Reproduzo artigo de Maurício Caleiro, publicado no blog Cinema & Outras Artes:
Muito já foi dito sobre as razões que levaram as grandes corporações jornalísticas à aderência ao chamado jornalismo neocon, denominação do estilo agressivo e marcadamente conservador que se difundiu inicialmente nos EUA - de radialistas populares para a Fox News - e que, no Brasil, ganhou abrigo nas páginas da outrora prestigiada revista Veja.
Resumidamente, mudanças e pressões econômicas, tecnológicas, políticas e ideológicas fizeram com que elas passassem a abrigar em suas redações e estúdios adeptos desse jornalismo malcriado e raso em informação histórica. Ainda que seu alvo principal sejam certos estratos sócio-econômicos, setores do público jovem têm sido muito receptivos a tal "estilo".
A consciência no tempo
A brilhante jornalista que é Maria Inês Nassif teceu as seguintes considerações, em artigo recente, do qual vale a pena ler também os emocionados comentários:
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“Há quase 47 anos o Brasil iniciava seu último período ditatorial. Faz 25 anos que acabou o último governo militar. 21 anos nos separam da primeira eleição direta para presidente; e há 20 anos se promulgava a nova Constituição brasileira.
Uma geração que já é adulta nasceu na democracia e sequer tem lembranças do período negro da ditadura. Essa geração não tem a dimensão do que é, para a história do país, o fato de uma mulher que foi presa política assumir a presidência da República. Isso é história em seu estado puro”.
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Não é frequente que prestemos atenção a tais efeitos exercidos pela passagem do tempo na consciência política. Tal gap generacional, convém reforçar, faz com que um jovem que esteja ingressando na universidade hoje – aos 18, 19 anos – sequer tenha acompanhado o governo Fernando Henrique Cardoso, já que era uma criança com cerca de 10 anos quando ele terminou.
Essa amnésia histórica ajuda a explicar o porquê de um número relativamente expressivo de jovens se deixar seduzir pelo canto de sereia neocon.
Insegurança e catarse
Em primeiro lugar, porque, para essa geração, o governo Lula - e agora Dilma - constitui o poder, e é da natureza da juventude contestar o poder vigente, com razão ou não, seja ele qual for.
Em segundo, porque o jornalismo neocon brasileiro, de criaturas como Reinaldo Azevedo, Mainardi e Augusto Nunes, ao abrir mão da argumentação criteriosa, balanceada, em prol da agressividade e do ataque desqualificador, oferece uma experiência catártica que tende a seduzir particularmente a ainda revoltados e inseguros pós-adolescentes, os quais tendem a mimetizá-la. Há, muitas vezes, algo de afirmação pessoal e de recalque exorcisado nessa identificação.
Neoudenismo
Convém considerar, ainda, a questão da penetrabilidade do discurso moralista, uma arma histórica do conservadorismo brasileiro, popularizada pela UDN nos anos 40/50 e retomada pelo demotucanato com o auxílio da mídia amiga.
O alcance de tal discurso extrapola, evidentemente, o público jovem, já que a corrupção é – sempre foi - um problema grave e real no Brasil. Daí a afirmar que o governo Lula tenha sido o mais corrupto da história – como fazem os neocons – trata-se de uma generalização que, como debateremos em breve em outro post, não se sustenta minimamente e sublinha, uma vez mais, a falta de compromisso com a verdade e de conhecimento histórico por parte de tais jornalistas.
Por fim, é necessário reconhecer que o jornalismo neocon, com sua leviandade cafajeste e irresponsável, encontrou nas redes sociais um terreno prolífico, como o demonstra de forma cabal o caso dos jovens que clamaram (e ainda clamam), em tom de brincadeira ou não, pelo assassinato da presidenta eleita Dilma Rousseff.
Militância virtual
Até recentemente, a blogosfera, a despeito de sua diversidade, constituiu-se, majoritariamente, como um foco de resistência contra uma mídia partidarizada, agregando desde a esquerda anti-Lula até os que, sem cor político-ideológica, mostravam-se indignados pela perda de parâmetros da imprensa brasileira - além de simpatizantes do lulopetismo, é claro.
Com o incremento e acelerada difusão de novas redes sociais – o Twitter, notadamente – houve um processo de fragmentação e de “tribalização”, e ainda que os setores anti-conservadores tenham se fortalecido, a irrupção de uma militância neocon, açulada pela campanha suja e sem escrúpulos de José Serra, também assoma à cena, trazendo em seu bojo a intolerância, o racismo, o ódio de classe e, mais grave, a sem-cerimônia em divulgar ideias golpistas.
Ela representa a grande ameaça a ser combatida, o grande desafio: desarmar espíritos e trazer o debate político de volta ao âmbito das soluções democráticas e do diálogo civilizado.
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sexta-feira, 7 de janeiro de 2011
O alcance limitado do aperto cambial
Reproduzo artigo de Umberto Martins, publicado no sítio Vermelho:
O Banco Central (BC) aplicará um depósito compulsório equivalente a 60% da chamada posição vendida dos bancos em dólar que superarem US$ 3 bilhões ou o valor patrimonial da instituição. O objetivo é reduzir as apostas especulativas do “mercado” na queda do dólar e conter a valorização do real, que parece estar provocando um processo de desindustrialização da economia brasileira. O dólar fechou o dia em alta, mas os efeitos da medida anunciada nesta 5ª feira (6) devem ser limitados.
O compulsório em questão não será remunerado, mas os bancos têm prazo de 90 dias para se adaptar à nova regra, que vale a partir de 4 de abril. O diretor de política monetária do BC, Aldo Mendes, informou que a posição vendida dos bancos chegou a US$ 16,8 bilhões de dólares no final de 2010, refletindo a expectativa de uma valorização ainda maior do real ao longo de 2011.
Especulação
No jargão do mercado financeiro, a posição vendida equivale a um compromisso de entrega futura de dólar ou pagamento da variação cambial aos investidores. Traduz a especulação do sistema financeiro com a valorização do real, que é considerado por muitos analistas como uma das causas da queda do dólar no país. O valor da moeda estadunidense caiu mais de 50% ao longo dos últimos oito anos (período em que o real registra uma valorização de 108%), o que tem um impacto fortemente negativo na indústria e desperta preocupações no governo.
O governo espera reduzir a especulação com o câmbio, o que pode contribuir para reduzir a valorização do real. Mas é pouco provável que o problema seja definitivamente resolvido, de forma que novas medidas do gênero poderão ser anunciadas no futuro. Afinal, a posição vendida dos bancos não é a única nem a principal causa da queda do dólar.
Redução dos juros
O fato de o Brasil praticar, ainda hoje, as maiores taxas de juros reais do mundo também é apontado como uma das causas da apreciação do real, pois estimula o ingresso de dólares provenientes de países onde as taxas de juros estão em torno de zero ou são negativas para aplicação em títulos que remuneram pela Selic (taxa básica de juros, fixada em 10,75%).
A redução da Selic é uma medida considerada essencial para conter a valorização do real. Todavia, a orientação da política monetária, pelo menos a que predominou com Meirelles, segue na direção contrária a esta recomendação, feita por inúmeros especialistas e reclamada pelos empresários do setor produtivo, sindicalistas e políticos de orientação progressista.
As pressões do mercado financeiro também são por uma nova alta da taxa básica de juros e, hoje, esta parece ser a tendência que vai prevalecer na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), quando, ao que tudo indica, teremos uma nova elevação da Selic justificada pela tendência de aceleração da inflação. Se isto vier a ocorrer será um novo estímulo à valorização do real.
Principal causa
O problema também não se resume aos juros altos. A apreciação do real não se explica apenas por fatores internos. Reflete em larga medida a desvalorização do dólar em todo o mundo, fenômeno que resulta dos desequilíbrios da economia norte-americana (déficits público, comercial e em conta corrente), acentuados na presente crise pela política monetária definida pelo Federal Reserve (FED, banco central dos EUA).
O FED derramou trilhões de dólares na economia para comprar títulos podres dos bancos e papéis da Casa Branca que aparentemente já não atraem como antes o apetite de investidores institucionais (bancos centrais) de países superavitários como China e Rússia. O diabo é que o dinheiro de Tio Sam não circula apenas no interior dos EUA.
Uma vez que o dólar é uma moeda internacional e o capital corre sempre atrás do lucro máximo, que hoje pode ser colhido nos países dito emergentes (que voltaram a crescer, puxados pela China, enquanto EUA, UE e Japão patinam na estagnação), as moedas emitidas pelo FED estão fluindo para o exterior, sendo esta certamente a principal causa do declínio do dólar, da inflação mundial e da chamada guerra cambial.
“No fundo”, como ensina Josefh Stiglitz, “nos mercados financeiros globalizados, o dinheiro procura as melhores perspectivas em todo o mundo e essas perspectivas estão na Ásia [e nos emergentes, incluindo Brasil], não estão nos EUA. Assim, o dinheiro não vai para onde é necessário [ou seja, não estimula a recuperação dos investimentos e emprego] e uma grande parte será canalizada para onde não é desejado - causando mais aumentos nos preços dos ativos e das mercadorias [em outras palavras, inflação], nomeadamente nos mercados emergentes.”
Dogma neoliberal
Diante do privilégio que o império goza de pagar dívidas e promover investimentos, preferencialmente especulativos, sem realizar maior esforço do que a emissão de papel-moeda é natural que outras economias nacionais adotem medidas para preservar a competitividade de suas exportações e contornar o perigo da desindustrialização. Ainda que isto gere um conflito de divisas e desperte o fantasma da guerra comercial, que pode se transformar (como no século passado) em confrontos políticos e militares catastróficos.
Quem melhor se previne neste sentido é a China, ao lado de outros países que não adotam o chamado câmbio flutuante. Os chineses mantêm a cotação do iune sob estrito controle e, sem abrir mão desta orientação a despeito da pressão externa, consideram a política cambial uma questão de soberania. O Brasil protegeria melhor sua indústria e garantiria maior estabilidade cambial se seguisse o exemplo da próspera nação asiática neste terreno.
Mas por aqui o dogma do câmbio flutuante, herança neoliberal de FHC, imposta pelo FMI e consolidada na famosa carta aos banqueiros, digo aos brasileiros, parece ter fincado profundas raízes. Daí a insistência em medidas paliativas, ontem a taxação (via IOF) das aplicações estrangeiras em títulos de renda fixa, hoje o compulsório sobre as posições vendidas dos bancos. Podemos e creio até que devemos torcer para que dê certo, mas o bom senso indica que é hora de mudar a política macroeconômica para o câmbio, os juros e o orçamento.
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O Banco Central (BC) aplicará um depósito compulsório equivalente a 60% da chamada posição vendida dos bancos em dólar que superarem US$ 3 bilhões ou o valor patrimonial da instituição. O objetivo é reduzir as apostas especulativas do “mercado” na queda do dólar e conter a valorização do real, que parece estar provocando um processo de desindustrialização da economia brasileira. O dólar fechou o dia em alta, mas os efeitos da medida anunciada nesta 5ª feira (6) devem ser limitados.
O compulsório em questão não será remunerado, mas os bancos têm prazo de 90 dias para se adaptar à nova regra, que vale a partir de 4 de abril. O diretor de política monetária do BC, Aldo Mendes, informou que a posição vendida dos bancos chegou a US$ 16,8 bilhões de dólares no final de 2010, refletindo a expectativa de uma valorização ainda maior do real ao longo de 2011.
Especulação
No jargão do mercado financeiro, a posição vendida equivale a um compromisso de entrega futura de dólar ou pagamento da variação cambial aos investidores. Traduz a especulação do sistema financeiro com a valorização do real, que é considerado por muitos analistas como uma das causas da queda do dólar no país. O valor da moeda estadunidense caiu mais de 50% ao longo dos últimos oito anos (período em que o real registra uma valorização de 108%), o que tem um impacto fortemente negativo na indústria e desperta preocupações no governo.
O governo espera reduzir a especulação com o câmbio, o que pode contribuir para reduzir a valorização do real. Mas é pouco provável que o problema seja definitivamente resolvido, de forma que novas medidas do gênero poderão ser anunciadas no futuro. Afinal, a posição vendida dos bancos não é a única nem a principal causa da queda do dólar.
Redução dos juros
O fato de o Brasil praticar, ainda hoje, as maiores taxas de juros reais do mundo também é apontado como uma das causas da apreciação do real, pois estimula o ingresso de dólares provenientes de países onde as taxas de juros estão em torno de zero ou são negativas para aplicação em títulos que remuneram pela Selic (taxa básica de juros, fixada em 10,75%).
A redução da Selic é uma medida considerada essencial para conter a valorização do real. Todavia, a orientação da política monetária, pelo menos a que predominou com Meirelles, segue na direção contrária a esta recomendação, feita por inúmeros especialistas e reclamada pelos empresários do setor produtivo, sindicalistas e políticos de orientação progressista.
As pressões do mercado financeiro também são por uma nova alta da taxa básica de juros e, hoje, esta parece ser a tendência que vai prevalecer na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), quando, ao que tudo indica, teremos uma nova elevação da Selic justificada pela tendência de aceleração da inflação. Se isto vier a ocorrer será um novo estímulo à valorização do real.
Principal causa
O problema também não se resume aos juros altos. A apreciação do real não se explica apenas por fatores internos. Reflete em larga medida a desvalorização do dólar em todo o mundo, fenômeno que resulta dos desequilíbrios da economia norte-americana (déficits público, comercial e em conta corrente), acentuados na presente crise pela política monetária definida pelo Federal Reserve (FED, banco central dos EUA).
O FED derramou trilhões de dólares na economia para comprar títulos podres dos bancos e papéis da Casa Branca que aparentemente já não atraem como antes o apetite de investidores institucionais (bancos centrais) de países superavitários como China e Rússia. O diabo é que o dinheiro de Tio Sam não circula apenas no interior dos EUA.
Uma vez que o dólar é uma moeda internacional e o capital corre sempre atrás do lucro máximo, que hoje pode ser colhido nos países dito emergentes (que voltaram a crescer, puxados pela China, enquanto EUA, UE e Japão patinam na estagnação), as moedas emitidas pelo FED estão fluindo para o exterior, sendo esta certamente a principal causa do declínio do dólar, da inflação mundial e da chamada guerra cambial.
“No fundo”, como ensina Josefh Stiglitz, “nos mercados financeiros globalizados, o dinheiro procura as melhores perspectivas em todo o mundo e essas perspectivas estão na Ásia [e nos emergentes, incluindo Brasil], não estão nos EUA. Assim, o dinheiro não vai para onde é necessário [ou seja, não estimula a recuperação dos investimentos e emprego] e uma grande parte será canalizada para onde não é desejado - causando mais aumentos nos preços dos ativos e das mercadorias [em outras palavras, inflação], nomeadamente nos mercados emergentes.”
Dogma neoliberal
Diante do privilégio que o império goza de pagar dívidas e promover investimentos, preferencialmente especulativos, sem realizar maior esforço do que a emissão de papel-moeda é natural que outras economias nacionais adotem medidas para preservar a competitividade de suas exportações e contornar o perigo da desindustrialização. Ainda que isto gere um conflito de divisas e desperte o fantasma da guerra comercial, que pode se transformar (como no século passado) em confrontos políticos e militares catastróficos.
Quem melhor se previne neste sentido é a China, ao lado de outros países que não adotam o chamado câmbio flutuante. Os chineses mantêm a cotação do iune sob estrito controle e, sem abrir mão desta orientação a despeito da pressão externa, consideram a política cambial uma questão de soberania. O Brasil protegeria melhor sua indústria e garantiria maior estabilidade cambial se seguisse o exemplo da próspera nação asiática neste terreno.
Mas por aqui o dogma do câmbio flutuante, herança neoliberal de FHC, imposta pelo FMI e consolidada na famosa carta aos banqueiros, digo aos brasileiros, parece ter fincado profundas raízes. Daí a insistência em medidas paliativas, ontem a taxação (via IOF) das aplicações estrangeiras em títulos de renda fixa, hoje o compulsório sobre as posições vendidas dos bancos. Podemos e creio até que devemos torcer para que dê certo, mas o bom senso indica que é hora de mudar a política macroeconômica para o câmbio, os juros e o orçamento.
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O jogo conhecido do PMDB
Reproduzo artigo de Maria Inês Nassif, publicado no jornal Valor Econômico:
Em abril de 1995, no começo do segundo mandato do tucano Fernando Henrique Cardoso, o PMDB na Câmara, que era da base governista, impôs uma derrota ao governo na votação do projeto de reajuste do salário mínimo. O então líder do partido na Câmara, Geddel Vieira Lima (BA), esclareceu as razões do mau humor: “A bancada está nervosa por causa do imobilismo e da inoperância do governo e os cargos [nomeação de pemedebistas para o governo] entram nisso. O governo só responde “não” a qualquer pleito”.
Em 2007, já aliado a Lula, o PMDB, desta vez no Senado, encenou uma nova “rebelião”: 12 senadores do PMDB, que Wellington Salgado (MG) designou de “franciscanos”, votaram contra a MP que criava a Secretaria Especial de Projetos de Longo Prazo, cujo ministro seria Mangabeira Unger. “Os franciscanos não querem um sapato de couro alemão, querem só um chinelinho novo”, disse Salgado, ao reclamar que o governo só dava atenção aos “cardeais” do partido. O baixo clero do Senado ganhou a atenção pedida. Mais tarde, ajudou a derrubar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), contra os interesses do governo.
Ter o PMDB na base de apoio não é garantia de nada para nenhum governo, desde José Sarney (1985-1989). Mas a estratégia do partido para ganhar espaço de poder é tão previsível que mesmo os menos atentos à política conhecem os sinais. O uso do aumento do salário mínimo como chantagem é da tradição pemedebista. A vinculação dos benefícios de aposentadoria e pensões ao salário mínimo torna qualquer aumento não previsto no Orçamento uma bomba de efeito retardado para a política fiscal de qualquer governo. Mas, da mesma forma, um partido como o PMDB, que tem 1.175 prefeitos em todo o Brasil, também coloca em risco seu patrimônio político, já que as prefeituras sofrem um forte impacto nas suas folhas de pagamento com o aumento do piso salarial. A outra ação previsível é a de retaliar os governos dos quais faz parte com o apoio a candidatos não oficiais à mesa da Câmara.
Se o PMDB é altamente previsível em suas ações de chantagem, existe também uma dose de imprevisibilidade no futuro do partido, que parece não fazer parte dos cálculos de seus líderes. Nem o PMDB é imutável. Alguns dados novos tendem a relativizar as manobras tradicionais de chantagem pemedebista sobre o governo Dilma Rousseff.
Oferta de apoio pode ser maior do que a demanda do governo
O primeiro dado, visível, é que, embora o grande líder da bancada de deputados, Michel Temer, tenha se tornado o vice, o novo governo claramente preferiu privilegiar o grupo de José Sarney, o maior líder no Senado. Sarney é tido como um aliado mais fácil. E na Câmara, o grupo que dominou o partido desde os governos de FHC sofreu baixas importantes nessa legislatura.
A mais importante delas é a do próprio Michel Temer, que nos últimos quatro governos foi parte da estrutura de poder da Câmara e do partido. Foi na posição de presidente da Câmara e de presidente do PMDB que conseguiu manter o grupo de deputados a ele ligados como os principais beneficiários das alianças pemedebistas com os governos do momento. Michel Temer (SP), Wellington Moreira Franco (RJ), Carlos Eduardo Alves (RN), Geddel Vieira Lima (BA) e Eliseu Padilha (RS) dominaram a bancada na Câmara nos governos de FHC. Também teve grande poder o deputado Eduardo Cunha (RJ), embora atue em faixa própria. No último governo Lula, a aliança com o PMDB na Câmara para compor a base governista levou Wellington Moreira Franco, então sem mandato parlamentar, a uma das diretorias da Caixa Econômica Federal. Geddel tornou-se o ministro da Integração Regional. Eliseu Padilha manteve uma postura quase que dissidente em relação ao governo, embora isso não tenha abalado a lealdade interna do grupo.
Internamente, a coesão do grupo se dava pela oposição ao grupo de Orestes Quércia, oposicionista nos governos de FHC, governista no primeiro mandato de Lula e oposicionista novamente no segundo mandato do presidente petista. No jogo de poder partidário, o grupo de Temer, estrategicamente colocado na Câmara, polarizava com o seu rival regional. Na disputa local, o PMDB paulista perdeu substância. Hoje, não é quase nada e as negociações para a adesão do prefeito Gilberto Kassab (DEM) já são feitas sobre o reduzido espólio político deixado por Quércia, morto no fim do ano passado.
Na disputa nacional, a arte de lidar com o baixo clero deu ao grupo de Temer a hegemonia na Câmara, que acabou se estendendo à máquina partidária. Temer é considerado, hoje, como o dirigente pemedebista que mais obteve coesão partidária depois de Ulysses Guimarães, que dirigiu o partido durante a ditadura e no governo Sarney. Não foi à toa que se fez o vice.
Embora o grupo de Temer continue jogando em conjunto o jogo “um apoia, outro ameaça” e mantenha a capacidade de cooptar o baixo clero do partido, está desfalcado na Câmara – Temer é o vice, Geddel disputou o governo da Bahia e ficou sem mandato, Moreira Franco foi para a Secretaria de Assuntos Estratégicos, que não mobiliza grandes verbas e Cunha continua atuando em faixa própria. Outro inconveniente para o grupo hegemônico na Câmara é que o partido perdeu deputados, enquanto pequenos partidos de esquerda reforçaram suas bancadas. A lógica da traição tende a contar contra o PMDB, ao contrário do que acontecia no passado. Em assuntos corriqueiros, o governo Dilma pode prescindir da unidade pemedebista e das chantagens públicas e privadas do grupo. No Senado, a redução da oposição também confere menos poder de chantagem à bancada.
Não é o fim do PMDB. O partido prospera quando é governo, da mesma forma que o ex-PFL definhou na ausência dele. Mas a conjuntura tende a exigir nova visão do que é lealdade. Até porque a derrota, por três eleições presidenciais seguidas, torna políticos dos partidos oposicionistas mais importantes, PSDB e DEM, altamente sensíveis à cooptação. A oferta de apoio ao governo Dilma pode se tornar maior do que a demanda.
