sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

A luta contra o capital financeiro

Por João Novaes, no sítio Opera Mundi:

No fim da década de 1990, enquanto os governos e a opinião pública mundial defendiam em uníssono os princípios mais extremos do liberalismo, um jornalista espanhol radicado na França ousou desafiar esses conceitos. Diretor da tradicional revista Le Monde Diplomatique desde 1991 (cargo que ocupou até 2008) esteve na linha de frente do ativismo altermundialista. Um editorial seu de 1997 influiu na criação do grupo anticapitalista Attac (Associação pela Taxação de Transações Financeiras para Ajuda aos Cidadãos), cujo objetivo de cobrar um imposto ao mundo das finanças foi duramente atacado na época.

O mundo dá voltas. No dia 4, o encontro de cúpula do G20, grupo das maiores economias dos planetas, passou a considerar seriamente a hipótese, como mais uma alternativa à crise financeira que atinge o primeiro mundo desde 2008.

Em passagem pelo Brasil, onde participou do 1º Encontro Mundial dos Blogueiros, em Foz do Iguaçu, e de um debate promovido pela Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas) na Universidade de Brasília (UnB), Ramonet concedeu uma entrevista exclusiva ao Opera Mundi, na qual abordou a palavra mais em moda no mundo contemporâneo: crise.

O senhor acredita que a socialdemocracia, após optar pela Terceira Via e o neoliberalismo no fim do século 20, encontra-se em crise de identidade? Como fazer com que seus partidos voltem a ser uma real alternativa política na Europa?

Não há dúvida de que isso ocorre. A grave crise econômica e social vivida pela Europa deve-se, em parte, ao fato de não haver uma verdadeira alternativa à política econômica que rege o continente nos últimos 30 anos. Isso ocorre porque a social-democracia se converteu à tese neoliberal, que consiste em dizer que, em matéria de economia, não há outra alternativa possível: o mercado e os investidores privados vêm antes de tudo. Pode haver alguma diferença em questão de moral, liberdades, expansão da União Europeia, certos aspectos do Estado de Bem-Estar Social etc. Mas na economia não se mexe. Com essa atitude, chegamos à crise atual sem qualquer solução. E note que são os países governados pelos social-democratas que se encontram em situação mais grave na Europa. No meu ponto de vista, a social-democracia precisa ser refundada e se questionar.

Podemos dizer que a integração da América Latina deveria seguir os mesmos passos percorridos pela União Europeia (UE) ou deve escolher seu próprio caminho?

Acho que há lições que podem ser tiradas. A União Europeia é uma construção muito interessante porque, nos dois últimos séculos, o continente era sinônimo de um campo de batalha. Era onde as guerras ocorriam, as duas guerras mundiais, a Revolução Russa, o Holocausto, todos os grandes horrores da humanidade aconteciam lá. Mas, depois da construção da UE, tornou-se talvez o continente mais pacífico. E isso foi uma conquista muito importante. Mas, sob o ponto de vista econômico, decisões como o abandono da soberania dos Estados-membros nos colocaram à véspera de uma catástrofe. Os latino-americanos devem, certamente, avançar nos aspectos da integração. A região ficará mais forte e influente se conseguir se articular. Mas não acho que devam adotar uma moeda única. Talvez partir para a solução de uma moeda comum, como o sucre. É um sistema de compensação: você paga com uma moeda que na prática não existe, mas que permite saber o valor do produto, sem precisar recorrer ao dólar, euro ou outra moeda estrangeira. Era assim na Europa antes do euro, com o sistema monetário europeu. E é viável. De outra parte, a integração política deve ser feita com prudência: avançar reduzindo ao máximo as diferenças entre os países, mas ter em conta as realidades dos povos e das nações, que na região possuem uma história mais recente. Deve-se tentar conservar os benefícios da integração e rejeitar o que não deu certo. E a experiência europeia pode ser um exemplo muito útil para os latino-americanos nesse sentido.

Acredita que a adoção de taxas para transações econômicas, como a Taxa Tobin, há tantos anos defendida pelo senhor, encontram-se atualmente em um cenário mais propício do que no passado?

Nunca foi tão favorável. Quando eu defendi publicamente a ideia pela primeira vez, em 1997, diziam que era uma loucura, uma utopia. Todos os países recusaram. Mas, a partir do momento em que a crise iniciada em 2008 se agravou, pouco a pouco vemos muitos economistas e chefes de Estado que defendem essa cobrança. O próprio Parlamento Europeu pediu sua criação. Nicolas Sarkozy [presidente da França] a defende em toda reunião. Angela Merkel [primeira-ministra alemã] também. Só o Reino Unido é contra. Sarkozy a quer agora, como a quis em 2008, mas os mercados não deixaram. Agora ele voltou com a ideia, porque todos estão sem dinheiro para pagar as dívidas soberanas. Com um imposto dessa natureza, a Europa teria a cada ano cerca de 150 bilhões de dólares. Teríamos resolvido o problema da dívida grega. Permitiria criar um fundo de ajuda financeira para eles. Quando compramos um produto qualquer, todos pagamos um imposto por ele. Até uma garrafa d’água tem seu valor agregado. Ao mesmo tempo, quando se compra dez bilhões de euros, não se paga nada. Isso não é normal. Por isso a Taxa Tobin é um assunto mais do que atual. Ela também criaria um freio no mercado de câmbio. Nunca precisamos tanto criar essa taxa, nem nunca estivemos tão prontos. Mas há quem queira impedi-la. Afinal, do que vive o Reino Unido? Nem de matéria prima nem de indústria, mas do mercado financeiro. Seu grande produto é a bolsa de valores. Os britânicos são contra ela, mas isso é problema deles. Eles não estão na zona do euro, portanto, esse imposto pode ser aplicado somente à região. Os Estados Unidos também não gostam da ideia, pois têm uma tradição liberal. Na Europa, quem obtém algum lucro com o dinheiro aplicado em ações paga uma pequena taxa, de valor insuficiente. Já um operário que trabalha em uma linha de montagem paga muito mais impostos do que alguém que vive de ações. Mas pelo menos esse capital é taxado na Europa. Só que nos EUA não se paga nada. Tudo o que você ganhar na bolsa tem taxa zero! É outra cultura.

