estão, é claro, muito acima de sua rabugice fronteiriça e de sua saudável disposição de não se submeter à vontade de jornalistas acostumados a abrir caminho com um crachá na mão. Mas poderá nos deixar de herança o fim de uma era medíocre da crônica esportiva, agora defrontada com um fenômeno com o qual ela pensava não mais ter que se debater: o jornalismo.
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Foi na Copa do Mundo de 1986, no México, com Fernando Vanucci, então apresentador da TV Globo, que a cobertura esportiva brasileira abandonou qualquer traço de jornalismo para se transformar num evento circense, onde a palhaçada, o clichê e o trocadilho infame substituíram a informação, ou pelo menos a tornaram um elemento periférico.
Vanucci, simpático e bonachão, criou um mote (“alô você!”) para tornar leve e informal a comunicação nos programas esportivos da Globo, mas acabou por contaminar, involuntariamente, todas as gerações seguintes de jornalistas com a falsa percepção de que a reportagem esportiva é, basicamente, um encadeamento de gracinhas televisivas a serem adaptadas às demais linguagens jornalísticas, a partir do pressuposto de que o consumidor de informações de esporte é, basicamente, um retardado mental.
Por diversas razões, Vanucci deixou a Globo, mas a Globo nunca mais abandonou o estilo unidunitê-salamê-minguê nas suas coberturas esportivas, povoadas por sorridentes repórteres de camisa pólo colorida. Aliás, para ser justo, não só a Globo. Todas as demais emissoras adotaram o mesmo estilo, com igual ou menor competência, dali para frente.
Passados quase 25 anos, o estilo burlesco de se cobrir esporte no Brasil passou a ser uma regra, quando não uma doutrina, apoiado na tese de que, ao contrário das demais áreas de interesse humano, esporte é apenas uma brincadeira, no fim das contas. Pode ser, quando se fala de handebol, tênis de mesa e salto ornamental, mas não de futebol. O futebol, dentro e fora do país, mobiliza imensos contingentes populacionais e está baseado num fluxo de negócios que envolve, no todo, bilhões de reais.
Ao lado de seu caráter lúdico, caminha uma identidade cultural que, no nosso caso, confunde-se com a própria identidade nacional, a ponto de somente ele, o futebol, em tempos de copa, conseguir agregar à sociedade brasileira um genuíno caráter patriótico. Basta ver os carros cobertos de bandeiras no capô e de bandeirolas nas janelas. É o momento em que mesmos os ricos, sempre tão envergonhados dos maus modos da brasilidade, passam a ostentar em seus carrões importados e caminhonetes motor 10.0 esse orgulho verde-e-amarelo de ocasião. Não é pouca coisa, portanto.
Na Copa de 2006, na Alemanha, essa encenação jornalística chegou ao ápice em torno da idolatria forçada em torno da seleção brasileira penta campeã do mundo, então comandada pelo gentil Carlos Alberto Parreira. Naquela copa, a dominação da TV Globo sobre o evento e o time chegou ao paroxismo. A área de concentração da seleção tornou-se uma espécie de playground particular dos serelepes repórteres globais, lá comandados pela esfuziante Fátima Bernardes, a produzir pequenos reality shows de dentro do ônibus do escrete canarinho.
Na época, os repórteres da Globo eram obrigados a entrar ao vivo com um sorriso hiperplastificado no rosto, com o qual ficavam paralisados na tela, como em uma overdose de botox, durante aqueles segundos infindáveis de atraso de sinal que separam as transmissões intercontinentais. Quatro anos antes, Fátima Bernardes havia conquistado espaço semelhante na bem sucedida seleção de Felipão. Sob os olhos fraternais do presidente da CBF, Ricardo Teixeira, foi eleita a musa dos jogadores, na Copa de 2002, no Japão. Dentro do ônibus da seleção. Alguém se lembra disso? Eu e a Globo lembramos.
O estilo grosseiro e inflexível de Dunga desmoronou esse mundo colorido da Globo movido por reportagens engraçadinhas e bajulações explícitas confeitadas por patriotadas sincronizadas nos noticiários da emissora. Sem acesso direto, exclusivo e permanente aos jogadores e aos vestiários, a tropa de jornalistas enviada à África do Sul se viu obrigada a buscar informações de bastidores, a cavar fontes e fazer gelados plantões de espera com os demais colegas de outros veículos. Enfim, a fazer jornalismo.
E isso, como se sabe, dá um trabalho danado. Esse estado de coisas, ao invés de se tornar um aprendizado, gerou uma reação rançosa e desproporcional, bem ao estilo dos meninos mimados que só jogam porque são donos da bola. Assim, o sorriso plástico dos repórteres e apresentadores se transformou em carranca e, as gracinhas, em um patético editorial.
Dunga será demitido da seleção, vença ou perca o mundial. Os interesses comerciais da TV Globo e da CBF estão, é claro, muito acima de sua rabugice fronteiriça e de sua saudável disposição de não se submeter à vontade de jornalistas acostumados a abrir caminho com um crachá na mão. Mas poderá nos deixar de herança o fim de uma era medíocre da crônica esportiva, agora defrontada com um fenômeno com o qual ela pensava não mais ter que se debater: o jornalismo.
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