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Em abril de 1995, no começo do segundo mandato do tucano Fernando Henrique Cardoso, o PMDB na Câmara, que era da base governista, impôs uma derrota ao governo na votação do projeto de reajuste do salário mínimo. O então líder do partido na Câmara, Geddel Vieira Lima (BA), esclareceu as razões do mau humor: “A bancada está nervosa por causa do imobilismo e da inoperância do governo e os cargos [nomeação de pemedebistas para o governo] entram nisso. O governo só responde “não” a qualquer pleito”.
Em 2007, já aliado a Lula, o PMDB, desta vez no Senado, encenou uma nova “rebelião”: 12 senadores do PMDB, que Wellington Salgado (MG) designou de “franciscanos”, votaram contra a MP que criava a Secretaria Especial de Projetos de Longo Prazo, cujo ministro seria Mangabeira Unger. “Os franciscanos não querem um sapato de couro alemão, querem só um chinelinho novo”, disse Salgado, ao reclamar que o governo só dava atenção aos “cardeais” do partido. O baixo clero do Senado ganhou a atenção pedida. Mais tarde, ajudou a derrubar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), contra os interesses do governo.
Ter o PMDB na base de apoio não é garantia de nada para nenhum governo, desde José Sarney (1985-1989). Mas a estratégia do partido para ganhar espaço de poder é tão previsível que mesmo os menos atentos à política conhecem os sinais. O uso do aumento do salário mínimo como chantagem é da tradição pemedebista. A vinculação dos benefícios de aposentadoria e pensões ao salário mínimo torna qualquer aumento não previsto no Orçamento uma bomba de efeito retardado para a política fiscal de qualquer governo. Mas, da mesma forma, um partido como o PMDB, que tem 1.175 prefeitos em todo o Brasil, também coloca em risco seu patrimônio político, já que as prefeituras sofrem um forte impacto nas suas folhas de pagamento com o aumento do piso salarial. A outra ação previsível é a de retaliar os governos dos quais faz parte com o apoio a candidatos não oficiais à mesa da Câmara.
Se o PMDB é altamente previsível em suas ações de chantagem, existe também uma dose de imprevisibilidade no futuro do partido, que parece não fazer parte dos cálculos de seus líderes. Nem o PMDB é imutável. Alguns dados novos tendem a relativizar as manobras tradicionais de chantagem pemedebista sobre o governo Dilma Rousseff.
Oferta de apoio pode ser maior do que a demanda do governo
O primeiro dado, visível, é que, embora o grande líder da bancada de deputados, Michel Temer, tenha se tornado o vice, o novo governo claramente preferiu privilegiar o grupo de José Sarney, o maior líder no Senado. Sarney é tido como um aliado mais fácil. E na Câmara, o grupo que dominou o partido desde os governos de FHC sofreu baixas importantes nessa legislatura.
A mais importante delas é a do próprio Michel Temer, que nos últimos quatro governos foi parte da estrutura de poder da Câmara e do partido. Foi na posição de presidente da Câmara e de presidente do PMDB que conseguiu manter o grupo de deputados a ele ligados como os principais beneficiários das alianças pemedebistas com os governos do momento. Michel Temer (SP), Wellington Moreira Franco (RJ), Carlos Eduardo Alves (RN), Geddel Vieira Lima (BA) e Eliseu Padilha (RS) dominaram a bancada na Câmara nos governos de FHC. Também teve grande poder o deputado Eduardo Cunha (RJ), embora atue em faixa própria. No último governo Lula, a aliança com o PMDB na Câmara para compor a base governista levou Wellington Moreira Franco, então sem mandato parlamentar, a uma das diretorias da Caixa Econômica Federal. Geddel tornou-se o ministro da Integração Regional. Eliseu Padilha manteve uma postura quase que dissidente em relação ao governo, embora isso não tenha abalado a lealdade interna do grupo.
Internamente, a coesão do grupo se dava pela oposição ao grupo de Orestes Quércia, oposicionista nos governos de FHC, governista no primeiro mandato de Lula e oposicionista novamente no segundo mandato do presidente petista. No jogo de poder partidário, o grupo de Temer, estrategicamente colocado na Câmara, polarizava com o seu rival regional. Na disputa local, o PMDB paulista perdeu substância. Hoje, não é quase nada e as negociações para a adesão do prefeito Gilberto Kassab (DEM) já são feitas sobre o reduzido espólio político deixado por Quércia, morto no fim do ano passado.
Na disputa nacional, a arte de lidar com o baixo clero deu ao grupo de Temer a hegemonia na Câmara, que acabou se estendendo à máquina partidária. Temer é considerado, hoje, como o dirigente pemedebista que mais obteve coesão partidária depois de Ulysses Guimarães, que dirigiu o partido durante a ditadura e no governo Sarney. Não foi à toa que se fez o vice.
Embora o grupo de Temer continue jogando em conjunto o jogo “um apoia, outro ameaça” e mantenha a capacidade de cooptar o baixo clero do partido, está desfalcado na Câmara – Temer é o vice, Geddel disputou o governo da Bahia e ficou sem mandato, Moreira Franco foi para a Secretaria de Assuntos Estratégicos, que não mobiliza grandes verbas e Cunha continua atuando em faixa própria. Outro inconveniente para o grupo hegemônico na Câmara é que o partido perdeu deputados, enquanto pequenos partidos de esquerda reforçaram suas bancadas. A lógica da traição tende a contar contra o PMDB, ao contrário do que acontecia no passado. Em assuntos corriqueiros, o governo Dilma pode prescindir da unidade pemedebista e das chantagens públicas e privadas do grupo. No Senado, a redução da oposição também confere menos poder de chantagem à bancada.
Não é o fim do PMDB. O partido prospera quando é governo, da mesma forma que o ex-PFL definhou na ausência dele. Mas a conjuntura tende a exigir nova visão do que é lealdade. Até porque a derrota, por três eleições presidenciais seguidas, torna políticos dos partidos oposicionistas mais importantes, PSDB e DEM, altamente sensíveis à cooptação. A oferta de apoio ao governo Dilma pode se tornar maior do que a demanda.
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Inflação: a mesma desculpa de sempre!
Reproduzo artigo de Paulo Kliass, publicado no sítio Carta Maior:
Nos próximos dias 18 e 19 de janeiro reúne-se a diretoria do Banco Central, sob a presidência de Alexandre Tombini, para realizar o primeiro encontro do Comitê de Política Monetária (COPOM) no mandato da Presidenta Dilma. Como ocorre em todo evento a cada 45 dias, figura em pauta a definição da taxa oficial de juros - a SELIC, atualmente no patamar de 10,75% ao ano.
O mercado financeiro está em plena agitação, como sempre. Mas as apostas agora ganham em expectativa, uma vez que existe uma incerteza generalizada quanto à capacidade de Dilma Roussef manter seu compromisso à época da campanha eleitoral de reduzir a taxa de juros vigente em nosso País e trazê-la para níveis mais, digamos assim, “civilizados”... Ou seja, os desejos pesados do capital financeiro se manifestam por meio da divulgação de consultas e relatórios de empresas e indivíduos que têm interesse na continuidade dessa política monetária irracional e irresponsável. Para um leitor desatento das páginas de economia dos grandes meio de comunicação, aparece como um consenso generalizado a “necessidade inescapável” de, mais uma vez, aumentar a taxa oficial de juros.
O argumento evocado pelos agentes que operam no mercado financeiro é o de sempre: os riscos apresentados pelas informações disponíveis a respeito da economia de que a meta de inflação anual escape do controle governamental. Não custa aqui recordar alguns elementos básicos para compreender a essência de tal raciocínio. O regime atual de estabilidade macroeconômica pressupõe a existência de uma meta de inflação definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) . Hoje em dia ela está fixada em 4,5% ao ano, com uma margem de tolerância de 2% para cima ou para baixo. Ou seja, enquanto a inflação estiver situada entre 2,5% e 6,5% ao ano, a situação estaria dentro do intervalo esperado. Assim, caso haja uma tendência de elevação dos preços superior a tal meta anual, a solução usada até o momento tem sido, fundamentalmente, a de aumentar a taxa SELIC, de forma a promover uma elevação generalizada dos juros na economia e se obter como resultado uma redução no volume de consumo agregado, do conjunto da sociedade.
Mas afinal, por que tanta preocupação assim com a inflação, poderão perguntar alguns? Pois é, a coisa é mais complicada do que aparenta. Vamos aos poucos. De acordo com os dados preliminares do Censo 2010, a nossa pirâmide populacional apresenta por volta de 26% de pessoas com até 16 anos de idade. Isso significa dizer que 50 milhões de brasileiros, do total de 191 milhões, nasceram após 1994. A conclusão é que aproximadamente 1 em cada 4 brasileiros nasceu após o advento do Plano Real. Trata-se de uma parcela importante de nossa gente, para quem a normalidade cultural e comportamental inclui o sentido de viver em um ambiente social e econômico de preços estáveis. Para essa geração, inflação baixa e sob controle é o padrão. Porém, são crianças e jovens adolescentes, a grande maioria deles ainda dependentes dos pais e da família para efeito de assegurar a renda para a sobrevivência e o consumo.
Já os demais 141 milhões de indivíduos experimentaram, de uma forma ou outra, os períodos anteriores ao Plano Real e sentiram em sua própria pele os efeitos perversos de viver em um ambiente de preços em constante elevação acelerada e mesmo de hiperinflação. A história é longa e tortuosa – fiquemos nas últimas 5 décadas. Depois do golpe militar de 1964, a reforma monetária de 1967, com a perda de 3 zeros do “cruzeiro” da época e a criação da nova moeda - o “cruzeiro novo” ( na verdade, as cédulas antigas ganharam um carimbo com o novo valor e novo nome). Logo após, em 1970 o “cruzeiro novo” ganha cédula nova e vira simplesmente “cruzeiro”. Em 1986, após 16 anos de inflação elevada e perda do valor da moeda, o Plano Cruzado cria a moeda de mesmo nome – o “cruzeiro” perdia 3 zeros e cada 1.000 “cruzeiros” passavam a valer 1 “cruzado”. Em 1989, nova reforma monetária e cada 1.000 unidades do recente “cruzado” passavam a valer 1 ”cruzado novo”, nova moeda criada naquele momento. Pouco mais de um ano depois, no início de 1990, com o Plano Collor, a reforma monetária reintroduz o nome “cruzeiro” para a nossa moeda, sem perdas de zeros. E em agosto de 1993, o então recente “cruzeiro” vê-se transformado em “cruzeiro real”, para logo em seguida efetivar-se a transformação no nosso atual “real” por meio das tabelas de conversão da Unidade Real de Valor (URV). Ufa!
Ora, é mais do que compreensível o receio da maioria da população com relação a eventual volta aos cenários pré 1994. Quem viveu sob a égide do crescimento diário dos preços e sofreu as conseqüências de tal processo reconhece a importância do ambiente de estabilidade de preços.
Principalmente, aqueles que vivem de remuneração de seu próprio trabalho ou de aposentadoria e têm menor capacidade de se proteger da perda contínua do valor monetário do dinheiro guardado fora da esfera financeira.
Apenas a título de comparação: entre 1995 e 2010, a média da inflação oficial (IPCA) foi de 7,6% ao ano. No período mais recente, entre 2003 e 2010, a média anual caiu para 5,7%. Porém, nos 4 meses que antecederam o Plano Collor (dez/89 a mar/90), a inflação acumulada superou a marca de 700%. Apenas nos 31 dias daquele março ela foi de 82%. Já nos 12 meses que antecederam ao Plano Real, a inflação acumulada foi superior a 5.000%. Realmente, a diferença para os tempos atuais é enorme e significativa!
Por mais contraditório que possa parecer, o fenômeno da inflação é carregado de forte abstração. Ou melhor, encerra em si mesmo uma contradição: o elemento real/concreto, ao mesmo tempo em que explicita um aspecto ideal/abstrato. O concreto refere-se ao efeito gerado pelo crescimento dos preços em si mesmo, à capacidade de transformar o montante da moeda em mercadoria, ao volume das compras que podem ser efetuadas a cada momento com aqueles recursos. É a sensação bem objetiva que a sabedoria popular denomina como “sentir no próprio bolso” as conseqüências da inflação. É palpável, é real. Os preços do pão, do leite, do ônibus, da gasolina, da batata, do tomate, do telefone, da televisão, do aluguel sobem. Tudo aumenta de preço. E, mais uma vez, a sabedoria popular explica melhor com a imagem da “falta de salário no final do mês”.
No entanto, a inflação é também sintetizada por um número, por um índice. E tal movimento implica um elevado grau de abstração. Na verdade, busca-se a síntese de um fenômeno generalizado de elevação de preços no conjunto da economia para algo que se expressa sob a forma de um x % ao ano, de um y % ao mês e, às vezes, até mesmo de um z % ao dia. E aqui reside um aspecto essencial: esse de conglomerar, adensar num único número um fenômeno carregado de significados que tangenciam o econômico, o social, o cultural.
O fato é que cada indivíduo, cada família ou cada empresa apresenta um padrão de consumo diferenciado. E isso também varia de acordo com as características regionais (a cesta de consumo de uma família no Sul ou no Nordeste), com as características de renda (padrão de consumo da chamada classe A versus a classe C, por exemplo), com o tipo de empresa considerada (compradora de matérias-primas, mais intensiva em capital ou trabalho, etc). E a lista das diferenças é praticamente inesgotável: moradia própria ou pagamento aluguel; veículo próprio ou uso de transporte público; família morando em ambiente urbano ou rural; consumo nas regiões metropolitanas das capitais ou em pequenos municípios do interior; matrícula dos filhos em escola pública ou privada; uso de serviços de saúde do SUS ou pagamento de plano de saúde privado; etc, etc, etc.
Assim, quando se depara com o número “oficial” da inflação do período, cada agente econômico vai se sentir mais ou menos identificado com aquela referência. Exatamente por ser uma média, tal índice opera como se fosse uma abstração. Para tentar mapear o comportamento de forma mais específica e detalhada, aos poucos foi sendo desenvolvido um conjunto amplo de indicadores que buscam dar conta de tal diversidade de situações. E quem se atrever a correr atrás vai se deparar com uma verdadeira sopa de letrinhas, tanto para as siglas dos índices (em geral começam com a letra “I”...) como para as instituições que os elaboram. Alguns exemplos:
INPC (IBGE) – Índice Nacional de Preços ao Consumidor (1 a 6 salários mínimos)
IPC (FIPE/USP) – Índice de Preços ao Consumidor – município de São Paulo
IPC (FGV) – Índice de Preços ao Consumidor
IPC - S ( FGV) – Índice de Preços ao Consumidor - semanal
IPCA (IBGE) – Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (1 a 40 salários mínimos)
IPCA – 15 (IBGE) - Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (entre dias 15 de cada mês)
IGP - DI (FGV) – Índice Geral de Preços - disponibilidade interna
IGP - M ( FGV) - Índice Geral de Preços - mercado
ICV - SP (DIEESE) – Índice de Custo de Vida – município de São Paulo.
INCC (FGV) – Índice Nacional da Construção Civil
IPA (FGV) - Índice de Preços por Atacado
IPA - M (FGV) - Índice de Preços por Atacado - mercado
Como a apuração de cada índice resulta em um número diferente para a inflação do período, dependendo do indicador utilizado há perdas ou ganhos relativos. É conhecido o fato dos contratos das prestadoras de serviços públicos pós privatização terem sido reajustados pelo IGP-M, que apurava índices mais elevados do que a inflação oficial e dos reajustes salariais. Resultado: transferência de renda da maioria da população para um grupo restrito de empresas privadas.
Uma sofisticação importante foi a elaboração dos índices que incorporam os produtos importados e a pesquisa dos preços no atacado. Assim, por exemplo, pode-se avaliar se a inflação em um certo momento tem determinantes externos importantes, como a alta no preço do petróleo, do minério de ferro, da soja e outras bens chamados “commodities” no mercado internacional, sobre os quais a demanda brasileira não tem nenhuma capacidade de atuar – a não ser por meio da taxa de câmbio. Ou então, pode-se captar alguma tendência de elevação futura quando os preços no atacado apresentam alta. Isso significa que os insumos serão processados ou os estoques vendidos já num patamar de preços mais elevado, quando chegarem na ponta para o consumidor final.
E as diferenças continuam: a FGV divulgou que o IGP-DI para 2010 ficou em 11,3%. Mas a o IBGE informou que a inflação medida pelo IPCA para o mesmo período ficou em 5,9%. Por um lado, mais perdas para quem vive da remuneração de seu trabalho. Por outro, maior pressão do mundo financeiro sobre o governo para aumentar a taxa de juros na reunião do COPOM.
E termino com a pergunta que não quer calar: mas afinal, no frigir dos ovos, qual foi mesmo a inflação do Brasil ao longo do ano passado?
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Nos próximos dias 18 e 19 de janeiro reúne-se a diretoria do Banco Central, sob a presidência de Alexandre Tombini, para realizar o primeiro encontro do Comitê de Política Monetária (COPOM) no mandato da Presidenta Dilma. Como ocorre em todo evento a cada 45 dias, figura em pauta a definição da taxa oficial de juros - a SELIC, atualmente no patamar de 10,75% ao ano.
O mercado financeiro está em plena agitação, como sempre. Mas as apostas agora ganham em expectativa, uma vez que existe uma incerteza generalizada quanto à capacidade de Dilma Roussef manter seu compromisso à época da campanha eleitoral de reduzir a taxa de juros vigente em nosso País e trazê-la para níveis mais, digamos assim, “civilizados”... Ou seja, os desejos pesados do capital financeiro se manifestam por meio da divulgação de consultas e relatórios de empresas e indivíduos que têm interesse na continuidade dessa política monetária irracional e irresponsável. Para um leitor desatento das páginas de economia dos grandes meio de comunicação, aparece como um consenso generalizado a “necessidade inescapável” de, mais uma vez, aumentar a taxa oficial de juros.
O argumento evocado pelos agentes que operam no mercado financeiro é o de sempre: os riscos apresentados pelas informações disponíveis a respeito da economia de que a meta de inflação anual escape do controle governamental. Não custa aqui recordar alguns elementos básicos para compreender a essência de tal raciocínio. O regime atual de estabilidade macroeconômica pressupõe a existência de uma meta de inflação definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) . Hoje em dia ela está fixada em 4,5% ao ano, com uma margem de tolerância de 2% para cima ou para baixo. Ou seja, enquanto a inflação estiver situada entre 2,5% e 6,5% ao ano, a situação estaria dentro do intervalo esperado. Assim, caso haja uma tendência de elevação dos preços superior a tal meta anual, a solução usada até o momento tem sido, fundamentalmente, a de aumentar a taxa SELIC, de forma a promover uma elevação generalizada dos juros na economia e se obter como resultado uma redução no volume de consumo agregado, do conjunto da sociedade.
Mas afinal, por que tanta preocupação assim com a inflação, poderão perguntar alguns? Pois é, a coisa é mais complicada do que aparenta. Vamos aos poucos. De acordo com os dados preliminares do Censo 2010, a nossa pirâmide populacional apresenta por volta de 26% de pessoas com até 16 anos de idade. Isso significa dizer que 50 milhões de brasileiros, do total de 191 milhões, nasceram após 1994. A conclusão é que aproximadamente 1 em cada 4 brasileiros nasceu após o advento do Plano Real. Trata-se de uma parcela importante de nossa gente, para quem a normalidade cultural e comportamental inclui o sentido de viver em um ambiente social e econômico de preços estáveis. Para essa geração, inflação baixa e sob controle é o padrão. Porém, são crianças e jovens adolescentes, a grande maioria deles ainda dependentes dos pais e da família para efeito de assegurar a renda para a sobrevivência e o consumo.
Já os demais 141 milhões de indivíduos experimentaram, de uma forma ou outra, os períodos anteriores ao Plano Real e sentiram em sua própria pele os efeitos perversos de viver em um ambiente de preços em constante elevação acelerada e mesmo de hiperinflação. A história é longa e tortuosa – fiquemos nas últimas 5 décadas. Depois do golpe militar de 1964, a reforma monetária de 1967, com a perda de 3 zeros do “cruzeiro” da época e a criação da nova moeda - o “cruzeiro novo” ( na verdade, as cédulas antigas ganharam um carimbo com o novo valor e novo nome). Logo após, em 1970 o “cruzeiro novo” ganha cédula nova e vira simplesmente “cruzeiro”. Em 1986, após 16 anos de inflação elevada e perda do valor da moeda, o Plano Cruzado cria a moeda de mesmo nome – o “cruzeiro” perdia 3 zeros e cada 1.000 “cruzeiros” passavam a valer 1 “cruzado”. Em 1989, nova reforma monetária e cada 1.000 unidades do recente “cruzado” passavam a valer 1 ”cruzado novo”, nova moeda criada naquele momento. Pouco mais de um ano depois, no início de 1990, com o Plano Collor, a reforma monetária reintroduz o nome “cruzeiro” para a nossa moeda, sem perdas de zeros. E em agosto de 1993, o então recente “cruzeiro” vê-se transformado em “cruzeiro real”, para logo em seguida efetivar-se a transformação no nosso atual “real” por meio das tabelas de conversão da Unidade Real de Valor (URV). Ufa!
Ora, é mais do que compreensível o receio da maioria da população com relação a eventual volta aos cenários pré 1994. Quem viveu sob a égide do crescimento diário dos preços e sofreu as conseqüências de tal processo reconhece a importância do ambiente de estabilidade de preços.
Principalmente, aqueles que vivem de remuneração de seu próprio trabalho ou de aposentadoria e têm menor capacidade de se proteger da perda contínua do valor monetário do dinheiro guardado fora da esfera financeira.
Apenas a título de comparação: entre 1995 e 2010, a média da inflação oficial (IPCA) foi de 7,6% ao ano. No período mais recente, entre 2003 e 2010, a média anual caiu para 5,7%. Porém, nos 4 meses que antecederam o Plano Collor (dez/89 a mar/90), a inflação acumulada superou a marca de 700%. Apenas nos 31 dias daquele março ela foi de 82%. Já nos 12 meses que antecederam ao Plano Real, a inflação acumulada foi superior a 5.000%. Realmente, a diferença para os tempos atuais é enorme e significativa!