Em sua participação no 1º Encontro Mundial dos Blogueiros, em Foz de Iguaçu, o senhor disse que as mudanças provocadas pelo surgimento das novas mídias sociais criavam um cenário “entre a luz e a sombra”. Por que essa disparidade?

Por um lado, as mídias sociais são um fenômeno altamente positivo. É uma possibilidade de os cidadãos intervirem em debates que antes só eram restritos a quem a grande mídia quisesse. Quem quiser se expressar pode contar com essa possibilidade. Antes, era muito mais difícil. Era necessário encontrar um veículo ou uma rádio que te convidasse etc. Hoje isso mudou. A internet é uma ferramenta de fácil utilização e barata. Mesmo que se necessite comprar um mínimo de equipamento, é possível gerir um veículo com recursos cada vez mais reduzidos. Trata-se de uma reviravolta considerável e que pode ser considerado altamente positiva. Essa é o lado da “luz”. Há, no entanto, o lado “sombrio”. Também não podemos simplesmente acreditar que essa transformação na maneira de se comunicar ocorra sem que novas corporações sejam as grandes beneficiadas. Entre as principais temos o Facebook, o Twitter e o Google. Às vezes não nos damos conta de que, toda vez que utilizamos essas novas mídias, estamos tornando essas corporações cada vez mais lucrativas. Você pode ligar para um amigo para planejar a “grande revolução anticapitalista”. Para a empresa de telefonia pouco importa: ela lucra com a sua chamada. Também não devemos acreditar que, ao conseguirmos oferecer a possibilidade de qualquer pessoa expressar sua opinião, chegamos à era da democratização da comunicação. Sim, ela está mais acessível, mas os cidadãos não produzem nem são fonte dessas informações. Eles participam, na realidade, nos comentários. Em terceiro lugar, deve- se considerar que todo esse sistema é vigiado. Quando você se exprime através das novas mídias sociais ou por novas tecnologias de informação, está entregando informações que poderão ser rastreadas. Claro, o que ocorreu na Tunísia e no Egito foi muito positivo. Porém, pelo mundo, nem sempre é assim. É um sistema de dupla face.

Essa nova era da informação e da mídia contribuiu para mudanças sociais em alguns países. O senhor já citou a influência deles na queda dos regimes da Tunísia e Egito. Mas e na América Latina, em especial nos casos da Venezuela e do Equador?

Na América Latina, nem tanto. Em relação a esses dois países, ocorre um outro fenômeno muito importante: uma guerra entre a mídia local e o governo. E isso também ocorre na Bolívia e na Argentina. O que realmente importa é a vontade desses Estados em constituir um sistema midiático mais equilibrado. Antes, esses sistemas eram quase exclusivamente privados. Agora tentam criar uma coabitação entre o privado e o público. Essa é a razão do conflito.

E os serviços de informação pública nesses países, como as novas agências públicas de informação, são satisfatórios? Como assegurar a independência deles?

Não acho que as novas mídias criadas nos setores públicos desses países, como as rádios e redes de televisão, sejam perfeitas. Mas eles participam de uma vontade de equilibrar as mídias, de colocar à disposição do cidadão mídias que não sejam empresariais, garantidas pelo Estado. Com frequência, é o governo quem as comanda, mas elas normalmente têm uma vocação independente.

E o caso específico de Cuba?

Bom, aí é totalmente diferente! Porque em Cuba não há pluralidade na mídia. Não existem jornais, rádios e televisões que exprimam um ponto de vista contrário ou hostil ao governo. Isso não significa que lá não exista liberdade de expressão. Há muito espaço para debates e discussões. Mas por que não na mídia? Porque Cuba vive uma situação peculiar, por isso devemos considerá-la um caso à parte. Enquanto os Estados Unidos continuarem com uma posição de agressão, política, econômica e, inclusive, midiática, Cuba será um país que tomará precauções para se defender. Eu já publiquei um livro com uma entrevista de Fidel Castro em que ele mesmo admite que não existe liberdade de imprensa em Cuba. Por quê? Porque, segundo ele, “nas circunstâncias em que nos encontramos, não podemos permitir que os inimigos venham nos atacar e criticar”. Se as condições mudarem, ou seja, os EUA renunciarem ao embargo como já foi determinado pela ONU, então Cuba será um país completamente diferente.

2 comentários:

Noir disse...

Feliz Ano Novo de 2012, ao Miro e a todos.

Luis R disse...

Eu não estou nem um pouco preocupado com a Europa, eles é que devem se preocupar comigo. Os europeus são ladrões, invasores e gostam é de uma boa guerra, inventaram essa porcaria inútil que é o capitalismo, eu mandava todos eles pra Israel.