Por Emiliano José, na revista Teoria e Debate:
De repente, nessa atmosfera espectral,
De repente, nessa atmosfera espectral,
à beira da minha janela, ergueu-se o canto
do rouxinol. No meio desta chuva, destes
relâmpagos, do trovão, dir-se-ia o carrilhão
de um sino argentino. O rouxinol cantava com
paixão, como se quisesse abafar o barulho do
trovão e iluminar o crepúsculo. Nunca ouvi
nada mais belo. No céu, alternadamente plúmbeo
e púrpura, o seu canto fazia lembrar uma
cintilação de prata. Tudo era tão misterioso e de
uma beleza tão inacreditável que repeti
involuntariamente o último verso do poema de Goethe:
“Ah, e não estás tu ao pé de mim”...
(Carta a
Sônia Liebknecht, enviada à prisão,
fins de
maio de 1917. VARES, Luiz Pilla.
Rosa, a
Vermelha. São Paulo: Busca Vida, 1988, p. 250).
Quarentena, se nada propiciar, evoca lembranças adormecidas, jogadas a um canto, à espera de algum empurrão. Consciente ou inconsciente. Rosa Luxemburgo, uma paixão. Livros lidos, uma ou outra citação, algum artigo – dela já me ocupara, não como de seu merecimento. A gata, recém-chegada ao nosso ninho, meu e de Carla, leva o seu nome – é irrequieta que só o diabo, honra o batismo. Não, não esperem um texto teórico, a servir de bússola. Há tantos estudos, livros sobre ela – não como de seu merecimento, mas há muitos. Contentem-se, se forem atraídos à leitura, com a lembrança de seus últimos momentos de vida, ela, Rosa, mártir da revolução. Descubram também uma Rosa atenta às pequenas felicidades da vida a dois e apaixonada pela natureza. Se puderem, olhem com carinho para essa Rosa.