Por mais contraditório que possa parecer, o fenômeno da inflação é carregado de forte abstração. Ou melhor, encerra em si mesmo uma contradição: o elemento real/concreto, ao mesmo tempo em que explicita um aspecto ideal/abstrato. O concreto refere-se ao efeito gerado pelo crescimento dos preços em si mesmo, à capacidade de transformar o montante da moeda em mercadoria, ao volume das compras que podem ser efetuadas a cada momento com aqueles recursos. É a sensação bem objetiva que a sabedoria popular denomina como “sentir no próprio bolso” as conseqüências da inflação. É palpável, é real. Os preços do pão, do leite, do ônibus, da gasolina, da batata, do tomate, do telefone, da televisão, do aluguel sobem. Tudo aumenta de preço. E, mais uma vez, a sabedoria popular explica melhor com a imagem da “falta de salário no final do mês”.
No entanto, a inflação é também sintetizada por um número, por um índice. E tal movimento implica um elevado grau de abstração. Na verdade, busca-se a síntese de um fenômeno generalizado de elevação de preços no conjunto da economia para algo que se expressa sob a forma de um x % ao ano, de um y % ao mês e, às vezes, até mesmo de um z % ao dia. E aqui reside um aspecto essencial: esse de conglomerar, adensar num único número um fenômeno carregado de significados que tangenciam o econômico, o social, o cultural.
O fato é que cada indivíduo, cada família ou cada empresa apresenta um padrão de consumo diferenciado. E isso também varia de acordo com as características regionais (a cesta de consumo de uma família no Sul ou no Nordeste), com as características de renda (padrão de consumo da chamada classe A versus a classe C, por exemplo), com o tipo de empresa considerada (compradora de matérias-primas, mais intensiva em capital ou trabalho, etc). E a lista das diferenças é praticamente inesgotável: moradia própria ou pagamento aluguel; veículo próprio ou uso de transporte público; família morando em ambiente urbano ou rural; consumo nas regiões metropolitanas das capitais ou em pequenos municípios do interior; matrícula dos filhos em escola pública ou privada; uso de serviços de saúde do SUS ou pagamento de plano de saúde privado; etc, etc, etc.
Assim, quando se depara com o número “oficial” da inflação do período, cada agente econômico vai se sentir mais ou menos identificado com aquela referência. Exatamente por ser uma média, tal índice opera como se fosse uma abstração. Para tentar mapear o comportamento de forma mais específica e detalhada, aos poucos foi sendo desenvolvido um conjunto amplo de indicadores que buscam dar conta de tal diversidade de situações. E quem se atrever a correr atrás vai se deparar com uma verdadeira sopa de letrinhas, tanto para as siglas dos índices (em geral começam com a letra “I”...) como para as instituições que os elaboram. Alguns exemplos:
INPC (IBGE) – Índice Nacional de Preços ao Consumidor (1 a 6 salários mínimos)
IPC (FIPE/USP) – Índice de Preços ao Consumidor – município de São Paulo
IPC (FGV) – Índice de Preços ao Consumidor
IPC - S ( FGV) – Índice de Preços ao Consumidor - semanal
IPCA (IBGE) – Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (1 a 40 salários mínimos)
IPCA – 15 (IBGE) - Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (entre dias 15 de cada mês)
IGP - DI (FGV) – Índice Geral de Preços - disponibilidade interna
IGP - M ( FGV) - Índice Geral de Preços - mercado
ICV - SP (DIEESE) – Índice de Custo de Vida – município de São Paulo.
INCC (FGV) – Índice Nacional da Construção Civil
IPA (FGV) - Índice de Preços por Atacado
IPA - M (FGV) - Índice de Preços por Atacado - mercado
Como a apuração de cada índice resulta em um número diferente para a inflação do período, dependendo do indicador utilizado há perdas ou ganhos relativos. É conhecido o fato dos contratos das prestadoras de serviços públicos pós privatização terem sido reajustados pelo IGP-M, que apurava índices mais elevados do que a inflação oficial e dos reajustes salariais. Resultado: transferência de renda da maioria da população para um grupo restrito de empresas privadas.
Uma sofisticação importante foi a elaboração dos índices que incorporam os produtos importados e a pesquisa dos preços no atacado. Assim, por exemplo, pode-se avaliar se a inflação em um certo momento tem determinantes externos importantes, como a alta no preço do petróleo, do minério de ferro, da soja e outras bens chamados “commodities” no mercado internacional, sobre os quais a demanda brasileira não tem nenhuma capacidade de atuar – a não ser por meio da taxa de câmbio. Ou então, pode-se captar alguma tendência de elevação futura quando os preços no atacado apresentam alta. Isso significa que os insumos serão processados ou os estoques vendidos já num patamar de preços mais elevado, quando chegarem na ponta para o consumidor final.
E as diferenças continuam: a FGV divulgou que o IGP-DI para 2010 ficou em 11,3%. Mas a o IBGE informou que a inflação medida pelo IPCA para o mesmo período ficou em 5,9%. Por um lado, mais perdas para quem vive da remuneração de seu trabalho. Por outro, maior pressão do mundo financeiro sobre o governo para aumentar a taxa de juros na reunião do COPOM.
E termino com a pergunta que não quer calar: mas afinal, no frigir dos ovos, qual foi mesmo a inflação do Brasil ao longo do ano passado?
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quinta-feira, 6 de janeiro de 2011
Os retrocessos na reforma agrária
Reproduzo importante documento da Comissão Pastoral da Terra (CPT):
A Comissão Pastoral da Terra – Nordeste II faz uma análise da conjuntura política e avaliação dos avanços, desafios e impasses da reforma agrária em 2010, ano em que se encerra a chamada “Era Lula”.
Ao fim de mais um ano, que representa o encerramento de dois mandatos do presidente Lula, os desafios e impasses históricos da reforma agrária no Brasil não foram superados. Em 2010, vimos a redução de 44% do número de famílias assentadas, com relação ao ano passado, além da redução de 72% no número de hectares destinados à reforma agrária.
O Incra tornou-se ainda mais ineficaz com o seu orçamento reduzido em quase a metade em relação a 2009. Os números deste último ano da Era Lula explicitam: a reforma agrária não foi uma prioridade para o governo federal. A reforma agrária que deveria ser assimilada enquanto um Projeto de nação e de desenvolvimento sustentável, transformou-se em um precário programa de assentamentos, em nível bastante aquém das reais demandas dos homens e mulheres do campo.
Balanço de 2010
2010, que encerra a chamada Era Lula, foi o pior ano para a reforma agrária brasileira nos últimos oito anos. A realidade é que a promessa do presidente Lula de fazer a reforma agrária com uma canetada não foi cumprida.
A situação dos camponeses e trabalhadores rurais é bastante grave! O campo exige mudanças a favor da cidadania, do desenvolvimento sustentável, contra a concentração de terra e contra o fortalecimento do já poderoso agronegócio brasileiro!
Em 2010, houve uma redução das famílias assentadas em 44% com relação ao ano passado, o qual já foi bastante insuficiente diante das promessas e dos deveres de um governo de fazer a reforma agrária e, sobretudo, diante das necessidades das famílias camponesas.
Também ocorreu neste ano uma drástica redução de 72% no número de hectares destinados à reforma agrária, conforme os números divulgados pelo próprio Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Não é exagero afirmar que em 2010 houve uma intensa estagnação no processo de reforma agrária em todo o país.
De fato, o orçamento do Incra foi reduzido em quase a metade em relação ao ano passado. Esse profundo corte dos recursos confirma que a reforma agrária não foi uma prioridade para o governo federal. O quadro se agravou ainda mais porque, além do corte, o orçamento destinado para a reforma agrária neste ano se encerrou no mês de junho e o governo nada fez para evitar que o Congresso Nacional vetasse a suplementação orçamentária. O dinheiro que já era pouco, faltou por quase um semestre.
A reforma agrária, como um conjunto de medidas estratégicas para enfrentar a concentração da propriedade da terra e para promover um desenvolvimento sustentável e igualitário no campo, transformou-se em um precário programa de assentamentos, em nível bastante aquém das próprias promessas do II Plano Nacional de Reforma Agrária.
É lamentável que o Governo Lula, nestes oito anos, tenha relegado esta pauta à periferia das políticas públicas e tenha consumado uma surpreendente opção preferencial pelo agronegócio e pelo latifúndio.
A histórica disputa no Brasil entre dois projetos para o campo brasileiro está sendo desequilibrada em favor dos poderosos de sempre. De um lado, se favorece com recursos públicos abundantes o agronegócio agroexportador e destruidor do planeta. De outro lado, praticamente se relega a um plano inferior a agricultura familiar e camponesa que é responsável pela produção dos alimentos, do abastecimento do mercado interno e pelo emprego de mais de 85% da mão-de-obra do campo, segundo o último Censo agropecuário de 2006.
Com a expansão do setor sulcroalcooleiro e maior investimento governamental para a produção de etanol, os números de trabalhadores encontrados em situação de escravidão subiram significativamente. Na era FHC, cerca de cinco mil trabalhadores e trabalhadoras foram libertados do trabalho escravo no campo. Na Era Lula esse número sobe drasticamente para 32 mil.
Atribuímos este aumento a uma maior atuação do Grupo Móvel de combate ao Trabalho Escravo, pressionado por uma maior mobilização social em torno do tema, criações de campanhas, denúncias nacionais e internacionais (OIT), visibilidade na imprensa, a criação da lista suja, além de outros mecanismos jurídicos como a alteração da definição penal do crime de Trabalho Escravo (TE), no art. 149.
No caso dos territórios quilombolas a situação é a mesma. Com efeito, não houve vontade política em demarcar os territórios quilombolas, além de o Incra não dispor de pessoal capacitado e de estrutura para promover o procedimento de titulação e de elaboração de relatórios técnicos, mantendo-se inerte diante dessa dívida histórica com o povo dos quilombos, remanescente ainda sofrido da odiosa escravidão.
Como resultado disso, são insignificantes os dados divulgados pelo Instituto, que revelam que o Governo Lula chega ao seu último ano emitindo apenas 11 títulos às comunidades quilombolas. Número bastante irrisório diante da demanda de mais de 3.000 comunidades em 24 estados brasileiros.
Também nessa questão, o agronegócio tem exercido pressões contrárias à titulação das terras e, infelizmente, o governo tem sido mais sensível a essas pressões e interesses do que ao seu dever maior de fazer justiça às comunidades quilombolas. Setores políticos ligados ao agronegócio articularam uma instrução normativa que não mais respeita o direito de autoidentificação, conforme preconiza a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Decreto 4887/03.
A postura do governo federal foi ainda mais lamentável quando a Casa Civil passou a reter todos os processos de regularização territorial dessas comunidades, embora o Supremo Tribunal Federal tenha negado o pedido liminar do DEM na ADIN que pretende julgar inconstitucional o decreto que regulamenta a matéria.
Na reforma agrária, como nos remanescentes dos quilombos, lamentavelmente, o governo Lula manteve o passivo de conflitos de terra recebido do governo anterior. A atual política econômica é uma aliada das empresas transnacionais, mineradoras e do agronegócio e, assim, penaliza cada vez mais a agricultura familiar e camponesa.
Embora as ocupações de terra tenham diminuído em alguns Estados nos últimos anos, em especial em 2010, o número de famílias envolvidas na luta pela terra na Era Lula, não é tão distante do da Era FHC (570 mil famílias, 3.880 ocupações). Os dados do governo Lula, relativos aos dois mandatos, ainda não foram fechados, mas estimativas indicam a participação de cerca de 480 mil famílias em 3.621 ocupações de terra ao longo desse período (dados do Núcleo de Estudos, Pesquisa e Projetos de Reforma Agrária - NERA).
No Sertão Nordestino também são visíveis os efeitos perversos desse abandono de prioridade das políticas públicas. Tem se intensificado o crescimento do agronegócio e da mineração, com o decisivo apoio dos governos federal e estaduais, através de ações e de recursos públicos. É o que vem ocorrendo na região do Vale do Açu e na Chapada do Apodi, no Rio Grande do Norte, no alto sertão paraibano e no sertão pernambucano. Todos são projetos de mineração, de fruticultura irrigada, com uso intensivo de agrotóxicos, com a degradação do meio ambiente e, sobretudo, com a irrigação custeada por recursos públicos para atender prioritariamente às grandes empresas e não aos pequenos produtores.
Em todos esses grandes Projetos, os resultados imediatos na geração de empregos e de investimentos mascaram um futuro nada sustentável, com a geração de danos à saúde das pessoas e ao meio ambiente, bem como com a intensificação da concentração de renda e de terras, com graves impactos nas populações tradicionais.
Com esses moldes e parâmetros, o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco, que o governo tanto divulga e festeja, é mais um Projeto que só vai beneficiar o agro-hidronegócio e que trará impactos negativos para as comunidades tradicionais, como os indígenas, quilombolas e ribeirinhos. Na região de Curumataú e Seridó paraibano, a exploração das atividades de mineração só fez aumentar a grilagem de terras e a expulsão das famílias que há décadas moram e plantam na área.
Na Zona da Mata pernambucana, o governo federal não questionou o domínio territorial do decadente agronegócio canavieiro. Nem a tragédia ambiental, com a inundação de dezenas de cidades em Alagoas e Pernambuco, em decorrência da devastação provocada pela cana de açúcar, sensibilizou os Governos Federal e Estadual.
Embora o IBAMA tenha ajuizado ações civis públicas para obrigar as Usinas de Açúcar e Álcool de Pernambuco a repor os seus passivos ambientais, a forte pressão do setor e o apoio do Ministério Público Federal, fez com que houvesse uma trégua da Justiça para com essas Empresas seculares, enquanto a população mais pobre perdia tudo que tinha na devastadora enchente de 2010.
Diante desses fatos, a reconstrução das cidades está se dando em áreas desapropriadas das usinas, sem que qualquer medida preventiva ou estrutural de recomposição da Mata Atlântica destruída tenha sido tomada.
No que se refere à aquisição de terras por estrangeiros, o governo federal perdeu o controle que existiu de 1971 até 1994 e deu continuidade à política de FHC, com a permissão de compras de extensas áreas de terras por empresas estrangeiras ou brasileiras controladas por estrangeiros.
Apenas em 2010, a Advocacia Geral da União reviu seu parecer e passou a entender que a venda de terras brasileiras a estrangeiros ou empresas brasileiras controladas por estrangeiros, estaria limitada ao máximo em cinco mil hectares, cuja soma das áreas rurais controladas por esses grupos não poderia ultrapassar 25% da superfície do município.
A decisão veio tardia e foi ineficaz, além de consolidar todas as aquisições anteriormente realizadas, configurando-se uma medida de extrema gravidade e atentatória à soberania nacional, ao manter sob domínio estrangeiro áreas próximas às fronteiras e na região amazônica.
Assim, no governo Lula, pouco há a comemorar em favor da agricultura camponesa. Mas temos o dever de registrar essas exceções para estimular a sua multiplicação. Por exemplo, o Programa Nacional da Agricultura Familiar (PRONAF) e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) foram transformados em políticas públicas permanentes, através de decretos assinados por Lula. Um outro fato positivo foi a reestruturação da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que praticamente não existia e que virou um instrumento importante para a comercialização da agricultura familiar e camponesa.
Também é merecedor de reconhecimento que o governo federal tenha deixado de ser um agente ativo na criminalização de trabalhadores sem-terras, de suas lideranças e de seus movimentos. O que dificultou os esforços do agronegócio junto à Justiça, um poder que pouco tem melhorado nesses anos, no trato das questões agrárias e no reconhecimento dos direitos de cidadãos humildes e explorados.
Diante da existência dessas poucas ações importantes e positivas, em contraste com a abundância do mau desempenho do governo Lula na reforma agrária, o próximo governo tem que ter um posicionamento firme, com ações concretas, nas questões estratégicas da reforma agrária, a exemplo de (1) assumir efetivamente a vontade política de realizar a reforma agrária e de defender a agricultura familiar e camponesa; (2) ter um orçamento compatível e do tamanho das demandas, da dignidade e dos direitos do povo do campo; (3) propor um modelo que priorize a soberania alimentar baseado na produção camponesa; (4) Limitar o tamanho da propriedade da terra; (5) assegurar a aprovação do Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 438/2001 PEC, que prevê o confisco de terras de escravagistas; (6) garantir a demarcação das terras indígenas e Quilombolas; (7) promover a aferição da função social da terra pelos vários pontos fixados pela Constituição Federal; (8) atualizar, enfim, os índices de produtividade.
No Brasil, não poderá haver desenvolvimento alternativo, democrático e sustentável sem uma reforma agrária intensa e extensa. Atualmente, todo o mundo se volta para as questões do meio ambiente e à necessidade de salvar o planeta. A reforma agrária e a agricultura familiar e camponesa são partes essenciais desse esforço inadiável para se alcançar a sustentabilidade desejada na agricultura, na produção de alimentos e nos modelos produtivos. Igualmente nessa parte, o governo Lula beneficiou o latifúndio no debate, na formatação e na tramitação do projeto do novo Código Florestal.
O período que agora se encerra com o final do segundo mandato do presidente Lula produziu resultados evidentes na formação de consumidores, mas não na formação de cidadãos. Os desafios são imensos para que a migração que ocorreu entre as classes sociais não seja meramente provisória. Na verdade, o fato positivo de poder consumir é apenas uma parte da cidadania, a qual somente se estabiliza com o acesso ao conhecimento, à educação, à terra, às condições de nela produzir, dentre outros atributos que o Governo Lula não soube, nem quis assegurar ao povo do campo.
Assim, diante das demandas da reforma agrária e da agricultura familiar e camponesa, é imensa a missão da Presidenta da República recentemente eleita. Com o apoio da maioria do Congresso Nacional, a futura presidenta efetivamente terá, nesses campos estratégicos, a missão de fazer a reforma agrária que nunca foi feita no Brasil.
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A Comissão Pastoral da Terra – Nordeste II faz uma análise da conjuntura política e avaliação dos avanços, desafios e impasses da reforma agrária em 2010, ano em que se encerra a chamada “Era Lula”.
Ao fim de mais um ano, que representa o encerramento de dois mandatos do presidente Lula, os desafios e impasses históricos da reforma agrária no Brasil não foram superados. Em 2010, vimos a redução de 44% do número de famílias assentadas, com relação ao ano passado, além da redução de 72% no número de hectares destinados à reforma agrária.
O Incra tornou-se ainda mais ineficaz com o seu orçamento reduzido em quase a metade em relação a 2009. Os números deste último ano da Era Lula explicitam: a reforma agrária não foi uma prioridade para o governo federal. A reforma agrária que deveria ser assimilada enquanto um Projeto de nação e de desenvolvimento sustentável, transformou-se em um precário programa de assentamentos, em nível bastante aquém das reais demandas dos homens e mulheres do campo.
Balanço de 2010
2010, que encerra a chamada Era Lula, foi o pior ano para a reforma agrária brasileira nos últimos oito anos. A realidade é que a promessa do presidente Lula de fazer a reforma agrária com uma canetada não foi cumprida.
A situação dos camponeses e trabalhadores rurais é bastante grave! O campo exige mudanças a favor da cidadania, do desenvolvimento sustentável, contra a concentração de terra e contra o fortalecimento do já poderoso agronegócio brasileiro!
Em 2010, houve uma redução das famílias assentadas em 44% com relação ao ano passado, o qual já foi bastante insuficiente diante das promessas e dos deveres de um governo de fazer a reforma agrária e, sobretudo, diante das necessidades das famílias camponesas.
Também ocorreu neste ano uma drástica redução de 72% no número de hectares destinados à reforma agrária, conforme os números divulgados pelo próprio Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Não é exagero afirmar que em 2010 houve uma intensa estagnação no processo de reforma agrária em todo o país.
De fato, o orçamento do Incra foi reduzido em quase a metade em relação ao ano passado. Esse profundo corte dos recursos confirma que a reforma agrária não foi uma prioridade para o governo federal. O quadro se agravou ainda mais porque, além do corte, o orçamento destinado para a reforma agrária neste ano se encerrou no mês de junho e o governo nada fez para evitar que o Congresso Nacional vetasse a suplementação orçamentária. O dinheiro que já era pouco, faltou por quase um semestre.
A reforma agrária, como um conjunto de medidas estratégicas para enfrentar a concentração da propriedade da terra e para promover um desenvolvimento sustentável e igualitário no campo, transformou-se em um precário programa de assentamentos, em nível bastante aquém das próprias promessas do II Plano Nacional de Reforma Agrária.
É lamentável que o Governo Lula, nestes oito anos, tenha relegado esta pauta à periferia das políticas públicas e tenha consumado uma surpreendente opção preferencial pelo agronegócio e pelo latifúndio.
A histórica disputa no Brasil entre dois projetos para o campo brasileiro está sendo desequilibrada em favor dos poderosos de sempre. De um lado, se favorece com recursos públicos abundantes o agronegócio agroexportador e destruidor do planeta. De outro lado, praticamente se relega a um plano inferior a agricultura familiar e camponesa que é responsável pela produção dos alimentos, do abastecimento do mercado interno e pelo emprego de mais de 85% da mão-de-obra do campo, segundo o último Censo agropecuário de 2006.
Com a expansão do setor sulcroalcooleiro e maior investimento governamental para a produção de etanol, os números de trabalhadores encontrados em situação de escravidão subiram significativamente. Na era FHC, cerca de cinco mil trabalhadores e trabalhadoras foram libertados do trabalho escravo no campo. Na Era Lula esse número sobe drasticamente para 32 mil.
Atribuímos este aumento a uma maior atuação do Grupo Móvel de combate ao Trabalho Escravo, pressionado por uma maior mobilização social em torno do tema, criações de campanhas, denúncias nacionais e internacionais (OIT), visibilidade na imprensa, a criação da lista suja, além de outros mecanismos jurídicos como a alteração da definição penal do crime de Trabalho Escravo (TE), no art. 149.
No caso dos territórios quilombolas a situação é a mesma. Com efeito, não houve vontade política em demarcar os territórios quilombolas, além de o Incra não dispor de pessoal capacitado e de estrutura para promover o procedimento de titulação e de elaboração de relatórios técnicos, mantendo-se inerte diante dessa dívida histórica com o povo dos quilombos, remanescente ainda sofrido da odiosa escravidão.
Como resultado disso, são insignificantes os dados divulgados pelo Instituto, que revelam que o Governo Lula chega ao seu último ano emitindo apenas 11 títulos às comunidades quilombolas. Número bastante irrisório diante da demanda de mais de 3.000 comunidades em 24 estados brasileiros.
Também nessa questão, o agronegócio tem exercido pressões contrárias à titulação das terras e, infelizmente, o governo tem sido mais sensível a essas pressões e interesses do que ao seu dever maior de fazer justiça às comunidades quilombolas. Setores políticos ligados ao agronegócio articularam uma instrução normativa que não mais respeita o direito de autoidentificação, conforme preconiza a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Decreto 4887/03.
A postura do governo federal foi ainda mais lamentável quando a Casa Civil passou a reter todos os processos de regularização territorial dessas comunidades, embora o Supremo Tribunal Federal tenha negado o pedido liminar do DEM na ADIN que pretende julgar inconstitucional o decreto que regulamenta a matéria.
Na reforma agrária, como nos remanescentes dos quilombos, lamentavelmente, o governo Lula manteve o passivo de conflitos de terra recebido do governo anterior. A atual política econômica é uma aliada das empresas transnacionais, mineradoras e do agronegócio e, assim, penaliza cada vez mais a agricultura familiar e camponesa.
Embora as ocupações de terra tenham diminuído em alguns Estados nos últimos anos, em especial em 2010, o número de famílias envolvidas na luta pela terra na Era Lula, não é tão distante do da Era FHC (570 mil famílias, 3.880 ocupações). Os dados do governo Lula, relativos aos dois mandatos, ainda não foram fechados, mas estimativas indicam a participação de cerca de 480 mil famílias em 3.621 ocupações de terra ao longo desse período (dados do Núcleo de Estudos, Pesquisa e Projetos de Reforma Agrária - NERA).
No Sertão Nordestino também são visíveis os efeitos perversos desse abandono de prioridade das políticas públicas. Tem se intensificado o crescimento do agronegócio e da mineração, com o decisivo apoio dos governos federal e estaduais, através de ações e de recursos públicos. É o que vem ocorrendo na região do Vale do Açu e na Chapada do Apodi, no Rio Grande do Norte, no alto sertão paraibano e no sertão pernambucano. Todos são projetos de mineração, de fruticultura irrigada, com uso intensivo de agrotóxicos, com a degradação do meio ambiente e, sobretudo, com a irrigação custeada por recursos públicos para atender prioritariamente às grandes empresas e não aos pequenos produtores.
Em todos esses grandes Projetos, os resultados imediatos na geração de empregos e de investimentos mascaram um futuro nada sustentável, com a geração de danos à saúde das pessoas e ao meio ambiente, bem como com a intensificação da concentração de renda e de terras, com graves impactos nas populações tradicionais.
Com esses moldes e parâmetros, o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco, que o governo tanto divulga e festeja, é mais um Projeto que só vai beneficiar o agro-hidronegócio e que trará impactos negativos para as comunidades tradicionais, como os indígenas, quilombolas e ribeirinhos. Na região de Curumataú e Seridó paraibano, a exploração das atividades de mineração só fez aumentar a grilagem de terras e a expulsão das famílias que há décadas moram e plantam na área.
Na Zona da Mata pernambucana, o governo federal não questionou o domínio territorial do decadente agronegócio canavieiro. Nem a tragédia ambiental, com a inundação de dezenas de cidades em Alagoas e Pernambuco, em decorrência da devastação provocada pela cana de açúcar, sensibilizou os Governos Federal e Estadual.
Embora o IBAMA tenha ajuizado ações civis públicas para obrigar as Usinas de Açúcar e Álcool de Pernambuco a repor os seus passivos ambientais, a forte pressão do setor e o apoio do Ministério Público Federal, fez com que houvesse uma trégua da Justiça para com essas Empresas seculares, enquanto a população mais pobre perdia tudo que tinha na devastadora enchente de 2010.
Diante desses fatos, a reconstrução das cidades está se dando em áreas desapropriadas das usinas, sem que qualquer medida preventiva ou estrutural de recomposição da Mata Atlântica destruída tenha sido tomada.
No que se refere à aquisição de terras por estrangeiros, o governo federal perdeu o controle que existiu de 1971 até 1994 e deu continuidade à política de FHC, com a permissão de compras de extensas áreas de terras por empresas estrangeiras ou brasileiras controladas por estrangeiros.
Apenas em 2010, a Advocacia Geral da União reviu seu parecer e passou a entender que a venda de terras brasileiras a estrangeiros ou empresas brasileiras controladas por estrangeiros, estaria limitada ao máximo em cinco mil hectares, cuja soma das áreas rurais controladas por esses grupos não poderia ultrapassar 25% da superfície do município.
A decisão veio tardia e foi ineficaz, além de consolidar todas as aquisições anteriormente realizadas, configurando-se uma medida de extrema gravidade e atentatória à soberania nacional, ao manter sob domínio estrangeiro áreas próximas às fronteiras e na região amazônica.
Assim, no governo Lula, pouco há a comemorar em favor da agricultura camponesa. Mas temos o dever de registrar essas exceções para estimular a sua multiplicação. Por exemplo, o Programa Nacional da Agricultura Familiar (PRONAF) e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) foram transformados em políticas públicas permanentes, através de decretos assinados por Lula. Um outro fato positivo foi a reestruturação da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que praticamente não existia e que virou um instrumento importante para a comercialização da agricultura familiar e camponesa.
Também é merecedor de reconhecimento que o governo federal tenha deixado de ser um agente ativo na criminalização de trabalhadores sem-terras, de suas lideranças e de seus movimentos. O que dificultou os esforços do agronegócio junto à Justiça, um poder que pouco tem melhorado nesses anos, no trato das questões agrárias e no reconhecimento dos direitos de cidadãos humildes e explorados.
Diante da existência dessas poucas ações importantes e positivas, em contraste com a abundância do mau desempenho do governo Lula na reforma agrária, o próximo governo tem que ter um posicionamento firme, com ações concretas, nas questões estratégicas da reforma agrária, a exemplo de (1) assumir efetivamente a vontade política de realizar a reforma agrária e de defender a agricultura familiar e camponesa; (2) ter um orçamento compatível e do tamanho das demandas, da dignidade e dos direitos do povo do campo; (3) propor um modelo que priorize a soberania alimentar baseado na produção camponesa; (4) Limitar o tamanho da propriedade da terra; (5) assegurar a aprovação do Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 438/2001 PEC, que prevê o confisco de terras de escravagistas; (6) garantir a demarcação das terras indígenas e Quilombolas; (7) promover a aferição da função social da terra pelos vários pontos fixados pela Constituição Federal; (8) atualizar, enfim, os índices de produtividade.
No Brasil, não poderá haver desenvolvimento alternativo, democrático e sustentável sem uma reforma agrária intensa e extensa. Atualmente, todo o mundo se volta para as questões do meio ambiente e à necessidade de salvar o planeta. A reforma agrária e a agricultura familiar e camponesa são partes essenciais desse esforço inadiável para se alcançar a sustentabilidade desejada na agricultura, na produção de alimentos e nos modelos produtivos. Igualmente nessa parte, o governo Lula beneficiou o latifúndio no debate, na formatação e na tramitação do projeto do novo Código Florestal.
O período que agora se encerra com o final do segundo mandato do presidente Lula produziu resultados evidentes na formação de consumidores, mas não na formação de cidadãos. Os desafios são imensos para que a migração que ocorreu entre as classes sociais não seja meramente provisória. Na verdade, o fato positivo de poder consumir é apenas uma parte da cidadania, a qual somente se estabiliza com o acesso ao conhecimento, à educação, à terra, às condições de nela produzir, dentre outros atributos que o Governo Lula não soube, nem quis assegurar ao povo do campo.
Assim, diante das demandas da reforma agrária e da agricultura familiar e camponesa, é imensa a missão da Presidenta da República recentemente eleita. Com o apoio da maioria do Congresso Nacional, a futura presidenta efetivamente terá, nesses campos estratégicos, a missão de fazer a reforma agrária que nunca foi feita no Brasil.
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A década do ativismo midiático
Reproduzo artigo de Silvio Mieli, publicado no jornal Brasil de Fato:
Há um fio condutor entre as batalhas nas ruas de Londres, Roma, Milão, Paris, Atenas e os embates digitais que convergiram no fenômeno WikiLeaks.
Há exatos dez anos o encontro entre as ruas e as redes digitais começou a ganhar forma numa dinâmica que aproximou ativismo e tecnologia contra um inimigo comum: o poder, que manifesta-se através da desregulamentação do mercado de trabalho, do desemprego, dos cortes orçamentários e das privatizações.
Herdeiro direto do zapatismo, este novo ativismo gerou os Centros de Mídia Independente, as agências de informações alternativas e os blogs livres. Uma experiência riquíssima forjada nas oficinas políticas de Seattle, Gênova, nas manifestações contra a invasão do Iraque, nos fóruns sociais e nos seminários contra a propriedade intelectual.
Os ativistas da mídia que articularam esta sublevação eram vistos com desconfiança até começarem a pautar a mídia corporativa, o que acabou se confirmando com a publicação milhares de telegramas obtidos pelo WikiLeaks. Mas o seu conteúdo, ainda que bombástico, é menos importante do que o processo de inversão do fluxo de informação que esta década de luta concretizou.
A partir de agora, a ascensão do movimento de massas não poderá mais prescindir desta nova classe, espécie de cérebro social composto pelos programadores de informática, jornalistas, pesquisadores, ao mesmo tempo técnicos, artistas e ativistas.
Entre o virtual das redes e o núcleo duro da realidade social sairá o desenho da segunda década do milênio. A propósito, um fotógrafo viu manifestantes chutando um carro na Rua Regent, no centro de compras de Londres. O carro conseguiu fugir da multidão, mas uma imagem flagrou o olhar de horror de Camilla, duquesa da Cornuália, e do príncipe Charles, confinados em seu Rolls-Royce. Os estudantes cercavam o carro e protestavam contra um projeto aprovado pela câmara baixa do Parlamento, que triplicava o preço das matrículas universitárias na Inglaterra. A nova década promete.
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Há um fio condutor entre as batalhas nas ruas de Londres, Roma, Milão, Paris, Atenas e os embates digitais que convergiram no fenômeno WikiLeaks.
Há exatos dez anos o encontro entre as ruas e as redes digitais começou a ganhar forma numa dinâmica que aproximou ativismo e tecnologia contra um inimigo comum: o poder, que manifesta-se através da desregulamentação do mercado de trabalho, do desemprego, dos cortes orçamentários e das privatizações.
Herdeiro direto do zapatismo, este novo ativismo gerou os Centros de Mídia Independente, as agências de informações alternativas e os blogs livres. Uma experiência riquíssima forjada nas oficinas políticas de Seattle, Gênova, nas manifestações contra a invasão do Iraque, nos fóruns sociais e nos seminários contra a propriedade intelectual.
Os ativistas da mídia que articularam esta sublevação eram vistos com desconfiança até começarem a pautar a mídia corporativa, o que acabou se confirmando com a publicação milhares de telegramas obtidos pelo WikiLeaks. Mas o seu conteúdo, ainda que bombástico, é menos importante do que o processo de inversão do fluxo de informação que esta década de luta concretizou.
A partir de agora, a ascensão do movimento de massas não poderá mais prescindir desta nova classe, espécie de cérebro social composto pelos programadores de informática, jornalistas, pesquisadores, ao mesmo tempo técnicos, artistas e ativistas.
Entre o virtual das redes e o núcleo duro da realidade social sairá o desenho da segunda década do milênio. A propósito, um fotógrafo viu manifestantes chutando um carro na Rua Regent, no centro de compras de Londres. O carro conseguiu fugir da multidão, mas uma imagem flagrou o olhar de horror de Camilla, duquesa da Cornuália, e do príncipe Charles, confinados em seu Rolls-Royce. Os estudantes cercavam o carro e protestavam contra um projeto aprovado pela câmara baixa do Parlamento, que triplicava o preço das matrículas universitárias na Inglaterra. A nova década promete.
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"Pânico" lidera ranking da baixaria na TV
Reproduzo artigo de Virginia Toledo, publicado na Rede Brasil Atual:
Um ranking que relaciona os programas de TV mais denunciados por violações aos Direitos Humanos foi divulgado nesta quinta-feira (06) , pela campanha "Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania". O progama "Pânico na TV", da RedeTV! apareceu em primeiro lugar, o quadro - reincidente na lista - apresentou o maior número de denúncias pelos telespectadores.
Atrás do programa humorístico, o Ranking da Baixaria da TV mostra o "Brasil Urgente", da TV Bandeirantes, o qual em dezembro passado foi alvo de ação civil, instaurada pelo Ministério Público Federal (MPF), por ter apresentado declarações preconceituosas contra os ateus. A campanha recebeu 68 denúncios de telespectadores que se sentiram agredidos pelas posições do apresentador José Luiz Datena.
O ranking levou em conta as denúncias que continham indícios de apelo sexual, incitação à violência, apologia ao crime, desrespeito aos valores familiares e preconceito. Outros três programas também foram listados no ranking: "Se Liga Bocão" da TV Itapoan, afiliada da Rede Record, "A Fazenda", também da Rede Record e "Chumbo Grosso", programa regional de gênero policial exibido pela TV Goiânia, afiliada da Rede Bandeirantes.
De acordo com a coordenação da campanha, o ranking foi contabilizado por meio das denúncias recebidas pelo site da campanha (www.eticanatv.org.br) e do Disque Câmara (0800 619 619). O ranking encontra-se na 18ª edição. Da última lista divulgada, em maio de 2010, até agora, foram recebidas 892 denúncias de telespectadores.
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Um ranking que relaciona os programas de TV mais denunciados por violações aos Direitos Humanos foi divulgado nesta quinta-feira (06) , pela campanha "Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania". O progama "Pânico na TV", da RedeTV! apareceu em primeiro lugar, o quadro - reincidente na lista - apresentou o maior número de denúncias pelos telespectadores.
Atrás do programa humorístico, o Ranking da Baixaria da TV mostra o "Brasil Urgente", da TV Bandeirantes, o qual em dezembro passado foi alvo de ação civil, instaurada pelo Ministério Público Federal (MPF), por ter apresentado declarações preconceituosas contra os ateus. A campanha recebeu 68 denúncios de telespectadores que se sentiram agredidos pelas posições do apresentador José Luiz Datena.
O ranking levou em conta as denúncias que continham indícios de apelo sexual, incitação à violência, apologia ao crime, desrespeito aos valores familiares e preconceito. Outros três programas também foram listados no ranking: "Se Liga Bocão" da TV Itapoan, afiliada da Rede Record, "A Fazenda", também da Rede Record e "Chumbo Grosso", programa regional de gênero policial exibido pela TV Goiânia, afiliada da Rede Bandeirantes.
De acordo com a coordenação da campanha, o ranking foi contabilizado por meio das denúncias recebidas pelo site da campanha (www.eticanatv.org.br) e do Disque Câmara (0800 619 619). O ranking encontra-se na 18ª edição. Da última lista divulgada, em maio de 2010, até agora, foram recebidas 892 denúncias de telespectadores.
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As cascas de banana e a intriga da mídia
Reproduzo artigo de Izaías Almada, publicado no sítio Carta Maior:
Referindo-se a uma quase que inexistente militância da coligação PSDB/DEM/PPS, essa que se transformou na fina flor do atual conservadorismo brasileiro, a jornalista Eliana Catanhede fez, durante a última campanha eleitoral, uma citação auto-elogiosa aos “quadros” que comporiam o tal exército de Brancaleone. Denominou-os de “massa cheirosa”, com a evidente intenção de – por oposição – considerar os eleitores de Dilma e apoiadores do presidente Lula como a massa mal cheirosa da periferia e dos rincões mais distantes do país. O então general presidente João Batista Figueiredo afirmou, já no último governo da ditadura, que preferia o cheiro das estrebarias ao cheiro do povo.
Tais afirmações, a da jornalista e a do general, enquadram-se perfeitamente no discurso raivoso e preconceituoso que caracteriza uma parcela da sociedade brasileira. Antes, durante e depois do regime ditatorial de 64.
A recente campanha oposicionista do candidato José Serra fala por si. Inúmeras foram as demonstrações de intolerância, os arremedos de violência, as mentiras e os factóides diários sustentados por uma imprensa, em sua maioria, defensora de uma candidatura que nasceu morta, mas que era preciso se oxigenar com o que estivesse mais à mão. Com a agravante de que o candidato já se disse em outros tempos um homem de esquerda e progressista. Em outras circunstâncias, é claro...
Os panfletos sobre o aborto, as agressões ao passado guerrilheiro da candidata Dilma Roussef, as idiotices e inverdades repetidas por artistas de telenovelas e programas de humorismo duvidoso, invasões de missas, religiosidade de última hora, uma ridícula bolinha de papel transformada em míssil, uma campanha suja e violenta pela internet, onde predominava o irracional e o mau português, e um candidato – ao contrário do que pregava – completamente despreparado para o exercício da presidência, tudo isso acabou por criar um caldo de cultura muito próprio ao jeito fascista de fazer política. A cultura da violência.
Enquanto a nova política de resgatar o país de mazelas seculares procura avançar com rapidez, passando ao largo de vaidades e incompetências, muitas delas acadêmicas e voltadas para a satisfação de uma pequena parcela da sociedade, políticos formados na velha escola republicana e temperados pelas benesses de uma ditadura que durou 21 anos, ainda insistem em dividir o país em novas capitanias hereditárias, espalhando o preconceito e a discriminação entre brasileiros. Ao perceberem que a realidade do país começa a não responder mais diretamente aos seus interesses, tais esbirros – usando ainda o monopólio do curral mediático, onde são proprietários e beneficiários ao mesmo tempo – passaram a apostar mais pesado no ‘quanto pior, melhor’.
Seria bom não nos deixarmos iludir por uma democracia que continua parcialmente tutelada e que, apesar dos avanços institucionais, ainda não ultrapassou algumas provas de fogo, tais como o efetivo combate à corrupção ou à impunidade de alguns figurões da república. Ou à punição de torturadores de crimes políticos e comuns, de quem pouco se fala. Não conseguiu uma reforma política que merecesse esse nome, uma reforma fiscal, uma reforma do Judiciário.
No momento, tudo parece indicar uma pausa temporária, estratégica, por parte da velha mídia, quando se espera que as águas da eleição e da posse do novo governo se acalmem. A elite política e econômica brasileira é sempre perigosa, sorrateira. A sorte do país, para além de algumas políticas acertadas do governo Lula nos últimos oito anos, é que a oposição emburreceu, assim como jornalistas e analistas do “ancien regime”. Chega a ser patética a cena mostrada em vídeo nos últimos dias, na qual FHC pede a Serra para agradecer alguns elogios do governador Alckmin no seu discurso de posse.
O mito do brasileiro cordial, de índole pacífica é uma falácia que continuamos carregando para apaziguar nossas consciências. Sempre que precisou, a elite brasileira foi violenta, sabendo cooptar aqueles de que necessita para o serviço sujo, incluindo-se aqui amplos setores da classe média também. Os exemplos da Guerra do Paraguai, do último bastião escravista até a Lei Áurea, do Estado Novo, da ditadura civil/militar de 64/68, do trabalho escravo de adultos e crianças, dos matadores de aluguel, dos esquadrões da morte e das atuais milícias urbanas, da violência contra a mulher, do preconceito contra nordestinos, do uso da tortura contra prisioneiros políticos ou comuns, da impunidade contra o crime de colarinho branco e outras mazelas do gênero, deixam muito a desejar sobre esse tão decantado espírito cordial e conciliador.
E é justamente por isso que não podemos desprezar o abominável e recente episódio das inúmeras manifestações de cidadãos brasileiros em suas sintéticas mensagens pelo twitter ao desejarem um atentado contra a presidenta Dilma Roussef no dia da sua posse. Qual o significado daquelas mensagens para além da sua linguagem crua e repetitiva, mas de conteúdo criminoso e ideologicamente condenável? Uma manifestação covarde de adolescentes sem o que fazer? Refletiam um pensamento próprio ou reproduziam opiniões ouvidas em casa, nos escritórios ou escolas? Espontânea ou induzida? O que levou tais pessoas a manifestarem esse desejo?
As cascas de banana e a intriga grosseira começam a tomar algumas manchetes jornalísticas na indisfarçável tentativa de criar embaraços a um governo que mal começou. O PMDB se tornará mais uma vez o ‘fiel da balança’ de um sistema partidário viciado, ineficiente, sensivelmente corrupto em muitos dos seus integrantes, muitas vezes dissonante em relação a antigos e insolúveis problemas brasileiros.
A campanha da presidenta Dilma Roussef prometeu avanço em várias áreas conquistadas no governo do presidente Lula. E seria bom que nos seus 100 primeiros dias de governo, essas promessas começassem a ser reconhecidas pelo povo brasileiro. Caso contrário, o tiro pode sair pela culatra. E o mau cheiro do fascismo deixar os rincões conservadores e preconceituosos, por onde transita com relativa liberdade e travestido de massa cheirosa, e começar a se espalhar por toda a sociedade brasileira.
Presidenta Dilma: olho vivo e, se for preciso, corte o mal pela raiz, já diz a sabedoria popular. Enquanto sentir firmeza, o povo estará ao seu lado. Caso contrário, o país corre o risco do retrocesso. O fascismo se alimenta da inveja, da frustração e usa da mentira e da violência para atingir seus objetivos. Nunca é cedo demais para essas reflexões.
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Referindo-se a uma quase que inexistente militância da coligação PSDB/DEM/PPS, essa que se transformou na fina flor do atual conservadorismo brasileiro, a jornalista Eliana Catanhede fez, durante a última campanha eleitoral, uma citação auto-elogiosa aos “quadros” que comporiam o tal exército de Brancaleone. Denominou-os de “massa cheirosa”, com a evidente intenção de – por oposição – considerar os eleitores de Dilma e apoiadores do presidente Lula como a massa mal cheirosa da periferia e dos rincões mais distantes do país. O então general presidente João Batista Figueiredo afirmou, já no último governo da ditadura, que preferia o cheiro das estrebarias ao cheiro do povo.
Tais afirmações, a da jornalista e a do general, enquadram-se perfeitamente no discurso raivoso e preconceituoso que caracteriza uma parcela da sociedade brasileira. Antes, durante e depois do regime ditatorial de 64.
A recente campanha oposicionista do candidato José Serra fala por si. Inúmeras foram as demonstrações de intolerância, os arremedos de violência, as mentiras e os factóides diários sustentados por uma imprensa, em sua maioria, defensora de uma candidatura que nasceu morta, mas que era preciso se oxigenar com o que estivesse mais à mão. Com a agravante de que o candidato já se disse em outros tempos um homem de esquerda e progressista. Em outras circunstâncias, é claro...
Os panfletos sobre o aborto, as agressões ao passado guerrilheiro da candidata Dilma Roussef, as idiotices e inverdades repetidas por artistas de telenovelas e programas de humorismo duvidoso, invasões de missas, religiosidade de última hora, uma ridícula bolinha de papel transformada em míssil, uma campanha suja e violenta pela internet, onde predominava o irracional e o mau português, e um candidato – ao contrário do que pregava – completamente despreparado para o exercício da presidência, tudo isso acabou por criar um caldo de cultura muito próprio ao jeito fascista de fazer política. A cultura da violência.
Enquanto a nova política de resgatar o país de mazelas seculares procura avançar com rapidez, passando ao largo de vaidades e incompetências, muitas delas acadêmicas e voltadas para a satisfação de uma pequena parcela da sociedade, políticos formados na velha escola republicana e temperados pelas benesses de uma ditadura que durou 21 anos, ainda insistem em dividir o país em novas capitanias hereditárias, espalhando o preconceito e a discriminação entre brasileiros. Ao perceberem que a realidade do país começa a não responder mais diretamente aos seus interesses, tais esbirros – usando ainda o monopólio do curral mediático, onde são proprietários e beneficiários ao mesmo tempo – passaram a apostar mais pesado no ‘quanto pior, melhor’.
Seria bom não nos deixarmos iludir por uma democracia que continua parcialmente tutelada e que, apesar dos avanços institucionais, ainda não ultrapassou algumas provas de fogo, tais como o efetivo combate à corrupção ou à impunidade de alguns figurões da república. Ou à punição de torturadores de crimes políticos e comuns, de quem pouco se fala. Não conseguiu uma reforma política que merecesse esse nome, uma reforma fiscal, uma reforma do Judiciário.
No momento, tudo parece indicar uma pausa temporária, estratégica, por parte da velha mídia, quando se espera que as águas da eleição e da posse do novo governo se acalmem. A elite política e econômica brasileira é sempre perigosa, sorrateira. A sorte do país, para além de algumas políticas acertadas do governo Lula nos últimos oito anos, é que a oposição emburreceu, assim como jornalistas e analistas do “ancien regime”. Chega a ser patética a cena mostrada em vídeo nos últimos dias, na qual FHC pede a Serra para agradecer alguns elogios do governador Alckmin no seu discurso de posse.
O mito do brasileiro cordial, de índole pacífica é uma falácia que continuamos carregando para apaziguar nossas consciências. Sempre que precisou, a elite brasileira foi violenta, sabendo cooptar aqueles de que necessita para o serviço sujo, incluindo-se aqui amplos setores da classe média também. Os exemplos da Guerra do Paraguai, do último bastião escravista até a Lei Áurea, do Estado Novo, da ditadura civil/militar de 64/68, do trabalho escravo de adultos e crianças, dos matadores de aluguel, dos esquadrões da morte e das atuais milícias urbanas, da violência contra a mulher, do preconceito contra nordestinos, do uso da tortura contra prisioneiros políticos ou comuns, da impunidade contra o crime de colarinho branco e outras mazelas do gênero, deixam muito a desejar sobre esse tão decantado espírito cordial e conciliador.
E é justamente por isso que não podemos desprezar o abominável e recente episódio das inúmeras manifestações de cidadãos brasileiros em suas sintéticas mensagens pelo twitter ao desejarem um atentado contra a presidenta Dilma Roussef no dia da sua posse. Qual o significado daquelas mensagens para além da sua linguagem crua e repetitiva, mas de conteúdo criminoso e ideologicamente condenável? Uma manifestação covarde de adolescentes sem o que fazer? Refletiam um pensamento próprio ou reproduziam opiniões ouvidas em casa, nos escritórios ou escolas? Espontânea ou induzida? O que levou tais pessoas a manifestarem esse desejo?
As cascas de banana e a intriga grosseira começam a tomar algumas manchetes jornalísticas na indisfarçável tentativa de criar embaraços a um governo que mal começou. O PMDB se tornará mais uma vez o ‘fiel da balança’ de um sistema partidário viciado, ineficiente, sensivelmente corrupto em muitos dos seus integrantes, muitas vezes dissonante em relação a antigos e insolúveis problemas brasileiros.
A campanha da presidenta Dilma Roussef prometeu avanço em várias áreas conquistadas no governo do presidente Lula. E seria bom que nos seus 100 primeiros dias de governo, essas promessas começassem a ser reconhecidas pelo povo brasileiro. Caso contrário, o tiro pode sair pela culatra. E o mau cheiro do fascismo deixar os rincões conservadores e preconceituosos, por onde transita com relativa liberdade e travestido de massa cheirosa, e começar a se espalhar por toda a sociedade brasileira.
Presidenta Dilma: olho vivo e, se for preciso, corte o mal pela raiz, já diz a sabedoria popular. Enquanto sentir firmeza, o povo estará ao seu lado. Caso contrário, o país corre o risco do retrocesso. O fascismo se alimenta da inveja, da frustração e usa da mentira e da violência para atingir seus objetivos. Nunca é cedo demais para essas reflexões.
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Panorama da comunicação em debate
Por Altamiro Borges
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em parceria com a Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação (Socicom), acaba de concluir uma pesquisa sobre o "Panorama da comunicação e das telecomunicações". Em três volumes, o estudo inédito no país apresenta um amplo paínel sobre o setor e visa ajudar na construção de políticas públicas. Sua publicação coincide a vontade expressa do governo Dilma de elaborar um novo marco regulatório da comunicação.
Com o objetivo de conhecer e discutir o seu conteúdo, o Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé realizará na próxima terça-feira, dia 11, a partir das 19 horas, no auditório do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, o debate "Panorama da comunicação e das telecomunicações no Brasil". Marcio Pochmann, presidente do IPEA, fará a apresentação dos resultados da pesquisas. E o jurista Fábio Konder Comparato e o jornalista Paulo Henrique Amorim debaterão o tema.
Participe e ajude a divulgar esta importante atividade.
Debate: "O panorama da comunicação e das telecomunicações no Brasil"
Dia 11 de janeiro, terça-feira, às 19 horas.
Local: Sindicato dos Jornalistas de São Paulo (Rua Rego Freitas, 530, próximo ao Metrô República).
Expositor: Marcio Pochmann, presidente do IPEA
Debatedores: Fábio Konder Comparato e Paulo Henrique Amorim.
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Reproduzo trechos do release enviado por Isabela Vilar, da assessoria de comunicação do IPEA:
A obra traça um panorama do setor de comunicação e telecomunicações, estratégico para o país, que, apesar de ser muito debatido, não é objeto de muitas pesquisas por parte dos órgãos de estado. Nos três volumes do livro, foram reunidas diferentes dimensões que se complementam e ajudam na elaboração de futuras políticas públicas para o País. O estudo conta com a participação de pesquisadores renomados da comunicação no Brasil. Mestres e doutores de várias partes do País foram selecionados por meio de chamada pública para participar da pesquisa.
O primeiro volume é dividido em duas partes. A primeira traz o estudo das tendências nas telecomunicações e reúne artigos escritos exclusivamente para o livro, além de textos publicados originalmente na edição especial do Boletim Radar, do Ipea, sobre telecomunicações. A segunda parte traz artigos que oferecem um panorama das indústrias criativas e de conteúdos.
O segundo volume da obra é dedicado a resgatar a memória das associações científicas e acadêmicas de comunicação no Brasil. O texto descreve e diagnostica a produção de conhecimento nos principais segmentos da comunicação nacionalmente institucionalizados ou publicamente legitimados nesta primeira década do século XXI.
No terceiro volume, é apresentado o resultado parcial de quatro pesquisas sobre o Estado da Arte no campo da comunicação. O volume traz dados sobre o número de faculdades e cursos de pós-graduação em comunicação no país, com áreas de concentração e crescimento; sobre as profissões existentes na área e as novas habilidades necessárias para uma indústria de conteúdos e serviços digitais; e sobre as indústrias criativas e de conteúdos e os movimentos das empresas em direção ao modelo digital, além de uma comparação com outros países, possibilitando a análise das fragilidades e potencialidades do Brasil.
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O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em parceria com a Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação (Socicom), acaba de concluir uma pesquisa sobre o "Panorama da comunicação e das telecomunicações". Em três volumes, o estudo inédito no país apresenta um amplo paínel sobre o setor e visa ajudar na construção de políticas públicas. Sua publicação coincide a vontade expressa do governo Dilma de elaborar um novo marco regulatório da comunicação.
Com o objetivo de conhecer e discutir o seu conteúdo, o Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé realizará na próxima terça-feira, dia 11, a partir das 19 horas, no auditório do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, o debate "Panorama da comunicação e das telecomunicações no Brasil". Marcio Pochmann, presidente do IPEA, fará a apresentação dos resultados da pesquisas. E o jurista Fábio Konder Comparato e o jornalista Paulo Henrique Amorim debaterão o tema.
Participe e ajude a divulgar esta importante atividade.
Debate: "O panorama da comunicação e das telecomunicações no Brasil"
Dia 11 de janeiro, terça-feira, às 19 horas.
Local: Sindicato dos Jornalistas de São Paulo (Rua Rego Freitas, 530, próximo ao Metrô República).
Expositor: Marcio Pochmann, presidente do IPEA
Debatedores: Fábio Konder Comparato e Paulo Henrique Amorim.
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Reproduzo trechos do release enviado por Isabela Vilar, da assessoria de comunicação do IPEA:
A obra traça um panorama do setor de comunicação e telecomunicações, estratégico para o país, que, apesar de ser muito debatido, não é objeto de muitas pesquisas por parte dos órgãos de estado. Nos três volumes do livro, foram reunidas diferentes dimensões que se complementam e ajudam na elaboração de futuras políticas públicas para o País. O estudo conta com a participação de pesquisadores renomados da comunicação no Brasil. Mestres e doutores de várias partes do País foram selecionados por meio de chamada pública para participar da pesquisa.
O primeiro volume é dividido em duas partes. A primeira traz o estudo das tendências nas telecomunicações e reúne artigos escritos exclusivamente para o livro, além de textos publicados originalmente na edição especial do Boletim Radar, do Ipea, sobre telecomunicações. A segunda parte traz artigos que oferecem um panorama das indústrias criativas e de conteúdos.
O segundo volume da obra é dedicado a resgatar a memória das associações científicas e acadêmicas de comunicação no Brasil. O texto descreve e diagnostica a produção de conhecimento nos principais segmentos da comunicação nacionalmente institucionalizados ou publicamente legitimados nesta primeira década do século XXI.
No terceiro volume, é apresentado o resultado parcial de quatro pesquisas sobre o Estado da Arte no campo da comunicação. O volume traz dados sobre o número de faculdades e cursos de pós-graduação em comunicação no país, com áreas de concentração e crescimento; sobre as profissões existentes na área e as novas habilidades necessárias para uma indústria de conteúdos e serviços digitais; e sobre as indústrias criativas e de conteúdos e os movimentos das empresas em direção ao modelo digital, além de uma comparação com outros países, possibilitando a análise das fragilidades e potencialidades do Brasil.
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Salário mínimo e a coragem de Dilma
Por Altamiro Borges
"O correr da vida embrulha tudo.
A vida é assim:
esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem".
Em seu discurso de posse no Congresso Nacional, a presidenta Dilma Rousseff citou as belas palavras do escritor Guimarães Rosa e, na seqüência, emendou: “É com esta coragem que vou governar o Brasil. Mas a mulher não é só coragem. É carinho também”. Agora, no comando da nação, ela precisará demonstrar sensibilidade e coragem em inúmeros assuntos delicados. Um dos seus primeiros testes no assento do Palácio do Planalto já está em curso com a definição do novo valor do salário mínimo.
"O correr da vida embrulha tudo.
A vida é assim:
esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem".
Em seu discurso de posse no Congresso Nacional, a presidenta Dilma Rousseff citou as belas palavras do escritor Guimarães Rosa e, na seqüência, emendou: “É com esta coragem que vou governar o Brasil. Mas a mulher não é só coragem. É carinho também”. Agora, no comando da nação, ela precisará demonstrar sensibilidade e coragem em inúmeros assuntos delicados. Um dos seus primeiros testes no assento do Palácio do Planalto já está em curso com a definição do novo valor do salário mínimo.
"É preciso um Nuremberg dos especuladores"
Reproduzo entrevista de Jean Ziegler, publicado no sítio do Instituto Humanitas Unisinos:
Diplomata internacional na ONU, Ziegler publicou o ensaio El odio a Occidente, uma crítica ao sistema capitalista dominado pela Europa e pelos EUA.
A reportagem é de Guillaume Fourmont Madrid, publicada no sítio Publico.es, 29-12-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Que ninguém se deixe enganar pelo seu cargo muito oficial de membro do Comitê Consultivo do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Por trás de seus óculos de professor de universidade, o suíço Jean Ziegler (Thoune, 1934) é um revolucionário. Ele gosta de provocar e gritar o que os seus colegas diplomatas não ousam dizer nem nos corredores das organizações internacionais.
Um exemplo: "Uma criança que morre de fome hoje em dia é um assassinato". Outro: "Somos democracias, mas praticamos um fascismo exterior". Ziegler é um argumento que argumenta cada frase com números ou citações de grandes intelectuais, como esse grito de dor do poeta anticolonialista Aimé Césaire: "Vivo em uma ferida sagrada / Vivo em um querer obscuro / Vivo em um longo silêncio".
Dessa ferida, Ziegler falar em seu último livro, El odio a Occidente (Ed. Península), um título que responsabiliza os países desenvolvidos pelos males do mundo. O escritor não perde a esperança e aspira a uma "revolução para acabar com a ordem canibal do mundo". Na capa do seu ensaio, a letra "i" da palavra ódio é uma bomba com detonador. Resta só um segundo para que ela exploda.
Eis a entrevista.
O mundo vai tão mal assim?
Jamais na história um imperador ou um rei teve tanto poder como o que a oligarquia do poder financeiro possui na atualidade. São as bolsas que decidem quem vive e quem morre. Doze bilhões de pessoas podem comer, o dobro da população mundial. Mas a cada cinco segundos, uma criança menor de 10 anos morre de fome. É um assassinato!
É daí que vem o ódio do qual o senhor falar? Por que nos odeiam?
É preciso distinguir dois tipos de ódio. Um, primeiro, patológico, como o da Al Qaeda, que assassina inocentes com bombas. Mas nada justifica essa violência, nada! E o meu livro não trata disso. Refiro-me a um ódio meditado, que pede justiça e compensação, que chama a romper com o sistema estrutural do mundo, dominado pelo capitalismo.
Não aprendemos nada com a crise?
Lições? É pior ainda: esses bandidos de especuladores que provocaram a crise e a quebra do sistema ocidental atacam agora produtos como o arroz e o trigo. Há milhares de vítimas a mais do que antes. É preciso sentar esses especuladores na cadeira. É preciso realizar um Nuremberg para eles!
O senhor trabalha na ONU. Não acredita no papel da comunidade internacional?
O mero fato de que a comunidade internacional seja consciente dos problemas do mundo é positivo. Os Objetivos do Milênio não se cumpriram, mas não sou uma pessoa cética.
Não acredita, no entanto, que o Ocidente só se interessa pelo Ocidente e que mantém o Terceiro Mundo na pobreza de propósito?
É verdade! Mas não se trata de doar mais, mas sim de roubar menos. Na África, podem-se encontrar produtos europeus mais baratos do que os locais, enquanto que as pessoas se matam trabalhando. A hipocrisia dos europeus é bestial! Nós geramos fome na África, mas quando os imigrantes chegam às nossas costas em balsas os mandamos embora. Para acabar com a fome, é preciso uma revolução!
No Ocidente? Isso é possível?
A sociedade civil se despertou. Há movimentos como Attac, Greanpeace e outros que fazem uma crítica radical da ordem mundial. No Ocidente, temos democracias, mas praticamos um fascismo exterior. Embora não haja nada impossível na democracia. "O revolucionário deve ser capaz de ouvir a grama crescer", disse Karl Marx.
Em seu livro, o senhor fala da Bolívia de Evo Morales como exemplo.
É um caso exemplar. Pela primeira vez na história, o povo boliviano elegeu como presidente um deles, um indígena aimara. E, em seis meses, expulsaram as empresas privadas que ficavam com todos os benefícios das energias do país. O governo pode, com esses milhões ganhados, lançar programas sociais, e a Bolívia é agora um Estado florescente e, principalmente, soberano. Veja, não sou um ingênuo, mas na Bolívia a memória ferida do povo se converteu em uma luta política, em uma insurreição identitária.
Em outros termos, Morales merecia mais o Nobel da Paz do que Obama.
Claro! O Nobel de Obama era ridículo, era una operação de marketing.
Obama não trazia consigo nenhuma esperança?
Ver uma cara negra de presidente dos Estados Unidos na capa de grandes revistas foi incrível, principalmente porque o bisavó da esposa de Obama era um escravo. Mas é só um símbolo. O império norte-americano é três coisas: a indústria armamentícia, Wall Street e o lobby sionista. Obama sabe que se tocar em algum dos três está morto. E não vai fazer isso. A esperança vem da sociedade civil. Se conseguirmos criar uma aliança planetária de todos os movimentos de emancipação, do Ocidente e do Sul, então haverá uma revolução mundial, uma revolução capaz de acabar com a ordem canibal do mundo.
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Diplomata internacional na ONU, Ziegler publicou o ensaio El odio a Occidente, uma crítica ao sistema capitalista dominado pela Europa e pelos EUA.
A reportagem é de Guillaume Fourmont Madrid, publicada no sítio Publico.es, 29-12-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Que ninguém se deixe enganar pelo seu cargo muito oficial de membro do Comitê Consultivo do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Por trás de seus óculos de professor de universidade, o suíço Jean Ziegler (Thoune, 1934) é um revolucionário. Ele gosta de provocar e gritar o que os seus colegas diplomatas não ousam dizer nem nos corredores das organizações internacionais.
Um exemplo: "Uma criança que morre de fome hoje em dia é um assassinato". Outro: "Somos democracias, mas praticamos um fascismo exterior". Ziegler é um argumento que argumenta cada frase com números ou citações de grandes intelectuais, como esse grito de dor do poeta anticolonialista Aimé Césaire: "Vivo em uma ferida sagrada / Vivo em um querer obscuro / Vivo em um longo silêncio".
Dessa ferida, Ziegler falar em seu último livro, El odio a Occidente (Ed. Península), um título que responsabiliza os países desenvolvidos pelos males do mundo. O escritor não perde a esperança e aspira a uma "revolução para acabar com a ordem canibal do mundo". Na capa do seu ensaio, a letra "i" da palavra ódio é uma bomba com detonador. Resta só um segundo para que ela exploda.
Eis a entrevista.
O mundo vai tão mal assim?
Jamais na história um imperador ou um rei teve tanto poder como o que a oligarquia do poder financeiro possui na atualidade. São as bolsas que decidem quem vive e quem morre. Doze bilhões de pessoas podem comer, o dobro da população mundial. Mas a cada cinco segundos, uma criança menor de 10 anos morre de fome. É um assassinato!
É daí que vem o ódio do qual o senhor falar? Por que nos odeiam?
É preciso distinguir dois tipos de ódio. Um, primeiro, patológico, como o da Al Qaeda, que assassina inocentes com bombas. Mas nada justifica essa violência, nada! E o meu livro não trata disso. Refiro-me a um ódio meditado, que pede justiça e compensação, que chama a romper com o sistema estrutural do mundo, dominado pelo capitalismo.
Não aprendemos nada com a crise?
Lições? É pior ainda: esses bandidos de especuladores que provocaram a crise e a quebra do sistema ocidental atacam agora produtos como o arroz e o trigo. Há milhares de vítimas a mais do que antes. É preciso sentar esses especuladores na cadeira. É preciso realizar um Nuremberg para eles!
O senhor trabalha na ONU. Não acredita no papel da comunidade internacional?
O mero fato de que a comunidade internacional seja consciente dos problemas do mundo é positivo. Os Objetivos do Milênio não se cumpriram, mas não sou uma pessoa cética.
Não acredita, no entanto, que o Ocidente só se interessa pelo Ocidente e que mantém o Terceiro Mundo na pobreza de propósito?
É verdade! Mas não se trata de doar mais, mas sim de roubar menos. Na África, podem-se encontrar produtos europeus mais baratos do que os locais, enquanto que as pessoas se matam trabalhando. A hipocrisia dos europeus é bestial! Nós geramos fome na África, mas quando os imigrantes chegam às nossas costas em balsas os mandamos embora. Para acabar com a fome, é preciso uma revolução!
No Ocidente? Isso é possível?
A sociedade civil se despertou. Há movimentos como Attac, Greanpeace e outros que fazem uma crítica radical da ordem mundial. No Ocidente, temos democracias, mas praticamos um fascismo exterior. Embora não haja nada impossível na democracia. "O revolucionário deve ser capaz de ouvir a grama crescer", disse Karl Marx.
Em seu livro, o senhor fala da Bolívia de Evo Morales como exemplo.
É um caso exemplar. Pela primeira vez na história, o povo boliviano elegeu como presidente um deles, um indígena aimara. E, em seis meses, expulsaram as empresas privadas que ficavam com todos os benefícios das energias do país. O governo pode, com esses milhões ganhados, lançar programas sociais, e a Bolívia é agora um Estado florescente e, principalmente, soberano. Veja, não sou um ingênuo, mas na Bolívia a memória ferida do povo se converteu em uma luta política, em uma insurreição identitária.
Em outros termos, Morales merecia mais o Nobel da Paz do que Obama.
Claro! O Nobel de Obama era ridículo, era una operação de marketing.
Obama não trazia consigo nenhuma esperança?
Ver uma cara negra de presidente dos Estados Unidos na capa de grandes revistas foi incrível, principalmente porque o bisavó da esposa de Obama era um escravo. Mas é só um símbolo. O império norte-americano é três coisas: a indústria armamentícia, Wall Street e o lobby sionista. Obama sabe que se tocar em algum dos três está morto. E não vai fazer isso. A esperança vem da sociedade civil. Se conseguirmos criar uma aliança planetária de todos os movimentos de emancipação, do Ocidente e do Sul, então haverá uma revolução mundial, uma revolução capaz de acabar com a ordem canibal do mundo.
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quarta-feira, 5 de janeiro de 2011
2011: Um ano emblemático
Reproduzo artigo de Wladimir Pomar, publicado no Correio da Cidadania:
Tudo indica que 2011 será mais emblemático do que os anos anteriores. Será o primeiro ano pós-Lula. Este sai do governo com uma popularidade talvez sem paralelo na história brasileira. É verdade que Getúlio e Juscelino foram dois presidentes muito populares, qualquer que seja a avaliação de valor que se faça deles. Mesmo que na época de cada um ainda não fosse hábito fazer pesquisas desse tipo, quase certamente a popularidade de Lula é mais extensa.
Diante dessa situação, muita gente crê que Dilma não será capaz de superá-lo. Por outro lado, parece haver certo consenso, em diferentes áreas políticas, de que o governo Dilma tende a ser uma continuidade do governo Lula e, ao mesmo tempo, diferente. A respeito, há muitos palpites disparatados, a maioria acentuando as diferenças de estilos pessoais entre Lula e Dilma.
Porém, talvez as razões da continuidade e das diferenças devam ser buscadas nas necessidades impostas pela sociedade neste momento. Por aí, não parece casual que Dilma tenha reconhecido, em seu primeiro discurso pós-eleitoral, a legitimidade e a prioridade das questões sociais, exigindo um esforço ainda maior do que o realizado pelo governo Lula para atendê-las. Questões sociais, aliás, que vieram à tona com muita força durante a campanha presidencial, em especial as relacionadas com educação, saúde, saneamento, transportes públicos, emprego e moradia, cujo processo de solução o governo Lula apenas iniciou.
Portanto, de imediato, parece imprescindível dar continuidade a esse processo e, ao mesmo tempo, lhe impor um ritmo que indique a perspectiva real de sua solução. O que talvez só seja possível se houver um salto de qualidade, com reformas ainda mais profundas, que apontem claramente para a superação do passivo histórico de atraso político, econômico, social, científico e tecnológico do país.
O avanço mais rápido nos gargalos da infra-estrutura, de saneamento, transportes, energia e moradia pode possibilitar um quase pleno emprego e a elevação substancial da produção e da produtividade agrícola e industrial. A satisfação dessas necessidades, por sua vez, pode permitir que os milhões de brasileiros que vivem em taperas, palafitas e outras habitações de risco permanente, ou nas ruas, tenham acesso a um teto digno, com condições ambientais saudáveis. E pode criar condições mais favoráveis para assentar os milhares de trabalhadores que não têm terra para trabalhar.
Por outro lado, a elevação da produção e da produtividade agrícola e industrial deve impor um novo nível ao tratamento da questão ambiental. Não será fácil transformar o desenvolvimento econômico em parceiro ativo da evolução ecológica sem encaminhar a solução da questão fundiária, do zoneamento agrícola, do zoneamento florestal, do tratamento de poluentes e da emissão de gases, assim como do desenvolvimento científico e tecnológico.
Sem implantar um processo racional e sustentável do uso econômico do solo, das águas e das florestas, e sem fornecer soluções técnicas e científicas que permitam uma produção industrial limpa, dificilmente será possível estabelecer uma relação adequada entre a quantidade da população e a área do território e combinar de uma forma mais equilibrada processos aparentemente antagônicos, como uma crescente produção agrícola e uma crescente urbanização e a proteção de florestas, mananciais, fauna etc.
Delineados todos esses problemas, a serem resolvidos de forma mais intensiva do que foi possível ao governo Lula, torna-se evidente o salto a ser dado na educação e na saúde. Se estas não se transformarem em forças propulsoras do desenvolvimento econômico e social, corre-se o risco de enfrentar um impensável apagão de uma força de trabalho, tanto capacitada a responder ao desenvolvimento científico e tecnológico quanto saudável a ponto de reduzir os custos públicos com doenças.
Bastariam as questões acima para demonstrar a necessidade de o governo Dilma ir bem além do governo Lula. Porém, mais do que no período anterior, o novo governo deve enfrentar uma crescente resistência dos setores abertamente reacionários, dos conservadores reacionários, e dos pseudo-democratas, para os quais qualquer participação popular no governo e no poder cheira mal, e qualquer política exterior independente cheira a anti-americanismo.
A ação desses setores na campanha eleitoral e sua reação posterior à derrota mostram que eles não estão dispostos a qualquer trégua. Não admitem que a democracia seja consolidada e ampliada, com a presença crescente das camadas populares, a maioria da população brasileira, nas esferas do poder. Nem querem assistir impassíveis à continuidade da política de integração da América do Sul, de diversificação das parcerias internacionais do Brasil e de política soberana no processo de globalização.
É verdade que o desenvolvimento das forças produtivas, retomado pelo governo Lula com a participação de vários tipos de propriedade, permitiu que a burguesia se apropriasse de riquezas ainda maiores. Mas esse desenvolvimento também vem recompondo a força social dos trabalhadores, ampliando a participação dos micro e pequenos empresários e, associado às políticas sociais do governo, melhorando o padrão de vida das camadas populares que viviam abaixo e na linha da pobreza.
Nessas condições, a tendência natural é que essa recomposição trabalhadora, a ampliação do capitalismo democrático e a melhoria do poder de compra das camadas pobres elevem as demandas desses setores populares e democráticos por novas melhorias econômicas e sociais, e por mais direitos políticos. O que tende a se chocar com o ritmo de acumulação de riquezas pela burguesia e contra as propensões antidemocráticas de seus setores mais reacionários e conservadores. O renascimento das lutas classistas, como apontam alguns indícios, talvez já em 2011, pode colocar o governo Dilma diante de desafios diferentes dos enfrentados pelo governo Lula.
Para amainar tais choques e evitar que eles entorpeçam o processo de desenvolvimento das forças produtivas, o governo democrático popular de Dilma se verá confrontado por novos desafios. Eles virão tanto da necessidade de garantir o direito à luta dos trabalhadores e demais camadas populares, quanto da necessidade de opor-se às exigências conservadoras e reacionárias de reprimir e criminalizar aquelas lutas. Mesmo porque essas exigências parecem brotar também entre pseudo-democratas e até entre membros do PT, a exemplo de entrevista recente de dirigente petista que gostaria de liquidar com os principais direitos dos trabalhadores.
Essas contradições não serão exclusivas do governo. Elas dizem respeito ainda ao PT e a vários outros partidos da esquerda, no governo e fora dele. Talvez todos já estejam se vendo obrigados a levar em conta esses cenários futuros, tendo por base os acontecimentos do renascimento do submundo da política durante a campanha eleitoral. Essa tomada de consciência das contradições principais durante o governo Dilma pode levar os partidos de esquerda a realizarem pelo menos dois movimentos indispensáveis.
Primeiro, voltarem a se enraizar e nuclear no chão das fábricas e nas comunidades populares, de tal modo que possam sentir e medir o desenvolvimento das antigas e novas demandas populares e orientar tanto os movimentos sociais quanto o governo a enfrentar os problemas como aliados e não como inimigos.
Segundo, buscarem uma agenda que os unifique nos embates dentro e fora do governo e do parlamento, para avançar na luta contra os inimigos comuns e evitar que a coalizão governamental se paute principalmente pelos interesses da burguesia. De imediato, isso deve abranger temas como a questão cambial, o aperto fiscal e o método de enfrentamento da inflação, a reforma política, a reforma tributária e outras questões estruturais.
O governo Dilma talvez, mais do que o governo Lula, tenda assim a ser uma área de constante disputa, em que colaboração e conflito, unidade e luta, estarão permanentemente se revezando. Tudo isso parece exigir clareza tanto das oportunidades de manter a unidade quanto da necessidade de travar a luta, com razão e com limite, tendo as questões sociais e nacionais, e o inimigo comum, como parâmetros principais.
Praticar a política ao invés do voluntarismo continuará sendo essencial. A direita aposta que o governo Dilma e a esquerda terão a marca do voluntarismo característico da esquerda do passado. Talvez seja necessário, já em 2011, dar-lhe uma boa lição de luta e debate político, para contrapor-se com firmeza às possíveis tentativas de imposição do submundo da política. Para isso talvez baste avaliar a campanha eleitoral com senso crítico.
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Tudo indica que 2011 será mais emblemático do que os anos anteriores. Será o primeiro ano pós-Lula. Este sai do governo com uma popularidade talvez sem paralelo na história brasileira. É verdade que Getúlio e Juscelino foram dois presidentes muito populares, qualquer que seja a avaliação de valor que se faça deles. Mesmo que na época de cada um ainda não fosse hábito fazer pesquisas desse tipo, quase certamente a popularidade de Lula é mais extensa.
Diante dessa situação, muita gente crê que Dilma não será capaz de superá-lo. Por outro lado, parece haver certo consenso, em diferentes áreas políticas, de que o governo Dilma tende a ser uma continuidade do governo Lula e, ao mesmo tempo, diferente. A respeito, há muitos palpites disparatados, a maioria acentuando as diferenças de estilos pessoais entre Lula e Dilma.
Porém, talvez as razões da continuidade e das diferenças devam ser buscadas nas necessidades impostas pela sociedade neste momento. Por aí, não parece casual que Dilma tenha reconhecido, em seu primeiro discurso pós-eleitoral, a legitimidade e a prioridade das questões sociais, exigindo um esforço ainda maior do que o realizado pelo governo Lula para atendê-las. Questões sociais, aliás, que vieram à tona com muita força durante a campanha presidencial, em especial as relacionadas com educação, saúde, saneamento, transportes públicos, emprego e moradia, cujo processo de solução o governo Lula apenas iniciou.
Portanto, de imediato, parece imprescindível dar continuidade a esse processo e, ao mesmo tempo, lhe impor um ritmo que indique a perspectiva real de sua solução. O que talvez só seja possível se houver um salto de qualidade, com reformas ainda mais profundas, que apontem claramente para a superação do passivo histórico de atraso político, econômico, social, científico e tecnológico do país.
O avanço mais rápido nos gargalos da infra-estrutura, de saneamento, transportes, energia e moradia pode possibilitar um quase pleno emprego e a elevação substancial da produção e da produtividade agrícola e industrial. A satisfação dessas necessidades, por sua vez, pode permitir que os milhões de brasileiros que vivem em taperas, palafitas e outras habitações de risco permanente, ou nas ruas, tenham acesso a um teto digno, com condições ambientais saudáveis. E pode criar condições mais favoráveis para assentar os milhares de trabalhadores que não têm terra para trabalhar.
Por outro lado, a elevação da produção e da produtividade agrícola e industrial deve impor um novo nível ao tratamento da questão ambiental. Não será fácil transformar o desenvolvimento econômico em parceiro ativo da evolução ecológica sem encaminhar a solução da questão fundiária, do zoneamento agrícola, do zoneamento florestal, do tratamento de poluentes e da emissão de gases, assim como do desenvolvimento científico e tecnológico.
Sem implantar um processo racional e sustentável do uso econômico do solo, das águas e das florestas, e sem fornecer soluções técnicas e científicas que permitam uma produção industrial limpa, dificilmente será possível estabelecer uma relação adequada entre a quantidade da população e a área do território e combinar de uma forma mais equilibrada processos aparentemente antagônicos, como uma crescente produção agrícola e uma crescente urbanização e a proteção de florestas, mananciais, fauna etc.
Delineados todos esses problemas, a serem resolvidos de forma mais intensiva do que foi possível ao governo Lula, torna-se evidente o salto a ser dado na educação e na saúde. Se estas não se transformarem em forças propulsoras do desenvolvimento econômico e social, corre-se o risco de enfrentar um impensável apagão de uma força de trabalho, tanto capacitada a responder ao desenvolvimento científico e tecnológico quanto saudável a ponto de reduzir os custos públicos com doenças.
Bastariam as questões acima para demonstrar a necessidade de o governo Dilma ir bem além do governo Lula. Porém, mais do que no período anterior, o novo governo deve enfrentar uma crescente resistência dos setores abertamente reacionários, dos conservadores reacionários, e dos pseudo-democratas, para os quais qualquer participação popular no governo e no poder cheira mal, e qualquer política exterior independente cheira a anti-americanismo.
A ação desses setores na campanha eleitoral e sua reação posterior à derrota mostram que eles não estão dispostos a qualquer trégua. Não admitem que a democracia seja consolidada e ampliada, com a presença crescente das camadas populares, a maioria da população brasileira, nas esferas do poder. Nem querem assistir impassíveis à continuidade da política de integração da América do Sul, de diversificação das parcerias internacionais do Brasil e de política soberana no processo de globalização.
É verdade que o desenvolvimento das forças produtivas, retomado pelo governo Lula com a participação de vários tipos de propriedade, permitiu que a burguesia se apropriasse de riquezas ainda maiores. Mas esse desenvolvimento também vem recompondo a força social dos trabalhadores, ampliando a participação dos micro e pequenos empresários e, associado às políticas sociais do governo, melhorando o padrão de vida das camadas populares que viviam abaixo e na linha da pobreza.
Nessas condições, a tendência natural é que essa recomposição trabalhadora, a ampliação do capitalismo democrático e a melhoria do poder de compra das camadas pobres elevem as demandas desses setores populares e democráticos por novas melhorias econômicas e sociais, e por mais direitos políticos. O que tende a se chocar com o ritmo de acumulação de riquezas pela burguesia e contra as propensões antidemocráticas de seus setores mais reacionários e conservadores. O renascimento das lutas classistas, como apontam alguns indícios, talvez já em 2011, pode colocar o governo Dilma diante de desafios diferentes dos enfrentados pelo governo Lula.
Para amainar tais choques e evitar que eles entorpeçam o processo de desenvolvimento das forças produtivas, o governo democrático popular de Dilma se verá confrontado por novos desafios. Eles virão tanto da necessidade de garantir o direito à luta dos trabalhadores e demais camadas populares, quanto da necessidade de opor-se às exigências conservadoras e reacionárias de reprimir e criminalizar aquelas lutas. Mesmo porque essas exigências parecem brotar também entre pseudo-democratas e até entre membros do PT, a exemplo de entrevista recente de dirigente petista que gostaria de liquidar com os principais direitos dos trabalhadores.
Essas contradições não serão exclusivas do governo. Elas dizem respeito ainda ao PT e a vários outros partidos da esquerda, no governo e fora dele. Talvez todos já estejam se vendo obrigados a levar em conta esses cenários futuros, tendo por base os acontecimentos do renascimento do submundo da política durante a campanha eleitoral. Essa tomada de consciência das contradições principais durante o governo Dilma pode levar os partidos de esquerda a realizarem pelo menos dois movimentos indispensáveis.
Primeiro, voltarem a se enraizar e nuclear no chão das fábricas e nas comunidades populares, de tal modo que possam sentir e medir o desenvolvimento das antigas e novas demandas populares e orientar tanto os movimentos sociais quanto o governo a enfrentar os problemas como aliados e não como inimigos.
Segundo, buscarem uma agenda que os unifique nos embates dentro e fora do governo e do parlamento, para avançar na luta contra os inimigos comuns e evitar que a coalizão governamental se paute principalmente pelos interesses da burguesia. De imediato, isso deve abranger temas como a questão cambial, o aperto fiscal e o método de enfrentamento da inflação, a reforma política, a reforma tributária e outras questões estruturais.
O governo Dilma talvez, mais do que o governo Lula, tenda assim a ser uma área de constante disputa, em que colaboração e conflito, unidade e luta, estarão permanentemente se revezando. Tudo isso parece exigir clareza tanto das oportunidades de manter a unidade quanto da necessidade de travar a luta, com razão e com limite, tendo as questões sociais e nacionais, e o inimigo comum, como parâmetros principais.
Praticar a política ao invés do voluntarismo continuará sendo essencial. A direita aposta que o governo Dilma e a esquerda terão a marca do voluntarismo característico da esquerda do passado. Talvez seja necessário, já em 2011, dar-lhe uma boa lição de luta e debate político, para contrapor-se com firmeza às possíveis tentativas de imposição do submundo da política. Para isso talvez baste avaliar a campanha eleitoral com senso crítico.
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Os primeiros sinais do governo Dilma
Reproduzo artigo de Renato Rovai, publicado em seu blog:
A agenda de um governo muitas vezes se define pelos seus primeiros sinais. Eles, em geral, não são muito diretos e até por isso são comumente ignorados pelo jornalismo tradicional, que vive de futricas.
No meio da campanha, os analistas dos veículos tradicionais insistiram na tese de que o dono do governo Dilma seria o PMDB.
Que o partido de Temer teria uma participação muito maior na era Dilma do que na de Lula. E que o PT teria de se contentar com um naco muito menor de poder.
Na formação inicial do governo, essa tese não se confirmou. Muito pelo contrário.
O PMDB perdeu duas pastas importantes, Saúde e Comunicação, “trocadas” por Assuntos Estratégicos e Turismo, bem menores e menos influentes.
Comunicação e Saúde passaram exatamente para as mãos do PT. E para gente da estrita confiança da presidenta eleita, Alexandre Padilha e Paulo Bernardo.
O que está por trás dessa decisão de Dilma? Ela está querendo apenas mostrar quem manda no governo para o partido de Temer? Por que ela decidiu mexer no vespeiro da aliança política que a levou ao Palácio cutucando exatamente seu aliado preferencial?
De fato, há um sinal claro de que Dilma dá um recado geral: “o governo é de todos nós, mas a última palavra é minha”.
Mas isso não explica o risco que a operação política de tirar o PMDB do controle da Saúde e da Comunicação implica. Há um algo mais aí.
Dilma escolheu, entre outras, as áreas de Saúde e de Comunicação como estratégicas do seu governo. E por isso resolveu enfrentar as feras logo de cara para controlar esses setores.
Na Comunicação, a presidenta não deve deixar a regulação da mídia de lado, mas a menina dos olhos vai ser a Banda Larga.
Ao escolher Paulo Bernardo, Dilma aponta que essa será uma de suas prioridades, pois quando estava no Planejamento o ministro realizava o plano estratégico deste setor.
A Banda Larga com preço acessível para a classe C parece ter sido um dos programas eleitos por Dilma para ser uma das marcas do seu mandato. Não vai ser o seu Bolsa Família, mas tem potencial para ser algo como o Luz para Todos da era virtual.
Outra ação que Dilma quer tornar marca deste seu mandato é a melhoria no atendimento à saúde. Ou seja, acabar com as filas no SUS e dar padrão de qualidade no setor público à média do setor privado.
A intenção da presidenta parece ser a de levar à Saúde procedimentos semelhantes aos que foram implementados na Educação no que diz respeito ao gerenciamento estratégico da área e à construção de indicadores.
Dilma quer uma gestão inteligente no ministério e tinha convicção de que isso só poderia ser realizado por alguém com tino político, mas sem compromissos de compadrio. Por isso, escolheu Padilha.
A ele vai caber a missão de trabalhar com senso de prioridade para mudar a realidade do setor sem fazer alarde, mas possibilitando que ao fim de quatro anos a presidenta possa falar da área com orgulho, o que não foi possível ao final dos oito anos de governo Lula.
A presidenta parece também estar convencida que a Saúde é fundamental para a ação de segurança pública ter eficiência no combate à proliferação do uso de drogas, especialemente o crack.
Furtos e pequenos crimes nas grandes cidades guardam relação com eessa droga e Dilma já tratou da questão em vários dos seus pronunciamentos, incluindo o discurso da posse no Congresso.
Ainda é cedo para fazer prognósticos sobre o governo que se inicia. Mas as primeiras cartas lançadas parecem mostrar que Comunicação e Saúde não serão patinhos feios deste governo.
Quanto ao PMDB, o partido vai ser compensado pelas perdas que teve nessas áreas. Isso já estava no cálculo.
Mas quanto mais chiar, menos vai levar. Na lógica de Dilma, não funciona a intimidação e a pressão. É bom o PMDB levar em conta que a nova presidenta não abriu o bico nem sob tortura. E na época era só uma jovem.
PS: Esta é a primeira nota de 2011. Agradeço a todos que contribuiram com este blog no ano passado e pretendo torná-lo, aos poucos, ainda mais atraente neste ano.
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A agenda de um governo muitas vezes se define pelos seus primeiros sinais. Eles, em geral, não são muito diretos e até por isso são comumente ignorados pelo jornalismo tradicional, que vive de futricas.
No meio da campanha, os analistas dos veículos tradicionais insistiram na tese de que o dono do governo Dilma seria o PMDB.
Que o partido de Temer teria uma participação muito maior na era Dilma do que na de Lula. E que o PT teria de se contentar com um naco muito menor de poder.
Na formação inicial do governo, essa tese não se confirmou. Muito pelo contrário.
O PMDB perdeu duas pastas importantes, Saúde e Comunicação, “trocadas” por Assuntos Estratégicos e Turismo, bem menores e menos influentes.
Comunicação e Saúde passaram exatamente para as mãos do PT. E para gente da estrita confiança da presidenta eleita, Alexandre Padilha e Paulo Bernardo.
O que está por trás dessa decisão de Dilma? Ela está querendo apenas mostrar quem manda no governo para o partido de Temer? Por que ela decidiu mexer no vespeiro da aliança política que a levou ao Palácio cutucando exatamente seu aliado preferencial?
De fato, há um sinal claro de que Dilma dá um recado geral: “o governo é de todos nós, mas a última palavra é minha”.
Mas isso não explica o risco que a operação política de tirar o PMDB do controle da Saúde e da Comunicação implica. Há um algo mais aí.
Dilma escolheu, entre outras, as áreas de Saúde e de Comunicação como estratégicas do seu governo. E por isso resolveu enfrentar as feras logo de cara para controlar esses setores.
Na Comunicação, a presidenta não deve deixar a regulação da mídia de lado, mas a menina dos olhos vai ser a Banda Larga.
Ao escolher Paulo Bernardo, Dilma aponta que essa será uma de suas prioridades, pois quando estava no Planejamento o ministro realizava o plano estratégico deste setor.
A Banda Larga com preço acessível para a classe C parece ter sido um dos programas eleitos por Dilma para ser uma das marcas do seu mandato. Não vai ser o seu Bolsa Família, mas tem potencial para ser algo como o Luz para Todos da era virtual.
Outra ação que Dilma quer tornar marca deste seu mandato é a melhoria no atendimento à saúde. Ou seja, acabar com as filas no SUS e dar padrão de qualidade no setor público à média do setor privado.
A intenção da presidenta parece ser a de levar à Saúde procedimentos semelhantes aos que foram implementados na Educação no que diz respeito ao gerenciamento estratégico da área e à construção de indicadores.
Dilma quer uma gestão inteligente no ministério e tinha convicção de que isso só poderia ser realizado por alguém com tino político, mas sem compromissos de compadrio. Por isso, escolheu Padilha.
A ele vai caber a missão de trabalhar com senso de prioridade para mudar a realidade do setor sem fazer alarde, mas possibilitando que ao fim de quatro anos a presidenta possa falar da área com orgulho, o que não foi possível ao final dos oito anos de governo Lula.
A presidenta parece também estar convencida que a Saúde é fundamental para a ação de segurança pública ter eficiência no combate à proliferação do uso de drogas, especialemente o crack.
Furtos e pequenos crimes nas grandes cidades guardam relação com eessa droga e Dilma já tratou da questão em vários dos seus pronunciamentos, incluindo o discurso da posse no Congresso.
Ainda é cedo para fazer prognósticos sobre o governo que se inicia. Mas as primeiras cartas lançadas parecem mostrar que Comunicação e Saúde não serão patinhos feios deste governo.
Quanto ao PMDB, o partido vai ser compensado pelas perdas que teve nessas áreas. Isso já estava no cálculo.
Mas quanto mais chiar, menos vai levar. Na lógica de Dilma, não funciona a intimidação e a pressão. É bom o PMDB levar em conta que a nova presidenta não abriu o bico nem sob tortura. E na época era só uma jovem.
PS: Esta é a primeira nota de 2011. Agradeço a todos que contribuiram com este blog no ano passado e pretendo torná-lo, aos poucos, ainda mais atraente neste ano.
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Paulo Bernardo priorizará a banda larga
Reproduzo artigo de Jacson Segundo, publicado no Observatório do Direito à Comunicação:
O recém-empossado governo da presidenta Dilma Rousseff demonstrou mais uma vez que a expansão e melhoria da internet em alta velocidade será prioridade de sua gestão. Em seu discurso de posse realizado nesta segunda-feira (3), o novo ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, destacou que será feito um esforço para acelerar o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL), lançado no ano passado. Outro tema fundamental para o Ministério das Comunicações (Minicom) será a reestruturação dos Correios, como adiantou este Observatório.
Um dos principais recursos que o governo deve lançar mão será o de reduzir impostos que incidem sobre equipamentos e serviços de telecomunicações a fim de forçar as empresas prestadoras a diminuir o preço de seus serviços. A concretização dessa ideia começou a ser feita no governo Lula. No último dia de 2010 foi publicada a Medida Provisória (MP) nº 517 que prevê dois benefícios fiscais para o setor.
O primeiro estende o benefício do programa Computador para Todos para os modems (para acesso móvel). Esses equipamentos agora estão isentos de PIS e Cofins, que equivalem a 9,25% de seu preço de venda. Assim, o governo pretende ajudar os estados a baixar também o ICMS e possibilitar diminuição dos preços cobrados pelo serviço atualmente. O segundo benefício fiscal presente na MP 517/2010 visa ampliar o estímulo aos bens de telecomunicação desenvolvidos no país. Para esses, haverá a desoneração total do IPI.
Paulo Bernardo, que é bancário e ocupou vários cargos ligados à área econômica em sua vida pública, também informou que a equipe do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) está mapeando a cadeia produtiva do setor de comunicações para melhorar as condições de produção do que é feito no país e estimular o aumento da produção nacional.
Tudo leva a crer que essa política de desoneração e incentivo à produção nacional deverá ser ponto forte da gestão de Paulo Bernardo. Esse discurso vai de encontro às exigências dos empresários do setor de telecomunicações, que dizem que os altos preços praticados no país são decorrência dos impostos. No entanto, o ministro já disse publicamente que não acredita que o valor das tarifas brasileiras são derivadas apenas da alta carga tributária, fazendo uma crítica aberta a atuação das teles no país.
Por isso, o PNBL conta também com outras formas de massificar o acesso à internet. A utilização de uma rede estatal gerenciada pela Telebrás é a maior delas. “A reestruturação da Telebras deve ser entendida como um reforço a capacidade de operação não apenas das pequenas e médias operadoras, mas também das grandes, em particular as concessionárias”, disse Paulo Bernardo, em sua posse.
Além de ser o novo centro gerenciador do PNBL, ao lado da Telebrás, o Minicom também vai centralizar a política de inclusão digital do governo. O novo ministro anunciou que uma secretaria será criada ainda este mês com este fim. Não se sabe, porém, quem ocupará a coordenação do novo órgão. No entanto, os assuntos relativos ao PNBL devem mesmo ficar por conta do ministro em conjunto com César Alvarez, que agora ocupa a função de secretário-executivo do Minicom. No governo Lula, Alvarez era assessor especial da Presidência da República.
Plano de Metas
Uma tarefa urgente que o ministro herda do último governo é a negociação com as operadoras do Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU III). O Plano era para ter sido fechado até o fim do ano passado, mas não foi devido a não aceitação das metas por parte das teles. O novo prazo para assinatura dos novos contratos com as operadoras é 2 de maio.
Sobre o assunto, o ministro afirmou que fará novas rodadas de conversas com as teles. Apesar de não adiantar sua posição sobre as exigências das empresas, Paulo Bernardo deu a entender que aceita rever algumas das metas estipuladas pelo governo em troca de uma participação mais ativa das teles no PNBL. Ele usou como exemplo a troca de metas realizadas em 2008, quando o governo deixou de exigir das operadoras a construção de Postos de Serviços de Telecomunicações (PSTs) para que elas aumentassem a rede de acesso à internet (backhaul).
Esse seria um precedente que contrapõe o argumento usado pelas teles para tentar emperrar o PGMU III de que o serviço de banda larga (de regime privado) não pode estar sucetível as metas do Plano, que só poderia criá-las para serviços públicos, no caso, a telefonia fixa. “É preciso preservar o equilíbrio econômico e financeiro dos contratos sem nos omitirmos de discutir metas com base no interesse público”, afirmou Paulo Bernardo. As teles chegaram a entrar na Justiça contra o governo, mas retiraram a Ação que moviam.
Inclusão
O Minicom também não deve elaborar nenhuma nova política em relação ao uso do Fundo de Universalização de Serviços de Telecomunicações (Fust). As fichas do governo para a mudança do Fundo, que hoje é praticamente inutilizado e tem cerca de R$ 8 bilhões em caixa, continuam sendo apostadas na aprovação do Projeto de Lei nº 1.481/2007, do ex-senador Aloizio Mercadante. Ele prevê que o dinheiro arrecadado poderá ser usado para levar banda larga às escolas e também para utilização de estados e municípios.
Os dados demonstram que a inclusão digital deve mesmo ser tratada com urgência. De acordo com pesquisa do Comitê Gestor da Internet no Brasil, 55% da população ainda não tinha acessado a internet ao final de 2009. Enquanto 85% das pessoas da classe A utilizavam internet com frequência, apenas 17% das pessoas da classes D e E usaram o serviço. As velocidades de banda eram inferiores a 1 megabit em 90% dos casos.
Segundo o presidente da Telebrás, Rogério Santanna, a meta do PNBL é baixar em cerca de 70% o preço médio cobrado pela internet, e até 2014 – ano da Copa do Mundo no Brasil – disponibilizar a oferta do serviço a 88% da população (4.278 municípios). O valor médio estipulado como meta é de R$ 30 por até 1 megabit por segundo.
Correios
Outro destaque feito por Paulo Bernardo foi em relação aos Correios. “A empresa é uma das mais admiradas do país. Queremos garantir que isso continue”, disse. O ministro garantiu que a primeira medida a ser tomada na empresa é a realização de um concurso público. Não disse quando, mas ressaltou a urgência da ação. “Também temos alguns temas que precisam ser resolvidos, como a licitação do transporte aéreo e a negociação para completar a licitação das franquias”, citou.
Apesar de elogiar a imagem da empresa, Paulo Bernardo já trocou quase toda a diretoria dos Correios. O novo presidente da instituição é Wagner Pinheiro, até então presidente do fundo de pensão da Petrobras, o Petros. A equipe do Minicom ainda está sendo montada. Além de César Alvarez, na Secretaria Executiva, tomou posse na Secretaria de Comunicação Eletrônica Genildo Lins de Albuquerque Neto, até então chefe de gabinete de Paulo Bernardo no Ministério do Planejamento.
Marco regulatório
O ministro também falou na tarde desta segunda-feira que a proposta de revisão do marco regulatório das comunicações, até então centralizada pelo ex-ministro Franklin Martins, deve passar por um processo de consulta pública antes de ser enviada para o Congresso. No entanto, ele afirmou não haver ainda um cronograma para o encaminhamento desse processo.
"Na semana passada conversei com o ex-ministro Franklin sobre isso e ele quis me entregar o anteprojeto, mas pedi para que só me fosse enviado depois que eu chegasse aqui (no Minicom)", disse o ministro. Ele ressaltou que o novo marco deve privilegiar a pluralidade e a diversidade na comunicação, como prevê o texto constitucional.
Sobre o funcionamento da radiodifusão brasileiro, Paulo Bernardo pouco falou em sua posse. Mas fez questão de frisar nesse tema a importância das rádios comunitárias. Não adiantou nenhuma ação específica, mas afirmou que pretende fortalecer esses veículos.
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O recém-empossado governo da presidenta Dilma Rousseff demonstrou mais uma vez que a expansão e melhoria da internet em alta velocidade será prioridade de sua gestão. Em seu discurso de posse realizado nesta segunda-feira (3), o novo ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, destacou que será feito um esforço para acelerar o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL), lançado no ano passado. Outro tema fundamental para o Ministério das Comunicações (Minicom) será a reestruturação dos Correios, como adiantou este Observatório.
Um dos principais recursos que o governo deve lançar mão será o de reduzir impostos que incidem sobre equipamentos e serviços de telecomunicações a fim de forçar as empresas prestadoras a diminuir o preço de seus serviços. A concretização dessa ideia começou a ser feita no governo Lula. No último dia de 2010 foi publicada a Medida Provisória (MP) nº 517 que prevê dois benefícios fiscais para o setor.
O primeiro estende o benefício do programa Computador para Todos para os modems (para acesso móvel). Esses equipamentos agora estão isentos de PIS e Cofins, que equivalem a 9,25% de seu preço de venda. Assim, o governo pretende ajudar os estados a baixar também o ICMS e possibilitar diminuição dos preços cobrados pelo serviço atualmente. O segundo benefício fiscal presente na MP 517/2010 visa ampliar o estímulo aos bens de telecomunicação desenvolvidos no país. Para esses, haverá a desoneração total do IPI.
Paulo Bernardo, que é bancário e ocupou vários cargos ligados à área econômica em sua vida pública, também informou que a equipe do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) está mapeando a cadeia produtiva do setor de comunicações para melhorar as condições de produção do que é feito no país e estimular o aumento da produção nacional.
Tudo leva a crer que essa política de desoneração e incentivo à produção nacional deverá ser ponto forte da gestão de Paulo Bernardo. Esse discurso vai de encontro às exigências dos empresários do setor de telecomunicações, que dizem que os altos preços praticados no país são decorrência dos impostos. No entanto, o ministro já disse publicamente que não acredita que o valor das tarifas brasileiras são derivadas apenas da alta carga tributária, fazendo uma crítica aberta a atuação das teles no país.
Por isso, o PNBL conta também com outras formas de massificar o acesso à internet. A utilização de uma rede estatal gerenciada pela Telebrás é a maior delas. “A reestruturação da Telebras deve ser entendida como um reforço a capacidade de operação não apenas das pequenas e médias operadoras, mas também das grandes, em particular as concessionárias”, disse Paulo Bernardo, em sua posse.
Além de ser o novo centro gerenciador do PNBL, ao lado da Telebrás, o Minicom também vai centralizar a política de inclusão digital do governo. O novo ministro anunciou que uma secretaria será criada ainda este mês com este fim. Não se sabe, porém, quem ocupará a coordenação do novo órgão. No entanto, os assuntos relativos ao PNBL devem mesmo ficar por conta do ministro em conjunto com César Alvarez, que agora ocupa a função de secretário-executivo do Minicom. No governo Lula, Alvarez era assessor especial da Presidência da República.
Plano de Metas
Uma tarefa urgente que o ministro herda do último governo é a negociação com as operadoras do Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU III). O Plano era para ter sido fechado até o fim do ano passado, mas não foi devido a não aceitação das metas por parte das teles. O novo prazo para assinatura dos novos contratos com as operadoras é 2 de maio.
Sobre o assunto, o ministro afirmou que fará novas rodadas de conversas com as teles. Apesar de não adiantar sua posição sobre as exigências das empresas, Paulo Bernardo deu a entender que aceita rever algumas das metas estipuladas pelo governo em troca de uma participação mais ativa das teles no PNBL. Ele usou como exemplo a troca de metas realizadas em 2008, quando o governo deixou de exigir das operadoras a construção de Postos de Serviços de Telecomunicações (PSTs) para que elas aumentassem a rede de acesso à internet (backhaul).
Esse seria um precedente que contrapõe o argumento usado pelas teles para tentar emperrar o PGMU III de que o serviço de banda larga (de regime privado) não pode estar sucetível as metas do Plano, que só poderia criá-las para serviços públicos, no caso, a telefonia fixa. “É preciso preservar o equilíbrio econômico e financeiro dos contratos sem nos omitirmos de discutir metas com base no interesse público”, afirmou Paulo Bernardo. As teles chegaram a entrar na Justiça contra o governo, mas retiraram a Ação que moviam.
Inclusão
O Minicom também não deve elaborar nenhuma nova política em relação ao uso do Fundo de Universalização de Serviços de Telecomunicações (Fust). As fichas do governo para a mudança do Fundo, que hoje é praticamente inutilizado e tem cerca de R$ 8 bilhões em caixa, continuam sendo apostadas na aprovação do Projeto de Lei nº 1.481/2007, do ex-senador Aloizio Mercadante. Ele prevê que o dinheiro arrecadado poderá ser usado para levar banda larga às escolas e também para utilização de estados e municípios.
Os dados demonstram que a inclusão digital deve mesmo ser tratada com urgência. De acordo com pesquisa do Comitê Gestor da Internet no Brasil, 55% da população ainda não tinha acessado a internet ao final de 2009. Enquanto 85% das pessoas da classe A utilizavam internet com frequência, apenas 17% das pessoas da classes D e E usaram o serviço. As velocidades de banda eram inferiores a 1 megabit em 90% dos casos.
Segundo o presidente da Telebrás, Rogério Santanna, a meta do PNBL é baixar em cerca de 70% o preço médio cobrado pela internet, e até 2014 – ano da Copa do Mundo no Brasil – disponibilizar a oferta do serviço a 88% da população (4.278 municípios). O valor médio estipulado como meta é de R$ 30 por até 1 megabit por segundo.
Correios
Outro destaque feito por Paulo Bernardo foi em relação aos Correios. “A empresa é uma das mais admiradas do país. Queremos garantir que isso continue”, disse. O ministro garantiu que a primeira medida a ser tomada na empresa é a realização de um concurso público. Não disse quando, mas ressaltou a urgência da ação. “Também temos alguns temas que precisam ser resolvidos, como a licitação do transporte aéreo e a negociação para completar a licitação das franquias”, citou.
Apesar de elogiar a imagem da empresa, Paulo Bernardo já trocou quase toda a diretoria dos Correios. O novo presidente da instituição é Wagner Pinheiro, até então presidente do fundo de pensão da Petrobras, o Petros. A equipe do Minicom ainda está sendo montada. Além de César Alvarez, na Secretaria Executiva, tomou posse na Secretaria de Comunicação Eletrônica Genildo Lins de Albuquerque Neto, até então chefe de gabinete de Paulo Bernardo no Ministério do Planejamento.
Marco regulatório
O ministro também falou na tarde desta segunda-feira que a proposta de revisão do marco regulatório das comunicações, até então centralizada pelo ex-ministro Franklin Martins, deve passar por um processo de consulta pública antes de ser enviada para o Congresso. No entanto, ele afirmou não haver ainda um cronograma para o encaminhamento desse processo.
"Na semana passada conversei com o ex-ministro Franklin sobre isso e ele quis me entregar o anteprojeto, mas pedi para que só me fosse enviado depois que eu chegasse aqui (no Minicom)", disse o ministro. Ele ressaltou que o novo marco deve privilegiar a pluralidade e a diversidade na comunicação, como prevê o texto constitucional.
Sobre o funcionamento da radiodifusão brasileiro, Paulo Bernardo pouco falou em sua posse. Mas fez questão de frisar nesse tema a importância das rádios comunitárias. Não adiantou nenhuma ação específica, mas afirmou que pretende fortalecer esses veículos.
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Marcela Temer e os preconceitos machistas
Reproduzo artigo de Marcelo Semer, intitulado "Reduzir preconceito de gênero não é tarefa fácil para Dilma", publicado no portal Terra Magazine:
Dia primeiro de janeiro de 2011, o país assistiu a cena até então inédita: uma mulher recebendo a faixa de presidente da República e passando em revista as tropas militares.
Enquanto o Brasil parava para ouvir o discurso de Dilma, parte dos twitteiros que acompanhavam plugados à cerimônia se deliciava fazendo comentários irônicos e maldosos sobre a primeira vice-dama, Marcela Temer.
Loira, jovem e ex-miss, a esposa de Michel Temer virou imediatamente um trending topic.
Foi chamada de paquita, diminuída a seus atributos físicos e acusada de dar o golpe do baú no marido poderoso e provecto. Tudo baseado na consolidação de um enorme estereótipo: diante da diferença de idade que supera quatro décadas e uma distância descomunal de poder, influência e cultura, só poderia mesmo haver interesses.
Essa é uma pequena mostra do quanto Dilma deve sofrer para romper as barreiras atávicas do preconceito de gênero, ainda impregnadas na sociedade.
Se não fosse justamente pela superação dos estereótipos, aliás, Dilma jamais teria chegado aonde chegou.
Mulher. Divorciada. Guerrilheira. Ex-prisioneira. Quem diria que seria eleita para ser a chefe das Forças Armadas?
Superar estereótipos é o primeiro passo para romper preconceitos.
O exemplo de Lula mostrou, todavia, como sua tarefa não será fácil.
O país aprendeu a conviver com a sapiência de um iletrado retirante, mas os preconceitos regionais e o ódio de classe não se esvaziaram tão facilmente. A avalanche das "mensagens assassinas", twitteiros implorando por um "atirador de elite" na posse, só comprova o resultado alcançado pelo terrorismo eleitoral.
Dilma sabe dos obstáculos a vencer e é por este motivo que iniciou seu discurso enfatizando o caráter histórico do momento que o país vivia, fazendo-se de exemplo para "que todas as mulheres brasileiras sintam o orgulho e a alegria de ser mulher".
Em dois discursos recheados de assertivas e recados, não faltou uma lembrança emocionada a seus companheiros de luta contra a ditadura, que tombaram pelo caminho.
Mais tarde, receberia pessoalmente suas ex-colegas de prisão. Não esqueceu das "adversidades mais extremas infligidas a quem teve a ousadia de enfrentar o arbítrio". Não se arrependeu da luta, justificando-se nas palavras de Guimarães Rosa: a vida sempre nos cobra coragem.
Mas, mulher, adverte Dilma, não é só coragem, é também carinho.
É essa mulher, misto de coragem e carinho, que seu exemplo espera libertar do jugo de uma perene discriminação.
Discriminação que torna desiguais as oportunidades do mercado de trabalho, que funda a ideia de submissão, e que avoluma diariamente vítimas de violência doméstica, encontradas nos registros de agressões corriqueiras e no longo histórico de crimes ditos passionais, movidos na verdade por demonstrações explícitas de poder, orgulho e vaidade masculinas.
Temos um longo caminho pela frente na construção da igualdade de gênero.
Nossos tribunais de justiça são predominantemente masculinos, porque os cargos de juiz foram explícita ou implicitamente interditados às mulheres durante décadas. Houve quem justificasse o fato com as intempéries da menstruação e quem estipulasse que professora era o limite máximo para a vida profissional da mulher.
Nas guerras ou ditaduras, as mulheres além dos suplícios dos derrotados, ainda sofrem com freqüência violências sexuais, que simbolicamente representam a submissão que a vitória militar quer afirmar.
Mulheres são maioria nas visitas semanais de presos. Mas quando elas próprias são encarceradas, as filas nas penitenciárias se esvaziam. Com muito sofrimento e demora, sua luta é para garantir os direitos já conferidos a presos homens.
Sem esquecer as incontáveis mulheres de triplas jornadas, discriminadas pela condição quase servil de dona de casa, que se obrigam a cumular com suas tarefas profissionais e maternas.
Que a posse de Dilma ilumine esse horizonte ainda lúgubre de preconceito, no qual os estereótipos da mulher burra, submissa e instável, predominam na sociedade.
E que, enfim, possamos aprender, com as mulheres, a respeitar sua igualdade e suas diferenças.
Pois, como ensina Boaventura de Sousa Santos, elas, mais do que ninguém podem dizer: "Temos o direito a sermos iguais quando a diferença nos inferioriza. Temos o direito a sermos diferentes quando a igualdade nos descaracteriza".
Façamos, assim, de 2011, um ano mulher.
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Dia primeiro de janeiro de 2011, o país assistiu a cena até então inédita: uma mulher recebendo a faixa de presidente da República e passando em revista as tropas militares.
Enquanto o Brasil parava para ouvir o discurso de Dilma, parte dos twitteiros que acompanhavam plugados à cerimônia se deliciava fazendo comentários irônicos e maldosos sobre a primeira vice-dama, Marcela Temer.
Loira, jovem e ex-miss, a esposa de Michel Temer virou imediatamente um trending topic.
Foi chamada de paquita, diminuída a seus atributos físicos e acusada de dar o golpe do baú no marido poderoso e provecto. Tudo baseado na consolidação de um enorme estereótipo: diante da diferença de idade que supera quatro décadas e uma distância descomunal de poder, influência e cultura, só poderia mesmo haver interesses.
Essa é uma pequena mostra do quanto Dilma deve sofrer para romper as barreiras atávicas do preconceito de gênero, ainda impregnadas na sociedade.
Se não fosse justamente pela superação dos estereótipos, aliás, Dilma jamais teria chegado aonde chegou.
Mulher. Divorciada. Guerrilheira. Ex-prisioneira. Quem diria que seria eleita para ser a chefe das Forças Armadas?
Superar estereótipos é o primeiro passo para romper preconceitos.
O exemplo de Lula mostrou, todavia, como sua tarefa não será fácil.
O país aprendeu a conviver com a sapiência de um iletrado retirante, mas os preconceitos regionais e o ódio de classe não se esvaziaram tão facilmente. A avalanche das "mensagens assassinas", twitteiros implorando por um "atirador de elite" na posse, só comprova o resultado alcançado pelo terrorismo eleitoral.
Dilma sabe dos obstáculos a vencer e é por este motivo que iniciou seu discurso enfatizando o caráter histórico do momento que o país vivia, fazendo-se de exemplo para "que todas as mulheres brasileiras sintam o orgulho e a alegria de ser mulher".
Em dois discursos recheados de assertivas e recados, não faltou uma lembrança emocionada a seus companheiros de luta contra a ditadura, que tombaram pelo caminho.
Mais tarde, receberia pessoalmente suas ex-colegas de prisão. Não esqueceu das "adversidades mais extremas infligidas a quem teve a ousadia de enfrentar o arbítrio". Não se arrependeu da luta, justificando-se nas palavras de Guimarães Rosa: a vida sempre nos cobra coragem.
Mas, mulher, adverte Dilma, não é só coragem, é também carinho.
É essa mulher, misto de coragem e carinho, que seu exemplo espera libertar do jugo de uma perene discriminação.
Discriminação que torna desiguais as oportunidades do mercado de trabalho, que funda a ideia de submissão, e que avoluma diariamente vítimas de violência doméstica, encontradas nos registros de agressões corriqueiras e no longo histórico de crimes ditos passionais, movidos na verdade por demonstrações explícitas de poder, orgulho e vaidade masculinas.
Temos um longo caminho pela frente na construção da igualdade de gênero.
Nossos tribunais de justiça são predominantemente masculinos, porque os cargos de juiz foram explícita ou implicitamente interditados às mulheres durante décadas. Houve quem justificasse o fato com as intempéries da menstruação e quem estipulasse que professora era o limite máximo para a vida profissional da mulher.
Nas guerras ou ditaduras, as mulheres além dos suplícios dos derrotados, ainda sofrem com freqüência violências sexuais, que simbolicamente representam a submissão que a vitória militar quer afirmar.
Mulheres são maioria nas visitas semanais de presos. Mas quando elas próprias são encarceradas, as filas nas penitenciárias se esvaziam. Com muito sofrimento e demora, sua luta é para garantir os direitos já conferidos a presos homens.
Sem esquecer as incontáveis mulheres de triplas jornadas, discriminadas pela condição quase servil de dona de casa, que se obrigam a cumular com suas tarefas profissionais e maternas.
Que a posse de Dilma ilumine esse horizonte ainda lúgubre de preconceito, no qual os estereótipos da mulher burra, submissa e instável, predominam na sociedade.
E que, enfim, possamos aprender, com as mulheres, a respeitar sua igualdade e suas diferenças.
Pois, como ensina Boaventura de Sousa Santos, elas, mais do que ninguém podem dizer: "Temos o direito a sermos iguais quando a diferença nos inferioriza. Temos o direito a sermos diferentes quando a igualdade nos descaracteriza".
Façamos, assim, de 2011, um ano mulher.
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Os números da Globo: lenta decadência
Reproduzo artigo de Rodrigo Vianna, publicado no blog Escrevinhador:
Altamiro Borges, aqui, e Paulo Henrique Amorim, aqui, destacam fatos que demonstram a decadência da TV Globo.
O texto de Miro mostra que o Faustão – em crise de audiência (e de faturamento?) – demitiu a banda de músicos. E que o “Fantástico” enfrenta a pior crise de sua longa história. O Paulo Henrique relata como a audiência do “JN” encolheu em dez anos: o jornal apresentado por Bonner perdeu um de cada quatro telespectadores de 2000 para 2010 – são números oficiais do IBOPE.
São fatos. Não é bom brigar com eles. Mas é bom analisar esse proceso com cautela.
Quando entrei na TV Globo, em 95, o “JN” dava quase 50 pontos de audiência. Era massacrante. O “Globo Repórter” dava perto de 40 pontos.
Em 2005/2006, quando eu estava prestes a sair da emissora, o “JN” já tinha caído pra casa dos 36 ou 37 pontos (havia dias em que o jornal local conseguia mais audiência do que o principal jornal da casa) e o “Globo Repórter” se segurava em torno de 30 ou 32 pontos (programa que desse menos de 30 abria crise, era preciso sustentar a marca dos 30).
Esse tempo ficou pra trás. O “JN” já caiu pra menos de 30 pontos. E o Globo Repórter hoje patina em 24 ou 25 – dizem-me.
O “Jornal da Record” dobrou de audiência. Em São Paulo chega a 10 pontos, em outros Estados passa dos 12 ou 13. Nas manhãs, a Globo e a Record (com o SBT um pouco atrás) brigam pau a pau. E a Record vence em muitos horários matutinos, há meses. Aos domingos, a Globo também sofre. A grande jóia da coroa da emissora carioca é o horário nobre durante a semana: novelas+JN. Nesse caso, os números revelam que o domínio da Globo se reduz, ainda que de forma lenta.
Muita gente espera o dia em que a Globo vai passar por uma hecatombe e deixará de ser a Globo. Acredito que isso não vai acontecer: a queda será lenta, negociada, chorada…
A Globo poderia ter quebrado ali pelo ano 2000. No primeiro governo FHC, Marluce (então diretora geral) tivera duas idéias “brilhantes”: tomar dinheiro emprestado, em dólar, para capitalizar a empresa de TV a cabo do grupo; e centralizar as operações numa “holding”. Ela acreditou nas previsões do Gustavo Franco e da Miriam Leitão, de que o Real valeria um dólar para todo o sempre! Passada a reeleição de FHC, em 98, o Brasil quebrou, veio a crise cambial e a Globo ficou pendurada numa dívida em dólar que (de uma semana pra outra) triplicou.
A dívida era da TV a cabo mas, como Marluce e os geniais irmãos Marinho tinham centralizado as operações na holding, contaminou todo o grupo. A Globo entrou em “default”. Quebrou tecnicamente. Poderia ter virado uma Varig. Mas conseguiu (sabe-se lá com quais acordos e pressões políticas) equalizar a dívida.
Quando saiu da crise, em meados do primeiro mandato de Lula, a Globo (o jornalismo) estava já sob os auspícios de Ali Kamel – o Ratzinger. Ele conduziu a empresa para a direita: contra as cotas nas universidades, contras as políticas de combate ao racismo (“Não somos racistas”, diz), contra o Bolsa-Família. O grande público não percebe isso de forma racional. Mas (mesmo que de forma despolitizada) sente que a Globo ficou contra todos os avanços sociais dos últimos 8 anos. Lentamente, foi-se criando uma antipatia no público. Ouve-se por aí: a Globo não fica do lado do povão.
Não é à toa que um fenômeno novo surge nas grandes cidades, como São Paulo. Nas padarias, restaurantes populares, pontos de táxi, era comum ver televisores ligados sempre na Globo. Isso há 7 ou 8 anos. Acabou. De manhã, especialmente, a programação da Record e do SBT (e às vezes também dos canais a cabo) entra nas padarias, ocupa os lugares públicos.
Essa é uma mudança simbólica.
Mas é bom não brigar com outro fato: boa parte do público segue a ter admiração e carinho pela progamação da Globo. E há motivos pra isso, entre eles a qualidade técnica. A iluminação, a textura da imagem, o cuidado com o bom acabamento. Tudo isso a Globo conseguiu manter – apesar de muitos tropeços aqui e ali.
Fora isso, apesar de toda crítica que façamos (e eu aqui faço muito) ao jornalismo global, é bom não esquecer que na TV da família Marinho há sim ótimos profissionais, gente séria que tenta (e muitas vezes consegue) fazer bom jornalismo.
Esse capital – qualidade técnica – a turma do Jardim Botânico tem conseguido manter. O que não ajuda: a política editorial, adotada por exemplo durante a posse de Dilma. Ironias desmedidas, falta de compreensão do momento histórico e uma arrogância de quem se acha no direito de “ensinar” como Dilma deve governar. A seguir nessa toada, a decadência será mais rápida…
E o que mais pode entornar o caldo por lá? Grana.
A Globo tem custos altíssimos de produção. Quem conhece de perto o Projac diz que aquilo é uma fábrica de boas novelas e minisséries, mas também uma fábrica de desperdício. Empresa familiar, que cresceu demais. Cada naco dominado por um diretor, como se fosse um feudo. Até hoje a Globo conseguiu manter essa estrutura porque ficava com uma porção gigante das verbas públicas de publicidade (isso mudou com Lula/Franklin) e com uma porção enorme da publicidade privada: o BV – bônus em que a agência é “premiada” pela Globo se concentrar seus anúncios na emissora – explica em parte essa “mágica”; outra explicação é que a Globo detem (detinha!?) de fato fatia avassaladora da audiência.
Com menos audiência, as agências (ou as empresas anunciantes, através das agências) podem pressionar para que o valor dos anúncios caia. Se isso acontecer, a Globo vai virar um elefante branco. Impossível manter aquela estrutura verticalizada se a grana encurtar.
Qual o limite que a Globo suporta? Difícil saber. Mas a dispensa da banda do Faustão é um indicador de que a água pode estar subindo rápido.
Outro problema sério: o risco de perder a transmissão do futebol, ou de ter que pagar caro demais para mantê-lo.
Tudo isso está no horizonte. E mais: a entrada das teles no jogo. O Grupo Telefônica, por exemplo, fatura dez vezes mais que a Globo. Como concorrer? Só com regulação do mercado, assegurando nacos para os proprietários nacionais.
Ou seja: a Globo – que é contra a regulamentação (“censura”, eles bradam) por princípio – vai ter que pedir água, vai ter que negociar alguma regulação pra conter os estrangeiros. E aí pode entrar também a regulação que interessa à sociedade: critérios para concessões, e também para evitar o lixo eletrônico e os abusos generalizados na TV. Regulação, como em qualquer país civilizado. Até aqui a Globo tentou barrar esse debate. Mas vai ter que aceitá-lo agora, porque ficou mais frágil.
De minha parte, não torço pra que aconteça nenhuma “hecatombe”, nem que a Globo quebre. Mas para que fique menos forte, e que o mercado se divida.
Parece que é isso que está pra acontecer. Seria saudável para o Brasil.
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Altamiro Borges, aqui, e Paulo Henrique Amorim, aqui, destacam fatos que demonstram a decadência da TV Globo.
O texto de Miro mostra que o Faustão – em crise de audiência (e de faturamento?) – demitiu a banda de músicos. E que o “Fantástico” enfrenta a pior crise de sua longa história. O Paulo Henrique relata como a audiência do “JN” encolheu em dez anos: o jornal apresentado por Bonner perdeu um de cada quatro telespectadores de 2000 para 2010 – são números oficiais do IBOPE.
São fatos. Não é bom brigar com eles. Mas é bom analisar esse proceso com cautela.
Quando entrei na TV Globo, em 95, o “JN” dava quase 50 pontos de audiência. Era massacrante. O “Globo Repórter” dava perto de 40 pontos.
Em 2005/2006, quando eu estava prestes a sair da emissora, o “JN” já tinha caído pra casa dos 36 ou 37 pontos (havia dias em que o jornal local conseguia mais audiência do que o principal jornal da casa) e o “Globo Repórter” se segurava em torno de 30 ou 32 pontos (programa que desse menos de 30 abria crise, era preciso sustentar a marca dos 30).
Esse tempo ficou pra trás. O “JN” já caiu pra menos de 30 pontos. E o Globo Repórter hoje patina em 24 ou 25 – dizem-me.
O “Jornal da Record” dobrou de audiência. Em São Paulo chega a 10 pontos, em outros Estados passa dos 12 ou 13. Nas manhãs, a Globo e a Record (com o SBT um pouco atrás) brigam pau a pau. E a Record vence em muitos horários matutinos, há meses. Aos domingos, a Globo também sofre. A grande jóia da coroa da emissora carioca é o horário nobre durante a semana: novelas+JN. Nesse caso, os números revelam que o domínio da Globo se reduz, ainda que de forma lenta.
Muita gente espera o dia em que a Globo vai passar por uma hecatombe e deixará de ser a Globo. Acredito que isso não vai acontecer: a queda será lenta, negociada, chorada…
A Globo poderia ter quebrado ali pelo ano 2000. No primeiro governo FHC, Marluce (então diretora geral) tivera duas idéias “brilhantes”: tomar dinheiro emprestado, em dólar, para capitalizar a empresa de TV a cabo do grupo; e centralizar as operações numa “holding”. Ela acreditou nas previsões do Gustavo Franco e da Miriam Leitão, de que o Real valeria um dólar para todo o sempre! Passada a reeleição de FHC, em 98, o Brasil quebrou, veio a crise cambial e a Globo ficou pendurada numa dívida em dólar que (de uma semana pra outra) triplicou.
A dívida era da TV a cabo mas, como Marluce e os geniais irmãos Marinho tinham centralizado as operações na holding, contaminou todo o grupo. A Globo entrou em “default”. Quebrou tecnicamente. Poderia ter virado uma Varig. Mas conseguiu (sabe-se lá com quais acordos e pressões políticas) equalizar a dívida.
Quando saiu da crise, em meados do primeiro mandato de Lula, a Globo (o jornalismo) estava já sob os auspícios de Ali Kamel – o Ratzinger. Ele conduziu a empresa para a direita: contra as cotas nas universidades, contras as políticas de combate ao racismo (“Não somos racistas”, diz), contra o Bolsa-Família. O grande público não percebe isso de forma racional. Mas (mesmo que de forma despolitizada) sente que a Globo ficou contra todos os avanços sociais dos últimos 8 anos. Lentamente, foi-se criando uma antipatia no público. Ouve-se por aí: a Globo não fica do lado do povão.
Não é à toa que um fenômeno novo surge nas grandes cidades, como São Paulo. Nas padarias, restaurantes populares, pontos de táxi, era comum ver televisores ligados sempre na Globo. Isso há 7 ou 8 anos. Acabou. De manhã, especialmente, a programação da Record e do SBT (e às vezes também dos canais a cabo) entra nas padarias, ocupa os lugares públicos.
Essa é uma mudança simbólica.
Mas é bom não brigar com outro fato: boa parte do público segue a ter admiração e carinho pela progamação da Globo. E há motivos pra isso, entre eles a qualidade técnica. A iluminação, a textura da imagem, o cuidado com o bom acabamento. Tudo isso a Globo conseguiu manter – apesar de muitos tropeços aqui e ali.
Fora isso, apesar de toda crítica que façamos (e eu aqui faço muito) ao jornalismo global, é bom não esquecer que na TV da família Marinho há sim ótimos profissionais, gente séria que tenta (e muitas vezes consegue) fazer bom jornalismo.
Esse capital – qualidade técnica – a turma do Jardim Botânico tem conseguido manter. O que não ajuda: a política editorial, adotada por exemplo durante a posse de Dilma. Ironias desmedidas, falta de compreensão do momento histórico e uma arrogância de quem se acha no direito de “ensinar” como Dilma deve governar. A seguir nessa toada, a decadência será mais rápida…
E o que mais pode entornar o caldo por lá? Grana.
A Globo tem custos altíssimos de produção. Quem conhece de perto o Projac diz que aquilo é uma fábrica de boas novelas e minisséries, mas também uma fábrica de desperdício. Empresa familiar, que cresceu demais. Cada naco dominado por um diretor, como se fosse um feudo. Até hoje a Globo conseguiu manter essa estrutura porque ficava com uma porção gigante das verbas públicas de publicidade (isso mudou com Lula/Franklin) e com uma porção enorme da publicidade privada: o BV – bônus em que a agência é “premiada” pela Globo se concentrar seus anúncios na emissora – explica em parte essa “mágica”; outra explicação é que a Globo detem (detinha!?) de fato fatia avassaladora da audiência.
Com menos audiência, as agências (ou as empresas anunciantes, através das agências) podem pressionar para que o valor dos anúncios caia. Se isso acontecer, a Globo vai virar um elefante branco. Impossível manter aquela estrutura verticalizada se a grana encurtar.
Qual o limite que a Globo suporta? Difícil saber. Mas a dispensa da banda do Faustão é um indicador de que a água pode estar subindo rápido.
Outro problema sério: o risco de perder a transmissão do futebol, ou de ter que pagar caro demais para mantê-lo.
Tudo isso está no horizonte. E mais: a entrada das teles no jogo. O Grupo Telefônica, por exemplo, fatura dez vezes mais que a Globo. Como concorrer? Só com regulação do mercado, assegurando nacos para os proprietários nacionais.
Ou seja: a Globo – que é contra a regulamentação (“censura”, eles bradam) por princípio – vai ter que pedir água, vai ter que negociar alguma regulação pra conter os estrangeiros. E aí pode entrar também a regulação que interessa à sociedade: critérios para concessões, e também para evitar o lixo eletrônico e os abusos generalizados na TV. Regulação, como em qualquer país civilizado. Até aqui a Globo tentou barrar esse debate. Mas vai ter que aceitá-lo agora, porque ficou mais frágil.
De minha parte, não torço pra que aconteça nenhuma “hecatombe”, nem que a Globo quebre. Mas para que fique menos forte, e que o mercado se divida.
Parece que é isso que está pra acontecer. Seria saudável para o Brasil.
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Com eleição e Copa, JN da TV Globo desaba
Reproduzo artigo de Paulo Henrique Amorim, publicado no blog Conversa Afiada:
Saiu na Folha, seção “Ilustrada”, pág. E8:
“JN perde um de cada quatro espectadores”
“O ‘Jornal Nacional’ (Globo) fechou 2010 com a pior audiência de sua história.”
“Encerrou 2010 com média de 29,8 pontos e 49,3% de share, uma queda de 24% (ênfase minha) de audiência em relação a 2000: perdendo um de cada quatro espectadores”.
*****
Como se sabe, o ano de 2010 teve Copa – exclusividade do “Cala a Boca, Galvão”, que tem o poder de derrubar e escalar o técnico da seleção.
E teve eleição – onde a Globo não exerce mais o monopólio.
Copa e eleição são puxadores de audiência.
Não adiantou nada.
O carisma e a isenção do Casal 45 (especialmente quando entrevistam candidatos trabalhistas) não conseguiram salvar a pátria.
Muito contribuiu para o naufrágio a iluminada gestão do Ali Kamel, o mais poderoso diretor de jornalismo da História da Globo.
Kamel levou para o jn um padrão de isenção, objetividade, qualidade e inovação que seria inevitavelmente recompensado.
Sobretudo o aspecto da inovação.
Kamel consegue a proeza de fazer o mesmo jornal nacional que o Armando Nogueira fazia nos anos 60, com uma diferença: Armando não tinha computador.
(Outra diferença: o jn do Armando tinha humor, um sorriso nos lábios, especialmente nas reportagens que antecediam o “boa noite” do Cid Moreira. Hoje, o jn tem o senso de humor do Cerra. Uma questão de contágio.)
Numa empresa privada, a queda de 24% – um em cada quatro clientes – significaria demissão.
Mas, como já disse esse ordinário blogueiro, a Globo não é uma empresa propriamente capitalista: é uma prisão de segurança máxima.
Você tem todo o conforto, televisão no quarto, geladeira, passeio no sol, visita íntima, comida de primeira, todas as regalias: só não pode sair de lá.
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Saiu na Folha, seção “Ilustrada”, pág. E8:
“JN perde um de cada quatro espectadores”
“O ‘Jornal Nacional’ (Globo) fechou 2010 com a pior audiência de sua história.”
“Encerrou 2010 com média de 29,8 pontos e 49,3% de share, uma queda de 24% (ênfase minha) de audiência em relação a 2000: perdendo um de cada quatro espectadores”.
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Como se sabe, o ano de 2010 teve Copa – exclusividade do “Cala a Boca, Galvão”, que tem o poder de derrubar e escalar o técnico da seleção.
E teve eleição – onde a Globo não exerce mais o monopólio.
Copa e eleição são puxadores de audiência.
Não adiantou nada.
O carisma e a isenção do Casal 45 (especialmente quando entrevistam candidatos trabalhistas) não conseguiram salvar a pátria.
Muito contribuiu para o naufrágio a iluminada gestão do Ali Kamel, o mais poderoso diretor de jornalismo da História da Globo.
Kamel levou para o jn um padrão de isenção, objetividade, qualidade e inovação que seria inevitavelmente recompensado.
Sobretudo o aspecto da inovação.
Kamel consegue a proeza de fazer o mesmo jornal nacional que o Armando Nogueira fazia nos anos 60, com uma diferença: Armando não tinha computador.
(Outra diferença: o jn do Armando tinha humor, um sorriso nos lábios, especialmente nas reportagens que antecediam o “boa noite” do Cid Moreira. Hoje, o jn tem o senso de humor do Cerra. Uma questão de contágio.)
Numa empresa privada, a queda de 24% – um em cada quatro clientes – significaria demissão.
Mas, como já disse esse ordinário blogueiro, a Globo não é uma empresa propriamente capitalista: é uma prisão de segurança máxima.
Você tem todo o conforto, televisão no quarto, geladeira, passeio no sol, visita íntima, comida de primeira, todas as regalias: só não pode sair de lá.
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